Patrícia Alvarenga, Sâmia de Carliris Barbosa Malhado, Taiane Costa de Souza Lins
16 de maio de 2016
O impacto da responsividade materna aos oito meses da criança sobre as práticas de socialização maternas aos 18 meses
The impact of maternal responsiveness at childrens' eight months of on maternal socialization practices at sons' 18 months
El impacto de la sensibilidad materna a los ocho meses del niño en las prácticas de socialización materna a los 18 meses
Patrícia AlvarengaI; Sâmia de Carliris Barbosa MalhadoII; Taiane Costa de Souza LinsIII
IUniversidade Federal da Bahia
IIFaculdade de Tecnologia e Ciências
IIIFaculdade Anísio Teixeira
RESUMO
Este estudo examinou o impacto da responsividade materna, aos oito meses, sobre as práticas de socialização maternas, aos 18 meses da criança. Participaram 23 díades mãe-criança. Aos oito meses foi realizada uma observação da interação mãe-criança e, aos 18, uma entrevista sobre as práticas de socialização. Os resultados revelaram que a responsividade às vocalizações dos filhos esteve positivamente correlacionada às práticas de socialização facilitadoras, enquanto a não responsividade ao sorriso dos bebês esteve negativamente correlacionada ao mesmo tipo de prática. É possível que a maior sensibilidade da mãe às tentativas de comunicação do bebê indique maior capacidade de empregar estratégias verbais não coercitivas na regulação do comportamento da criança em etapas posteriores do seu desenvolvimento.
Palavras-chave: interação mãe-criança; comportamento materno; desenvolvimento infantil.
ABSTRACT
This study examined the impact of maternal responsiveness, at eight month, on the maternal socialization practices at 18 months of the child. Twenty-three mother-child dyads participated. An observation of mother-child interaction, at eight months, and an interview about the socialization practices at 18 were performed. The results revealed that the responsiveness to sons' vocalizations was positively correlated to facilitators socialization practices, while the non-responsiveness to the babies' smile was negatively correlated to the same type of practice. It is possible that the greater sensitivity of the mother attempts to communicate baby indicate greater ability to employ non-coercive verbal strategies in the regulation of children's behavior in later stages of their development.
Keywords: mother-child interaction; maternal behavior; child development.
RESUMEN
Este estudio examinó el impacto de la sensibilidad materna, a los ocho meses, las prácticas de socialización materna de los niños a los 18 meses. Participaron 23 diadas madre-hijo. A los ocho meses, se realizaron observación de la interacción madre-hijo y en los 18, una entrevista sobre las prácticas de socialización. Los resultados revelaron que la sensibilidade a las vocalizaciones de los niños se correlacionó positivamente con las prácticas de socialización facilitadores, mientras que la no sensibilidad a la sonrisa de los bebés se correlacionó negativamente con el mismo tipo de práctica. Es posible que la mayor sensibilidad de la madre a los intentos de comunicación del bebé indican una mayor capacidad de emplear estrategias verbales no coercitivas en la regulación del comportamiento de los niños en las etapas posteriores de su desarrollo.
Palabras clave: interacción madre-hijo; conductas maternas; desarrollo infantil.
A interação da criança com adultos cuidadores é a base primária para o desenvolvimento na infância (Miller-Loncar, Landry, Smith, & Swank, 2000). A responsividade materna, no primeiro ano de vida destaca-se entre várias dimensões da interação mãe-filho que podem ser investigadas empiricamente, por se associar consistente e significativamente ao desenvolvimento infantil (Bornstein, Tamis-Lemonda, Hahn, & Haynes, 2008; Henning & Striano, 2011). Enquanto altos níveis de responsividade materna estão associados ao padrão de apego seguro e a resultados positivos em diferentes domínios desenvolvimentais, a baixa responsividade está relacionada a padrões de apego inseguro e a prejuízos no desenvolvimento socioemocional e cognitivo dos filhos, como os problemas de comportamento e o baixo desempenho acadêmico (Cerezo, Trenado, & Pons-Salvador, 2012; Fraley, Roisman, & Haltigan, 2013).
A responsividade materna, segundo Ribas, Seidl de Moura e Ribas Jr. (2003), não possui uma definição consensual e definitiva, contudo, algumas características principais têm sido utilizadas para definir esse conceito. Ao revisar a literatura sobre a responsividade materna, os autores concluíram que duas dimensões são relevantes para compreender o conceito: a qualitativa e a temporal. Na dimensão qualitativa são estudadas as características afetivas, como a proximidade, o afeto positivo e a intimidade entre a díade. Para a avaliação da dimensão temporal, investiga-se a contingência da resposta materna, ou seja, o tempo de reação da mãe ao comportamento da criança. De acordo com Davidov e Grusec (2006), a resposta materna imediata de afeto positivo, com altos níveis de afeição e de expressão de emoções positivas diante da irritação da criança, é responsiva e promove a autorregulação emocional na criança. No entanto, os comportamentos maternos contingentes, mas que ao mesmo tempo são intrusivos ou não estão relacionados a atividades de cuidado parental, não são considerados responsivos (Bornstein et al., 2008; Henning & Striano, 2011). Nesse sentido, Isabella, Belsky e von Eye (1989) afirmam que a responsividade materna também envolve a adequação das respostas maternas aos comportamentos específicos da criança, contudo, a avaliação da adequação das respostas é mais difícil, por depender também de fatores culturais e individuais.
