Artigos Científicos

Fatores de proteção associados a problemas emocionais e comportamentais em escolares

Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira; et al

11 de agosto de 2015

Estud. psicol. (Campinas) vol.31 no.4 Campinas out./dez. 2014

 

 

Fatores de proteção associados a problemas emocionais e comportamentais em escolares

 

Protective factors associated with emotional and behavioral problems in school children

 

 

Maria Cristina Triguero Veloz TeixeiraI; Mayra Fernanda Ferreira SeraceniI; Raquel SurianoII; Nathália Zoli Sant'anaI; Luiz Renato Rodrigues CarreiroI; Cristiane Silvestre de PaulaI

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento. R. da Consolação, 896, Prédio 28, Consolação, 01302-907, São Paulo, SP, Brasil 
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Curso de Psicologia. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência para/Correspondence to

 

 


RESUMO

O estudo teve como objetivo verificar associações entre fatores de risco e proteção e problemas emocionais/ comportamentais em escolares. A amostra foi composta por 181 alunos do 2º a 5º anos (6 a 12 anos de idade) e seus respectivos cuidadores. Os instrumentos de coleta de dados foram o Inventário de Comportamentos para Crianças e Adolescentes de 6 a 18 anos, um questionário de avaliação socioeconômico familiar, de médias finais de Matermática e Português fornecidas pela escola. Foram investigados problemas emocionais/comportamentais e competências sociais com base no inventário, no desempenho acadêmico e na classificação socioeconômica familiar. Foi conduzida uma análise de regressão logística para gerar um modelo que buscasse associações entre o desfecho (problemas emocionais e comportamentais) e idade, sexo, classificação socioeconômica familiar, desempenho acadêmico e indicadores de socialização. Os resultados indicaram associações entre melhor desempenho acadêmico e indicadores positivos de socialização, com menor probabilidade de as crianças apresentarem problemas emocionais/comportamentais.

Palavras-chave: Ajuste emocional; Comportamento infantil; Terapia comportamental; Fatores de risco


ABSTRACT

The objective of the study was to verify associations between protective and risk factors with emotional/behavioral problems in schoolchildren. The sample was comprised of 181 students from the 2 nd to 5th grades (aged 6-12) and their caregivers. The instruments used were the Child Behavior Checklist for ages 6-18, a socioeconomic questionnaire, besides the average final grades on Mathematics and Portuguese provided by the school. We assessed emotional/behavioral problems and social competence from the Child Behavior Checklist for ages 6-18, academic performance, and family socioeconomic status. We conducted a multivariate logistic regression analysis to generate a model seeking associations between the outcome (emotional and behavioral problems) and age, gender, family socioeconomic status, academic performance and socialization indicators. Results indicated better academic performance and positive socialization indicators associated with a lower probability of emotional and behavioral problems in this sample.

Keywords: Emotional adjustment; Child behavior; Risk factors; Behavior therapy


 

 

A prevenção de problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes deve tornar-se prioridade nas políticas públicas brasileiras de saúde e educação, haja vista as evidências que apontam taxas elevadas de prevalência desses problemas (Assis & Constantino, 2005; Bolsoni-Silva, 2003; Bolsoni-Silva, Silveira, & Marturano, 2008; Paula, Duarte, & Bordin, 2007; Paula, Miranda, & Bordin, 2010; Rios & Williams, 2008).

Constata-se no Brasil um aumento progressivo do interesse por estudos voltados à identificação, prevenção e intervenção em problemas emocionais e comportamentais na infância (Barreto, Freitas, & Del Prette, 2011; Costa, Williams, & Cia, 2012; Couto, Duarte, & Delgado, 2008; Murta, 2007; Paula et al., 2010; Razzouk, Zorzetto, Dubugras, Gerolin, & Mari, 2006; Rios & Williams, 2008). Problemas de comportamento na infância representam déficits ou excessos comportamentais que prejudicam não só a interação da criança com seus pares e adultos, como também a aquisição de repertórios adequados de aprendizagem. Tais problemas, quando não identificados, costumam provocar prejuízos funcionais em diversas áreas da vida da criança e do adolescente (Bolsoni-Silva, 2003).

