Artigos Científicos

USO DE INSULINOTERAPIA NA PSIQUIATRIA INFANTIL BRASILEIRA

Francisco Baptista Assumpção Jr.; Evelyn Kuczynski

6 de outubro de 2006

Artigo publicado no Boletim de História da Psiquiatria, Jan-Jun 2006

 

USO DE INSULINOTERAPIA NA PSIQUIATRIA INFANTIL BRASILEIRA

(“Insulinotherapy in Brazilian Child Psychiatry”)

 

Francisco Baptista Assumpção Jr.*

Evelyn Kuczynski**

 

* Livre Docente em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Doutor em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica – São Paulo. Assessor técnico da área temática de Saúde Mental da Secretaria da Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo. Professor do programa de pós graduação da FACIS-IBEHE

** Pediatra. Psiquiatra da Infância e Adolescência. Doutora em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

 

RESUMO

            Os autores realizam breve revisão histórica sobre o uso da insulinoterapia em Psiquiatria, além de uma análise crítica sobre a evolução de cinco crianças submetidas a esta técnica durante seguimento na Associação de Pais e Amigos do Excepcional de São Paulo(APAE – SP), na década de 70.

 

Palavras-chave: insulinoterapia; Psiquiatria Infantil; História da Psiquiatria.

 

SUMMARY

            The authors realize a brief historical review about insulinotherapy in Psychiatry, as well as critically analyse the evolution of five children submitted to this procedure during treatment in the Association of Parents and Friends of Mentally Handicapped of São Paulo, on the seventies.

 

Keywords: insulinotherapy; Child Psychiatry; History of Psychiatry.

 

 

 

 

                                                            RESUMEN

            Los autores hacen una pequeña revisión acerca de la utilización de la insulinoterapia en Psiquiatria y hacen también una análisis sobre la evolución de 5 niños submetidos a eso en la Asociación de Padres y Amigos de los Excepcionales de São Paulo en los años 70.

 

Palabras llave: Psiquiatria Infantil, História de la Psiquiatria

 

Total de páginas: 7 (sete).


 

USO DE INSULINOTERAPIA NA PSIQUIATRIA INFANTIL BRASILEIRA

 

Francisco Baptista Assumpção Jr.*

Evelyn Kuczynski**

 

A insulina era utilizada, em Psiquiatria, para enfermos agitados e em casos de delirium tremens, antes que Sakel, Schuster, Steck e Klemperer a empregassem. Era utilizada também no combate à sitiofobia, embora a dose para esses tratamentos fosse pequena, só se produzindo uma ligeira hipoglicemia, considerando-se o coma perigoso e injustificado, sendo evitado6. Da mesma maneira, o sub-schock insulínico foi utilizado para o tratamento da anorexia nervosa, mesmo essa sendo considerada como associada a situações conflituais pronunciadas e a problemas emocionais, com as dosagens para esse tipo de tratamento sendo significativamente menores que as propostas para o choque insulínico3.

Em 1933, Meduna, contemporâneo de Sakel, passou a tratar pacientes diagnosticados como esquizofrênicos através de convulsões quimicamente induzidas, a partir da suposição de que aqueles que possuíssem epilepsia não desenvolviam esquizofrenia. Sob a mesma ótica, em 1937, Cerletti e Bini introduziam a eletroconvulsoterapia, e Fiamberti utilizava as primeiras aplicações de acetilcolina como agente terapêutico na esquizofrenia2 . Em 193210 e 193313, Sakel descreve e publica um novo tratamento para esquizofrenia, aplicado em paciente excitado e confuso que se recusava a comer4, embora já houvesse, anteriormente, preconizado a utilização do choque insulínico no tratamento de diferentes doenças nervosas12. Diferentemente da insulina, a utilização de acetilcolina não tinha como objetivo provocar especificamente convulsões, uma vez que, acreditava-se, a “borrasca vascular” por ela causada fosse a responsável pela melhoria dos quadros, diferentemente do que era proposto através de outras terapêuticas convulsivantes2.

O método da insulinoterapia consistia em se provocar comas, através da administração de doses crescentes de insulina, interrompidos pelo aporte de açúcar. Esses comas se mostravam benéficos para pacientes esquizofrênicos10, acreditando-se que esse método induzia um processo de regressão neurológica e psicológica com flutuação de consciência. A variabilidade na resposta individual à ele era bastante conhecida, sendo designada por insulino-resistência, muitas vezes com ausência do episódio comatoso, mesmo quando a dosagem atingia de 300 (resistência relativa) a 600 unidades (resistência absoluta)14.

Nos anos subseqüentes à sua descrição, o método se espalha por toda a Europa e Estados Unidos, com a descrição de resultados positivos em diversos serviços. Várias possibilidades teóricas foram aventadas para explicar os possíveis mecanismos de ação do processo terapêutico, sendo a idéia de Sakel a de que o coma insulínico provocaria estimulação do estoque de glicogênio, possibilitando às células nervosas proteção dos produtos tóxicos, idéia essa coerente com o conceito de autointoxicação, então em voga4. Trabalhos americanos da década de 40 demonstravam uma maior eficácia do choque insulínico em relação à eletroconvulsoterapia, quando aplicada em esquizofrênicos paranóides e catatônicos7, embora os estudos fossem sempre vinculados à sua utilização com a população adulta.