Além dos efeitos que possuem sobre o desenvolvimento infantil, como por exemplo, estimular uma exploração segura do entorno social, favorecendo a aquisição de novas habilidades e de autonomia, a responsividade tem sido apontada como uma variável preditora de futuras habilidades maternas, como as práticas adotadas para socializar a criança. As práticas de socialização podem ser definidas como os comportamentos parentais que visam reduzir os comportamentos dos filhos que prejudicam sua inserção no grupo social, assim como favorecer e estimular a ocorrência de comportamentos que propiciam autonomia e que facilitam o convívio em grupo (Alvarenga & Piccinini, 2001; Patterson, Reid, & Dishion, 1992).
Hoffman (1975) agrupou as práticas de socialização em duas categorias: práticas indutivas e práticas de força coercitiva. As práticas indutivas consistem em descrever e pensar junto com a criança sobre as consequências do comportamento dela e estão relacionadas ao desenvolvimento da capacidade de autorregulação e à aprendizagem de normas sociais e morais. As práticas de socialização coercitivas, por sua vez, envolvem a punição física, os castigos, a privação de afeto ou ameaças, e estão relacionadas a emoções negativas, como o medo e a raiva, à baixa capacidade de autorregulação e a dificuldades na aquisição de padrões morais e sociais. Contudo, em consonância com o estudo de Alvarenga e Piccinini (2007a), para uma análise mais abrangente das práticas de socialização, não enfatizando apenas o uso da coerção, serão utilizados neste estudo os termos, práticas de socialização facilitadoras e não facilitadoras do desenvolvimento infantil. As práticas de socialização facilitadoras envolvem, além da ponderação sobre as consequências das ações da criança, estratégias como a assertividade, a sensibilidade e o envolvimento materno positivo. Por outro lado, as práticas de socialização não facilitadoras se referem às estratégias de regulação que envolvem coerção, ambiguidade, permissividade e intrusividade (Alvarenga & Piccinini, 2007a). Estudos sugerem que o nível de responsividade materna ao comportamento do bebê seria um importante preditor do tipo e da eficácia das práticas de socialização que serão adotadas no futuro (Alvarenga & Piccinini, 2007b; Patterson et al., 1992). Pais menos disponíveis emocionalmente e com menor repertório para lidar com os comportamentos dos filhos podem ter mais dificuldades para perceber os sinais dos bebês, o que pode contribuir para a adoção mais frequente de estratégias de socialização coercitivas ou pouco contingentes em outras fases do desenvolvimento dos filhos. Os pais mais sensíveis ao comportamento de bebês, por sua vez, tenderiam a ser mais hábeis na regulação do comportamento dos filhos, revelando maior capacidade para adotar estratégias assertivas, contingentes e reforçadoras (Alvarenga & Piccinini, 2007a).
Os estudos que examinam o impacto da responsividade sobre as diferentes dimensões da interação mãe-criança indicam a pertinência de se investigar essas relações e a relevância desse tipo de achado. Alvarenga e Piccinini (2007a) investigaram as relações entre a responsividade materna no terceiro mês de vida do bebê e as práticas facilitadoras e não facilitadoras do desenvolvimento social dos filhos aos 30 meses da criança. Os autores verificaram que o nível de responsividade materna geral foi preditor somente de uma das práticas avaliadas aos 30 meses, a sensibilidade materna, definida como as "manifestações maternas que indicam atenção, consideração e respeito em relação às necessidades e desejos da criança, quando estes são manifestados de forma assertiva" (p. 321). Os autores afirmam que a relação encontrada pode ser interpretada como uma capacidade da mãe de perceber e ser sensível ao desenvolvimento da criança e sua necessidade crescente de autonomia. Assim, uma mãe responsiva seria capaz de reconhecer a fragilidade, a imaturidade e a dependência inicial do bebê, bem como sua necessidade crescente de autonomia à medida que se desenvolve. Desse modo, nos primeiros meses do bebê, a mãe se comportaria de modo a responder prontamente a sinais sutis de desconforto ou tentativas de comunicação e com o passar do tempo seu comportamento se tornaria menos intrusivo, estimulando o desenvolvimento da criança para que ela se torne um ser cada vez mais independente, capaz de identificar suas próprias necessidades e desejos e ir em busca de sua satisfação.
Nessa mesma direção, os achados do estudo de Henning e Striano (2011) indicam que a responsividade materna pode predizer práticas de socialização facilitadoras, já que a percepção infantil da responsividade da mãe afeta positivamente a reação da criança, promovendo um ciclo de práticas de socialização baseadas em influências positivas mútuas estabelecidas pela díade. Por outro lado, Mize e Pettit (1997) ao examinarem em dois estudos a influência de variáveis como a responsividade e as práticas maternas sobre a interação entre pares e a competência social dos filhos, verificaram resultados distintos no que se refere à relação entre a responsividade e as práticas. Os autores constataram inicialmente, ao observar a interação das 43 mães com os filhos com idade entre 3 e 5 anos, que quanto mais a mãe era responsiva, reagindo de forma sincronizada aos comportamentos do filho, mais adotou práticas não hostis que encorajam as interações sociais dos filhos com pares, contudo, apesar de significativa, a correlação foi fraca (r = 0,28; p < 0,05). Na segunda investigação, com 58 mães de crianças entre 3 e 6 anos, elaborada para aprofundar a investigação das relações entre a responsividade, as práticas maternas e a competência social da criança, através da ampliação das estratégias de coleta de dados em relação ao primeiro estudo, os autores não verificaram nenhuma correlação significativa entre a responsividade e as práticas de socialização maternas. É possível que devido às diferenças nas categorias de responsividade e de práticas investigadas nos dois estudos, não tenham sido verificadas correlações significativas entre as práticas e a responsividade maternas. Destaca-se também que a amostra dos dois estudos foi distinta. O segundo estudo contou com a participação de mães com características distintas étnica e socioeconomicamente, em comparação ao primeiro.
