Helena Cristina Medeiros Vieira Schmidek, Julia Corrêa GomesPatricia Leila dos Santos, Ana Maria Pimenta de Carvalho, Luiz Jorge Pedrão, Clarissa Mendonça Corradi-Webster
19 de abril de 2022
Helena Cristina Medeiros Vieira Schmidek, Julia Corrêa GomesPatricia Leila dos Santos, Ana Maria Pimenta de Carvalho, Luiz Jorge Pedrão, Clarissa Mendonça Corradi-Webster
Realizar uma revisão integrativa identificando na literatura trabalhos que pudessem sintetizar resultados que refletissem a possível relação entre dependência de internet (DI) e transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) na população adolescente, bem como achados desses estudos que agreguem informações para o aprimoramento e diagnóstico de DI.
Revisão integrativa da literatura em três bases de dados: PsycINFO, Scopus e Cinahal, com os seguintes termos: “internet addiction”, “adolescent” e “attention deficit disorder with hyperactivity”, de 2007 a 2017, com informações sobre a relação da dependência de internet e o TDAH.
A amostra ficou composta por 12 artigos originais, provenientes, em sua maioria, da Ásia e Oriente Médio. De sua análise emergiram as seguintes categorias: Relação entre DI e TDAH; Outros fatores associados à DI; Instrumentos para avaliação de DI e dados de incidência. Há ausência de critérios definidos de diagnóstico de dependência de internet, tendo sido identificados quatro instrumentos para mensurar a DI, todos os questionários foram preenchidos pelos próprios adolescentes, com índices na população variando entre 2,4% e 10,6%. Nos adolescentes diagnosticados com DI, as desordens de ansiedade e depressão foram as comorbidades mais citadas depois do TDAH.
Há evidências de associação importante entre os dois transtornos identificados, sem resultados conclusivos quanto ao processo da interação. Torna-se necessário o avanço em pesquisas visando a uma definição de critérios diagnósticos da DI, taxas de prevalência e preditores do problema, de modo a poder estabelecer intervenções terapêuticas e estratégias de prevenção do problema.
Internet; transtorno de déficit de atenção com hiperatividade; adolescente; comportamento aditivo; dependência de internet
To perform an integrative review of the possible relationship between internet addiction (ID) and attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) in adolescents aged 12 to 18 years. Also to gather informations in these studies for a more efficient diagnosis of DI.
Integrative review of the literature in three databases: PsycINFO, Scopus and Cinahal, with the following terms: “internet addiction”, “adolescent” and “attention deficit disorder with hyperactivity”, 2007-2017, with information about the relationship between Internet addiction and ADHD.
The sample consisted of 12 original articles, mostly from Asia and the Middle East. From their analysis, the following categories emerged: Relationship between ID and ADHD; Other factors associated with ID; Instruments for evaluation of ID and incidence data. There is a lack of defined criteria for diagnosis of internet addiction, and four instruments were identified to measure ID, all questionnaires were completed by the adolescents themselves, with rates ranging from 2.4% to 10.6%. Anxiety and depression disorders were the most cited comorbidities after ADHD in the adolescents diagnosed with ID.
There are evidences of an important association between the two identified disorders, however without conclusive results on the interaction process. In order to establish therapeutic interventions and strategies to prevent the problem, it is necessary to advance research on the definition of the diagnostic criteria of ID, prevalence rates and predictors of the problem.
