Patrícia Georgia Brancalhone; José Carlos Fogo; Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams
8 de junho de 2015
Crianças expostas à violência conjugal: avaliação do desempenho acadêmico1
Patrícia Georgia Brancalhone2; José Carlos Fogo; Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams
Universidade Federal de São Carlos
RESUMO
O trabalho avaliou o desempenho acadêmico de 30 crianças em pares, sendo 15 crianças do Ensino Fundamental expostas à violência conjugal e 15 crianças não expostas à violência, do mesmo sexo e idade, escolhidas nas mesmas salas de aula do respectivo par. Os professores responderam à Escala de Avaliação da Performance Acadêmica (EAPA) e forneceram o Boletim Escolar dessas crianças. O TDE – Teste do Desempenho Escolar foi aplicado para constatar as áreas acadêmicas em que estas crianças apresentavam dificuldades. Das 15 crianças expostas avaliadas, 14 presenciaram pelo menos um episódio de agressão da mãe e sete estavam convivendo com violência conjugal há mais de cinco anos. Os resultados da EAPA foram significativamente menores para o grupo exposto, com a média de 52,9 pontos contra 67,8 do grupo de crianças não expostas. Nas análises dos resultados dos conceitos do Boletim Escolar e do TDE, as diferenças não foram significativas.
Palavras-chave: desempenho acadêmico; crianças; violência conjugal; violência contra a mulher; resiliência.
ABSTRACT
This study assessed the academic performance of 30 children in pairs: 15 children exposed to marital violence attending elementary school and 15 children not exposed to violence, of the same gender and age chosen in the same classes of their respective pairs. The teachers answered the Academic Performance Rating Scale (APRS), and supplied a copy of the children's grades. The Academic Performance Test (TDE) was used to assess the academic skills in which the children had difficulties. The results pointed out that, from 15 children exposed to violence, 14 had witnessed at least one episode of aggression towards their mother and seven were living in an violent environment for more than five years. APRS test results were significantly lower for the group of exposed children, with an average of 52.9 points against 67.8 from the group of non-exposed children. In the school grades and TDE test the differences were not significant.
Key words: academic performance; children; marital violence; violence towards women; resilience.
A violência doméstica abrange a agressão de crianças, de cônjuges de ambos os sexos e de idosos (Sadock, 1996) e pode incluir agressões físicas, psicológicas e sexuais. No Brasil, as estatísticas sobre o tema são precárias e ainda se fala insuficientemente sobre a questão da violência doméstica (Saffioti & Almeida, 1995). A falta de informações oficiais dificulta a elaboração de um diagnóstico mais preciso para subsidiar políticas públicas nesta área (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 1999).
Na pesquisa realizada pelo IBGE (1999), 11% dos entrevistados relataram terem sido vítimas de alguma forma de violência por parte de um companheiro, em algum período de suas vidas. Dados internacionais e brasileiros revelam que as mulheres são as vítimas preferenciais das agressões em famílias (Saffioti & Almeida, 1995), sendo tais agressões responsáveis pela maioria de homicídios femininos no Brasil (Williams, 2001). Neste trabalho, o termo violência conjugal refere-se ao comportamento agressivo que ocorre contra a mulher adulta ou adolescente no contexto de um relacionamento heterossexual íntimo (legalmente casados ou não).
Em um estudo realizado por Hilton (1992) com mulheres vítimas de violência, 55% delas relataram que suas crianças testemunharam a agressão física e psicológica que elas sofreram. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos estimam que entre 3,3 milhões a 10 milhões de crianças estão expostas à violência conjugal a cada ano (Jaffe & Poisson, 2000).
Segundo Jouriles, McDonald, Norwood e Ezell (2001), a criança não precisa observar a agressão para ser afetada por ela. Assim, a criança exposta à violência conjugal é aquela que viu, ouviu um incidente de agressão à mãe, viu o seu resultado ou vivenciou o seu efeito quando interagindo com seus pais (Holden, 1998).
