Adriana Benevides Soares; Mariana Bernardo de Oliveira
19 de janeiro de 2015
Auto-eficácia, raciocínio verbal e desempenho escolar em estudantes
Adriana Benevides SoaresI,1; Mariana Bernardo de OliveiraII
IUniversidade Salgado de Oliveira
IIUniversidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Este estudo analisa a relação entre auto-eficácia, raciocínio verbal e desempenho acadêmico em estudantes. Foram avaliados 57 alunos da rede particular de ensino do sexto e do sétimo ano do ensino fundamental de escolas particulares da cidade do Rio de Janeiro, com faixa etária variando de 10 a 14 anos; 34 do sexo masculino e 23 do sexo feminino. Os instrumentos utilizados foram o Roteiro de Avaliação de Auto-eficácia, a prova de raciocínio verbal da BPR-5 e as notas das avaliações escolares de Português e Redação. Os resultados mostram que tanto a auto-eficácia quanto o raciocínio verbal predizem o desempenho dos alunos. A auto-eficácia demonstra-se tão importante quanto as demais variáveis para um bom desempenho escolar.
Palavras-chave: auto-eficácia; inteligência; desempenho acadêmico.
ABSTRACT
This study examines the relationship between self-efficacy, verbal reasoning and school performance. 57 primary school pupils (34 boys and 23 girls), with ages varying from 10 to 14 years, from private schools in Rio de Janeiro participated in the study. The following instruments were used: a test evaluating self-efficacy, a subtest of verbal reasoning from the BPR-5 test, and two Portuguese language grades obtained by school evaluations. Results show that both self-efficacy and verbal reasoning predict the school performance of the pupils. Feeling confident and able to face assessments seem to be as essential and important in attaining good school achievements as being intelligent and able to reason about the proposed problems.
Keywords: self-efficacy; intelligence; academic performance.
Ao longo dos anos os alunos vão construindo uma trajetória acadêmica que lhes exige dedicação, esforço e empenho para a obtenção de um desempenho acadêmico satisfatório. Ao longo do ensino fundamental é que a criança vai adquirindo experiência escolar para garantir o sucesso ou o insucesso de seu desempenho escolar. É neste período de transição de seu desenvolvimento que as crianças constroem um conjunto de crenças sobre a sua capacidade intelectual e psicosocial para o desafio do sucesso escolar (Medeiros, Loureiro, Linhares & Marturano, 2000; Medeiros, Loureiro, Linhares & Marturano; 2003). Dois fatores são especialmente importantes: a inteligência e sua percepção de auto-eficácia.
A inteligência é um construto fundamental no contexto educativo servindo a análise dos problemas de aprendizagem dos alunos e de suas escolhas vocacionais. Mantém-se frequentemente uma definição de inteligência como a capacidade do indivíduo para aprender (Lemos, Almeida, Guisande & Primi, 2008). A inteligência é um dos construtos psicológicos mais valorizados socialmente, tendo assumido um valor fundamental ao longo do tempo, particularmente no que se refere à sua adaptação e sobrevivência (Faria, Pepi & Alesi, 2004, p.747).
O estudo da inteligência se confunde com a história da Psicologia, já que as primeiras pesquisas empíricas feitas pela Psicologia tinham como temática a medida da inteligência. No Brasil, assim como em outros países, encontramos diferentes tipos de discussões em torno desse tema, principalmente sobre uma integração teórica entre as visões psicométrica e cognitiva. Essa discussão pode ser encontrada nos trabalhos de Primi e outros autores (Primi et al., 2001; Primi, 2002).
A inteligência está por trás de muitas das atitudes que realizamos diariamente, isso acontece muito mais do que se costuma supor. Segundo Colom (2006), a inteligência pode ser definida como sendo uma capacidade mental muito geral que nos permite raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de maneira abstrata, compreender idéias complexas e aprender. Por isso, um dos assuntos mais importantes da psicologia escolar é a questão das relações entre inteligência e aprendizagem.
Para Petrill (2006) a inteligência é uma variável de "diferenças individuais", utilizada para medir as diferenças em habilidades cognitivas de um grupo de pessoas. Primi (2003) apresenta uma definição de inteligência bastante ampla assumindo ser a capacidade de se adaptar ao meio.