Internet; attention deficit hyperactivity disorder; adolescent; behavior addictive; internet addiction
O desenvolvimento e o uso da tecnologia cada vez mais se expandem e ocupam espaços de atividades diárias, fazendo com que o computador seja veículo para diversas possibilidades de expressões e tarefas. De modo repentino, nas últimas décadas, a internet revolucionou a maneira como as pessoas aprendem, trabalham e, principalmente, interagem umas com as outras. Apesar dos inúmeros benefícios e facilidades proporcionados, essa ferramenta também pode ocasionar danos aos indivíduos que a utilizam demasiadamente. Existem diversas terminologias utilizadas para descrever problemas relacionados ao uso excessivo da internet1. Será utilizado nesta revisão o termo “internet addiction” (IA), traduzido para o português (a partir de diferentes leituras) como “dependência de internet” (DI). Esse termo foi descrito por Young em 1996, para designar uma série de comportamentos das pessoas que podem desenvolver desconfortos emocionais associados a dificuldades em controlar o seu uso da internet, acarretando com isso prejuízos tanto no âmbito profissional quanto familiar ou social, de jovens e adultos, devido ao acesso em demasia. O diagnóstico de DI é difícil e complicado, já que a internet é uma ferramenta tecnológica muito utilizada e pelo fato de que, atualmente, não existe um conjunto aceito de critérios para a dependência listados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais2. Apesar da falta de consenso entre os pesquisadores a respeito dos critérios diagnósticos da DI, muitos apontam para uma similaridade entre esse comportamento e o transtorno por uso de substâncias, tanto no funcionamento comportamental quanto no neurobiológico1.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069, de 1990, define a adolescência como um período da vida compreendido entre a faixa etária dos 12 aos 18 anos de idade3. A adolescência é uma fase crítica para o desenvolvimento de comportamentos de risco e, devido ao crescente tempo gasto pelos jovens utilizando a internet, faz-se importante estudar essa população em sua relação com o uso excessivo dessa tecnologia4. É também uma fase caracterizada pela imaturidade dos sistemas cerebrais monoaminérgicos cortical frontal e subcortical, o que faz com que a impulsividade seja um traço comportamental transitório típico dessa etapa5. Esse dado pode explicar o fato de os adolescentes possuírem menos habilidade em controlar o entusiasmo por algo que lhes desperta interesse6 e serem os principais acometidos pela DI7.
Estudos têm apontado para uma alta comorbidade de DI com outros transtornos mentais, destacando-se em incidência o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e outros transtornos psiquiátricos6,8.
O TDAH é um transtorno do desenvolvimento de forte influência neurobiológica, com etiologia multifatorial, incluindo fatores genéticos e ambientais. Sua prevalência mundial é de cerca de 5,29% em crianças e adolescentes9, o que determina uma grande procura por atendimento médico e psicopedagógico10. É caracterizado por desatenção, tendência à distração, impulsividade e excessiva atividade motora em graus inadequados à sua etapa do desenvolvimento. A princípio, a hiperatividade e a reduzida capacidade de concentração nos indivíduos com TDAH poderiam sugerir dificuldade em permanecer na internet, e consequentemente uma não associação com a DI8,11. Há, no entanto, indícios de que o TDAH pode influenciar o surgimento da DI11.
Diante desse contexto, levantou-se a seguinte questão: o que a comunidade científica que se dedica à investigação da DI já conhece sobre a possível relação entre DI e TDAH em indivíduos de 12 a 18 anos de idade? Assim, o objetivo desta investigação foi realizar uma revisão integrativa no período entre 2007 e 2017, identificando na literatura trabalhos que pudessem sintetizar resultados que refletissem a possível relação entre a DI e o TDAH na população adolescente, bem como achados desses estudos que agreguem informações para o aprimoramento e o diagnóstico de DI.
O levantamento bibliográfico foi conduzido concomitantemente pelas duas primeiras autoras, buscando-se minimizar possíveis vieses no processo de identificação e seleção dos documentos. Foram consultadas três bases de dados: PsycINFO, Scopus e Cinahal. Considerando a dificuldade em identificar descritores precisos para o termo “internet addiction”, optou-se pelos seguintes termos, por resultarem em um número maior de documentos afins à temática investigada: “internet addiction”, “adolescent” e “attention deficit disorder with hyperactivity”. Foi utilizado, em todas as bases de dados, o operador booleano AND conectando os termos selecionados e foi considerado apenas um limite de busca: artigos indexados no período compreendido entre os anos 2007 e 2017.
A leitura primária de títulos e resumos foi realizada conjuntamente, sendo então aplicados, critérios adicionais de inclusão e exclusão com vistas a selecionar apenas aqueles artigos que potencialmente respondessem ao objetivo da presente revisão.
