Artigos Científicos

Educação escolar e conduta infracional em adolescentes: revisão integrativa da literatura

Jorge Luiz da Silva; Marina Rezende Bazon

16 de maio de 2016

Estud. psicol. (Natal) vol.19 no.4 Natal out./dez. 2014

 

Educação escolar e conduta infracional em adolescentes: revisão integrativa da literatura

 

Education and juvenile delinquency: an integrative literature review

 

La educación y la delincuencia juvenil: revisión integradora de la literatura

 

Jorge Luiz da Silva; Marina Rezende Bazon

Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto)


RESUMO

A presente revisão integrativa de literatura investigou as relações existentes entre a educação escolar e a conduta infracional em adolescentes. As bases de dados consultadas foram PsycINFO, LILACS e Scielo, no período de 2008 a 2012. Aplicados critérios de inclusão e de exclusão, a revisão incidiu sobre 32 artigos. Os resultados evidenciaram que aspectos negativos da vivência escolar não somente contribuem para o desenvolvimento de conduta infracional na adolescência, como também se constituem em preditores significativos, especialmente a "fraca vinculação escolar". Todavia, trata-se de um processo de natureza complexa que é perpassado por múltiplos fatores pertencentes a diferentes domínios, que se encontram na dependência indireta de outros agentes e contextos sociais, apresentando também intensidade variada. Evidenciou-se ainda a necessidade de realização de mais estudos nacionais com vistas a uma melhor compreensão das especificidades da realidade educacional brasileira.

Palavras-chave: adolescente em conflito com a lei; educação; escola; revisão de literatura.


ABSTRACT

This integrative literature review presents an investigation concerning the existing relationships between education and juvenile delinquency. The PsycINFO, LILACS and Scielo databases were searched between 2008 and 2012. A total of 32 papers were identified after inclusion and exclusion criteria were applied. The results revealed what negative aspects of the educational experience not only contribute to the commitment of infractions, but are also significant predictors of such behavior, especially "poor school bonding". This is, however, a complex process permeated with multiple factors that belong to different domains, which in turn, indirectly depend on other agents and social contexts with varied intensity. Further research is needed to better understand the specificities of the Brazilian educational context.

Keywords: adolescents in conflict with the law; education; school; literature review.


RESUMEN

Esta revisión integradora de la literatura investigó las relaciones entre la educación y la delincuencia juvenil. Las bases de datos buscadas fueron PsycINFO, LILACS y SciELO entre los años 2008 y 2012. Se identificaron un total de 32 documentos después de aplicar los criterios de inclusión y exclusión. Los resultados mostraron que aspectos negativos de la experiencia escolar no sólo contribuyen al desarrollo de la conducta ofensiva en la adolescencia, pero también constituyen predictores significativos de este tipo de comportamiento, sobre todo "unión débil a la escuela". Este es, sin embargo, un proceso complejo impregnado con múltiples factores que pertenecen a diferentes dominios, que a su vez, indirectamente dependen de otros agentes y contextos sociales con intensidad variada. Se necesita más investigaciones para comprender mejor las particularidades del contexto educativo brasileño.

Palabras clave: adolescente en conflicto con la ley; educación; escuela; revisión.


O envolvimento de adolescentes com a prática de atos infracionais gera inquietação na sociedade, em diferentes níveis. O fenômeno contribui para a intensificação de uma sensação generalizada de insegurança em toda a população (Ward et al., 2010) e também desperta preocupações com os prejuízos de natureza física, psicológica e social impostos às vítimas, aos próprios adolescentes em conflito com a lei e à sociedade em geral, bem como com os custos financeiros para a sua prevenção, controle e tratamento (LeBlanc, 1994).

Diante disso, investigações têm sido empreendidas na intenção de identificar variáveis associadas e possíveis causas do engajamento infracional de adolescentes, a fim de que os dados obtidos possam subsidiar políticas públicas, programas de tratamento e de prevenção na área. Em linhas gerais, elas verificam a associação do comportamento delitivo a inúmeros fatores de risco situados em diferentes contextos: família, escola e comunidade. Nesse bojo, a experiência escolar negativa prepondera como um dos mais importantes preditores do envolvimento infracional mais sério na adolescência (Ford & Schroeder, 2011; Janosz & LeBlanc, 1999; LeBlanc, 1994; Levin & Madfis, 2009; Li &Lerner, 2011, Sabates, 2008; Yu & Gamble, 2010), sendo esse o motivo pelo qual a relação educação escolar e conduta infracional é focalizada no presente estudo.

Apesar das diferenças metodológicas, as pesquisas, em geral, convergem apontando a ligação entre problemas no processo de escolarização e a manifestação de conduta infracional. Sumariamente, indicam, de um lado, que baixo desempenho, problemas na interação com professores e pares, bem como a evasão escolar denotam desadaptação à escola e essa, em seu turno, fomenta um processo de desvinculação que se constitui em risco para o envolvimento dos adolescentes com atos infracionais. De outro lado, propõem que um bom desempenho e boas relações propiciem melhor integração do aluno à escola e desestimulam a manifestação de problemas de natureza disciplinar e infracional. Ademais, a escola também é apresentada como um importante ambiente de socialização e promoção do desenvolvimento de condutas pró-sociais.