Uma concepção muito difundida a respeito dessas relações é que a inteligência é multidimensional e que, portanto, as pessoas possuem diferentes capacidades e, em função destas capacidades, se desenvolveriam diferentes áreas da aprendizagem (Sternberg, 2000).
Segundo Almeida (1988a), se o conceito de inteligência envolver todos os processos cognitivos que vão desde a recepção da informação até a elaboração da resposta, passando pelos processos de codificação, memorização, aprendizagem, evocação e relacionamento da informação, o raciocínio é responsável pelos elementos de tratamento e relacionamento da informação. O conceito de "raciocínio", segundo Almeida (1988b), está associado a outros conceitos, como inteligência, resolução de problemas e compreensão/pensamento. É abordado por diversas perspectivas teóricas tais como a desenvolvimentista, a cognitivista e a diferencial.
Segundo Almeida, Guisande e Primi (2008b) e Almeida, Guisande e Ferreira (2009), Raymond Cattell, juntamente com Horn, propôs nos Estados Unidos uma teoria que avaliava os processos cognitivos, diferenciando duas concepções que se relacionam entre si: a inteligência fluida e a inteligência cristalizada, com base em vários fatores (aptidão fluida, aptidão cristalizada, velocidade de realização, capacidade de evocação e influência).
A inteligência fluida tem a função de ativar o cérebro estabelecendo a capacidade do indivíduo de captar mensagens vindas do mundo externo e transforma-las em novas informações, desenvolvendo assim o potencial de relacionar esta nova mensagem com outras informações com base no que foi aprendido, ou seja, estabelece a capacidade de solucionar novos problemas com rapidez e exatidão utilizando-se do raciocínio abstrato. Com isto pode-se dizer que a inteligência fluida leva o indivíduo a desenvolver outra capacidade denominada de inteligência cristalizada em que o indivíduo, por meio da aprendizagem adquirida ao longo da sua vida, é capaz de se adaptar a uma determinada cultura e aprender a conviver inserida nela e, ao abstrair-se do ambiente, é capaz de utilizar o conhecimento para resolver problemas com sucesso (Almeida, Guisande & Ferreira, 2009; Almeida, Guisande & Primi, 2008b; Gerk-Carneiro, 2003; Sternberg, 2000).
A partir de então Carroll propôs um modelo hierárquico, que foi chamado Teoria dos Três Estrados: Estrado I composto por pouco mais de 65 fatores específicos atrelados as figura dos problemas cognitivos apresentados nos testes psicométricos incluindo capacidades especificas estritas (capacidade de soletração, rapidez de raciocínio), os fatores de 2ª ordem identificados neste Estrado são: inteligência fluida, inteligência cristalizada, memória geral e aprendizagem, percepção visual geral, percepção auditiva geral, capacidade geral de recuperação e velocidade; Estrato II agrupa os fatores do Estrado I em oito amplos fatores que abarcam o raciocínio que são conhecimento-linguagem, memória-aprendizagem, percepção visual, percepção auditiva, produção de ideias, velocidade de processamento cognitivo e velocidade de decisão, abrangendo várias capacidades gerais (inteligência fluida e inteligência cristalizada); Estrato III demonstra a existência de operações cognitivas comuns a todas aos processos mentais, que é justamente uma inteligência geral separada, muito semelhante ao fator g de Spearman, considerado como um fator de 3ª ordem. O que diferencia esta abordagem da teoria de Spearman é que enquanto a perspectiva psicométrica tendia a destacar as estruturas da inteligência, a do processamento de informação tendia a avaliar as operações da inteligência (Almeida, Guisande & Ferreira, 2009; Almeida, Guisande & Primi, 2008b; Primi, 2002; Sternberg, 2000).
Por este modelo ser semelhante à teoria das inteligências fluida e cristalizada, que teve início com Cattell e foi depois desenvolvido por Horn, foi proposta uma nova teoria com a junção das três modelos, formando a Teoria Cattel-Horn-Carroll – CHC das Habilidades Cognitivas com uma visão mais ampla dos estudos da inteligência. Contudo a inteligência fluida, dentre os outros modelos, é o que mais corresponde ao fator g, uma vez que possibilitava ao indivíduo à capacidade de adaptação as novas situações que exigem autonomia intelectual (Primi, 2002).