Estudos de caso acerca dos efeitos da exposição à violência conjugal em crianças tiveram início na década de 70 (Fantuzzo & Lindquist, 1989; Kitzmann, Gaylord, Holt & Kenny, 2003; Kolbo, Blakely & Engleman, 1996). Na literatura nacional, foi identificado apenas um estudo sobre crianças expostas à violência. Os dados obtidos por ele confirmam os da literatura estrangeira em relação à ocorrência de depressão, agressividade, isolamento e baixa auto-estima (Corrêa & Williams, 2000).
A literatura na área de crianças expostas à violência conjugal aponta os riscos acarretados por esse fenômeno para o desenvolvimento comportamental, emocional, social, cognitivo e físico das crianças (Brancalhone & Williams, 2003; Fantuzzo & Lindquist, 1989; Kitzmann & cols., 2003; Kolbo & cols., 1996; Wolfe, Crooks, Lee, McIntyre-Smith & Jaffe, 2003). No entanto, os resultados das pesquisas não implicam o fato de que toda criança exposta à violência conjugal terá problemas, pois muitas são capazes de enfrentar adequadamente estes eventos (Wolak & Finkelhor, 1998). De fato, cerca de 37% das crianças expostas à violência mostraram resultados similares ou até melhores que as crianças não expostas (Kitzmann & cols., 2003).
Segundo Graham-Bermann (1998), muitos fatores interferem no modo pelo qual a criança lida com a experiência de testemunhar a agressão da mãe e algumas dessas crianças apresentarão problemas de ajustamento. Essa vulnerabilidade resulta de vários fatores, sendo importante considerar que a resposta da criança pode, em parte, resultar do seu temperamento, de sua capacidade intelectual, ou de outras qualidades intraindividuais que são mediadoras do grau de ajustamento a curto e longo prazos. A violência não ocorre isolada, ela é parte de uma constelação de outros fatores reconhecidos por afetarem o desenvolvimento da criança (Graham-Bermann, 1998; Jouriles & cols., 2001; Wolak & Finkelhor, 1998; Wolfe & cols., 2003).
Na revisão da literatura foram encontrados poucos estudos acerca do desempenho acadêmico das crianças expostas à violência conjugal e constatou-se uma ausência de estudos conduzidos por educadores ou especialistas na área. Penfold (1982) avaliou 17 crianças de casais em que um dos parceiros agrediu o outro, e identificou problemas de comportamento, dificuldades de aprendizagem, ansiedade, comportamento bizarro, dependência e asma. Os resultados foram congruentes aos de Wildin, Williamson e Wilson (1991), em que 75% das crianças tinham problemas de comportamento e 46% das crianças em idade escolar tinham evidência de dificuldades acadêmicas como repetência, baixas notas e necessidade de serviços de Educação Especial, além de faltas escolares causadas pelo fato de a mãe ter sido agredida.
Westra e Martin (1981) estudaram 20 crianças de até oito anos em uma "casa abrigo" para mulheres agredidas. Encontraram um baixo desempenho nas habilidades verbais, cognitivas e motoras, e tendência a um comportamento hostil e agressivo, em comparação ao desempenho padrão. Dyson (1990) realizou um estudo de caso e ilustrou o efeito negativo da violência na performance acadêmica e no comportamento das crianças. Sugere uma avaliação da violência no diagnóstico rotineiro de crianças que apresentam falha escolar. Wolak e Finkelhor (1998) reforçam que crianças diagnosticadas e tratadas devido a problemas de saúde mental, problemas acadêmicos e sociais devem ser questionadas sobre uma possível exposição à violência conjugal.
Considerando que existem poucos estudos abordando essa questão (Wolfe & cols., 2003), tão recentemente objeto de pesquisa, e que há alta incidência de violência conjugal no Brasil, devido à impunidade e aos sérios problemas econômicos, sociais e culturais que envolvem o país (Cabral & Brancalhone, 2000), este estudo se faz relevante. O objetivo do mesmo consiste em verificar se as crianças que estão expostas à agressão conjugal sofrida pela mulher (mãe) têm o desempenho acadêmico prejudicado, quando comparadas às crianças que não estão expostas à violência conjugal.
Método
Este estudo comparou crianças expostas à violência conjugal com crianças não expostas, controlando variáveis significativas como sexo, idade, escolaridade, condição socioeconômica e constituição familiar. Apesar dos controles tomados, trata-se de um estudo correlacional, freqüente em pesquisas que buscam compreender o fenômeno da violência.