Os critérios de inclusão foram: estudos sobre DI que buscavam conhecer a relação entre DI e TDAH, realizados com adolescentes de 12 a 18 anos; artigos publicados em espanhol, português ou inglês. Os critérios de exclusão foram: estudos em não humanos; estudos relacionados com bullying virtual; estudos que investigassem o uso de jogos eletrônicos e não distinguissem entre jogos on-line e off-line; estudos com foco apenas no diagnóstico ou no tratamento do TDAH ou da DI; artigos repetidos.
Após a leitura completa dos textos selecionados, dúvidas e divergências quanto a inclusão/exclusão de artigos foram discutidas conjuntamente pelos pesquisadores e decididas por consenso. O processo de seleção dos artigos está sumarizado na Figura 1.
A amostra ficou então composta por 12 artigos originais, todos escritos na língua inglesa, sobre a relação entre DI e TDAH em adolescentes. Foi organizada uma planilha para extração dos dados, com as características dos estudos e seus principais achados, que é apresentada na Tabela 1.
Inicialmente os trabalhos foram analisados quanto a características como ano de publicação, veículo em que foram publicados, desenho metodológico dos estudos, origem dos estudos , objetivos e amostra. Posteriormente, foram realizadas leitura e análise crítica dos artigos buscando agrupar os trabalhos em categorias temáticas. As seguintes categorias foram formuladas: Relação entre DI e TDAH, Outros fatores associados à DI, Instrumentos para avaliação de DI e dados de incidência.
Observa-se uma irregularidade na publicação de estudos: períodos sem publicação (por exemplo, 2010 a 2012) ou com intensa concentração (em 2015, por exemplo, foram publicados cinco artigos, 41,6% do total selecionado). Nove (75%) dos 12 estudos foram resgatados na base de pesquisa multidisciplinar Scopus, dois exclusivamente na PsycINFO (16,7%) e um na Cinahl (8,3%). Entre os artigos analisados, sete (58,3%) foram publicados em revistas da área específica da psiquiatria12-18, dois (16,7%), da pediatria19,20, um (8,3%), da saúde coletiva21 e dois (16,7%) são periódicos de conhecimento multidisciplinar22,23. Dez estudos utilizaram desenho metodológico transversal e dois, longitudinais19,23, com o objetivo de identificar possíveis preditores da DI.
Em relação à origem dos estudos, observa-se a concentração de produção científica em duas regiões: Ásia (predominantemente Taiwan), com 50%12,15,16,19,22,23 dos artigos selecionados, e Oriente Médio (predominantemente Turquia), com 41,7%13,17,18,20,21. Um dos estudos é multicêntrico, desenvolvido em colaboração entre pesquisadores de 11 países, tendo como sedes Alemanha e Suíça14.
A maioria dos trabalhos desenvolvidos teve como objetivo identificar diversas psicopatologias que poderiam estar associadas à DI, com exceção de três trabalhos que focalizaram a relação específica entre a DI e o TDAH12,18,21 e dois artigos que restringiram sua amostra de pesquisa a apenas adolescentes diagnosticados com TDAH15,16, com o intuito de identificar a incidência da DI nessa população.
Quanto à classificação de gênero na amostra, um único estudo focalizou sua pesquisa no adolescente masculino21; todos os demais trabalhos incluíram participantes masculinos e femininos.
Dos 12 artigos selecionados, 11 estudos indicaram haver relação entre DI e sintomas de TDAH, mostrando as possíveis associações entre essas condições12-15,17-23, inclusive quando comparados adolescentes com e sem DI12,17,22.
Estudos indicaram que, entre várias comorbidades associadas à DI, o TDAH é uma das mais prevalentes12,13,17. Sintomas de hiperatividade, déficit de atenção e impulsividade, de forma independente, também têm sido encontrados em associação com DI12,14,18. Algumas investigações apontaram que o TDAH é um preditor para DI19,23 e destacaram a importância de programas de prevenção de DI para esses adolescentes. Ainda, adolescentes diagnosticados com TDAH dispendem mais tempo na internet e apresentam escores mais elevados ou sintomas mais severos associados a DI15,21.