Uma parcela significativa dessas investigações se apoia nos fundamentos da Teoria da Vinculação Social de Hirschi (1969), para o estabelecimento dos nexos explicativos, por pressuporem que os adolescentes que apresentam maior compromisso e envolvimento em atividades pró-sociais (como as escolares) são menos propensos ao cometimento de atos infracionais, pois tendem a internalizar regras e normas convencionais e têm sua rotina tomada, na quase totalidade, por atividades também convencionais. Assim, a instituição escolar pode colaborar para a vinculação social dos alunos quando propicia uma boa aprendizagem, apresenta regras claras, estimula valores sociais e o respeito por professores e colegas, além de estruturar parte da rotina vivenciada por crianças e adolescentes.

Não obstante, alguns entraves interferem na qualidade da escolarização; um deles refere-se à massificação do sistema educacional, colocando numa mesma sala de aula alunos com características variadas, que apresentam diferentes ritmos e capacidade para aprendizagem, para os quais é oferecido um ensino massificador. O sistema escolar, assim organizado, pode gerar falta de motivação e insucesso, quando os objetivos, estrutura e métodos pedagógicos conduzem à ausência ou à perda do sentido e valor da escolaridade (Janosz & LeBlanc, 1999).

Na esteira da desvinculação escolar, sublinham-se os delitos praticados dentro das escolas, local que oportuniza não somente o cometimento de infrações como também pode se transformar em palco para revides e represálias. De acordo com Dinkes, Cataldi e Lin-Kelly (2008), nas escolas estadunidenses, por exemplo, foram identificados 863.000 furtos e 583.000 situações de violência não fatais no ano de 2004. O impacto negativo dessas ações também afeta a escola em si, seja em termos de danos patrimoniais, seja no tocante à sua capacidade para cumprir a missão educativa, devido à diminuição da frequência e à desmotivação de alunos e professores. Desse modo, as dificuldades decorrentes da interface escolarização e conduta infracional despontam enquanto um problema a ser enfrentado.

Focalizando a evasão como evidência mais séria da desvinculação escolar, essa é identificada como um dos principais preditores para o cometimento de atos infracionais (Hirschfield, 2009). Estima-se que no Brasil, no ano de 2010, aproximadamente 6,3% dos alunos haviam abandonado os estudos no 5º ano do Ensino Fundamental e 12,5% no 1º ano do Ensino Médio (IBGE, 2013), sendo essa realidade, quando envolve adolescentes em conflito com a lei, ainda mais dramática. Um estudo nacional realizado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2012), em unidades de internação, revelou que 57% dos adolescentes que cumpriam a medida socioeducativa de privação de liberdade se encontravam evadidos da escola antes da apreensão.

Tomando por base o contexto apresentado, alguns questionamentos se colocam: quais aspectos efetivamente exercem efeito de causalidade sobre o processo de desvinculação escolar e a produção da conduta infracional em adolescentes? O engajamento infracional, em seu turno, pode acentuar a desvinculação escolar e a evasão? A relação entre escolaridade e delinquência tem natureza unidirecional ou bidirecional? Os aspectos escolares associados à conduta infracional estão sob a influência direta ou indireta de outros contextos sociais? Considerando tais questionamentos, o objetivo do presente estudo foi o de investigar as relações entre educação escolar e conduta infracional em adolescentes, procurando evidenciar os aspectos envolvidos nessa relação tendo por base a produção científica na área, disponibilizada nos últimos 05 anos.

 

Método

Este estudo se desenvolveu como uma revisão integrativa de literatura, considerada mais abrangente em relação a outros métodos de revisão de literatura (revisão sistemática e narrativa, por exemplo) por possibilitar a sumarização de estudos realizados com diferentes delineamentos metodológicos (empíricos e teóricos), de modo a abrange um escopo mais amplo da produção científica atinente à temática investigada (Ganong, 1987). Semelhante à revisão sistemática, a revisão integrativa possibilita o estabelecimento de panoramas consistentes acerca dos resultados veiculados nas pesquisas analisadas e dos métodos empregados. Possui, porém, como um compromisso maior, identificar e sistematizar os conhecimentos válidos, no sentido desses poderem respaldar as práticas profissionais, além de oportunizar reflexões sobre a realização de investigações futuras e a formulação de conclusões globais (Galvão, Mendes, & Silveira, 2010).

Para a sua operacionalização, recomenda-se o seguimento das seis fases propostas por Souza, Silva e Carvalho (2010): formulação de uma pergunta norteadora, estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão dos trabalhos a serem analisados, coleta de dados, análise crítica dos estudos incluídos, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa.

Com base nestas indicações, a busca dos artigos para este estudo foi realizada nas seguintes bases de dados: PsycINFO (Psychological Information Database), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Scielo (Scientific Electronic Library Online/Brasil), assumindo como questão norteadora: quais e de que modo os aspectos da educação escolar se encontram relacionados com a manifestação de conduta infracional na adolescência?