Participantes
Os sujeitos foram crianças do Ensino Fundamental de escolas municipais e estaduais do município de São Carlos divididas entre os grupos A e B, como descrito abaixo.
Grupo A (GA): 15 crianças com idade entre sete e 11 anos de ambos os sexos, cursando as primeiras quatro séries do Ensino Fundamental, cujas mães denunciaram a violência sofrida na Delegacia de Defesa da Mulher de São Carlos (DDM) e que conviviam com uma figura masculina (pai biológico ou não) até a data da triagem. Como a coleta dos dados com as crianças foi realizada logo após a denúncia da mãe, a criança participante presenciara os episódios violentos recentemente (dentro do período de um mês). Segundo Fantuzzo e Lindquist (1989) e Graham-Bermann (1998), é importante investigar se a criança tem sido vítima da violência, uma vez que existem evidências que mostram que crianças de mulheres agredidas têm um alto risco de se tornarem vítimas, sendo isto considerado durante a triagem.
Grupo B (GB): cada criança do GA foi pareada com uma do GB, grupo visto como não exposto à violência conforme critério, sendo essas da mesma sala de aula, do mesmo sexo, faixa etária, nível sócio-econômico e configuração familiar (presença do pai).
Procedimento
Para realização da triagem a primeira autora freqüentou a DDM no período de agosto de 2001 a novembro de 2002 e abordou as mulheres que fizeram denúncias de agressão física. Outra estratégia utilizada foi a consulta aos Boletins de Ocorrência para selecionar as mulheres que haviam sofrido agressão por parte do companheiro, para posteriormente contatá-las durante a audiência realizada no Fórum.
Foi realizada uma entrevista com as mães dos grupos A e B para se obter dados sobre a ocorrência da violência, renda, constituição familiar, desempenho da criança na escola. As mães do GA responderam a uma versão traduzida e adaptada pelo IBGE (1999) da CTS-2 – Escala de Táticas de Conflitos Revisada (Straus, Hamby, Boney-McCoy & Sugarman, 1996), que é utilizada em pesquisas do mundo todo com a finalidade de caracterizar melhor a violência que ocorria naquela família.
Os professores forneceram os dois últimos conceitos da criança em Matemática e Língua Portuguesa e responderam uma versão traduzida pelas autoras da EAPA – Escala de Avaliação da Performance Acadêmica (DuPaul, Rapport & Perriello, 1991), que discrimina crianças com ou sem problemas de desempenho na sala de aula. A EAPA consiste de 19 itens, pelos quais o professor estima o desempenho do aluno na última semana para atividades de matemática, linguagem, qualidade do trabalho, leitura, entre outras (exemplo: Estime qual a porcentagem de exercícios escritos de matemática que ele realizou [sem considerar a exatidão] em relação aos colegas de classe {0 – 49%}{50 – 69%}{70 – 79%}{80 – 89%}{90 – 100%}). Para responder a EAPA é necessário que o professor conviva há dois meses com a criança, condição que foi investigada e respeitada durante as aplicações. Por ser uma escala americana, suas normas não foram utilizadas, sendo os dados brutos ali obtidos, comparados entre os grupos.
A primeira autora coletou dados com todas as crianças, utilizando o TDE – Teste de Desempenho Escolar (Stein, 1994), que oferece uma avaliação objetiva das capacidades fundamentais para o desempenho escolar. O teste é composto por três subtestes: escrita (escrita do nome próprio e de palavras isoladas sob a forma de ditado), aritmética (solução oral de problemas e cálculo de operações aritméticas por escrito) e leitura (reconhecimento de palavras isoladas do contexto).
Resultados
As características das crianças participantes (sexo, idade, série escolar) podem ser visualizadas no Quadro 1.