Dessa forma, além desses achados não serem conclusivos, algumas características da responsividade materna permanecem pouco estudadas, principalmente no que se refere à interação entre diferentes componentes da responsividade, às variações individuais e às possíveis mudanças ao longo do desenvolvimento dos filhos (Bornstein et al., 2008). Também é fundamental considerar que a responsividade materna possui tipos e funcionalidades distintas, não exercendo uma influência única e geral sobre a interação entre mães e filhos, o que indica a necessidade de investigar a responsividade materna a diferentes comportamentos dos filhos e suas relações com as práticas de socialização adotadas pelas mães (Bornstein et al., 2008; Davidov & Grusec, 2006). Além desses aspectos, a justificativa para esta investigação também se baseia na necessidade de estudos prospectivos, que avaliem a responsividade materna no primeiro ano de vida da criança e as práticas de socialização em etapas posteriores do desenvolvimento. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o impacto da responsividade materna, aos oito meses, sobre as práticas de socialização maternas, aos 18 meses de vida dos filhos. A hipótese testada foi de que quanto mais as mães fossem responsivas aos oito meses, maior seria a frequência de relatos de práticas de socialização facilitadoras do desenvolvimento socioemocional dos filhos aos 18 meses das crianças.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 23 díades mãe-bebê que fazem parte da amostra de um estudo longitudinal mais amplo (título do estudo e referência omitidos para preservar autoria) que buscou identificar os preditores dos problemas externalizantes, da gestação aos 5 anos de idade da criança. Das 30 famílias que ainda participavam do estudo longitudinal no momento da coleta de dados do 18º mês, foram incluídas na amostra deste estudo apenas as 23 díades participantes que possuíam dados completos das duas coletas de dados realizadas no oitavo e no 18º mês de vida da criança. Todos os bebês eram meninos, nasceram a termo, com boas condições de saúde e eram provenientes de famílias de nível socioeconômico baixo. O sexo masculino e o nível socioeconômico baixo são considerados fatores de risco para o desenvolvimento de problemas externalizantes, o que explica as características da amostra (Colder, Mott, & Berman, 2002; Popp, Spinrad, & Smith, 2008).
Os dados sociodemográficos foram coletados na primeira etapa do estudo, quando as mães estavam no terceiro semestre de gestação. As gestantes tinham idade média de 29 anos (M = 29,09; DP = 5,97), estudaram, em média, 11,09 anos (DP = 2,02) e das 23 mães, apenas nove estavam empregadas. Além disso, a média do número de filhos dessas gestantes era de 0,74, sendo que a variação foi de zero a três filhos. Considerando o valor do salário mínimo na época da coleta, a renda familiar média era de um pouco mais de dois salários (M = R$ 807,30; DP = R$ 389,40). A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas das participantes.
Procedimentos de coleta de dados
Foi utilizado um delineamento correlacional (Robson, 1993) que envolveu a análise do impacto da responsividade materna sobre as práticas de socialização maternas. As gestantes foram inicialmente contatadas em quatro maternidades públicas de Salvador. Todas foram informadas a respeito dos objetivos do estudo e da possibilidade da realização de visitas domiciliares após o nascimento dos filhos. Aquelas que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam à Ficha de Dados Sociodemográficos. Após esse momento, as mães que continuaram no estudo receberam visitas domiciliares no oitavo e no 18º mês de vida da criança. No oitavo mês, foi realizada a Observação da Interação Mãe-Criança e, aos 18 meses, as mães responderam à Entrevista Sobre Práticas Educativas Maternas (Alvarenga & Piccinini, 2001), a qual foi gravada e transcrita para análises posteriores.
Instrumentos
Ficha de dados sociodemográficos. Foi utilizada para a coleta de dados da gestante, como a idade, a escolaridade, a profissão e a renda. A ficha foi preenchida pelo pesquisador com as informações fornecidas pelas gestantes.