Para a busca na base de dados PsycINFO foram utilizados os seguintes cruzamentos de palavras-chave: juvenile delinquency and school e juvenile delinquency and education. Para as bases LILACS e Scielo utilizaram-se os cruzamentos: delinquência juvenil e escola; delinquência juvenil e educação; adolescente em conflito com a lei e escola; adolescente em conflito com a lei e educação; adolescente infrator e escola; adolescente infrator e educação. Ressalta-se que a busca pelas relações ocorreu de forma ampla, considerando suas múltiplas dimensões. Além disso, a maior variedade nos cruzamentos referentes às bases LILACS e Scielo se deu em razão do fato de se saber de antemão que nas publicações nacionais e latino-americanas são empregados com significação semelhante os termos: delinquência juvenil, adolescente em conflito com a lei e adolescente infrator.

Como critérios de inclusão, estabeleceu-se para a seleção dos artigos um recorte temporal de cinco anos (2008-2012). Foram incluídos trabalhos publicados nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola. Selecionaram-se estudos teóricos, empíricos e de revisão de literatura sobre o tema, ou seja, todos os trabalhos na forma de artigos científicos que abordavam a relação educação escolar e conduta infracional de forma direta ou indireta. Foram excluídas pesquisas publicadas em outras línguas que não fossem inglês, português e espanhol (chinês, japonês e turco, por exemplo) e as que abordavam temas discrepantes à questão norteadora estabelecida (denúncia sobre porte de armas na escola, ideação suicida, participação em gangues, problemas de comportamento na família, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de personalidade antissocial, entre outros).

Para a realização do tratamento dos dados bibliográficos, as informações dos artigos foram sintetizadas em um quadro sinóptico, contemplando os seguintes itens: título, autores, ano de publicação, título do periódico, país no qual a pesquisa foi desenvolvida, instituição dos autores, objetivos, método, principais resultados e conclusões. A apresentação dos resultados e da discussão dos dados foi feita de forma descritiva, por meio de análise de conteúdo temática segundo Bardin (2002), que compreende três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Esse tratamento dos dados propiciou a obtenção de uma visão geral acerca da produção científica nacional e internacional na temática investigada.

 

Resultados

Na base de dados internacional PsycINFO foram encontrados 113 resultados; destes, 52 foram selecionados pelos critérios de inclusão e exclusão. Após a exclusão dos 21 trabalhos repetidos, restaram 31, sendo 28 recuperados. As repetições aconteceram em relação aos cruzamentos das palavras-chave. Por outro lado, a base de dados LILACS ofereceu menor quantidade de resultados, totalizando nove publicações, das quais cinco foram selecionadas, duas eram repetidas, restando três artigos que foram recuperados. Na Scielo (Brasil), obteve-se apenas um artigo como resultado em todos os cruzamentos, sendo este recuperado. Em síntese, foram lidos 123 resumos de artigos indexados nas três bases de dados; destes, 58 foram selecionados, 23 eram repetidos, restando 35 artigos, dos quais 32 foram recuperados, lidos na íntegra e tiveram seu conteúdo tabulado.

Em relação ao ano de publicação dos trabalhos selecionados, identificou-se uma pequena oscilação na distribuição das publicações no decorrer dos cinco anos investigados, de acordo com a seguinte distribuição: 2008 (n = 07), 2009 (n = 07), 2010 (= 09), 2011 (n = 07), 2012 (n = 02). Pode-se depreender que o interesse pela investigação da temática manteve-se relativamente estável no período investigado, apesar de ter demonstrado sinais de arrefecimento no ano de 2012, especialmente nos Estados Unidos, país no qual foi realizada a maioria das investigações (n = 26). Em outras realidades socioculturais também foram desenvolvidos estudos em proporção menor: Brasil (n = 03), Argentina (n = 01), Estônia (n = 01) e Inglaterra (n = 01). Coerente a essas informações, o idioma prevalente para a divulgação dos artigos foi o inglês (n = 28), seguido pelo português (n = 03) e o espanhol (n = 01).

No que se refere aos periódicos selecionados pelos autores, para divulgação dos seus estudos, foram identificados 32 títulos diferentes. Dentre eles, somente três nacionais, sendo todos da área da psicologia: Barbarói, Estudos de Psicologia (PUCCAMP) e Psico (PUC-RS). Nesse tocante, os periódicos se inserem em sete áreas do conhecimento, na seguinte proporção: multidisciplinar (n = 10), psicologia (n = 08), criminologia (n = 07), educação (n = 04), medicina (n = 01), psiquiatria (= 01) e sociologia (n = 01). A pequena quantidade de estudos publicados em revistas específicas da educação demonstra a pouca notoriedade assumida pelo tema nesta área, embora trate de uma problemática recorrente nas escolas.

Metade dos trabalhos recuperados constituiu-se por estudos longitudinais (n = 16). Na sequência, vieram estudos transversais (n = 09), documentais (n = 04), estudos de caso (= 02) e revisão de literatura (n = 01). Técnicas estatísticas foram os procedimentos adotados para a análise dos dados na maioria dos trabalhos. Ressalta-se que a elevada prevalência de pesquisas longitudinais pode ser considerada positiva, uma vez que, por esses estudos serem desenvolvidos ao longo de muitos anos, possibilitam a investigação das formas de produção do problema pesquisado, dos fatores de risco e proteção a ele associados, a avaliação das consequências identificadas e a elaboração de inferências acerca de relações causais complexas (Hinshaw, 1992).