Observa-se que nos dois grupos a maior parte das crianças estava nas 3as. e 4as. séries e que nenhuma criança apresentou distorção série-idade. A média da renda per capita do GA foi de R$134,00 e a do GB de R$ 147,13, e o resultado do teste t-Student (p= 0,588) indicou que não existe diferença significativa entre os grupos quanto a renda. De acordo com o relato das mães do grupo exposto (GA), 14% delas sofriam violência física e 86% das mulheres eram vítimas de violência física e psicológica. A violência física incluía, entre outras situações, soco na cabeça (47% dos casos), fraturas (14% dos casos) e enforcamento (27%); já a violência psicológica se caracterizava por insultos e ameaças (ameaça de morte, prometer 100 facadas). Em 80% dos casos o agressor era o próprio pai da criança exposta, e em 20% dos casos, a agressão foi realizada pelo atual companheiro da mãe da criança.
Em relação ao período de tempo em que a mãe da criança do GA sofria violência (até a data da coleta dos dados), observa-se na Figura 1 uma grande concentração de casos nas duas primeiras categorias, Até um ano eAté três anos, com 47% dos casos. Porém, também foi grande a quantidade de mães vítimas de violência conjugal a Mais de dez anos, com 40%. A partir deste dado, constata-se que algumas crianças haviam convivido com a violência conjugal durante toda a vida (apenas três crianças tinham 11 anos completos), o que é bastante preocupante.
Na avaliação da EAPA, o GA obteve 52.9 pontos e o GB 67.8 pontos, sendo que, pelos resultados do teste t-Student (p= 0,026), verificou-se uma diferença significativa entre os grupos em relação àqueles pontos. Quanto às notas de Português (p= 0,248) e de Matemática (p= 0,296), não existe diferença entre os grupos. Em relação às dificuldades da criança na escola e às notas escolares globais relatadas pelas mães, nos testes realizados, também não se constatou diferenças significativas entre os grupos.
Na avaliação do TDE, o GA obteve uma pontuação média de 74,07 pontos no Escore Total (mínimo de três e máximo de 120 pontos) para 88,40 pontos (mínimo de 10 e máximo de 125) do GB. Na comparação entre os dois grupos por meio do teste t-Student (p= 0,224) e pelo teste multivariado T2 de Hotteling (p= 0,458; gl=3 e 26; F= 0,893), a diferença observada não foi significativa.
Nos resultados da CTS-2, verificou-se um valor médio de 22,20 pontos, sendo que o valor mínimo obtido foi de cinco pontos e o valor máximo foi de 38 pontos. A CTS-2 foi aplicada, também, em cinco mães do GB, uma vez que durante a coleta de dados ocorreram dúvidas acerca da confiabilidade das respostas negativas (de que não sofriam algum tipo de violência) das dez primeiras mães participantes do GB. A lembrar que no estudo conduzido por Maldonado (2003), as mães inicialmente indicavam à pesquisadora não sofrer violência; mas quando respondiam à versão original da CTS-2, apareciam diversas situações de violência conjugal. Esta informação somente se tornou disponível após o início da presente coleta de dados, mas foi possível coletar dados de cinco mães do GB como controle adicional, sobre os quais não se constatou discrepâncias em relação à informação obtida inicialmente por meio da entrevista; ou seja, todas as cinco mães do GB apresentaram resultados negativos na CTS-2.
Foram realizadas algumas análises da associação entre as diversas variáveis do estudo. Entretanto, tais resultados foram pouco esclarecedores. A análise da associação entre a EAPA e o TDE foi realizada utilizando-se o coeficiente de correlação linear e posterior ajuste da reta de regressão linear, conforme indica a Figura 2. Os resultados indicaram uma correlação de mediana para forte, ou seja, pode-se pensar que uma criança com TDE baixo provavelmente apresentará um resultado baixo na EAPA.
Discussão
Das crianças do GA, 93% presenciaram a violência sofrida pela mãe, confirmando os dados de pesquisas (Hilton, 1992) de que a maioria das crianças de casais violentos presencia episódios agressivos dos pais.
Os resultados contraditórios tornam a interpretação difícil, uma vez que o presente estudo não encontrou diferenças no desempenho acadêmico de crianças expostas à violência quando comparadas a seus pares de famílias não violentas nas avaliações dos relatos das mães, notas de Matemática e Língua Portuguesa e TDE, mas encontrou diferenças entre os grupos na avaliação do professor na EAPA.