Observação da interação mãe-criança 8º mês. A observação avaliou a responsividade materna durante as interações da mãe com a criança. Todas as observações foram filmadas e envolveram duas partes consecutivas, com duração de 12 minutos cada. Na primeira, a díade foi filmada em interação livre e, na segunda, em interação com brinquedos disponibilizados pelos pesquisadores. A análise da responsividade materna foi realizada de acordo com a proposta de Piccinini, Alvarenga e Frizzo (2007), segundo a qual são analisados os 3 minutos iniciais e os 3 minutos finais da cada vídeo, em intervalos de 6 segundos. As respostas maternas foram classificadas em dois tipos: adequação ao comportamento do bebê, avaliada com base no tipo de resposta materna; e contingência, avaliada temporalmente, ou seja, as respostas maternas que ocorreram até 12 segundos após o comportamento do bebê. Nos primeiros 6 segundos foram registrados os comportamentos infantis em quatro categorias: sorri (mesmo que o sorriso não fosse dirigido à mãe), vocaliza(ex. balbucios, movimentos da boca, vocalizações de protesto e "risadas"); chora/choraminga quando a criança parecia estar desconfortável, inquieta e/ou chorando; e movimenta-se (ex. engatinhar, rolar ou movimentar os braços e/ou as pernas sem que estivesse segurando um objeto). As respostas maternas a esses comportamentos foram registradas no mesmo intervalo e no intervalo seguinte de 6 segundos, em dez categorias: (a) interpreta/fala pelo bebê: quando a mãe vocalizava, interpretando o estado e/ou os sinais da criança (ex. "Você gostou mesmo desse brinquedo!"); (b) fala para o bebê: referiu-se às verbalizações da mãe, cujo conteúdo não envolvia a brincadeira. (ex. "Está com soninho?"); (c) sorri para o bebê: quando a mãe sorria, dirigindo o olhar para o filho e ambos estavam no mesmo plano visual; (d) pega no colo/embala/aconchega: envolveu as respostas da mãe de colocar o bebê junto ao seu corpo; (e) acaricia/beija o bebê: quando a mãe afagava o bebê; (f) toca/estimula fisicamente com objeto: envolveu as respostas maternas de tocar o filho para estimulá-lo ou de fazer gestos para chamar a atenção do filho); (g) oferece o brinquedo: respostas maternas de pegar um brinquedo e oferecer ao filho; (h) descreve o brinquedo, a atividade ou o evento: quando a mãe descrevia um brinquedo (ex. "Olha, é um telefone!"); (i) dá dicas/estímulos para brincar: referiu-se aos estímulos feitos ao filho, através de ordens ou de sugestões para brincar (ex. "Atende o telefone!"); (j) faz perguntas sobre o brinquedo ou a atividade: quando a mãe fazia perguntas sobre os brinquedos/atividades com as quais o filho estava envolvido (ex.: "O que é isso?"). A combinação de cada comportamento dos bebês com os comportamentos maternos gerou 40 sequências responsivas. Além dessas, a categoria mãe não responde também foi examinada para cada comportamento do bebê, o que resultou na análise de quatro sequências não responsivas. Os comportamentos registrados não eram, necessariamente, mutuamente excludentes. Para cada uma das sequências responsivas foi calculado o percentual de responsividade materna, dividindo-se o número de ocorrências daquela sequência pelo número de comportamentos do bebê em questão. Por exemplo, para a sequência sorri – interpreta/fala pelo bebê, calculou-se o percentual de sorrisos do bebê ao qual a mãe respondeu interpretando ou falando pelo bebê, dividindo-se a frequência, nesta categoria (sorri – interpreta/fala pelo bebê), pela frequência na categoria de comportamento infantil sorri. Esse procedimento foi adotado para evitar que as mães de bebês mais ativos fossem consideradas mais responsivas por essa razão. O mesmo procedimento foi adotado para se obter os percentuais nas sequências não responsivas. Na última etapa da análise foram calculadas as médias dos percentuais das dez categorias de sequências responsivas, envolvendo cada comportamento do bebê, para obter o percentual médio de sequências responsivas. Esse percentual foi utilizado como o indicador geral da responsividade materna. Da mesma forma, foi calculado o percentual médio de sequências não responsivas, a partir da combinação de valores dos quatro comportamentos do bebê com o comportamento materno de não responder. Esse valor foi o indicador geral da não responsividade materna. A classificação das respostas das mães e das crianças foi realizada por dois codificadores independentes, após treinamento de 20 horas. A fidedignidade foi estabelecida com base em 12 vídeos e atingiu a média de 0,79 para as categorias de comportamentos maternos e 0,77 para as categorias de comportamentos infantis (coeficiente Kappa de Cohen).