Para a presente revisão de literatura, o tratamento dos resultados dos artigos recuperados, conforme já mencionado, ocorreu mediante a análise de conteúdo temática (Bardin, 2002). Os cinco temas encontrados serão apresentados na sequência.

Problemas na escolarização como mediadores entre dificuldades no contexto familiar e a conduta divergente na adolescência

Certamente o insucesso escolar não pode ser compreendido sem também se fazer referência ao contexto familiar, uma vez que problemas escolares podem ser estimulados ou inibidos pela qualidade da experiência inicial e atual de socialização dos alunos nas suas respectivas famílias. Bui (2009) identificou que algumas famílias constituem-se em ambiente marcado por condições desfavoráveis ao êxito na escolarização por apresentarem: severidade de disciplina, falta de carinho e atenção, bem como exposição dos filhos a modelos de comportamento divergentes ou desviantes. Yu e Gamble (2010), em seu turno, constataram que a qualidade das relações na família aumentava significativamente a vinculação com a escola, impedindo ou atenuando as chances de envolvimento infracional. Nessa mesma direção, Henry (2008) constatou que uma baixa vinculação familiar contribui para uma baixa vinculação escolar que, por sua vez, prenuncia vinculação a colegas que consomem drogas, agenciando o envolvimento dos adolescentes com entorpecentes, de modo sequencial.

Segundo Lanza e Taylor (2010), uma rotina familiar que implica na existência de atividades em comum entre os membros da família e, de igual modo, em intervalos de tempo livre para realização de atividades de interesse dos adolescentes, se relaciona positivamente ao desempenho escolar e comportamental dos estudantes. Essa organização estimula a interação pais-filhos, o engajamento em relação à família e o desenvolvimento de comportamentos regidos por regras que, conjuntamente, mitigam o surgimento de dificuldades escolares e o envolvimento na prática de atos infracionais.

No que tange à educação parental, o estudo de Farrell, Henry, Mays e Schoeny (2011) apresenta que os pais exercem efeito negativo quando consideram a violência uma forma legítima para solução de conflitos. Nestes casos, colaboram para o envolvimento de seus filhos em brigas na escola e em atitudes de desrespeito para com colegas e professores, abrindo caminhos para que se aproximem e se associem a colegas que apresentem histórico de problemas de comportamento e/ou com passagem pelo sistema de justiça, que podem servir de modelo para a manifestação de problemas de conduta de maior gravidade e/ou infracionais.

As investigações relatadas denotam a importância de também se considerar alguns aspectos da vida em família no estudo da experiência escolar e na sua relação com a conduta contrária à lei. Em resumo, indicam que as crianças, ao ingressarem na escola, se deparam com modificações significativas na organização de suas rotinas diárias, uma vez que têm de executar atividades mais estruturadas, que exigem concentração, esforço, disciplina; elas necessitam respeitar horários e deixar de fazer aquilo que querem em função das regras escolares e determinações dos professores. Isto exige esforços de adaptação ao novo ambiente e autocontrole sobre o próprio comportamento. O insucesso frente a essas demandas pode conduzi-los a fracassos na aprendizagem, dificuldades de relacionamentos com colegas e professores, manifestação de problemas disciplinares e conduta infracional.

Para esse processo, os estudos sinalizam que alguns alunos se encontram predispostos a apresentar mais dificuldade de adaptação escolar, pois suas experiências familiares são caracterizadas pela ausência de cuidados adequados e boa vinculação, que podem dificultar o desenvolvimento cognitivo, a aquisição de habilidades e de repertório comportamental socialmente adequado, que facilitariam uma melhor integração ao ambiente escolar. O efeito cumulativo dessas perturbações pode contribuir para que vivenciem como desafio maior a transição da vida em família para a vida na escola, o que pode gerar problemas variados neste ambiente, que podem, também, se agravar ao ponto de se tornarem contrários à lei.

A importância da variável "fraca vinculação escolar" para produção de conduta contrária à lei

A vinculação dos alunos à escola caracteriza um dos aspectos mais significativos associado à persistência dos jovens nos estudos. Ao contrário, a desvinculação escolar associa-se à desistência e também ao surgimento e à manutenção de conduta infracional. Nesse sentido, Li e Lerner (2011), indagando se a qualidade da vinculação escolar exercia efeito sobre a depressão, uso de substâncias e conduta infracional, desenvolveram uma investigação cujos resultados possibilitaram verificar que os alunos que tinham uma vinculação mais forte eram menos propensos a apresentar as três problemáticas citadas. A pesquisa desenvolvida por Ford e Schroeder (2011), em seu turno, demonstrou a existência de relação positiva entre vinculação escolar e continuidade dos estudos no ensino superior, sendo que esta também se destacou como proteção para os alunos com passagem pela justiça.