Neste contexto, a teoria CHC passou a identificar o fator g como sendo o mais próximo à inteligência fluida, que está associada a funções do executivo central e o componente da memória de trabalho. Estudos feitos por Primi (2002) mostraram que as concepções da memória de trabalho se dividem em: manutenção do nível de ativação das representações mentais, coordenação de atividades mentais simultâneas, monitoramento e supervisão das atividades mentais, controle da atenção e da atenção seletiva, ativação de informações de memória de longo prazo e redirecionamento de rotas ou flexibilidade adaptativa. Todos esses estímulos são desencadeados pela atenção, em que os processos cognitivos estão ligados aos fatores psicométricos, que por sua vez estão ligados a teoria do CHC, pois tem influencia sobre a execução de tarefas que necessitam do armazenamento de várias informações, bem como a organização dos processos mentais para a resolução de problemas (Almeida, Guisande & Ferreira, 2009; Primi, 2002).
Em um estudo envolvendo o desempenho acadêmico de 960 alunos, com idades de 17 a 50 anos, que estavam ingressando em cursos universitários distribuídos entre as áreas de humanas, biológicas e exatas, Primi, Santos e Vendramini (2002) verificaram a correlação entre as medidas das inteligências fluida e cristalizada. Acreditando que devido às constantes transformações que a sociedade vem sofrendo é necessário que os estudantes acompanhem as mudanças com o uso de estratégias de adaptação para que tenham um bom desempenho profissional ao final do curso universitário, os autores mostram que, dependendo do curso, diferentes habilidades cognitivas surgem no decorrer dos períodos acadêmicos como mais importantes. Encontraram uma predominância nos cursos que estão relacionados às áreas biológicas e exatas maiores indicadores de inteligência fluida, e nas áreas de humanas maiores indicadores de inteligência cristalizada e ainda nas áreas que envolvem exatas e humanas os estudantes parecem depender simultaneamente das inteligências fluida e cristalizada. Entretanto, o curso de Odontologia, que está entre as áreas biológicas e exatas, está mais associado à inteligência cristalizada.
Lemos, Almeida, Guisande e Primi (2008a), em Portugal, realizaram uma pesquisa com 4899 estudantes entre o 5º e o 12º ano de escolaridade, em que utilizaram a Bateria de Provas de Raciocínio: versão BPR 5/6, versão BPR 7/9 e versão BPR 10/12, e concluíram que há uma correlação moderada, e estatisticamente significativa, entre os testes de inteligência e as medidas acadêmicas, porém indicaram que esta associação diminui à medida que os alunos avançam nos níveis escolares na fase da adolescência, e que nesta fase há um investimento acadêmico diferente dos alunos por estarem mais focados em conteúdos curriculares vocacionais.
A inteligência fluida está então relacionada ao conceito de raciocínio. Andriola (1997) apresenta o raciocínio na visão dos teóricos psicometristas, que acreditam que este pode ser usado em problemas com conteúdos diferenciados, existindo um fator geral de raciocínio, expresso pela capacidade de estabelecer e aplicar relações entre elementos; e aptidões primárias ou específicas, expressas pelas diferenças de contexto ou conteúdo dos elementos. Pode-se conceituar o raciocínio como sendo um mecanismo cognitivo utilizado para solucionar problemas simples ou complexos, em suas mais diferentes formas de conteúdos verbal, numérico, espacial, abstrato e mecânico, por meio de seus componentes relacionais de descoberta e de aplicação.
Almeida (1988b) propõe que o raciocínio pode ser caracterizado pela aptidão do sujeito em: (1) identificar os elementos de um problema (simples ou complexo); (2) compreender a sua formulação; (3) idealizar formas alternativas de resolução; (4) avaliar as diferentes formas utilizadas para a sua resolução; (5) extrair conclusões lógicas da informação fornecida e processada; (6) usar os componentes relacionais (descoberta e aplicação) nos procedimentos anteriores; (7) empregar os procedimentos anteriores independente do conteúdo (verbal, numérico, abstrato, espacial e mecânico) e da forma da situação; (8) avaliar a adequação da resposta elaborada levando em consideração mais a especificidade da situação do que a "opinião pessoal" sobre a mesma. Tratando-se especificamente do raciocínio verbal, pode-se afirmar que é a capacidade cognitiva empregada na resolução de problemas cujo conteúdo seja composto por símbolos verbais (Andriola, 1998).