Entrevista sobre práticas educativas maternas. Essa entrevista estruturada, elaborada por Alvarenga e Piccinini (2001), foi utilizada para a investigação das práticas de socialização adotadas pelas mães para regular o comportamento infantil. Para o uso com mães de crianças aos 18 meses de idade foi adaptada por Piccinini, Frizzo, Alvarenga, Lopes e Tudge (2007). A entrevista conta com seis situações que fazem parte do cotidiano das famílias e tendem a gerar conflito (hora da refeição, deixar o filho sob cuidados de outra pessoa, trocar a roupa do filho, hora de dormir, hora de tomar banho e comportamentos de birra do filho). As respostas maternas foram submetidas à análise de conteúdo (Bardin, 1977) realizada por dois codificadores independentes e o índice de fidedignidade foi calculado em 30% das entrevistas, sendo que o valor médio do coeficiente Kappa foi de 0,83. Essa análise revelou dez categorias de práticas de socialização, divididas em dois grupos de práticas: práticas de socialização facilitadoras e práticas de socialização não facilitadoras. Todas as categorias de práticas foram elaboradas com base nas propostas de Alvarenga e Piccinini (2007a) e de Piccinini, Frizzo, et al. (2007), mas incorporam também os exemplos e os ajustes baseados nas respostas obtidas nas entrevistas realizadas no presente estudo. As práticas facilitadoras se referem às estratégias de regulação do comportamento dos filhos que, de acordo com a literatura (Alvarenga & Piccinini, 2009), estão relacionadas a bons resultados no que diz respeito ao desenvolvimento socioemocional. Essas práticas envolvem o uso de orientações e interações verbais não-coercitivas, além de evitarem ou minimizarem conflitos entre mães e filhos. Esse grupo de práticas foi composto por cinco categorias de práticas específicas: (a) negocia e troca: refere-se às negociações propostas pela mãe, convencendo e/ou prometendo alguma coisa em troca de obediência (ex. "Se você comer mais um pouco, você pode ver TV"); (b) comanda verbalmente sem coerção: empregada quando a mãe relatava dar ordens ou fazer pedidos à criança indicando o comportamento que deveria ser emitido pelo filho de modo não aversivo ou coercitivo (ex. "Come tudinho filho"); (c) muda os hábitos da criança: empregada quando a mãe afirmava fazer algum tipo de alteração na rotina da criança para obter uma modificação de comportamento da desta (ex. "Eu não deixo comer doce antes do almoço"); (d)explica apontando para consequências: categoria empregada quando a mãe afirmava utilizar explicações que envolvessem a descrição de contingências das implicações do comportamento da criança para ela ou para outras pessoas (ex.: "Você tem que comer para ficar forte."); e (e) explica apontando para convenções: refere-se ao relato materno do uso de explicações que envolvessem normas ou regras sociais e relacionadas ao comportamento da criança (ex.: " Eu digo a ele: não bata, que é feio"). O segundo grupo de práticas de socialização analisado se refere à estratégias que, de acordo com a literatura (Alvarenga & Piccinini, 2009), predizem problemas no desenvolvimento socioemocional infantil, e, por essa razão, foi denominado de práticas de socialização não facilitadoras. Esse grupo de práticas envolve estratégias maternas que se caracterizam pelo uso da força e da coerção para a regulação do comportamento dos filhos. Esse grupo foi composto por cinco categorias de práticas específicas: (a) faz ameaça de punir/retirar privilégio: empregada quando a mãe referia dizer para a criança que iria puni-la, caso não parasse de se comportar inadequadamente ou quando a mãe relatava dizer para a criança que iria privá-la de algo caso não parasse de se comportar desta forma (ex.: "Vou te deixar no cantinho sozinho, sentado."; (b) retira privilégio/castiga: empregada quando a mãe relatava deixar a criança sem algo que ela gostasse em função de um comportamento inadequado, ou quando relatava castigar a criança (ex. "Eu boto ele sentado no sofá."); (c) pune verbalmente: refere-se ao relato materno do uso de repreensões e xingamentos, demonstrando desaprovação frente ao comportamento do filho, proibindo-o verbalmente de fazer algo ou quando dizia utilizar comandos verbais coercitivos (ex. "Eu grito com ele: 'vai já pro banho.'") ; (d) pune fisicamente: empregada quando a mãe relatava utilizar intervenções físicas que causassem dor na criança (ex.: "Ah, eu dei umas palmadinhas"); e (e) coage fisicamente: empregada quando a mãe relatava obrigar ou forçar fisicamente a criança a comportar-se de determinada forma (ex.: "Eu levo ele pro banho à pulso").
Procedimentos de análise de dados
Os dados coletados neste estudo foram analisados através de procedimentos de estatística descritiva e inferencial. Inicialmente, foram realizadas análises descritivas para investigação das frequências das sequências responsivas e das práticas de socialização relatadas pelas mães. Para examinar as relações entre a responsividade materna e os totais de práticas de socialização facilitadoras e não facilitadoras do desenvolvimento e entre a responsividade materna e as características sociodemográficas, foi utilizado o teste de correlação de Spearman.
Resultados
A codificação das interações das díades revelou aproximadamente 40 tipos de sequências responsivas maternas e tipos de sequências não responsivas. Foi verificado um total de 3274 unidades de análise de sequências responsivas e de 151 unidades de sequências não responsivas. Verificou-se ainda que a média do total de sequências responsivas maternas (M = 1,76; DP = 0,65) foi significativamente maior (Z = -4,197; p = 0,001) do que a média do total de sequências não responsivas (M = 0,14; DP = 0,15). A Tabela 2 apresenta os detalhes dessas análises.
A codificação das respostas maternas à entrevista sobre as práticas de socialização revelou 204 unidades de análises, tanto de práticas de socialização facilitadoras, quanto de não facilitadoras do desenvolvimento infantil. Verificou-se que a frequência média do total de práticas facilitadoras (M = 3,74; DP = 1,51) foi ligeiramente maior que a do total de práticas não facilitadoras (M = 3,65; DP = 2,04), porém essa diferença não foi significativa (Z = -0,038; p = 0,97).
