R.M.G. Nastari; F.B.Assumpção Jr.
12 de junho de 2006
Publicado originalmente em Arquivos Brasiuleiros de Psiquiatria, Neurologia e Saúde Mental 100(1):3-7; jan-mar 2006
PERSONALIDADE DE IRMÃOS DE PACIENTES PORTADORES DE AUTISMO
R.M.G. Nastari (*)
F.B.Assumpção Jr. (**)
(*) Psicóloga. Especialização em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências da Saúde do Instituto Brasileiro de Estudos em Homeopatia (FACIS-IBEHE)
(**) Professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia Clínica da USP (IP-USP) Endereço para correspondência: R. Otones 697; V. Clementino; São Paulo; 04025-002
RESUMO
Este foi um estudo comparativo da personalidade de irmãos saudáveis de portadores de Autismo e de Síndrome de Down. Foram estudados 2 grupos de 20 irmãos de cada um desses quadros clínicos, de ambos os sexos, com idades superiores a 14 anos e sem nenhum problema físico ou mental. Responderam à Escala de Personalidade de Comrey, composta por 100 questões, tipo “likert”, com estrutura dimensional que reflete as principais características que se supõe subjacentes ao comportamento cotidiano. Posteriormente os resultados foram analisados estatisticamente através do teste de Kruskal-Wallis de igualdade de medianas. Os dados mostraram diferenças estatisticamente significativas em 3 fatores de personalidade, concluindo-se que os irmãos de autistas são mais defensivos e desconfiados, ao passo que os de portadores de Síndrome de Down são mais descuidados, não sistemáticos, reservados e tímidos. Tais diferenças poderiam ser consideradas como dependentes da influência das próprias características da patologia em questão sobre o desenvolvimento da irmandade.
Palavras-Chave
Personalidade, autismo, síndrome de Down, irmãos
ABSTRACT
This was a comparative study of the personality of healthy siblings of Down´s syndrome and autistic patients. Two groups of 20 siblings each, of both sexes, over 14-years-old, without any physical or mental conditions, were studied. They were submitted to the Comrey Personality Scale, with 100 “likert” questions, whose dimensional structure reflects main characteristics supposed subjacent to quotidian behavior. Data were statistically analyzed through Kruskal-Wallis test. Differences statistically significant were found in 3 personality factors, with autistic patients siblings being more defensive and distrustful, while Down’s Syndrome patients siblings were more careless, non-systematic, reserved and shy. Such differences could be considered as dependent of the influence of the proper pathology characteristics on the brotherhood development.
Key-Words
Personality, autism, Down syndrome, siblings
CARACTERÍSTICAS DE PERSONALIDADE DE IRMÃOS DE PACIENTES PORTADORES DE AUTISMO
R.M.G. Nastari
F.B.Assumpção Jr.
INTRODUÇÃO
O autismo é hoje considerado como uma síndrome comportamental com etiologias múltiplas, cursando como um transtorno de desenvolvimento (Gillberg, 1990), que se caracteriza por um déficit na interação social, visualizado através da inabilidade em relacionar-se com o outro, combinado com déficits lingüísticos e de comportamento (APA, 2002).
Seu nascimento afeta diretamente a unidade familiar, atingindo os subsistemas nela envolvidos, entre eles o de irmão-irmão (Mello, 2003). Observa-se também maior ou menor capacidade adaptativa (Wintgens, 2003), e nesses relacionamentos fraternos a rivalidade pode ser considerada normal, inevitável e mesmo necessária, enquanto oportunidade de aprendizagem do conceito de partilha, caracterizado pela ambivalência de sentimentos que funcionam como propulsores desse aprendizado. Entretanto, essa rivalidade é modulada pelas características das famílias e da própria sociedade favorecendo, ou não, a construção da identidade uma vez que se estabelece, entre os irmãos, um jogo especular que gradualmente vai se diferenciando, sendo permeado muitas vezes por agressividade, rivalidade e cumplicidade. No caso da presença de problemas de desenvolvimento em um dos membros da irmandade, é possível observarmos padrões diferentes nesses comportamentos, ocasionando que a percepção dos próprios sentimentos e da disputa deles decorrentes seja, muitas vezes, imperceptível, vivenciando-se sentimentos de ciúme, inveja, raiva, superproteção, orgulho, culpa, vergonha, tristeza, preocupação, solidão e negação. Entretanto, esses sentimentos, uma vez expressos, são criticados, o que leva a irmandade a expressar sentimentos de proteção e cuidado (Ferrari, 1993).