Estudos sobre prevenção de problemas de comportamento na infância têm se voltado para a avaliação de fatores de risco e de proteção associados a esses problemas. Fator de risco deve ser compreendido como um conceito relacional, na medida em que se refere a um evento que pode aumentar a probabilidade de um determinado desfecho inadequado, quando comparado à mesma população não exposta ao evento (Sá, Bordin, Martin, & Paula, 2010). O status de fator de risco de um determinado evento é condicional, pois depende de outros eventos com os quais ele se relaciona, podendo, inclusive, modificar o curso do desfecho.

Daí a existência, numa mesma população, de grupos vulneráveis e não vulneráveis (Sá et al., 2010). Por isso, o termo fator de risco tem sido utilizado principalmente para referir a condições antecedentes associadas ao aumento da chance de ocorrência de resultados indesejáveis ou efeitos adversos (Kazdin, Kraemer, Kessler, Kupfer, & Offord, 1997; Kraemer et al., 1997). Já os fatores de proteção são eventos que podem atenuar o impacto negativo dos fatores de risco (Kim-Cohen, 2007).

Alguns dos fatores de risco mais estudados, relacionados a problemas de saúde mental e de comportamento na infância, são as habilidades sociais deficitárias, as dificuldades no desempenho acadêmico, as práticas educativas parentais inadequadas, dentre outros (Bolsoni-Silva, Loureiro, & Marturano, 2011; Brancalhone, Fogo, & Williams, 2004; Cecconello, De Antoni, & Koller, 2003; Cia, Pereira, Z.A.P. Del Prette, & Del Prette, 2006; Z.A.P. Del Prette & Del Prette, 2003; Ferriolli, 2006; Marturano & Loureiro, 2003; Milán, García, Hurtado, Morilla, & Sepúlveda, 2006; O'Connel, Boat, & Warner, 2009). Como fatores de proteção têm sido estudados o suporte social e a participação em atividades pró-sociais (atividades de lazer, prática de esporte, brincadeiras ao ar livre, leituras e práticas educativas adequadas) (Cobb, 1976; Cohen & Wills, 1985; Jackson & Warren, 2000; Kazdin et al., 1997; Kim-Cohen, 2007; Paula et al., 2008; Sá et al., 2010).

Segundo O'Connel et al. (2009), inúmeros fatores, como competências individuais, condições financeiras, qualidade da educação, entre outros, podem aumentar ou diminuir o risco de a criança ou o adolescente desenvolver problemas de saúde mental ou de comportamento, tais como uso de substâncias, violência, desafio, oposição e agressividade. Para os autores, esses fatores tendem a ter um efeito cumulativo: a criança que é exposta a um maior número de fatores de risco tem maiores possibilidades de sofrer interferências que prejudiquem seu desenvolvimento. Por outro lado, a exposição da criança a um número maior de fatores de proteção, como práticas parentais positivas, por exemplo, poderá diminuir as probabilidades de um desfecho prejudicial em termos de padrões comportamentais inadequados.

Quando os pais estabelecem um ambiente familiar adequado (clima emocional familiar positivo, suporte à autonomia, estruturação de regras e rotinas no lar) e propiciam momentos favoráveis ao desenvolvimento infantil, eles estão criando fatores de proteção frente a situações ameaçadoras às quais as crianças podem ser expostas (Z.A.P. Del Prette & Del Prette, 2003; Marturano & Loureiro, 2003).

Tanto no Brasil como em outros países, trabalhos de revisão sobre estudos epidemiológicos no tema da saúde mental na infância e adolescência apontam que é necessária a realização de estudos que identifiquem fatores de risco e proteção para problemas de saúde mental nessa faixa etária (Paula et al., 2010; Weare & Nind, 2011). A identificação desses fatores na infância pode possibilitar o desenvolvimento de programas e ações de intervenção destinadas à prevenção e à amenização de problemas e dificuldades emocionais e comportamentais que, quando não tratados adequadamente, poderão evoluir para transtornos psiquiátricos (Kim-Cohen, 2007; O'Connel et al., 2009).

O presente estudo teve como objetivo verificar a associação entre fatores de risco e proteção para problemas emocionais e comportamentais em um grupo de escolares do Ensino Fundamental I.