De acordo com os achados das análises de correlação entre a responsividade e as práticas de socialização maternas, a responsividade materna à vocalização infantil esteve correlacionada de forma moderada e positiva ao total de práticas de socialização facilitadoras (ρ = 0,45; p < 0,05), indicando que quanto mais as mães foram responsivas aos comportamentos de vocalização do bebê, mais relataram a adoção de práticas de socialização facilitadoras. Além disso, foi verificada uma correlação negativa e de fraca intensidade entre a não responsividade materna ao sorriso do bebê e o total de práticas de socialização facilitadoras (ρ = -0,38; p < 0,05). Assim, quanto menos as mães foram não responsivas ao sorriso do bebê, aos 8 meses, maior foi o relato de práticas de socialização facilitadoras aos 18 meses do filho. Considerando as características sociodemográficas, verificou-se que a escolaridade materna esteve negativa e moderadamente correlacionada a não responsividade ao sorriso da criança (ρ = -0,47; p < 0,05), enquanto o número de filhos esteve correlacionado de forma positiva e fraca à não responsividade à vocalização dos bebês (ρ = 0,36; p < 0,05). Esses achados indicam que quanto maior a escolaridade materna, menor foi a frequência de não responsividade ao sorriso da criança, assim como quanto maior o número de filhos, maior foi a não responsividade materna às vocalizações do bebê. A Tabela 3 apresenta os detalhes dessas análises.
Por fim, de acordo com as análises de correlação entre as características sociodemográficas das participantes e as práticas de socialização maternas, verificou-se apenas que a variável escolaridade materna (ρ = 0,39; p < 0,05) esteve positivamente correlacionada ao total geral de práticas de socialização facilitadoras maternas, sendo a correlação fraca. Isso indica que quanto mais escolarizadas eram as mães, maior foi o relato materno de adoção de práticas de socialização facilitadoras nas situações apresentadas. Os detalhes dessas análises são apresentados na Tabela 4.
Discussão
O presente estudo analisou o impacto da responsividade materna aos oito meses sobre as práticas de socialização maternas aos 18 meses de idade dos filhos. Esperava-se que quanto mais responsivas as mães fossem ao comportamento dos filhos, mais frequente seria o relato de práticas de socialização facilitadoras do desenvolvimento social. Contudo, a hipótese recebeu pouco apoio dos resultados. Foi verificado que quanto maior o nível de responsividade às vocalizações dos filhos, aos oito meses, mais frequente foi o relato de práticas de socialização facilitadoras aos 18 meses. Além disso, quanto menor o nível de não responsividade ao sorriso do bebê no 8º mês mais frequentes foram os relatos de práticas de socialização facilitadoras aos 18 meses.
A literatura indicava o potencial da variável responsividade materna como preditora das práticas de socialização (ex. Alvarenga & Piccinini, 2007a; Henning & Striano, 2011; Mize & Pettit, 1997). Contudo, Bornstein et al. (2008) e Davidov e Grusec (2006) apontavam para particularidades importantes dessa relação. De acordo com esses estudos, a responsividade materna em relação aos comportamentos dos filhos possui tipos e funcionalidades específicas e por isso não exercem uma influência global sobre a interação mãe-criança. Davidov e Grusec, por exemplo, destacam que a responsividade ao desconforto infantil tem uma função de regular as emoções negativas dos filhos, assim como de estimular o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais, como a empatia. Assim, dimensões específicas da responsividade materna estariam relacionadas a diferentes aspectos do desenvolvimento infantil. Seguindo esse argumento é possível que diferentes dimensões da responsividade também se relacionem apenas a determinados tipos de práticas de socialização. Desse modo, os resultados do presente estudo fornecem apoio à noção de que a responsividade é um construto multidimensional (Bornstein et al., 2008), e que, portanto, talvez apenas algumas de suas dimensões sejam relevantes para a compreensão das práticas de socialização. Tão importantes quanto as diferentes dimensões do conceito são as diferentes formas de avaliá-lo ou medí-lo, que também podem produzir diferentes resultados (Grusec & Davidov, 2010).
Voltando aos achados do presente estudo, a relação direta encontrada entre a responsividade às vocalizações do bebê e as práticas facilitadoras, pode estar indicando uma sensibilidade particular da mãe às capacidades comunicativas da criança, e, especialmente a sua capacidade de comunicação vocal/verbal. Assim, é possível pensar que mães que respondem mais às vocalizações dos bebês, tenderiam a empregar mais estratégias verbais não coercitivas no futuro, por perceberem a criança, desde o início do seu desenvolvimento, como um ser que se comunica e que tem uma capacidade crescente de compreensão e de expressão verbal. As contingências que envolvem interações vocais/verbais entre mãe e bebê nos primeiros meses de vida, portanto, teriam o papel de preparar a díade para trocas cada vez mais complexas envolvendo a linguagem, constituindo um treino para que mãe e bebê se expressem e se escutem. É possível que a vivência desse tipo de contingência ao longo do primeiro ano de vida também tornem tanto a mãe como a criança mais hábeis e receptivas em relação a estratégias verbais não coercitivas na resolução de conflitos do dia-a-dia.