Tomou-se o cuidado, no presente estudo, de não informar aos professores qual era a criança que estava exposta à violência. No entanto, talvez os mesmos pudessem ter conhecimento prévio acerca desse fato; não é incomum o professor ter tal informação, seja por meio de relatos das próprias crianças, de relatos das mães, ou mesmo, de relatos por membros da comunidade. Assim, hipotetiza-se que o desempenho prejudicado das crianças do GA indicado pelo professor possa ter sido influenciado por conhecimentos prévios dos mesmos a respeito da história de vida da criança. É importante ressaltar que as pontuações da EAPA, atribuídas pelos professores, são conceitos subjetivos que sofrem influência de diversos fatores como o nível de exigência do professor, a sistemática de avaliação utilizada pela escola, a motivação para responder corretamente o instrumento, os sentimentos pessoais em relação aos alunos, entre inúmeros outros.
Em situações de violência, é importante considerar o fenômeno da resiliência, caracterizado por bons resultados a despeito das sérias ameaças ao desenvolvimento (Masten, 2001). Esse constructo ajuda a esclarecer os resultados indicativos de que as crianças expostas à violência têm desempenho igual ao de seus pares não expostos, uma vez que características da criança e fatores de proteção mediariam a sua adaptação (Graham-Bermann, 1998; Jaffe, Wolfe & Wilson, 1990; Masten, 2001; Wolak & Finkelhor, 1998; Wolfe & cols., 2003). Isto é de grande importância, uma vez que ser um bom estudante é considerado um forte mecanismo de proteção (Rae-Grant, Thomas, Offord & Boyle, 1989).
O fato de não apresentar diferenças no desempenho acadêmico não significa que essas crianças não pudessem apresentar problemas de outra natureza, como depressão, baixa auto-estima, medo e agressividade, já documentados na literatura (Corrêa & Williams, 2000; Holden, 1998; Jaffe & cols., 1990; Kitzmann & cols., 2003; Wolfe & cols., 2003). Tais hipóteses não fizeram parte do âmbito do estudo e poderiam ser exploradas em outros trabalhos.
Considerando a literatura atual, não é prudente relacionar qualquer impacto sobre a aprendizagem com exposição à violência (Wolfe & cols., 2003). De fato, a intenção inicial desses autores foi incluir os resultados de avaliações na área educacional e cognitiva em sua meta-análise; mas, segundo tais pesquisadores, não existiam estudos suficientes para tal inclusão.
Paralelamente, há toda uma literatura (Weinstein, 2002) que argumenta sobre o risco da profecia auto-realizadora por parte de professores e o quanto é nocivo a tal profissional a adoção de baixas expectativas a respeito de seus alunos, pois as expectativas negativas criam e perpetuam oportunidades desiguais para aprender.
Outros estudos poderão aprofundar as questões aqui trabalhadas com um aprimoramento metodológico (replicação dos dados com maiores amostras). Uma dificuldade adicional do presente estudo diz respeito à utilização da CTS-2 pelo GB. Não é possível afirmar com plena certeza que nas dez primeiras famílias participantes do GB não existiam episódios de violência conjugal, uma vez que tal escala foi aplicada apenas em cinco participantes. Além disto, convém lembrar que no estudo de Maldonado (2003), a CTS-2 foi aplicada em sua versão original (contendo 78 questões) e não a versão adaptada pelo IBGE (1999), com dez questões. Portanto, resta a dúvida se, diante de opções diversificadas, a participante do GB identificaria episódios de violência conjugal.
Dada a dificuldade em conduzir pesquisas com crianças expostas à violência conjugal, devido à complexidade das questões envolvidas (Fantuzzo & Lindquist, 1989; Kitzmann & cols., 2003; Wolak & Finkelhor, 1998; Wolfe & cols., 2003) e às limitações metodológicas, este é um estudo sobre um tema pouco pesquisado, com exceção dos estudos realizados por profissionais da área médica, os quais avaliaram crianças em abrigos. Os resultados obtidos servem de alerta aos professores para que não tenham baixas expectativas em relação às crianças expostas à violência conjugal.
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1 Trabalho baseado na Dissertação de Mestrado da primeira autora realizado no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. Financiamento: CAPES.
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Artigo original: