Artigos Científicos

RECONHECIMENTO OLFATIVO NOS TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO (TID)

Francisco B. Assumpção Jr. & Samanta Adamo

24 de janeiro de 2008

Este trabalho foi publicado na Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 65(4-B):1200-1205; 2007 

 

 

RECONHECIMENTO OLFATIVO NOS TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO (TID)

(Smell recognition in pervasive developmental disorders)

 

Francisco B. Assumpção Jr. [1]

Samanta Adamo [2]


RESUMO

Objetivo: avaliar o reconhecimento olfativo nos transtornos invasivos do desenvolvimento (TID).

Métodos: vinte e um adolescentes do sexo masculino com TID (grupo experimental) e 21 controles pareados (grupo controle) foram submetidos a um teste olfativo padronizado, consistindo em doze estímulos, em três momentos distintos: sem nenhuma sugestão quanto à identificação; associados a quatro alternativas lingüísticas para cada estímulo; e reapresentados, 25 dias após, sem alternativas lingüísticas. Avaliaram-se os resultados obtidos através de teste T e análise de variância (p=0,05).

Resultados: o grupo experimental apresentou pior desempenho que o controle. Em ambos os grupos, os acertos aumentaram após estímulo e, após 25 dias, os acertos diminuíram, mas mantiveram um nível maior que aquele observado ao momento inicial, sem estímulo (p<0,001). A diferença foi maior após 25 dias, com o grupo experimental apresentando pior memória olfativa do momento anterior (p<0,001).

Discussão: o grupo experimental apresentou menores taxas de reconhecimento, independente das pistas anteriormente fornecidas, o que sugere uma dificuldade na associação do fenômeno e seu significado semântico. Mesmo com a nomeação dos odores controlada, a diferença nas taxas de reconhecimento permanece entre os dois grupos, não apenas com padrão deficitário, mas qualitativamente alterado.

 

UNITERMOS: Transtornos globais do desenvolvimento infantil; Olfato.

 


ABSTRACT

Aim: to evaluate smell recognition in pervasive developmental disorders (PDD).

Method: Twenty-one PDD (experimental group) and 21 matched controls (control group) male adolescents were submitted to a standardized, 12-stimuli, smell battery in three moments: with no identification suggestion; associated to four linguistic alternatives for each stimulus, and submitted again, 25 days after, with no linguistic alternatives. Data was analyzed by T test and variance analysis (p=0,05).

Results: the experimental group scored worse than control group. Both groups scored better after stimuli and, after 25 days, scores lowered, but stayed higher than initially, without any stimuli (p<0,001). The gap was higher after 25 days, when the experimental group showed poorer smell memory from initial presentation (p<0,001).

Discussion: the experimental group showed lower recognition scores, unrelated to clues previously offered, which suggests a difficulty in phenomena and semantic meaning association. Even after matching odors nomination, the gap of recognition scores remains between groups, not only in a deficitary pattern, but also qualitatively disturbed.

 

KEY WORDS: Child development disorders, pervasive; Smell.

 


RECONHECIMENTO OLFATIVO NOS TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO (TID)

 

F.B.Assumpção Jr.

S.Adamo

 

INTRODUÇÃO

 

O grupo dos transtornos invasivos do desenvolvimento (TID), cuja condição mais representativa é o autismo infantil, é hoje considerado uma síndrome comportamental, de etiologia múltipla, caracterizada por déficits qualitativos na socialização, desenvolvimento da linguagem e repertório de interesses e atividades estereotipadas e repetitivas1,2, sendo que tais déficits se constituem característicos do funcionamento do sujeito, em qualquer contexto.

Sua prevalência é descrita classicamente como variando de, aproximadamente, 1 a 5 casos em cada 10.000 crianças, numa proporção de 2 a 3 homens para 1 mulher3, a 2:1.0004. Estudos mais recentes referem dados da ordem de 60:10.000, sendo a proporção de portadores de síndrome de Asperger de 3:10.0005,6. Isso torna o TID um quadro de grande impacto no estudo da Psiquiatria da Infância e da Adolescência.

No que se refere às peculiaridades de ordem sensorial, Bogdashina7 questiona se observamos, nestes grupos, disfunções ou experiências sensoriais distintas, uma vez que, mesmo considerando tais alterações como sintomas extremamente freqüentes nesses quadros (e descritos desde os anos 608), na verdade podemos imaginar, conforme refere Ayres9, que o cérebro não estaria apto a receber adequadamente as sensações provenientes do meio ambiente, integrando-as como percepções alteradas e, finalmente, também as significando de maneira inadequada, o que caracterizaria a maneira de ser autista. Isso ocasionaria uma percepção de mundo característica, a partir de sua hiper- ou hipossensibilidade aos estímulos, com a decorrente dificuldade de interpretação dos mesmos.