A capacidade intelectual atribuída a inteligência é fundamental para o processamento da informação; captação, armazenamento e recuperação e portanto para todo o processo de aprendizagem exigido na escolarização. O aluno deve ser capaz de adquirir informação e transformá-la em conhecimento fazendo uso de suas capacidades intelectuais, entretanto, para o sucesso acadêmico ser inteligente não basta (de Sá, 2002); é preciso ter confiança em si mesmo e em suas capacidades. É preciso perceber-se eficiente e pronto a enfrentar as dificuldades da escolaridade.
A auto-eficácia é um dos fatores que compõem os mecanismos psicológicos do aluno. Normalmente, utiliza-se o conceito de auto-eficácia para referir-se às crenças ou percepções do indivíduo sobre sua capacidade de desempenho em atividades específicas. A definição mais aceita pelos estudiosos é de Bandura (1986) que afirma que a auto-eficácia é o julgamento das próprias capacidades de executar ações exigidas para se atingir um desempenho satisfatório. Envolve o julgamento sobre suas próprias capacidades para mobilizar recursos cognitivos e ações de controle sobre eventos e ações do meio (Bandura, 1989). Tratando-se especificamente da área escolar, Schunk (1991) explica que a auto-eficácia é a convicção pessoal quanto a dar conta de uma determinada tarefa tendo um grau de qualidade definido.
As pesquisas de Bandura mostraram que a auto-eficácia pode determinar o nível de motivação do sujeito, pois é a partir dos julgamentos sobre a sua auto-eficácia que uma pessoa é incentivada a agir, a estabelecer metas, imprimindo uma determinada quantidade de esforço e perseverança na busca de seus objetivos (Bzuneck, 2001). Segundo Bandura (1977) o nível de motivação, os estados afetivos e as ações pessoais são baseados mais no que os indivíduos acreditam do que no que é objetivamente verdadeiro. Pajares e Olaz (2008) afirmam que a auto-eficácia é um construto pessoal e social, sendo que nos sistemas coletivos se desenvolve um sentido de eficácia coletiva. O autores esclarecem que esta eficácia coletiva é a crença compartilhada pelo grupo em sua capacidade de alcançar objetivos e realizar tarefas desejadas, que tem como seu principal exemplo, a escola.
No contexto escolar, um aluno motiva-se a realizar as atividades acadêmicas caso acredite que possui os conhecimentos e habilidades necessários para a sua realização, abandonando os objetivos que pensa não ter condições de alcançar. Nesse sentido, os julgamentos de auto-eficácia tendem a atuar como mediadores entre as reais capacidades do indivíduo e o seu desempenho efetivo (Bzuneck, 2001).
Alguns resultados mostram que somente aqueles que têm uma forte crença de auto-eficácia são capazes de estabelecer uma relação entre esta crença e um bom rendimento escolar (Bzuneck, 2001). A auto-eficácia influencia diretamente a seleção e uso das estratégias mais eficazes de aprendizagem.
de Souza e de Brito (2008) ao investigar as relações entre auto conceito, crenças de auto-eficácia e desempenho em matemática verificaram que o desempenho encontrava-se positivamente relacionado ao auto conceito e à auto-eficácia matemática. Também de Castro, Saavedra e Rosário (2007) verificaram em 1.310 alunos do sétimo ao nono ano do ensino fundamental a existência de uma correlação positiva e significativa entre auto-regulação da aprendizagem, percepção de auto-eficácia e percepção de instrumentalidade dos processos de auto-regulação da aprendizagem. Ainda Medeiros, Loureiro, Linhares e Marturano (2003) avaliaram 52 crianças de oito e 12 anos que encontravam-se no primeiro ciclo do ensino fundamental e verificaram que crianças com queixa de dificuldades de aprendizagem apresentavam menor percepção de auto-eficácia do que as que apresentavam bom desempenho acadêmico.