O estudo de Liljeberg, Eklund, Fritz e Klinteberg (2011) indicou que vínculo escolar fraco, no tocante a todos os seus aspectos (compromisso, investimento, apego aos professores, sentimento de pertencer e percepção de ajuda disponível) se associou positivamente à prática de atos contrários à lei para os meninos, enquanto que para as meninas apenas relação ruim com professores exerceu tal efeito. Com isso, pode-se afirmar que os aspectos relacionados à vinculação interferem na conduta dos alunos, de modo distinto, de acordo com o gênero.

Fato é que a vinculação escolar se apresenta como um desafio, no sentido em que as condições para que se desenvolva necessitam ser pensadas e implementadas tanto nas escolas quanto no interior das unidades de internação dirigidas a adolescentes infratores. Por exemplo, na realidade estadunidense apenas um terço das instituições de internação oferecem um currículo individualizado, adequado às características dos alunos, ao passo que as demais trabalham com o currículo oficial das escolas regulares, embora os professores reconheçam que os internos necessitam de um ensino mais de acordo com as características que apresentam (Gagnon, Barber, Loan, & Leone, 2009). De modo similar, na realidade brasileira, Estevam, Coutinho e Araújo (2009) apontam que as instituições de internação não conseguem assegurar aos adolescentes atendidos intervenções específicas, de modo a favorecer aquisições pessoais, educacionais e sociais que assegurem a sua não reincidência.

No que tange aos preditores de uma fraca vinculação com a escola e consequentemente evasão, em se tratando especificamente de adolescentes em conflito com a lei, Zhang et al. (2010) identificaram: dificuldades de aprendizagem, absenteísmo, desorganização familiar e/ou com membros tendo histórico criminal e baixa condição financeira. Baixo desempenho assumiu posição de destaque na investigação de Mottus, Guljajev, Allik, Laidra e Pullmann (2012). Entretanto, no estudo de Sander, Sharkey, Olivarri, Tanigawa e Mauseth (2010), a fraca vinculação escolar se deu especialmente em função das interações negativas com professores e colegas. De modo geral, observaram que adolescentes em conflito com a lei acumulam experiências negativas no relacionamento com professores. Para os adolescentes, alguns professores se preocupam mais em manter a disciplina em sala do que em dar atenção individualizada às dificuldades que apresentavam.

Tomando como foco a relação inversa, ou seja, o da observação do impacto do envolvimento com atos infracionais na vinculação escolar, Hjalmarsson (2008) verificou que o envolvimento com o sistema de justiça, seguido da submissão à medida restritiva de liberdade, tinham o efeito de diminuir em 27% as chances de conclusão do ensino médio. O autor ressalta que não se obteve evidências que comprovassem a existência de relação causal entre aprisionamento e evasão, indicando que as consequências são indiretas e mediadas pela qualidade da reinserção dos adolescentes no ambiente escolar.

Nessa direção, o estudo de Hirschfield (2009) obteve resultados esclarecedores. Ele averiguou que a passagem pelo sistema de justiça predispôs os adolescentes a situações de rotulação na escola que, em seu turno, induziram respostas de exclusão por parte dos professores e colegas. Os infratores eram punidos mais severamente pelas autoridades escolares, em situações que não implicariam o mesmo rigor se nelas estivessem envolvidos alunos sem passagem pelo sistema de justiça. Com base nisso, o autor cria a hipótese que tais situações podem gerar raiva e sensação de injustiça, aumentando a desvinculação escolar, que pode culminar em evasão. Tais apontamentos foram corroborados pelo estudo de Toldson, Woodson, Braithwaite, Holliday e De LaRosa (2010), realizado especificamente com adolescentes negros.

Natsuaki, Ge e Wenk (2008) também obtiveram resultados semelhantes, ressaltando que, do ponto de vista de trajetória, quando o adolescente infrator consegue concluir o ensino médio, esse fato representa uma guinada na conduta infracional, caracterizada por uma diminuição significativa na prática de delitos. O aumento no nível de escolaridade também foi positivamente associado à diminuição da conduta infracional no estudo de Sabates (2008), especialmente no tocante a comportamentos de vandalismo, furto, roubo e tráfico. Apenas os crimes violentos não tiveram suas taxas alteradas por um maior nível educacional. Supõe-se que, como a maioria dos adolescentes envolvidos em crimes violentos possui defasagens mais acentuadas no desenvolvimento pessoal e social, a educação per si não se mostra suficiente para compensar os vários problemas que apresentam e alterar de modo significativo a manifestação da conduta violenta.

Em síntese, tendo por base os estudos apresentados, percebe-se que a vinculação escolar fraca se verifica, em geral, em decorrência da não aprendizagem, baixo desempenho, relação conflituosa com professores e colegas, remetendo tais aspectos a processos sutis ou explícitos de exclusão do ambiente escolar. A fraca vinculação, em seu turno, pode propiciar a associação a pares infratores, manifestação de problemas disciplinares, maior quantidade de punição formal pela escola, evasão e envolvimento na prática de delitos. A evasão escolar, enquanto indicador mais radical da fraca vinculação escolar, além de comprometer o futuro profissional dos adolescentes, constitui-se em um dos fatores de risco mais significativos à conduta infracional e também ao desenvolvimento de outros problemas de comportamento como, por exemplo, o consumo de drogas ilícitas.