Na China, visando obter informações sobre a relação entre DI e impulsividade em adolescentes, pesquisadores identificaram 2,4% de estudantes com DI e, entre eles, 12,5% apresentavam TDAH e 9,4%, outras comorbidades psiquiátricas. Nesse mesmo estudo, comparando um grupo com DI sem TDAH ou outras comorbidades e um grupo com uso normal de internet e sem transtornos psiquiátricos, observou-se que jovens com DI exibem índices mais elevados de impulsividade12.
Um estudo turco, realizado com objetivo de avaliar a associação entre DI, TDAH, tabagismo e uso de álcool entre estudantes, comparando grupos com e sem DI, encontrou que a prevalência de TDAH foi maior entre estudantes com DI (36,1% deles) e identificou uma correlação positiva entre as duas desordens13.
Com o objetivo de investigar características sociodemográficas e a prevalência de desordens psiquiátricas em jovens com DI, pesquisadores verificaram que 83,3% dos participantes tinham TDAH17. Além de ter sido realizado com amostra clínica, nesse estudo foram incluídos apenas indivíduos com escores muito elevados para DI na avaliação realizada, o que possivelmente resultou em prevalência maior do que a encontrada em outras investigações12,14,17,20.
Ao pesquisar a associação entre DI, psicopatologia e comportamento autodestrutivo, estudantes de 11 países europeus foram avaliados e detectaram-se 4,2% deles com DI, entre os quais 37,2% apresentavam sintomas de hiperatividade e/ou inatenção, que se mostraram como preditores para UPI. A associação entre UPI e os sintomas de hiperatividade/inatenção foi mais forte entre as meninas14.
Outro estudo, que buscou conhecer características de uso da internet entre estudantes do ensino médio e analisar separadamente os sintomas de déficit de atenção e de hiperatividade em adolescentes turcos, encontrou que o déficit de atenção e a participação em jogos on-line foram preditores significativos de DI, enquanto a hiperatividade e uso de outros recursos de internet, como busca por informação e redes sociais, não foram associados a ela18.
Ao avaliar o valor preditivo de sintomas psiquiátricos para a ocorrência de DI, pesquisadores verificaram que, entre mulheres, depressão, TDAH, fobia social e hostilidade foram preditores de DI, enquanto, entre homens, apenas TDAH e hostilidade mostraram valor preditivo. Para ambos, TDAH e hostilidade, nessa ordem, foram os preditores mais significativos de DI19. Outra investigação detectou que, além do TDAH, gênero masculino, estilo parental protetor, desempenho acadêmico baixo e problemas de relacionamento com pares também se mostraram preditores de DI23.
Verificando as associações da gravidade de sintomas de DI com diferentes dimensões de sintomas ansiosos, depressivos e de autoestima apresentados por adolescentes com TDAH, pesquisadores encontraram que escores de sintomas físicos mais elevados e evitação de danos mais baixos (associados à ansiedade), taxas de desconforto somático elevadas (associadas à depressão) e escores de autoestima mais baixos mostraram associação significativa com sintomas mais severos de DI15. Outro estudo comparou meninos com e sem TDAH quanto à DI, tempo gasto com a internet e padrões de sono e identificou que indivíduos com TDAH têm escores mais elevados para DI, dispendem mais tempo na internet e tendem a dormir após a meia-noite21.
Em uma amostra taiwanesa, adolescentes com DI apresentaram sintomas mais elevados para TDAH e depressão, fobia social e hostilidade, e este último só se associou à DI para o sexo masculino22.
Por fim, outro estudo taiwanês, realizado com 287 adolescentes com diagnóstico de TDAH, não encontrou associação entre sintomas de DI e sintomas de inatenção, hiperatividade e impulsividade, divergindo das outras investigações. A baixa satisfação com as relações familiares foi o fator preditivo mais forte da DI. Os resultados encontrados indicaram que nem todos os adolescentes que estavam recebendo tratamento para TDAH eram vulneráveis à DI16. Como o grupo de adolescentes participantes da pesquisa estava em tratamento para o TDAH, os autores sugerem que é possível que os sintomas de TDAH tenham melhorado após tratamento clínico, atenuando também os sintomas de DI.