No entanto, as descrições de tais quadros são conflitantes, uma vez que alguns autores referem encontrar hiperreatividade, inclusive olfativa, em grande parte dessa população10, ao passo que outros11 descrevem maiores evidências apontando para uma responsividade reduzida dessa população aos estímulos sensoriais. Tais controvérsias sugerem que maior número de estudos devam ser realizados nessa área, principalmente porque os trabalhos citados se atêm, principalmente, aos estímulos visuais e auditivos, mais freqüentes na espécie humana, não se detendo na questão olfativa.

Todas as áreas sensoriais parecem estar alteradas nesses quadros, o que reforçaria a idéia da construção de um mundo próprio e característico. Assim, foi escopo deste trabalho avaliar a percepção olfativa nesses indivíduos. Isso porque a função olfativa, embora de extrema importância em muitas espécies animais, é pouco valorizada e estudada na espécie humana, principalmente diante da importância das funções visuais e auditivas para o desenvolvimento da espécie, sendo o homem capaz de distinguir diferentes odores, embora sua capacidade seja pequena frente a outras espécies animais. Mesmo assim, no manejo com indivíduos autistas, são preconizadas precauções no que se refere ao uso de substâncias odoríferas12.

O olfato é dependente do epitélio olfativo, que contém receptores neurais que projetam cílios, responsáveis pela detecção dos diferentes odores. É característica sua intensa adaptabilidade, uma vez que um odor inicialmente percebido não o é mais, momentos após13. Assim sendo, a qualidade e a intensidade da percepção olfativa depende do estado anatômico do epitélio nasal e do Sistema Nervoso, Central e Periférico14. A partir da sensação, o odor é memorizado num processo de aprendizado, sendo importante na seleção alimentar e em processos e experiências emocionais15,16. O aprendizado olfativo é relacionado diretamente às experiências individuais, podendo alterar estados afetivos e relacionar-se ao comportamento social e sexual. Assim, memórias evocadas através de odores são distintas de outras evocações, devido a sua grande potência emocional15. Com a percepção olfativa, identificamos odores, discriminando-os e, finalmente, memorizando, além de lhes dar um significado pessoal.

Considerando-se que há descrições de habilidades olfativas em alguns autistas, bem como uma intolerância a alguns odores, ou mesmo reações contraditórias a perfumes ou alimentos17, elaboramos este estudo, a respeito do processamento olfativo nesta população.

 

MÉTODOS

 

Estabeleceu-se um estudo caso-controle, no qual foram avaliados 21 adolescentes do sexo masculino, idades entre 11 e 18 anos incompletos, com o diagnóstico (segundo os critérios do DSM IV-TR18) de autismo infantil (grupo experimental), e 21 adolescentes pareados por sexo e faixa etária, provenientes de escola de ensino fundamental e médio situada na região metropolitana de São Paulo, sem condição psiquiátrica associada (grupo controle).

Todos os participantes e responsáveis legais foram esclarecidos quanto ao protocolo, tendo autorizado sua participação no mesmo. Da mesma forma, o projeto obteve a autorização do Departamento de Psicologia Clínica e do Instituto de Psicologia para sua realização.

Foi considerado critério de inclusão no grupo experimental o diagnóstico de autismo infantil (segundo os critérios do DSM IV-TR18) não associado a déficit intelectual, caracterizando-se um grupo dos chamados “autistas de alto funcionamento”19. Os critérios de exclusão foram presença de déficit intelectual (a partir da aplicação da Vineland Adaptive Behavior Scale- Survey Form)20, presença de histórico de tabagismo e/ou afecções alérgicas e/ou respiratórias, bem como outras comorbidades psiquiátricas. O grupo controle foi selecionado junto a uma escola pública de ensino fundamental e médio da região metropolitana da cidade de São Paulo, através de sorteio, respeitando-se os mesmos critérios de exclusão acima descritos.

Os adolescentes com diagnóstico de autismo de alto funcionamento foram avaliados no ambulatório do Projeto Distúrbios do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da USP (PDD do IP-USP), através de encaminhamento.