 

Método

Participantes

Este é um estudo do tipo seccional ou transversal (Klein & Bloch, 2006), cuja amostra foi composta por 181 escolares e seus pais/cuidadores. As crianças estavam matriculadas entre o 2º e o 5º ano do Ensino Fundamental I de uma escola particular da cidade de São Paulo, na faixa etária entre 6 e 12 anos de idade (média: 8,53; desvio-padrão: 1,23). Do total de pais que responderam aos instrumentos, 96,1% foram compostos por mãe ou pai biológico. A faixa etária dos respondentes concentrou-se entre 35-45 anos (59,7%) seguida pela faixa etária de 24 a 34 anos (21,5%). Em relação ao nível de escolaridade dos respondentes, 97,7% concentraram-se entre os níveis médio e superior. A coleta de dados foi conduzida entre os meses de agosto e outubro de 2011. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Processo CEP/UPM 1374/08/2011 e CAAE 0069.0.272.000-11).

Instrumentos

O trabalho contou com três instrumentos:

a) Inventário de Comportamentos para Crianças e Adolescentes entre 6 e 18 anos (CBCL/6-18): esse instrumento avalia indicadores comportamentais de competências nas áreas social, escolar e de realização de atividades, assim como problemas emocionais e comportamentais da criança ou adolescente, referente aos últimos seis meses (Achenbach & Rescorla, 2001). O inventário foi respondido por um cuidador responsável pela criança. As escalas de competências do inventário são compostas por oito perguntas que avaliam realização de atividades (número e tipo de esportes, brincadeiras, passatempos, número de organizações e/ou clubes frequentados e tarefas da vida cotidiana realizadas pela criança ou adolescente), indicadores de socialização (número de amigos, número de vezes que se encontra com estes fora da escola, qualidade das interações sociais com pares, irmãos e pais) e indicadores de desempenho escolar (as habilidades nas matérias escolares, de acordo com o relato dos cuidadores, são avaliadas como melhor, igual, pior ou abaixo da média exigida pela escola). Os problemas de comportamento abrangem 112 perguntas agrupadas em cinco escalas: escalas das síndromes, escalas orientadas pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), escalas de problemas de comportamento internalizantes, escala de problemas de comportamento externalizantes e escala total de problemas emocionais e comportamentais. Alguns dos problemas de comportamento avaliados nessas escalas são ansiedade e depressão, queixas somáticas de fundo emocional, problemas de sociabilidade, problemas de atenção, isolamento e depressão, violação de regras, desafio e oposição, problemas afetivos, problemas de déficit de atenção e hiperatividade, dentre outros. A instrução do inventário para as escalas de problemas de comportamento estabelece que os itens sejam preenchidos atribuindo 0, se o item não é verdadeiro para a criança ou adolescente; 1, se é um pouco verdadeiro ou às vezes verdadeiro; 2, se é muito verdadeiro ou frequentemente verdadeiro. A versão brasileira oficial do CBCL/6-18 foi concluída em 2011, passando por um complexo processo de tradução, retrotradução e adaptação cultural, sob a liderança de pesquisadores brasileiros, em parceria com os autores da versão original do instrumento (Bordin et al., 2013). Como replicado em estudo brasileiro anterior (Santos & Silvares, 2006), definiram-se como casos positivos aqueles que obtiveram pontuação na faixa limítrofe e clínica da escala total de problemas emocionais e comportamentais do CBCL/6-18.

b) Registro de Desempenho Acadêmico: foi identificada a média final de notas das disciplinas de Matemática e Português. Esses dados foram disponibilizados pela coordenação da escola.

c) Questionário de Classificação Econômica Familiar: questionário desenvolvido pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (2009) para a determinação da classe econômica, segundo o poder de consumo da família. O questionário inclui uma combinação de itens para identificar a classe social da família: escolaridade do chefe da família, poder econômico familiar para adquirir bens de consumo (eletrodomésticos, veículos), número de banheiros no domicílio. Cinco classes sociais podem ser estabelecidas segundo o escore total obtido: A (35-46), B (23-34), C (14-22), D (8-13) e E (0-7). Quanto mais baixo o escore, menor o poder de compra da família.