As sanções escolares como agenciadoras da desvinculação escolar e fator de risco para o envolvimento de adolescentes com a prática de delitos

As diferentes possibilidades de punição escolar configuram os mecanismos utilizados, na educação, com a finalidade de impedir a indisciplina e a manifestação de problemas de comportamento. Vale sublinhar que, segundo o estudo desenvolvido por Matthews e Agnew (2008), atinente à relação entre punição e conduta infracional, norteado pela hipótese de que a certeza de ser punido constitui-se em impedimento à prática de delitos, os autores encontraram efeito positivo apenas para os alunos que não possuíam colegas em conflito com a lei. Desse modo, concluíram que a certeza de punição escolar para comportamentos considerados inadequados funciona preventivamente a depender das características do ambiente social e tipos de pares dos alunos.

Na realidade, o modo como a escola lida com os problemas disciplinares pode aumentar a desvinculação dos alunos punidos e estimular a prática de delitos, sobretudo para aqueles que já apresentam o comportamento de infracionar. A esse respeito, Sullivan, Dollard, Sellers e Mayo (2010) constataram que as escolas estadunidenses têm punido severamente comportamentos menos graves, suspendendo da escola e enviando ao sistema de justiça muitos alunos que, de fato, necessitam de auxílio educacional e apoio emocional. Tais alunos ficam sujeitos a situações de rotulação na escola e o contato com o sistema legal por si só já é prejudicial, podendo torná-los propensos à associação a pares com engajamento infracional mais sério. Resultados similares foram identificados pela investigação de Krezmien, Leone, Zablocki e Wells (2010).

Em consonância, Welch e Payne (2010) destacam que as escolas estadunidenses com maior proporção de alunos negros são mais propensas a utilizarem medidas disciplinares mais severas. O resultado disto é que as punições praticadas pelas instituições escolares colaboram para que haja desproporção étnica no sistema de justiça juvenil estadunidense. Essa realidade denota preconceito no modo como os estudantes negros são percebidos nas instituições escolares nos Estados Unidos, seja porque tendem a serem percebidos como mais problemáticos, seja porque valorizam positivamente punições mais rígidas para essa etnia, tendo por base a história das relações entre negros e brancos naquela sociedade.

Os estudos relatados permitem compreender que as sanções escolares são importantes por se configurarem em suporte à adequação comportamental dos alunos, uma vez que, atreladas à exposição de regras claras e legítimas, podem fortalecer a manifestação de condutas pró-sociais e inibir transgressões. Não obstante, a aplicação de punições muito rígidas pelas autoridades escolares, especialmente a alunos que já apresentem problemas de comportamento, contribui para a desvinculação escolar, o que pode culminar no desenvolvimento de problemas de comportamento ainda mais graves, incluindo a manifestação de conduta infracional.

A experiência do bullying como potencializadora da desadaptação escolar e precipitadora de conduta infracional

A ocorrência de bullying se encontra associada à manifestação de diversos desajustes psicossociais. As vítimas e espectadores sentem constante medo, insegurança, ansiedade, retraimento social e sentimentos negativos. Também podem apresentar baixo desempenho escolar, dificuldade de concentração, absenteísmo e, em casos mais graves, as vítimas podem tentar se vingar por meio de atos violentos de grande gravidade. Os agressores, em seu turno, apresentam comportamentos que podem ser tipificados como delitos e, amiúde, se envolverem em situações de crescente violência, abuso de substâncias ilícitas, vandalismo, estando também mais em risco de evasão escolar e prática infracional dentro e fora do ambiente escolar (Landsman, Graber, Nichols, & Botvin, 2011; Levin & Madfis, 2009).

Janosz et al. (2008) observaram que a presença de bullying na escola estimula os alunos a se autopreservarem, tentando escapar da condição de vítimas mediante a adoção de atitudes igualmente violentas que podem se agravar ao ponto de se tornarem atos contrários à lei. Esses alunos também podem apresentar aversão à escola, problemas de frequência, evasão, técnicas de neutralização (culpar a vítima) e crenças favoráveis à eficiência da violência na resolução de conflitos (Beeck, Pauwels, & Put, 2012; Lee & Cohen, 2008; Payne, 2012). Estes resultados foram corroborados por Mrug e Windle (2009), com a ressalva de que a relação positiva entre exposição à violência escolar e conduta infracional futura foi verificada apenas para estudantes brancos.

Na investigação desenvolvida por Zaine, Reis e Padovani (2010) junto a adolescentes em conflito com a lei, em diferentes medidas judiciais, verificou-se que na amostra havia agressores (mais numerosos na medida socioeducativa de semiliberdade) e vítimas de bullying (mais numerosos na liberdade assistida). Além disso, constataram que as intimidações praticadas pelos agressores não se limitavam apenas a pares, mas incluíam adultos, indicando que a eficiência das agressões no contexto escolar colaborava para que esse comportamento se expandisse a outros contextos sociais e envolvesse outras pessoas, aumentando também de gravidade. Nesse sentido, destaca-se que a vitimização entre pares dar-se-á não apenas devido à presença de vulnerabilidades pessoais ou do contexto escolar, mas também pela adoção de um estilo de vida divergente, pelos alunos, seja pela associação a pares com histórico infracional, seja pelo próprio envolvimento em condutas não convencionais que podem gerar agressões e represálias (Nofziger, 2009).