Diferentemente de estudo assemelhado10, não se observou o comportamento “cheirar” como indicativo de hiper- ou hipo-reatividade ao estímulo olfativo. Assim, ambos os grupos foram avaliados conforme teste de olfato padronizado anteriormente21, que consistia em doze estímulos, inicialmente fornecidos sem nenhuma sugestão quanto à sua identificação, observando se eram, ou não, identificados e nomeados adequadamente. Posteriormente foram fornecidas quatro alternativas lingüísticas para cada estímulo, todas especificando possíveis cheiros que se relacionassem ao apresentado. Esse passo tinha como finalidade verificar se os odores eram identificados e associados a uma das respostas, padronizadas anteriormente. Finalmente, esses mesmos estímulos foram apresentados a ambas as populações, 25 dias após, sem alternativas lingüísticas de identificação, visando avaliar a memória olfativa de longo prazo.

Os doze estímulos escolhidos (Canela, Terebentina, Limão, Café, Chocolate, Rosa, Óleo de Pinho, Menta, Abacaxi, Gasolina, Sabonete e Alho) foram preparados por farmácia de manipulação, em diluições de acordo com possibilidade de percepção e identificação e conforme a padronização já descrita anteriormente21. Para análise comparativa das idades e momentos de aplicação do teste, utilizou-se escala numérica correspondente à soma dos acertos para cada pessoa. Essa escala numérica variou de zero (nenhum acerto) a doze (acerta todos os estímulos). Calculou-se a média e desvio padrão, utilizando-se teste t para diferenças significativas entre resultados e análise de variância (ANOVA), indicado na comparação de três ou mais grupos de informações com nível de mensuração numérica com amostras independentes e/ou pareadas, e para detectar se, em médias, os grupos são diferentes. Pode-se, desta forma, testar mais de um efeito com um único modelo22. Uma vez observada significância, realizaram-se comparações múltiplas para identificar quais as diferenças significantes nesta avaliação. O nível de significância dos testes utilizados foi de 5%.

 

RESULTADOS

 

De acordo com os procedimentos adotados, encontramos os seguintes resultados, no que se refere ao processo de reconhecimento, imediato e tardio, dos estímulos olfativos apresentados aos grupos experimental e controle (Tabela I, II, III e Gráfico I).

Graficamente, podemos observar que, nas duas avaliações iniciais, o grupo experimental acompanha, de maneira deficitária, o padrão de identificação observado no grupo controle, o mesmo não se observando na terceira avaliação, que aponta uma maior discrepância, evidenciando um prejuízo significativo em relação à memória olfativa de longo prazo.

Através das comparações múltiplas, observamos que o grupo experimental apresentou respostas piores que o grupo controle, mas em ambos os grupos os acertos aumentam, entre o momento inicial, sem estímulo, e após estímulo; após 25 dias, os acertos diminuem, mas mantém um nível maior que aquele observado ao momento inicial, sem estímulo. Na interação entre os dois grupos, observamos que a diferença entre eles é maior após 25 dias. O grupo experimental tem pior memória olfativa do momento anterior (inclusive após, o que seria, o processo de aprendizado pelo estímulo lingüístico apresentado).

 

DISCUSSÃO

 

O padrão de inputs sensoriais é definido pela integridade do aparato sensorial, que tem características genéticas, e pela influência ambiental, de tipo física. Paralelamente, o padrão de redes neurais construído pelo indivíduo no decorrer de sua vida permite o processamento das informações que a ele chegam de forma que, a partir das diferenças individuais, se caracterize seu ser-no-mundo. Isso porque seus significados pessoais são construídos a partir dessas experiências e de como elas são vividas, como função do aprendizado formal e informal, a partir do seu potencial biológico (genético e ambiental). Acredita-se que, se um déficit visual proporciona modos específicos de construir a categoria espaço, alterações de processamento cognitivo de vários inputs sensoriais, inclusive olfativos, possam ocasionar padrões alterados de processamento que acarretem maneiras características de se olhar o mundo, uma vez que os dados obtidos a partir dos inputs sensoriais são armazenados de maneira organizada, embora, por sua quantidade e complexidade, vários deles sejam generalizados, para que os complexos processos que envolvem a socialização possam ser organizados. Assim, só os dados mais relevantes são selecionados em uma determinada situação, para que o indivíduo se concentre nele e o aprendizado se estabeleça. Partindo dessa premissa, a questão dos inputs, inclusive olfativos, passa a ser de grande significado no estudo dos transtornos invasivos do desenvolvimento.