Procedimentos

Em reunião previamente agendada pela coordenação da escola, foi realizada a apresentação e convite aos pais para participarem do estudo. Compareceram 235 pais, dos quais 216 concordaram em participar do estudo. Foram devolvidos 185 inventários, quatro dos quais tiveram de ser excluídos em decorrência de preenchimento inadequado dos dados. Após o consentimento dos pais/cuidadores, foram explicados todos os procedimentos para o preenchimento do instrumento de coleta de dados, conforme o respectivo fundamento teórico-metodológico. Os cuidadores informantes foram instruídos sobre o preenchimento do inventário CBCL/6-18, tanto para não deixar itens em branco, quanto para não aceitar interferência de outro cuidador que desejasse complementar a resposta. As instruções fornecidas tiveram como finalidade reduzir o viés na coleta de dados (Rocha, Pereira, Arantes, & Silvares, 2010). Todos os inventários foram encaminhados em envelope fechado, junto à agenda dos alunos. Uma vez devolvidos os instrumentos respondidos, procedeu-se à revisão e identificação de itens não preenchidos. Foram realizadas aproximadamente 80 ligações telefônicas para completar os dados com os mesmos cuidadores responsáveis que haviam preenchido o instrumento.

Todos os dados coletados foram organizados em um banco, com o auxílio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0. Inicialmente foram conduzidas análises descritivas dos dados, mediante o uso de tabelas de frequências simples e comparação de distribuição de sexo e faixa etária a partir do teste de Igualdade de Duas Proporções. Para verificar a distribuição de crianças e adolescentes com problemas emocionais e comportamentais (com pontuação clínica e/ou limítrofe na escala total de problemas emocionais e comportamentais do CBCL/6-18), foi utilizado o software Assessment Data Manager (ADM), versão 7.2. Esse software permite a conversão dos escores brutos das escalas em escores T (escores padronizados por idade e sexo) e posteriormente classifica as escalas em normal, limítrofe e clínica (Achenbach & Rescorla, 2001).

Após as análises descritivas, foi realizada uma análise multivariada (regressão logística) com a finalidade de gerar um modelo buscando associações entre o desfecho problemas emocionais e comportamentais e os seguintes fatores: idade, sexo, classificação socioeconômica familiar, desempenho acadêmico e indicadores de socialização segundo escala social de competências do CBCL/6-18 (os itens do CBCL/6-18 que permitem verificar uma socialização adequada ou não são o número de amigos da criança/adolescente, o número de vezes que ela se encontra com esses amigos fora da escola e a qualidade das interações sociais com pares, irmãos e pais).

 

Resultados

Na Tabela 1 apresenta-se uma distribuição da frequência relativa de classificação do grupo nas diferentes escalas do CBCL/6-18, lembrando que a classificação limítrofe foi agrupada na classificação clínica, como descrito no método.

De acordo com a Tabela 1, os problemas de comportamento mais frequentes verificados na amostra do estudo foram: a) 69 crianças com problemas de comportamento internalizantes (38,1%); b) 68 crianças com déficit de competências para realização de atividades (37,6%); c) 51 crianças com problemas de ansiedade e depressão (28,2%); d) 47 crianças com problemas de ansiedade (26,0%); e) 47 crianças com problemas totais emocionais e comportamentais (26,0%).

Na Tabela 2 observam-se os potenciais fatores de risco e proteção para problemas emocionais e comportamentais identificados na amostra, que serviram de base para gerar o modelo inicial de regressão logística.

 

 

O conjunto de variáveis independentes des-dição de fatores de risco ou proteção, observam-se critos na Tabela 2 foi utilizado como base para o na Tabela 3 as razões de chances dessas variáveis modelo inicial de regressão logística. Sob a con-em relação aos problemas emocionais e comportamentais.

De acordo com a Tabela 4, no modelo final da regressão logística, permaneceram somente duas variáveis como potenciais fatores protetores associados aos problemas emocionais e comportamentais totais dos indivíduos da amostra: desempenho acadêmico em Matemática (medido pela nota média final nessa matéria) e competências de socialização (medida na escala social de competências do CBCL/6-18, a partir da percepção dos pais sobre número de amigos, número de vezes que se encontra com eles fora da escola e qualidade das interações sociais com pares, irmãos e pais).