De acordo com Pajares e Olaz (2008), as fontes de informação para a auto-eficácia não podem ser validadas como avaliações de competências, isso porque, os julgamentos feitos por cada indivíduo são embasados no efeito de sua interpretação dos resultados de cada acontecimento. Por isso, dependem da seleção, integração, interpretação e recordações dos fatos, além das regras que empregam em cada um de seus julgamentos. Na realidade, a crença de auto-eficácia é construída a partir das fontes de informação captadas, isto é, todo o processo de tratamento da informação está submetido a um sistema subjetivo de interpretação que tem por base as experiências anteriormente armazenadas, modelos mentais construídos e estados afetivos que levam a estratégias de raciocínio e tomada de decisão de enfretamento das situações que se apresentam.
Bzuneck (2001) aponta ainda que a crença de auto-eficácia é uma dedução pessoal e é o resultado da ponderação de diversos fatores pessoais e ambientais. Assume a forma de uma proposição mental que reflete a visão que o indivíduo tem de si mesmo.
As pesquisas sociocognitivistas de Bandura asseguram a relevância das crenças de auto-eficácia para a motivação dos alunos e que, como conseqüência, é imprescindível que os educadores estejam atentos a elas e contribuam para o seu desenvolvimento. Acredita-se que a auto-eficácia influencia o desempenho escolar e, ao mesmo tempo, é influenciada por ele, tendo implicações no desenvolvimento da criança como um todo (Bzuneck, 2001). Segundo Pajares (1996), pesquisas que abordam o senso de auto-eficácia dentro do contexto acadêmico indicam que estudantes com alto senso de auto-eficácia são capazes de cumprir tarefas acadêmicas usando mais estratégias cognitivas e metacognitivas e as perseveram por mais tempo do que aqueles com baixo senso. Em compensação, crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem podem se avaliar com baixo senso de auto-eficácia quanto às suas capacidades de realizarem com sucesso determinadas tarefas acadêmicas.
Em concordância com diversos autores (Rodrigues & Barreira, 2007, Medeiros et al., 2003, Bzuneck, 2001) pode-se afirmar que indivíduos que recebem um feedback positivo, indicando o seu progresso em determinada tarefa, aumentam seu sentimento de auto-eficácia, promovendo uma sensação de controle sobre os resultados (quando estes dependem essencialmente da qualidade de seus próprios desempenhos) e de forma indireta do desenvolvimento das competências.
Segundo Souza e Souza (2004), o construto auto-eficácia reflete uma convicção otimista que permite ao indivíduo executar tarefas novas ou difíceis e lutar contra as adversidades em vários campos. A auto-eficácia percebida facilita a determinação de objetivos, investimento de esforço, e persistência frente a dificuldades. Pode ser considerado como uma fonte potencial de recursos e resistência positiva.
O presente trabalho pretende estudar se a auto-eficácia e o raciocínio verbal podem levar a um melhor desempenho acadêmico em estudantes do segundo segmento do ensino fundamental.
Método
Participantes
A amostra foi composta por 57 estudantes do sexto e do sétimo ano do ensino fundamental de duas escolas particulares do município do Rio de Janeiro. A faixa etária dos participantes era de 10 anos e 10 meses a 14 anos e 3 meses, com uma média de 12 anos e 6 meses (DP=1,13). Os participantes eram de ambos os sexos, sendo 34 do sexo masculino e 23 do sexo feminino.
Instrumentos
Foram utilizados os seguintes instrumentos: o teste de Raciocínio Verbal (Forma A) da BPR-5 (Almeida e Primi; 1998), o Roteiro de Avaliação de Auto-eficácia (Medeiros et al., 2000), além das notas das avaliações escolares de Português e Redação.
Teste de Raciocínio Verbal da Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5): A BPR-5 (Almeida & Primi, 1998) é constituída por duas formas (A e B), com cinco subtestes cada, mas para este estudo utilizamos somente a Prova de Raciocínio Verbal (Prova RV) na Forma A, que se aplica aos estudantes da sexta à oitava série (ou na nomenclatura atual, sétimo ao nono ano) do ensino fundamental. É constituída por itens em forma de analogias verbais, composto de 25 frases onde falta a última palavra, sendo necessário encontrá-la para completar cada frase. A relação analógica entre o primeiro par de palavras deverá ser descoberta e aplicada de forma a identificar a quarta palavra entre as cinco alternativas de resposta que mantém a mesma relação com uma terceira apresentada.