Para a identificação e organização de dados, são importantes os mecanismos atencionais e de memória, que permitem um controle seletivo dos estímulos a ser considerados, bem como a preservação das informações que constituirão conteúdos relevantes em determinados contextos.

Doenças psiquiátricas, que apresentam disfunções cognitivas passíveis de alterar a estocagem e a interpretação dos estímulos, podem mostrar alterações nessa função olfativa. Como exemplo, testes realizados em indivíduos com Síndrome de Down, visando o reconhecimento e a avaliação da memória olfativa de curto prazo23, mostram alterações nessa percepção. Também pacientes com esquizofrenia mostram queda no reconhecimento olfativo quando comparados a grupo controle, tendo-se que levar em consideração sua disfunção cognitiva e suas dificuldades de atencionais24.

Em nosso estudo, os resultados obtidos nos permitem avaliar que o reconhecimento inicial dos estímulos olfativos apresenta diferenças estatisticamente significativas entre ambas as populações (média do grupo experimental = 1,5 ±1,5 e média do grupo controle = 4,1 ±1,5). Essa hipo-responsividade não difere daquela citada por Rogers e Ozonoff11, aparentando ser independente do prejuízo cognitivo global, uma vez que a população avaliada o apresentava em tarefas mais complexas, inclusive com nível de escolaridade compatível.

Na segunda aplicação, quando foram associadas pistas semânticas aos estímulos olfativos, apesar da manutenção dos padrões das respostas observadas (média do grupo experimental = 9,0 ± 2,3 e média do grupo controle = 11,2 ±0,9), caracterizou-se que o processo de aprendizado (ou a tentativa de se facilitar a associação do estímulo olfativo a um código lingüístico a ele associado) surte resultados.

Assim, os processos de memória utilizados, antes de constituir a memória permanente, que caracterizará a bagagem mnêmica decorrente dos processos de aprendizado, correspondem a uma memória de trabalho que permite a preservação da informação enquanto se processa um outro padrão mnêmico, de conservação, dentro de um aspecto modular. Assim, acreditamos que os indivíduos por nós avaliados mantiveram, temporariamente, conteúdos relevantes no contexto da avaliação dentro do campo de consciência, embora com o grupo experimental mostrando resultados significativamente piores, apesar da aplicação da Vineland Adaptive Behavior Scale- Survey Form20 excluir possíveis portadores de deficiência intelectual. Tais dados nos levaram a propor que o processamento desse padrão de informações, nesse momento, provavelmente está comprometido em função de dificuldades perceptivas e de estocagem na memória de trabalho.

            Isso pode ser melhor observado na avaliação 25 dias após, quando temos um nítido comprometimento da memória de conservação do grupo experimental, no que se refere à identificação dos odores, uma vez que, ao serem apresentados os mesmos odores sem as pistas semânticas para identificação, a população autista identificou de maneira significativamente diferente da população normal (média do grupo experimental de 3,6 ± 2,5 e média do grupo controle de 8,9 ±1,7), e sem seguir os padrões das duas avaliações anteriores, mostrando, ao contrário, que o nível de aprendizado foi significativamente menor, independentemente do processo de aprendizado a que foram submetidas quando da primeira e da segunda aplicações, mesmo se considerando que a memorização depende da familiaridade do contato com o estímulo e do aprendizado do mesmo25, fatos esses que buscamos tornar similares nos dois grupos avaliados.

Esses mecanismos de identificação e de aprendizado, a partir dos inputs sensoriais, englobam também a função executiva central, definida como a habilidade para encontrar soluções (ou estratégias) adequadas para um determinado problema, visando um objetivo futuro26, o que faz com que o indivíduo possa se envolver num comportamento próprio, autônomo e sob seu próprio controle, de forma eficaz27. A função executiva central se encontra alterada nos transtornos invasivos do desenvolvimento, e pode estar envolvida nos processos de identificação de diferentes inputs sensoriais, uma vez que ela regula o fluxo de informações, bem como recupera, da memória de estocagem, as informações que se fazem necessárias, envolvendo também uma série de habilidades, que incluem a aprendizagem, mecanismos de regras, raciocínio e mecanismos atencionais orientados para um objetivo final, previamente estabelecido.