 

Discussão

Os resultados do presente estudo são semelhantes aos obtidos em outros trabalhos brasileiros que indicam associações entre fatores protetores, como desempenho acadêmico e socialização, em relação a problemas emocionais e comportamentais (Bandeira, Rocha, Souza, Z.A.P. Del Prette, & Del Prette, 2006; D´Avila-Bacarji; Marturano, & Elias, 2005; Elias & Marturano, 2005; Ferreira & Marturano, 2002; Gardinal & Marturano, 2007; Medeiros, Loureiro, Linhares, & Marturano 2000; Santos & Graminha, 2006).

Sendo o presente estudo do tipo transversal, não é possível afirmar que melhor desempenho acadêmico e socialização adequada sejam fatores protetores para o desenvolvimento de problemas emocionais/comportamentais entre as crianças e adolescentes participantes. Entretanto, a literatura tem indicado que a associação entre esses três fatores se dá nessa direção, já que desempenhos escolares adequados estão associados a uma melhor adaptação escolar, o que parece contribuir para a minimização de diversos problemas comportamentais. É provável que, por essa razão, desde a década de 1990, existam evidências de que a qualidade do desempenho acadêmico seja um dos fatores preditores do futuro perfil emocional/comportamental de crianças e adolescentes (Cia & Barham, 2009a, 2009b; Gordon, 1993).

O desempenho acadêmico prejudicado parece ter impacto direto no comportamento de crianças, adolescentes e jovens, devido ao papel central que a escola tem nessa fase da vida. Duas pesquisas brasileiras conduzidas no Rio Grande do Sul ilustram bem esse cenário. Um estudo transversal com expressiva amostra (3.139 crianças e adolescentes de Pelotas, RS) indicou que os adolescentes de 10 a 13 anos com problemas emocionais e comportamentais (segundo o CBCL/6-18) tinham praticamente o dobro de chance de terem repetido na escola, em relação a seus colegas sem esses problemas (p<0,01; Razão de Prevalência = 1,9; Intervalo de Confiança = 1,5-2,4) (Benvegnú, Fassa, Facchini, Wegman, & Dall'Agnol, 2005). Paralelamente, o estudo epidemiológico do tipo caso-controle (N = 93) conduzido em Porto Alegre evidenciou maior taxa de evasão escolar na 3ª e 4ª séries do ensino fundamental de escolas públicas entre estudantes com transtorno de conduta, em comparação com estudantes sem problemas de comportamento: 31,8 e 2,3% respectivamente (Tramontina et al., 2002).

Dificuldades nas habilidades sociais podem ser compreendidas como déficits na aprendizagem de padrões comportamentais e cognitivos que, se ausentes, conduziriam a uma pior resposta em situações cotidianas que envolvem relacionamentos sociais (Z.A.P. Del Prette & Del Prette, 2003). Por outro lado, o desenvolvimento de repertórios sociais adequados, que ocorrem primeiramente a partir de relacionamentos pessoais com familiares e com os pares, tende a levar ao maior sucesso nessas mesmas circunstâncias (Pacheco, Teixeira, & Gomes, 1999). Assim, as habilidades sociais têm forte impacto no desenvolvimento intelectual e psíquico dos indivíduos e, por isso, tendem a reduzir o risco de desenvolvimento de problemas emocionais e comportamentais. Nesse sentido, as interações sociais podem ser consideradas também educativas, na medida em que representam uma aquisição de conceitos, habilidades e estratégias cognitivas que indiretamente afetam a aprendizagem (Z.A.P. Del Prette & Del Prette, 1998).