Além disso, é possível hipotetizar que o período de desenvolvimento da linguagem no qual os filhos se encontravam quando a responsividade materna foi avaliada, também tenha contribuído para a relação entre a responsividade materna às vocalizações dos filhos e as práticas facilitadoras. Segundo Bates e Goodman (1997), por volta dos oito meses de vida há um aumento na frequência de emissão de sons e na capacidade da criança para combinar vogais e consoantes. Assim, é possível que este seja um período da vida da criança que torne as mães mais sensíveis às vocalizações, fazendo com que elas respondam de forma contingente às tentativas de interação verbal dos filhos. Essa interação, ainda nos primeiros meses de vida da criança, pode ter um impacto nos tipos de práticas adotadas pelas mães em fases posteriores, visto que, segundo Bornstein et al. (2008), as respostas maternas às vocalizações dos filhos podem servir de estímulo para o desenvolvimento da linguagem. Nessa mesma perspectiva, Ribas e Seidl de Moura (2006) verificaram que as mães tendem a responder às vocalizações dos filhos falando ou vocalizando, favorecendo e estimulando o uso da linguagem, e consequentemente aumentando as possibilidades da criança compreender o conteúdo verbal das práticas maternas. Assim, além de estimular o desenvolvimento da linguagem na criança, a responsividade da mãe às vocalizações poderia também estar preparando a criança para ter seu comportamento regulado por intervenções verbais no futuro, o que tornaria esse tipo de interação mãe-criança mais funcional e menos conflituoso, durante episódios de socialização.
Quanto à correlação negativa encontrada entre a não responsividade ao sorriso do bebê e as práticas facilitadoras, é possível que essa dimensão específica da responsividade seja um indicador sutil da sensibilidade materna ao comportamento pró-social da criança. O escore de não responsividade ao sorriso indica o percentual de ocorrências de sorrisos do bebê às quais a mãe não reagiu de forma alguma, ou seja, após as quais a mãe não apresentou nenhum comportamento. A correlação indicou que, quanto menor o nível de não responsividade, maior a frequência de práticas facilitadoras. Assim, é possível hipotetizar que a maior sensibilidade ao sorriso do bebê, que é um indicador importante de conduta pró-social nos primeiros meses, desenvolva-se ao longo do tempo, como uma maior sensibilidade ao repertório pró-social infantil como um todo, fazendo com que a mãe seja mais receptiva e recompensadora em interações que envolvam iniciativas pró-sociais da criança, o que indiretamente, poderia resultar em maior frequência de uso de práticas facilitadoras.
Outro aspecto a ser considerado, refere-se às relações verificadas entre a escolaridade materna e a responsividade materna. De acordo com os resultados, quanto menor a escolaridade materna, mais as mães foram não responsivas ao sorriso dos filhos. Segundo Ribas e Seidl de Moura (2007), ainda são poucos os estudos que buscam investigar as relações entre a responsividade materna e a escolaridade, e aqueles que avaliam essa relação têm apresentado resultados divergentes. Drake, Humenick, Amankwaa, Younger e Roux (2007), por exemplo, ao avaliarem mães de bebês, entre 2 e 4 meses de vida, não verificaram nenhuma relação entre a escolaridade e a responsividade materna. Ribas e Seidl de Moura (2006) investigaram as relações entre a responsividade materna às vocalizações com e sem estresse dos filhos, aos 5 meses, e também não verificaram nenhuma relação entre a responsividade e a escolaridade materna. As autoras salientam que talvez a responsividade às vocalizações de estresse dos bebês, sendo uma tendência de interação relacionada à sobrevivência da espécie, não seja afetada por variáveis sociodemográficas, como a escolaridade. Ao considerar essas perspectivas e os achados do presente estudo, é possível supor que a influência de variáveis sociodemográficas sobre a responsividade materna dependa da dimensão específica de responsividade que esteja sendo avaliada, e também do tipo de comportamento do bebê ao qual a mãe está respondendo.
Verificou-se a partir da análise das médias dos percentuais das sequências responsivas e não responsivas, uma maior tendência de as mães responderem ao sorriso dos filhos tocando/estimulando. De forma contrária, Henning e Striano (2011) verificaram que as mães mais responsivas ao sorriso da criança tendiam a responder com vocalizações, o que nesse caso pode sinalizar a influência de uma maior instrução materna, pois essas mães teriam maior repertório para interagir com os filhos e para reconhecer as demandas infantis, favorecendo e estimulando a comunicação com os filhos. De qualquer modo, no que se refere à escolaridade materna, é possível que mães mais instruídas fiquem mais atentas a comportamentos sutis dos filhos, tais como o sorriso, e que essa manifestação seja percebida como uma tentativa de interação da criança, e como uma oportunidade de comunicação com os bebês. Entretanto, devido ao tamanho reduzido da amostra e por ser composta por famílias com características sociodemográficas semelhantes é necessário que mais estudos sejam realizados para avaliar as relações entre essas variáveis.
A escolaridade materna também se destacou em relação às práticas de socialização relatadas pelas mães. Verificou-se que quanto maior a escolaridade das mães, mais as mães relataram práticas facilitadoras do desenvolvimento dos filhos. Alguns estudos (ex. Ribas Jr., Seidl de Moura, & Bornstein, 2003; Seidl de Moura et al., 2004) têm verificado que a escolaridade materna é um importante preditor do conhecimento materno a respeito do desenvolvimento infantil. Segundo Ribas Jr. et al. (2003), mães com maior conhecimento a respeito do desenvolvimento infantil tendem a estabelecer interações menos conflituosas com os filhos, por terem expectativas mais reais, a respeito do próprio comportamento e dos comportamentos infantis. Além disso, é possível que mães mais instruídas possuam um repertório verbal mais amplo o que, junto ao maior conhecimento sobre o desenvolvimento infantil, facilitaria a adoção de práticas favoráveis ao desenvolvimento socioemocional dos filhos, em detrimento de práticas não facilitadoras, como a punição (Carmo & Alvarenga, 2012).