A função executiva central depende ainda de dois outros sistemas, de fundamental importância na espécie humana, um encarregado de informações codificadas lingüisticamente (alça fonológica), e outro envolvido em procedimentos viso-espaciais (esquema viso-espacial), destinado a armazenar informações visuais e espaciais como figuras ou símbolos28. A partir dos resultados obtidos, pode-se aventar a possibilidade de um prejuízo nessa alça fonológica, o que leva a compreender a dificuldade em codificar, lingüisticamente, o estímulo apresentado, o que talvez justificasse as diferenças quando da primeira avaliação.

Considerando-se o envolvimento de todo esses processos cognitivos, pensar que a olfação, ao se encontrar comprometida em diferentes condições psiquiátricas, em sendo de extrema importância na identificação de situações diversas (inclusive de perigo), pode interferir no aprendizado e na significação dos estímulos percebidos. Entre essas condições, os transtornos invasivos do desenvolvimento, pelas características de prejuízo em funções executivas, pode ser um exemplo.

Podemos assim considerar que, embora a memória para odores comuns não seja resistente ao esquecimento29 (conforme pudemos verificar com os resultados obtidos 25 dias após a primeira aplicação), os resultados são significativamente comprometidos em indivíduos autistas, apontando para um déficit na memória permanente. O conhecimento semântico específico, decorrente do nível de familiaridade, é diretamente relacionado ao reconhecimento dos odores (observado a partir das diferenças entre a primeira e a última aplicação). No entanto, esse reconhecimento mostrou-se prejudicado entre os autistas, independentemente das pistas anteriormente fornecidas, o que parece levar a uma dificuldade na relação do fenômeno com o significado semântico. Assim, mesmo com a nomeação dos odores controlada, as diferenças no seu reconhecimento permanece entre os dois grupos, com os resultados não se estabelecendo simplesmente de maneira deficitária, mas qualitativamente diversa.

 

CONCLUSÕES

 

Podemos concluir, de maneira similar a outros autores30, que as alterações comportamentais ligadas aos estímulos olfativos e com descrições clínicas abundantes, mais do que alterações específicas de sensibilidade olfativa, parecem estar ligadas a dificuldades no processamento dos estímulos apresentados. Esses dados, entretanto, não podem ser generalizados para todos os padrões sensoriais, uma vez que resultados diversos para padrões sensoriais diferentes já foram observados31. No entanto, como ainda não existem dados psicofisiológicos consistentes que expliquem essas alterações sensoriais nos quadros autísticos11, novos estudos de maior rigor metodológico são necessários.

 

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Tabela I – Tamanho da amostra, média, mediana, valores máximo e mínimo obtidos e desvio padrão das populações estudadas após a testagem sem estímulos lingüísticos, com estímulos lingüísticos e após 25 dias sem estímulos lingüísticos.

 

 

Sem Estímulo

Com Estímulo

Sem Estímulo (após 25 dias)

 

Média

1,5

9,0

3,6

 

Mediana

1,0

9,0

3,0

AUTISTAS

Desvio-padrão

1,5

2,3

2,5

n=21

Mínimo

0

3

0

 

Máximo

5

12

8

 

N

21

21

21

 

Média

4,1

11,2

8,9

 

Mediana

4,0

11,0

9,0

SADIOS

Desvio-padrão

1,5

0,9

1,7

n=21

Mínimo

1

9

6

 

Máximo

7

12

11

AUTISTAS: grupo experimental

SADIOS: grupo controle

 


Tabela II - Significância dos resultados obtidos considerando-se grupos (experimental X controle), momentos (com estímulo, sem estímulo e após 25 dias) e a relação grupo X momento. As diferenças foram significativas em todas as situações, para p=0,05.

 

Efeito

p-value

Grupo

<0,001 *

Momento

<0,001 *

Grupo x Momento

<0,001 *

* significativo para p=0,05


Tabela III - Comparações múltiplas entre os grupos estudados (p=0,05).

 

Experimental x Controle

Significância (p)

Resultado

Sem estímulo

<0,001 *

Experimental < Controle

Com estímulo

<0,001 *

Experimental < Controle

Sem estímulo (25 dias após)

<0,001 *

Experimental < Controle

* p=0,05


Gráfico 1 – Média e desvio-padrão das populações estudadas durante os três momentos de avaliação.

 

Autistas: grupo experimental

Normais: grupo controle

Intervalo de confiança para a média: média ± 1,96

* desvio-padrão / √ (n-1)



[1] Professor Associado do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (PSC-IP-USP). Livre - Docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador do Projeto Distúrbios do Desenvolvimento (PDD) do IP-USP.

[2] Fonoaudióloga do Projeto Distúrbios do Desenvolvimento (PDD) do IP-USP.

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