De forma geral, a literatura aponta que existe uma inter-relação entre essas áreas do desenvolvimento humano, ou seja, entre habilidades sociais de crianças/jovens e seu desempenho acadêmico. Nota-se que intervenções relativas ao treino de habilidades sociais parecem promover progresso não só na socialização em si, mas também na área acadêmica (Cia & Barham, 2009b; Molina & Del Prette, 2006). Por isso, diversos estudos têm sido concluídos visando aprimorar habilidades acadêmicas e sociais. Essa questão é bem exemplificada por um estudo brasileiro com delineamento quase experimental voltado para a intervenção. Na pesquisa, 16 estudantes (7 a 13 anos de idade) com dificuldades de aprendizagem receberam dois tipos de intervenção: uma exclusivamente acadêmica e outra exclusivamente voltada às habilidades sociais. Ambos os grupos demonstraram progresso após as intervenções; contudo, o primeiro grupo obteve resultados positivos apenas nas habilidades acadêmicas, enquanto o segundo obteve progresso nas habilidades acadêmicas e sociais concomitantemente (Molina & Del Prette, 2006). Embora tenha sido adotado um desenho metodológico quase experimental, o que limita as possibilidades de controle de variáveis, os resultados indicaram que benefícios no campo da socialização contribuíram com melhora no desempenho acadêmico. A associação entre indicadores de socialização e desempenho acadêmico também foi demonstrada no estudo de Cia, Barham, & Fontaine (2010). Nesse trabalho foram verificados resultados positivos em habilidades de leitura e em habilidades sociais, após um programa de intervenção com pais de crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental I (Cia et al., 2010).

De forma geral, conclui-se que há certo consenso na literatura em relação à existência de associação entre problemas emocionais/comportamentais e desempenho acadêmico e habilidades sociais, como foi identificado na presente pesquisa. As diretrizes do Sistema Único de Saúde brasileiro preconizam que as políticas públicas devem basear-se em evidências científicas, visando maximizar os recursos humanos e financeiros existentes (Brasil, 2000). Por isso, resultados de pesquisas realizadas com crianças brasileiras são de grande importância para fornecer evidências que contribuam para a implantação de políticas públicas mais efetivas e promissoras aplicáveis a nossa realidade.

Sabe-se que a população infanto-juvenil brasileira encontra-se frequentemente exposta a diversos riscos, tornando imperativa a implementação de programas preventivos, principalmente porque já existem modelos com bons resultados, como aqueles que incluem promoção de habilidades sociais educativas, estímulo à competência social, formação de grupos educativos e de solução de problemas interpessoais no ambiente escolar, entre outros (Murta, 2007). Nesse sentido, a presente pesquisa vai ao encontro de tal premissa, já que permitiu identificar dois fatores protetores em relação a problemas emocionais e comportamentais de estudantes, contribuindo, portanto, para esse campo do conhecimento, apoiando o desenvolvimento de estratégias de prevenção e intervenção nos campos da saúde, educação e psicologia.

 

Considerações Finais

Este estudo de corte transversal identificou associações entre fatores protetores e o desfecho clínico de problemas emocionais e comportamentais entre os escolares participantes. Devido à estreita ligação entre os três domínios abordados, intervenções que promovem seja o desempenho acadêmico, seja as habilidades sociais poderiam reduzir os problemas emocionais e comportamentais dessas crianças.

Diante dos resultados obtidos, sugere-se a implementação de intervenções que estimulem indicadores de socialização na infância, pois, além de constituírem estratégias de prevenção com benefícios importantes para o desenvolvimento da criança, costumam ter baixo custo.

Embora o presente trabalho traga novos dados para o campo de programas preventivos e de intervenção, algumas limitações devem ser apontadas, como: (1) a amostra do estudo é reduzida; (2) os resultados foram baseados em uma amostra de classes A e B predominantemente, não podendo portanto serem extrapolados para outras classes sociais; (3) os dados referentes a problemas comportamentais dos participantes envolvidos dizem respeito a um único informante, e não a múltiplos; (4) os indicadores de socialização utilizados nesta pesquisa (de acordo com o CBCL/6-18) não permitem avaliar outros repertórios de habilidades sociais dos participantes, pois são restritos ao campo das amizades, frequências de contatos sociais e as qualidades das interações com pares, irmãos e pais.

 

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Correspondência para/Correspondence to: 
M.C.T.V. TEIXEIRA. 
E-mail: <mctvteixeira@gmail.com>

 

 

Artigo elaborado a partir da dissertação de N.Z. SANT'ANA, intitulada "Estudo transversal sobre problemas de comportamento, desempenho acadêmico e competências sociais em escolares do Ensino Fundamental I". Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2012.


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2014000400008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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