Analisando em conjunto as relações entre escolaridade, responsividade e práticas de socialização, esses achados indicam a importância da educação para o desempenho da parentalidade. Em se tratando de países em desenvolvimento, muitos estudos indicam que populações que vivem em situação de vulnerabilidade social, caracterizada fundamentalmente por baixa renda e baixa escolaridade, têm maior probabilidade de apresentar dificuldades nas tarefas ligadas à parentalidade (Walker et al., 2011). Esses pais tenderiam a conhecer menos sobre desenvolvimento infantil e práticas de socialização (Ribas Jr. et al., 2003; Seidl de Moura et al., 2004) e a desenvolver padrões de responsividade inadequados e práticas menos eficazes e mais coercitivas (Alvarenga et al., 2012; Carmo & Alvarenga, 2012; Knutson, DeGarmo, Koeppl, & Reid, 2005; Mistry, Vandewater, Huston, & McLoyd, 2002). A interação de inúmeros fatores explica a maior vulnerabilidade dessas famílias para o desenvolvimento de práticas e habilidades parentais menos favoráveis, mas o papel da educação (Ribas et al., 2003; Seidl de Moura et al., 2004) e dos eventos estressores presentes no ambiente doméstico têm sido enfatizados (Carmo & Alvarenga, 2012; Walker et al., 2011). Nesse sentido, ações que melhorem a qualidade de vida dessas populações, incluindo, por exemplo, maior acesso a serviços de saúde, moradia, segurança, e sobretudo, educação, precisam ser foco de atenção e de intervenções efetivas.
Além desses achados, faz-se necessário discutir o fato de que todas as crianças cujas mães participaram deste estudo eram do sexo masculino, o que pode ter contribuído para alguns dos achados deste estudo. Ciciolla, Crnic e West (2013) investigaram as relações entre a responsividade materna e o desenvolvimento infantil e constataram que mães de meninos, em comparação a mães de meninas, são menos responsivas em interações conflituosas com os filhos entre 3 e 5 anos de idade. Além disso, de acordo com alguns estudos, o sexo da criança é uma variável moderadora da relação entre padrões de apego inseguros, o que pressupõe baixa responsividade materna no primeiro ano de vida e problemas externalizantes na infância, sendo que os meninos tendem a ser mais vulneráveis, especialmente se são provenientes de contextos socioeconômicos adversos (Fearon & Belsky, 2011; Fearon, Bakermans-Kranenburg, van Ijzendoorn, Lapsley, & Roisman, 2010). Desse modo, é possível que o fato de incluir apenas meninos na amostra, possa ter produzido efeitos sobre as médias de sequências responsivas e não responsivas, bem como sobre as relações entre a responsividade e as práticas de socialização.
Por fim, é importante considerar que esse estudo apresentou algumas limitações. A amostra contou com um número reduzido de participantes, o que dificultou e até impediu a realização de algumas análises estatísticas mais sofisticadas. Além disso, as mães possuíam características sociodemográficas semelhantes, fatores que em conjunto limitam as possibilidades de generalização desses achados para outros contextos e populações. Ademais, é importante considerar que as participantes deste estudo fazem parte de um estudo maior que avaliou preditores dos comportamentos antissociais infantis, o que exigiu uma amostra com características apontadas pela literatura como fatores de risco para esses problemas, como por exemplo, o sexo da criança.
Em síntese, os achados deste estudo apoiam a noção de que a responsividade materna é um conceito complexo e multidimensional e de que, possivelmente, apenas algumas de suas dimensões sejam relevantes para explicar as práticas de socialização nos primeiros anos de vida da criança. A responsividade materna às vocalizações e ao sorriso dos bebês destacaram-se nesse sentido, indicando que o fato de a mãe perceber as intenções comunicativas do bebê e responder sensivelmente a elas, pode ser um importante preditor da sua capacidade de adotar práticas de socialização facilitadoras do desenvolvimento socioemocional infantil no futuro. Assim, os achados deste estudo fortalecem a noção de que certas dimensões da responsividade materna podem predizer as práticas de socialização, e sinalizam a possibilidade de que intervenções que favoreçam a responsividade no primeiro ano da vida do bebê possam também ter efeitos importantes sobre a interação mãe-criança em etapas posteriores do desenvolvimento. Além disso, a escolaridade, também apareceu nas análises como um fator relacionado, tanto à responsividade, como às práticas facilitadoras, sublinhando a importância da educação materna para que as tarefas ligadas à parentalidade sejam desempenhadas de maneira satisfatória, de modo a favorecer o desenvolvimento infantil pleno nos primeiros anos de vida.
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Patrícia Alvarenga, Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pós-doutora pela Universidad de Valencia (UV), é Professora Associada do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Endereço para correspondência: Rua Aristides Novis, 197. Salvador – BA. CEP: 40210-730. E-mail: alvarenga66@gmail.com
Sâmia de Carliris Barbosa Malhado, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é Docente Associada da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Campus Jequié-BA. E-mail:carliris@gmail.com
Taiane Costa de Souza Lins, Mestre em Psicologia do pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), é Docente na Faculdade Anísio Teixeira (FAT). E-mail: lins.taiane@gmail.com
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