A presença de gangues e de tráfico de drogas na escola são fatores associados à violência escolar, pelo fato de aumentarem as chances de os alunos serem expostos a pares com comportamento antissocial e a situações de violência. A participação ativa de adolescentes em atividades paraescolares pode fomentar sua exposição a modelos de comportamentos violentos, os quais podem ser aprendidos e generalizados ao ambiente escolar. Ademais, ambientes escolares que se caracterizam por contar com alunos com uma alta renda familiar pode proporcionar situações de chantagem, furto e roubo (Dodge, Greenberg, Malone, & Patrick, 2008; Lowe, May, & Elrod, 2008).

Ressalta-se, portanto, que a gênese das razões pelas quais se participa em atos de bullying ultrapassa aspectos de natureza individual ou escolares, assim como extrapola a relação diádica agressor-vítima. Interferem igualmente nesse processo exigências culturais, tais como individualismo, competitividade, veiculação de imagem de masculinidade, entre outros aspectos. Assim, a violência pode mascarar a presença de medos, fragilidades e frustrações decorrentes de exigências culturais, nem sempre percebidas ou questionadas.

Resumidamente, devido à complexidade do fenômeno da violência escolar e, em especial, do bullying, torna-se necessário também compreender a influência das dinâmicas institucionais e socioculturais que mobilizam e governam alguns dos principais aspectos da vitimização entre pares na escola, uma vez que as suas consequências são danosas por interferirem nos processos de socialização e de aprendizagem, bem como na saúde física, psicológica e emocional dos alunos.

Não obstante, os estudos analisados fazem referência explícita aos efeitos da participação ou da exposição à violência no contexto escolar, uma vez que isso parece impactar na conduta dos estudantes, no sentido de promover um movimento de afastamento da escola, com vistas a evitar as agressões, ou, então, de promover a aprendizagem de respostas igualmente violentas que podem ser reproduzidas dentro e/ou fora do muro das escolas, o que aumenta o risco de se tornarem atos de natureza infracional.

A interdependência das influências exercidas nos contextos familiar, escolar, de pares e comunitários, no surgimento e na manutenção da conduta infracional

Alguns estudos se orientam pela importância dada à qualidade das experiências de socialização nos diferentes contextos e em todos os períodos de desenvolvimento dos sujeitos, no sentido de entender por que alguns adolescentes se engajam gravemente com a prática de atos infracionais e outros não. Fleming, Catalano, Haggerty e Abbott (2010), por exemplo, investigaram os fatores familiares, escolares e de pares que podiam figurar como preditores da conduta infracional em adolescentes. Baixo desempenho no 5º ano predisse conduta infracional aos 19 anos, mas não o uso de drogas ilícitas. Já o desempenho do 9º ano predisse problemas de comportamento na idade adulta; o mesmo se verificou com relação à associação negativa a pares neste ano. Mudanças nas relações familiares e associação a pares infratores no final da infância e início da adolescência previram consumo de drogas ilícitas e conduta infracional aos 19 anos de idade. De modo similar, Formiga (2010) apontou que a qualidade do vínculo afetivo existente entre os adolescentes e os denominados pares socionormativos (pais, professores e pares) assegura a adesão a padrões convencionais de conduta, inibindo a conduta infracional.

Kirk (2008) constatou que problemas comportamentais e prática de atos infracionais são mais prováveis de ocorrerem em comunidades socialmente desorganizadas, onde haja desarticulação e isolamento das instituições sociais, identificando a existência de uma interdependência compensatória entre comunidade, família e escola. Assim sendo, influências positivas do meio familiar podem compensar problemas presentes na comunidade, e uma boa vinculação escolar pode mitigar os efeitos negativos de fragilidades na família. Por outro lado, a ausência de controles sociais, tais como eficácia coletiva do bairro e da escola, aumenta o risco de envolvimento dos adolescentes com a prática de delitos e de seu aprisionamento.

Analisando os resultados apresentados por Kirk (2008), compete destacar que as características comunitárias podem representar vantagens ou desvantagens aos seus membros, dependendo da forma como tais espaços se configuram. A exposição à violência na comunidade, a falta de infraestrutura no tocante à disponibilização de serviços de qualidade, a dificuldade de acesso aos serviços, a ausência de apoio comunitário, entre outros aspectos, representam fatores de riscos ao desenvolvimento humano que são intimamente conectados à falta de investimentos públicos, no sentido de assegurar direitos de cidadania à população.

 

Considerações finais

O objetivo deste estudo foi investigar as relações existentes entre a educação escolar e a conduta infracional na adolescência. Os resultados indicaram que o comportamento contrário à lei se encontra associado a elementos da experiência escolar; trata-se, porém, de um processo complexo que também é perpassado por aspectos pertencentes, por exemplo, a outros sujeitos (membros da família e pares) e contextos (família e comunidade), apresentando também intensidade variada. Não obstante, identificou-se que uma experiência escolar negativa não somente contribui para o desenvolvimento de conduta infracional na adolescência, mas também se constitui em um preditor significativo.