            Em 1950, Sakel12 refere como sua indicação principal as psicoses maiores, reportando cerca de 86% de curas em pacientes esquizofrênicos, e manifestando sua preocupação com o fato de que “...a influência da inutilidade cada vez mais manifesta do tratamento por eletrochoque na esquizofrenia possa fazer com que todas as terapêuticas de choque sejam abandonadas para as psicoses maiores, o que faria a Psiquiatria retornar a, pelo menos, cinqüenta anos antes”. Em 1967, embora já raramente praticada em função dos riscos que apresentava, a cura de Sakel ainda era descrita como sendo passível de ser utilizada nas formas deficitárias de esquizofrenia resistentes a utilização de neurolépticos5.

A técnica parecia ser mais efetiva em casos agudos que crônicos; porém, a dificuldade em sua execução, bem como as incertezas relativas aos seus fundamentos, levaram gradativamente ao seu abandono, mesmo com a continuidade da utilização da eletroconvulsoterapia13. Sua aplicação em crianças, embora rara, foi descrita como um dos tratamentos utilizados no Hospital de Neuropsiquiatria Infantil de Belo Horizonte – MG (HNPI), durante o período de 1949-1971, com sua utilização em 7 casos durante o período citado, embora se refira que a diminuição em sua utilização tenha se devido à “nova mentalidade que tenta a formação de uma comunidade terapêutica, e de um trabalho integrado de equipe, visando um melhor entrosamento do paciente com o hospital”9, caracterizando uma nova época no pensamento psiquiátrico brasileiro. Mesmo assim, Krynski8 cita que “...embora raramente, esta terapêutica (a insulinoterapia) é ainda utilizada em determinados problemas da infância e especialmente adolescência”.

Dessa maneira, pouquíssimas foram as tentativas de sua utilização na população infantil, sendo possível encontrar a descrição da utilização de convulsoterapia por intermédio de acetilcolina  em pacientes portadores de esquizofrenia com 16 anos de idade2, mas não a descrição específica da utilização da cura de Sakel em pacientes com menor idade. Por essa razão, acreditamos oportuna esta narrativa que, de certa maneira, se assemelha a da utilização da lobotomia pré frontal em crianças, também no Brasil1.

            A experiência apresentada teve lugar na “Casa de Estar” do Centro de Habilitação da APAE-SP, durante os anos de 1973 a 1975, já portanto em um momento histórico no qual transformava-se de modo bastante intenso, o pensamento psiquiátrico. Sob a direção do Prof. S. Krynski, foi utilizada em cinco pacientes, sendo quatro do sexo masculino e um do sexo feminino. Esse fato retrata algumas características da nossa Psiquiatria, uma vez que relata-se4 o questionamento da técnica a partir dos anos 50, em que pese a afirmação de Sakel12 de 1950.

O setor onde se realizava o processo terapêutico consistia em uma pequena enfermaria, cuidada por equipe multidisciplinar (já fruto do novo momento psiquiátrico), na qual se incluíam pediatra, neurologista, psiquiatra, psicóloga, assistente social, pedagoga, terapeuta ocupacional e enfermagem, e tinha por finalidade o diagnóstico e a terapêutica de quadros considerados de difícil abordagem e esclarecimento. Assim, diferentes patologias relacionadas à Psiquiatria da Infância e da Adolescência eram ali internadas, razão pela qual essa abordagem terapêutica pôde ser levada a cabo.

Para a aplicação da técnica, foram escolhidas crianças com idade maior do que 9-10 anos de idade e diagnóstico de esquizofrenia infantil, dentro do conceito de perda de funções adquiridas, alterações de contato interpessoal, de pensamento e de linguagem com o aparecimento de ecolalia e pensamento incoerente, bem como diminuição notória da afetividade e do pragmatismo. Essa crianças não haviam se beneficiado com a abordagem medicamentosa e multidisciplinar possíveis na época, não apresentando melhora em sua sintomatologia. Atualmente esses pacientes seriam diagnosticados dentro da categoria “transtornos invasivos do desenvolvimento”, nas suas mais diferentes subcategorias e não mais como portadores de esquizofrenia infantil.