Roteiro de Avaliação de Auto-eficácia: O Roteiro de Avaliação de Auto-eficácia (Medeiros et al., 2000) foi construído pelas autoras a partir dos estudos realizados por Bandura (1993) e Schunk (1995). Este instrumento tem como foco a percepção da criança quanto ao seu desempenho acadêmico e sua capacidade de realização. Seu roteiro é composto por 20 afirmativas, onde oito estão relacionadas à percepção de desempenho acadêmico, tendo como referência a avaliação de outros ou a comparação com os pares, e doze afirmativas relacionadas à percepção da capacidade quanto ao desempenho acadêmico. Os estudantes devem responder ao roteiro dizendo o quanto as frases correspondem ao seu jeito de ser bastando responder sim quando as frases se parecerem e não quando elas forem diferentes do seu jeito.
Procedimentos
Os instrumentos foram aplicados coletivamente, em contexto de turma, mediante a autorização da diretoria das escolas e o aceite dos alunos, que foram informados dos objetivos do estudo e da confidencialidade dos dados, bem como da importância da sua participação em uma investigação deste gênero. Todos os responsáveis pelos alunos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido autorizando seus filhos a participarem da pesquisa.
O primeiro instrumento respondido foi o BPR-5 (Almeida & Primi, 1998) seguido pelo Roteiro de Avaliação de Auto-eficácia (Medeiros et al., 2000). As notas de Português e Redação foram fornecidas pelas escolas posteriormente e referem-se ao terceiro bimestre de 2008.
A aplicação incluiu uma breve explicação dos objetivos do estudo, a leitura das instruções em voz alta e o esclarecimento das dúvidas. Não surgiram dificuldades na aplicação das provas e na sua compreensão pelos alunos, na medida em que as instruções, todas elas transcritas no caderno, composta de exemplos esclarecedores do tipo de atividade a realizar. O primeiro teste teve tempo limite de 10 minutos, mas sua aplicação levou somente 6 minutos em média, não necessitando interrupção para passar ao seguinte. O segundo não teve tempo determinado, tendo sido utilizado 4 minutos em média.
Resultados
Para verificar se a auto-eficácia influi no desempenho acadêmico recorreu-se a análise de regressão simples. Os resultados podem ser observados nas Tabelas 1 e 2.
O modelo completo de regressão se mostrou significativo [F (1, 55) = 9,889; p = 0,003], indicando a adequação da análise dos coeficientes, que são apresentados na Tabela 2.
O coeficiente relativo a variável auto-eficácia se mostrou significativo (t = 3,145; p = 0,003), indicando que o aumento em um ponto na escala de auto-eficácia produz o aumento de 0,137 pontos no desempenho acadêmico. Tal modelo de regressão explica 15,2% do fenômeno como demonstrado pelo coeficiente de determinação (R2 = 0,152). Sendo assim verifica-se que o aumento da auto-eficácia dos alunos prediz positivamente o desempenho acadêmico.
Para verificar se o raciocínio verbal prediz o desempenho acadêmico recorreu-se a análise de regressão simples. Os resultados podem ser observados nas Tabelas 3 e 4.
O modelo completo de regressão se mostrou significativo [F (1, 55) = 8,244; p = 0,012], indicando a adequação da análise dos coeficientes, que são apresentados na Tabela 4.
O coeficiente relativo a variável raciocínio verbal se mostrou significativo (t = 2,583; p = 0,012), indicando que o aumento em um (1) ponto na escala de raciocínio verbal produz o aumento de 0,108 pontos no desempenho acadêmico. Tal modelo de regressão explica 10,8% do fenômeno como demonstrado pelo coeficiente de determinação (R2 = 0,108). Sendo assim verifica-se que quanto melhor desempenho no raciocínio verbal melhor o desempenho acadêmico.
Para avaliar se a auto-eficácia e o raciocínio verbal se correlacionam positivamente recorreu-se a correlação linear de Pearson. Embora os resultados apontem para a existência de correlação entre as variáveis, a mesma não se mostrou significativa (r = 0,220; p = 0,099).
Para verificar se a auto-eficácia e o raciocínio verbal predizem o desempenho acadêmico recorreu-se a análise de regressão simples. Os resultados podem ser observados nas Tabelas 5 e 6.