A maioria dos estudos encontrados teve como objetivo o diagnóstico da DI e a identificação de possíveis psicopatologias associadas, chegando a resultados de índice associativo expressivo com o TDAH. Contudo, não tinham como objetivo o aprofundamento no estudo dos possíveis mecanismos que poderiam explicar essa relação, muito provavelmente pela complexidade do comportamento adicto e da associação com outras comorbidades. Alguns mecanismos biopsicossociais, como a tendência de ficar facilmente entediado, a aversão à recompensa demorada e o déficit de motivação, foram citados para explicar a associação significativa entre DI e TDAH13, porém não foram profundamente discutidos.
Investigações sobre possíveis associações entre DI e TDAH apontaram outros fatores associados à DI, como o maior grau de escolaridade, que apresentou impacto positivo no tempo de uso da internet (mas não na dependência), lembrando que tempo de permanência na internet não é isoladamente um indicador de DI23. Conflitos familiares, sintomas físicos (dores de cabeça, pescoço, costas, dormência nos dedos, lacrimação nos olhos), baixo desempenho escolar e problemas elevados com os pares13,14,23 foram queixas autorrelatadas pelos adolescentes acometidos pela DI. Aspectos relacionados a transtornos no sono também foram observados em adolescentes que apresentaram DI, quando comparados ao grupo controle21. Status socioeconômico dos pais e relações familiares menos satisfatórias estavam significativamente associados com sintomas mais severos da DI, provavelmente por causa de um estilo de vida mais sedentário16. Outros preditores são sugeridos para a DI, além do TDAH: baixa satisfação com relações familiares e baixo desempenho acadêmico16,23.
A internet pode ser utilizada de diferentes formas; assim, alguns estudos buscaram conhecer as atividades mais buscadas pelos adolescentes diagnosticados com DI e encontraram que o maior tempo gasto é com jogos on-line (principalmente entre os adolescentes diagnosticados com TDAH), seguido por bate-papo ou redes sociais e depois por atividades escolares12,23.
Observou-se diferença entre a incidência de DI quanto ao sexo em alguns estudos. Adolescentes do sexo masculino apresentaram incidência maior de DI13,14,23, utilizaram mais tempo com jogos on-line13 e apresentaram sintomas mais altos de hostilidade19,22 associados à DI. Por outro lado, adolescentes do sexo feminino apresentaram menor incidência de DI13,14,23 e demonstraram maior interesse em redes sociais13. Entretanto, um dos trabalhos teve resultado conflitante com os anteriores, não observando diferença significativa na DI quanto à variável sexo20. Além disso, levando-se em consideração a variável sexo em adolescentes diagnosticados com DI, sintomas de depressão foram observados em jovens de ambos os sexos22.
Foram identificadas cinco nomenclaturas distintas de instrumentos para avaliar e mensurar a DI correspondentes a quatro distintos questionários. Uma característica comum a todos os instrumentos nos 12 artigos é que eles consistem em questionários preenchidos pelos próprios adolescentes, ou seja, de autorrelato. O instrumento mais utilizado foi o Chen Internet Addiction Scale (CIAS)15-17,19,22,23, seguido pelo Young’s Internet Addiction Scale (YIAS)13,20 ou Young’s Internet Addiction Test (IAT)21, Young’s Diagnostic Questionnaire (YDQ)12,14 e Internet Addiction Scale (IAS)18.
O CIAS avalia a severidade dos sintomas de DI no último mês, a partir de 26 itens avaliados em uma escala Likert de quatro pontos, com escores que variam de 26 a 104 – valores mais elevados indicam maior nível de gravidade. Escores iguais ou maiores que 64 indicam a presença de DI24,25.