            Embora a dose média para a obtenção do coma insulínico no adulto fosse ao redor de 100 a 150 unidades, iniciando-se com doses de cerca de 15 unidades, na população por nós descrita, por tratar-se de população infantil, a dose inicial era de 10 unidades, com aumento diário de 5 unidades até que se atingisse o estágio de sonolência, optando-se por não chegar ao coma propriamente dito pelo risco nele envolvido, sem a associação de nenhuma outra droga, ao contrário do preconizado por Teixeira15, que sugeria o uso de histamina concomitante. A interrupção do quadro decorrente da insulina era realizada com injeção intra-muscular de glucagon. Considerando-se as fases de coma, descritas por Kalinowski6, chegava-se até a fase 3, na qual havia a perda de consciência, aparecimento de movimentos primitivos, movimentos clônicos, inquietação motora, dilatação pupilar e aumento de pulsação. Não se observaram complicações clínicas de qualquer tipo, durante o processo ou após.

            A melhoria dos quadros não foi observada, embora possa se pensar que, em se tratando de quadros crônicos, não se pudesse realmente esperá-la. O fato mostra, então, alguns aspectos que devem ser considerados quando pensamos a Psiquiatria da Infância. Assim, os tratamentos por ela utilizados, em função das dificuldades éticas de serem desenvolvidos específicamente para a população infantil11, são buscados na Psiquiatria Geral, fazendo com que, muitas vezes, sejam utilizados quando se encontram praticamente em desuso.

Da mesma maneira, a exemplo de outros procedimentos terapêuticos, como a lobotomia pré-frontal, o surgimento de uma nova técnica quase sempre é acompanhado de grande entusiasmo e, em consequência, de resultados excelentes, provavelmente decorrentes do viés presente nos próprios observadores e pesquisadores, o que faz com que o método se dissemine antes de sua comprovada eficácia. Passado algum tempo, a própria experiência clínica se encarrega de alterar essas observações, fazendo com que os procedimentos sejam melhor analisados.


 

Iniciais

Idade (anos)

Dose inicial

Dose final

Sintomas

Quadro final

NT

10

10 u

30 u

Sono, sudorese, movimentos automáticos

Inalterado

EF

11

10 u

61 u

Sono, sudorese, pele seca

Inalterado

EM

12

10 u

40 u

Consciente, sudorese, pele seca, movimentos involuntários

Inalterado

MO

11

10 u

40 u

Inquietação, pele seca, sudorese

Inalterado

FAZ

12

5 u

76 u

Sono, sudorese, pele seca, diurese, movimentos involuntários

Inalterado

Tab.1 – Descrição sucinta de cinco casos submetidos a insulinoterapia na Casa de Estar do Centro de Habilitação da APAE-SP, em 1974-1975.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

1. Assumpção Jr. FB. Leucotomia Pré-Frontal em crianças. Jornal Brasileiro de História da Medicina 1999; 1(2): 5.

2. Demétrio P. Convulsoterapia pela acetilcolina. Arq Neuropsiq 1945; III(1): 34-40.

3. Gottesfeld BH, Novaes AC. Narco-analysis and sub-schock insulin in the treatment of anorexia nervosa. Arq Neuropsiq 1945; III(4): 448-457.

4. James FE. Insulin treatment in Psychiatry. History of Psychiatry 1992;III: 221-235.

5. Juillet P. La cure de Sakel. Est-elle dépassé? Ann Med Psychol (Paris) 1980; 138(2): 164-170.

6. Kalinowski LB, Hippius H. Tratamientos somáticos en Psiquiatría. Madrid: Ed. Científico-Medicina; 1972.

7. Kolb LC, Roizin L. The first Psychiatric Institute. Washington: American Psychiatric Press; 1993.

8. Krynski S. Princípios fundamentais de terapêutica em Psiquiatria Infantil. In: Krynski S, editor. Psiquiatria Infantil: aspectos terapêuticos. São Paulo: Sarvier; 1976.

9. Lippi JR, Rodrigues JG, Mendonça JL, Oliveira MGR, Guimarães MD, Duarte NM, Vale RDC, Alves VM. Política Assistencial em Neuro-Psiquiatria Infantil: uma revisão de 22 anos. Anais do 2º Congresso Latino-Americano de Psiquiatria Infantil (Temas Oficiais). Belo Horizonte, Minas Gerais: 1972.

10. Pélicier Y. Historia de la Psiquiatría. Buenos Aires: Paidós; 1973.

11. Remschimidt H. Aspects éthiques du traitement en psychiatrie de l’enfant  In: Hattab J. Ethique & Santé Mentale de l’Enfant. Jérusalen: Gefen; 1994.

12. Sakel M. Insulinotherapy and shock-therapies. Ascent of Psychiatry from scholastic dialecticism of empirical medicine. Congrès de Psychiatrie de Paris: Rapports, IV: 163-234. Paris: Hermann; 1950.

13. Stone MH. A Cura da Mente. Porto Alegre: ARMED; 1999.

14. Tancredi F, Reis JB. Comportamento glicêmico nos casos chamados insulino-resistentes no tratamento de Sakel. Arq Neuropsiq 1945;III(2): 138-150.

15. Teixeira NL. Histamino-Insulinoterapia nas Doenças Mentais - Contribuição ao conhecimento de um novo método terapêutico. [Tese de Livre Docência] Curitiba: Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná. 48 p.; 1944.

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