Considerando-se esses fatos, poderíamos pensar as particularidades que diferentes tipos de transtorno de desenvolvimento ocasionam em uma irmandade. Assim, Kaminsky (2001), ao comparar relacionamentos de irmãos de portadores de Síndrome de Down com aqueles de portadores de autismo, refere que ambos os grupos apresentavam uma maior admiração por seus irmãos quando comparados a irmandades sem problemas de desenvolvimento, bem como menor competição e agressividade nos relacionamentos em questão. Assim, pode-se imaginar que irmãos de indivíduos portadores de graves transtornos de desenvolvimento são submetidos a fatores de estresse significativos e, em conseqüência, desenvolvem padrões característicos de personalidade (Randall, 1999), embora alguns autores (Pilowsky; Yirmiya, 2004) não observem diferenças marcantes entre a população de irmãos de crianças autistas e a de irmãos de crianças sem problemas de desenvolvimento. Na busca dessas características, vários estudos foram realizados, tanto envolvendo irmãos como envolvendo pais de crianças autistas, comparadas com familiares de portadores de retardo mental, entre eles de síndrome de Down (Rodrigue, 1992; Morgan, 1988).
Considerando-se essas questões, estruturamos o presente trabalho com o objetivo de verificarmos se os padrões de personalidade observados em irmãos de pessoas portadoras de autismo são similares aos padrões observados em irmãos de portadores de deficiência mental por Síndrome de Down.
MÉTODOS
Foram selecionados dois grupos de crianças. Um primeiro (Grupo A) composto por 20 irmãos de crianças diagnosticadas como portadoras de autismo conforme os critérios do DSM IV-TR (APA, 2002), de ambos os sexos, com idades entre 14 e 19 anos. O segundo grupo (Grupo B) foi composto também por 20 crianças irmãs de portadores de Síndrome de Down diagnosticada clínica e laboratorialmente, de ambos os sexos, pareados com o grupo experimental por idade, sexo e classe social (através da escala de Pelotas). Ambos os grupos não apresentavam problemas físicos ou mentais associados.
Após concordância e autorização para a avaliação, ambos os grupos foram avaliados durante o período compreendido entre dezembro de 2004 e março de 2005, através da Escala de Personalidade de Comrey (Costa; 1997). Esse instrumento corresponde a um inventário de personalidade baseado no método de autodescrição para identificação dos principais fatores de constituição do indivíduo, permitindo avaliar qualitativa e quantitativamente diferentes fatores de personalidade através de escalas específicas. É uma escala de 100 questões, tipo “likert” com estrutura dimensional que reflete as principais características que se supõe subjacentes ao comportamento cotidiano. Suas subescalas são
Escala T: confiança vs atitude defensiva;
Escala O: ordem vs falta de compulsão
Escala C: conformidade vs rebeldia
Escala A: atividade vs falta de energia
Escala S: estabilidade emocional vs instabilidade emocional
Escala E: extroversão vs introversão
Escala M: masculinidade vs feminilidade
Escala P: empatia vs egocentrismo.
Posteriormente os dados obtidos foram avaliados através do Teste de Kruskal-Wallis, alternativa não paramétrica, que pode ser usado para comparar várias amostras independentes com dados de nível ordinal (Levin, 1987)
RESULTADOS
Após a realização das avaliações obtivemos os seguintes resultados:
ESCALAS IRMÃOS DE AUTISTAS IRMÃOS DE S. DOWN
T 36,000 39,000 O 54,500 48,500 C 40,000 37,500 A 51,500 48,500 S 49,500 46,000 E 50,000 41,000 M 36,000 34,500 P 50,000 45,500
Escala T – confiança x atitude defensiva p=0,097 (*) Escala O – ordem x falta de compulsão p=0,076 (*) Escala C – conformidade social x rebeldia p=0,147 Escala A – atividade x falta de energia p=0,371 Escala S – estabilidade x instabilidade emocional p=0,560 Escala E – extroversão x introversão p=0,032 (*) Escala M – masculinidade x feminilidade p=0,787 Escala P – empatia x egocentrismo p=0,507