Sumariamente, a literatura indicou que a possibilidade de surgimento de conduta infracional pode ser identificada desde a mais tenra idade, por estar ligada à qualidade da experiência inicial de cuidado e de socialização no grupo familiar, que agencia problemas escolares, os quais passam a mediar a relação escolaridade e engajamento com a prática de atos contrários à lei. Também, que a qualidade da relação professor-aluno se revela muito importante para a vinculação escolar de modo a influenciar de maneira decisiva a trajetória de escolarização dos estudantes. A desorganização do ambiente escolar e a presença de violência constituem outros aspectos que não podem ser desconsiderados por causarem prejuízos de natureza escolar, psicológica e social. Assim, pesquisas futuras podem se aprofundar nestas questões de modo a verificar se a escola pode exercer efeito compensatório sobre as fragilidades apresentadas por determinados estudantes, mediante a promoção de boa vinculação.

Os estudos analisados já lançaram algumas pistas nessa direção, ao apresentarem que a escola pode se posicionar ativamente nessas relações de modo a desestimular a manifestação de problemas comportamentais, de violência, e incentivar a convivência harmoniosa, por meio, principalmente, do estabelecimento de regras claras, de supervisão nos momentos de interação entre os alunos e da equidade na aplicação de medidas disciplinares, uma vez que, conforme apresentado, punições muito severas, ao invés de diminuir, têm por efeito aumentar a desvinculação escolar, reforçando negativamente os comportamentos indesejados. Outras investigações também podem ser conduzidas nessa direção, de modo a verificar se o oferecimento de formação para professores e administradores escolares sobre como identificar e intervir de modo mais equitativo nas transgressões disciplinares pode evitar descompassos entre a intensidade das faltas cometidas e o rigor na aplicação das punições, evitando, assim, a ocorrência de consequências negativas para os alunos envolvidos.

Naturalmente, também não se pode desconsiderar a influência exercida pelos diversos elementos que perpassam os contextos culturais e comunitários nos quais as escolas e os alunos se encontram inseridos, com vistas à necessidade de se focar a problemática em torno da relação escolaridade e conduta infracional sob uma perspectiva mais ampla e que possa envolver o trabalho colaborativo e integrado, por exemplo, entre escola, família e serviços sociais, para a obtenção de resultados positivos e duradouros na vida escolar dos adolescentes em conflito com a lei.

Noutra perspectiva, a melhoria das condições de reinserção escolar de adolescentes com passagem pelo sistema de justiça também despontou na literatura enquanto um importante caminho a ser trilhado pelas escolas, pelo fato de a reinserção muitas vezes representar novos fracassos, agravando a vulnerabilidade desses alunos por meio de situações de isolamento, rotulação e não aprendizagem.

Em síntese, denota-se que a presente revisão possibilitou uma visão geral sobre as interfaces, interações e dinamismos presentes na intersecção entre os temas investigados, bem como lançou pistas para o desenvolvimento de intervenções dirigidas tanto aos fatores intra-escolares (na medida em que as evidências científicas continuam indicando quão fundamental é a experiência escolar, no sentido de funcionar como risco ou como proteção à conduta infracional na adolescência) como as dirigidas a fatores paraescolares (famílias e características do entorno comunitário dos estudantes). Nesse sentido, a preparação dos profissionais da educação para lidar com os principais fatores que afetam a vinculação dos estudantes é um elemento crítico a ser considerado, uma vez que contextos educacionais que são capazes de lidar melhor com as dificuldades e as necessidades dos alunos permitem o desenvolvimento de trajetórias de maior sucesso escolar, mitigando a possibilidade de manifestação de conduta infracional.

Para finalizar, evidencia-se a necessidade da realização de mais estudos na realidade nacional, considerando-se que menos de dez por cento dos trabalhos analisados foram realizados no Brasil. Ademais, seria interessante que tais estudos também fossem empreendidos por profissionais da área da educação, que possuem uma relação direta com esse campo, distinta daquela apresentada pelos psicólogos, profissionais responsáveis por todas as produções nacionais recuperadas, no período de tempo abrangido pela pesquisa.

Outra lacuna observada refere-se à escassez de estudos qualitativos, que oportunizam a obtenção de resultados mais idiossincráticos e contextualizados. Tais estudos podem fornecer dados pormenorizados acerca dos modos de produção da problemática na visão dos próprios estudantes e agentes escolares, assim como desvelar as relações e interconexões entre as características particulares dos alunos, de suas respectivas famílias, dos contextos escolares e das comunidades em que habitam, possibilitando a obtenção de dados mais coerentes às especificidades da realidade educacional brasileira.

 

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Jorge Luiz da Silva, Mestre em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), é Doutorando em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). Endereço para correspondência: Avenida Bandeirantes, 3900, Bairro Monte Alegre, CEP: 14040-902, Ribeirão Preto-SP. Telefone/Fax: (16) 3315-3830. E-mail: jorgelsilva@usp.br

Marina Rezende Bazon, Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), é Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). E-mail:mbazon@ffclrp.usp.br


Artigo original:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2014000400005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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