O modelo completo de regressão se mostrou significativo [F (1, 55) = 7,368; p = 0,001), indicando a adequação da análise dos coeficientes, que são apresentados na Tabela 6.
O coeficiente relativo a variável auto-eficácia se mostrou significativo (t = 2,702; p = 0,009), indicando que o aumento em um (1) ponto na escala de auto-eficácia produz o aumento de 0,117 pontos no desempenho acadêmico. O coeficiente relativo a variável raciocínio verbal também se mostrou significativo (t = 2,064; p = 0,044), indicando que o aumento em um (1) ponto na escala de raciocínio verbal produz o aumento de 0,084 pontos no desempenho acadêmico. Um aumento simultâneo de um (1) ponto em ambas as escalas produz um aumento de 0,201 pontos no desempenho acadêmico. Tal modelo de regressão explica 21,4% do fenômeno como demonstrado pelo coeficiente de determinação (R2 = 0,214). Sendo assim, foi verificado que o aumento da auto-eficácia e do raciocínio verbal podem predizer o desempenho acadêmico.
Discussão e Considerações Finais
Neste estudo pode-se observar que a auto-eficácia serve de preditor para o desempenho acadêmico uma vez que ela promove a crença que os estudantes possuem sobre as competências necessárias para atingir determinados objetivos. Aqueles que têm fortes crenças de auto-eficácia têm melhor desempenho escolar em português do que aqueles que têm crenças mais frágeis (Bzuneck, 2001). Verificou-se que esta correlação é positiva e forte, podendo-se concluir então que quanto maior a auto-eficácia melhor a expectativa de resultados satisfatórios e melhor o desempenho escolar. Medeiros et al. (2000) também encontraram em sua pesquisa que a auto-eficácia dos estudantes, juntamente com outras crenças e atitudes para a aprendizagem, é forte indicativo do desempenho acadêmico.
O efeito da crença de auto-eficácia pode gerar alunos auto-regulados conforme aponta Bzuneck (2001), ou seja, alunos que administram ativamente e de maneira eficaz seu próprio processo de aprendizagem. Têm objetivos definidos e motivação necessária para cumpri-los além de estratégias cognitivas e meta-cognitivas para a realização de suas tarefas.
O raciocínio verbal mostrou-se também determinante para o desempenho acadêmico. Verificou-se uma correlação positiva confirmando que quanto melhor o raciocínio verbal, melhor o desempenho. Segundo Sternberg e Grigorenko (2000) nenhuma teoria, de forma isolada conseguiu explicar todos os aspectos da inteligência. Almeida, Guisande e Primi, (2008a) sustentam que testes de inteligência e medidas de realização acadêmica têm obtido correlação moderada e que em função da natureza das provas de raciocínio e a natureza do desempenho as correlações se mostram similares. As correlações entre as medidas da inteligência e o rendimento escolar são mais elevadas quando os testes usados recorrem a conteúdos verbais, o que confirma a relação encontrada neste estudo (Almeida, 1988b; Primi & Almeida, 2000; Roazzi, Almeida & Spinillo, 1991).
O conceito de auto-eficácia se relaciona a crença de que o aluno conseguirá executar determinada tarefa, mas caso esta competência cognitiva (raciocínio verbal) esteja acima de suas reais capacidades o aluno não conseguirá executá-la, ou seja, a competência aferida no teste de raciocínio verbal mede uma capacidade cognitiva adquirida enquanto que o roteiro de avaliação de auto-eficácia mede o que o aluno acredita que pode realizar e não necessariamente o que ele pode efetivamente. Por isso não é nada estranho que estes construtos não se relacionem. Auto-eficácia e raciocínio verbal são, entretanto, todos dois, preditores do desempenho acadêmico.
Pode-se concluir que é importante valorizar a atenção com a construção da crença de auto-eficácia e o desenvolvimento cognitivo de cada aprendiz ao longo de sua escolaridade. Esta elaboração é essencial para o desenvolvimento do aluno e para que ele tenha um bom desempenho escolar. É preciso dar atenção ao que cada aluno demonstra acreditar, principalmente a sua visão sobre o seu próprio desenvolvimento e sua aprendizagem.
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1 Endereço para correspondência: R. Miguel Fernandes 28-205, Méier, Rio de Janeiro. CEP 20780-070. E-mail:mari_bernardo@oi.com.br
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