O YIAS, também conhecido por YIAT20 ou IAT, avalia em que extensão o uso da internet afeta a rotina diária, vida social, produtividade, padrões de sono e emoções. É composto por 20 questões respondidas em uma escala Likert de cinco pontos (variando de raramente a sempre), e os escores totais podem variar de 20 a 100, com valores mais altos indicando tendência à adição. Os escores permitem discriminar entre três condições: controle sobre o uso de internet (de 20 a 39 pontos), problemas frequentes devidos ao uso de internet (40 a 69 pontos) e problemas significativos causados pela internet (70 pontos ou mais)13,26.
O YDQ ou IADQ, desenvolvido por Young em 1998, consiste de oito questões do tipo sim/não que avaliam atividade on-line, com base em critérios diagnósticos para dependência de substância do DSM-IV. Quando cinco ou mais critérios estão presentes, o usuário é classificado com DI27.
O IAS consiste em um instrumento com 36 itens, também baseado nos critérios diagnósticos do DSM-IV para dependência de substância. É avaliado em uma escala Likert de cinco pontos, que varia de nunca a sempre, e escores mais altos representam maior DI28.
Com respeito à incidência de DI, os estudos mostram variação nas informações, inclusive em decorrência do perfil amostral. Um estudo europeu identificou 4,2% de uso problemático da internet (3,9% entre mulheres e 4,7% entre homens)14. Outro estudo, chinês, identificou 2,4% de adolescentes que preencheram os critérios para DI (64 em uma amostra de 2.620 adolescentes)12. Na Turquia, 1,6% de uma amostra de 468 adolescentes foi detectado como tendo DI e 16,2% como tendo provável DI20. Entre adolescentes com TDAH, observou-se incidência de 5,7% de DI15. Observou-se grande variabilidade entre os estudos quanto ao delineamento e instrumentos de medida de DI, bem como identificou-se que várias questões referentes ao diagnóstico ainda não estão totalmente esclarecidas.
A literatura propõe que a DI seja considerada um novo transtorno psiquiátrico do século XXI1,2. Uma das possíveis causas da concentração de estudos dessa área na Ásia e no Oriente Médio talvez seja o reflexo do desenvolvimento econômico desses países, proporcionando um desenvolvimento tecnológico mais acelerado e facilitando o acesso a equipamentos e internet pela população adolescente, com índices na população de estudantes diagnosticados com DI na Ásia variando entre 2,4% e 10,6%12,23,29,30. A presença de computador em casa e o fácil acesso residencial à internet são uma realidade presente nos países em que se concentram as pesquisas sobre DI, os quais possuem maior desenvolvimento econômico; em uma das amostras 100% dos adolescentes possuem computadores em casa13.
A ausência de critérios definidos de diagnóstico2, a associação de facilidades e dificuldades que a utilização da internet proporciona no cotidiano e o seu uso excessivo representam comportamentos disfuncionais que têm sido relacionados a fatores comuns, como a impulsividade e fatores específicos (por exemplo: motivos diversificados e cognições disfuncionais que perpetuam esses comportamentos)31, e dificultam o diagnóstico, fazendo com que a DI ainda não esteja presente no DSM-5. A dependência em internet não envolve apenas o uso da internet para acesso a jogos on-line; os critérios de diagnóstico da DI implicam uma utilização mais diversificada como mídias sociais ou outros usos. Nesse sentido, pesquisas futuras sobre o seu uso excessivo precisam seguir diretrizes similares e são esses os esforços de pesquisadores na elucidação de quais critérios comportamentais e/ou emocionais devem ser levados em consideração em relação ao uso saudável ou não da internet para a inclusão da DI como psicopatologia nas próximas edições do DSM.
A utilização da internet cada vez mais faz parte das atividades cotidianas de adolescentes e aos poucos vem ganhando espaço nas escolas, tanto no sentido motivacional quanto de apoio pedagógico no processo de ensino-aprendizagem. Os adolescentes diagnosticados com DI fizeram maior uso da internet para jogos12,23 e em um dos estudos foi a atividade mais frequente entre os adolescentes também diagnosticados com TDAH23. Os resultados das pesquisas também indicam que os adolescentes com sintomas de hiperatividade e impulsividade demonstraram maior inabilidade em controlar o uso da internet, sendo, então, um fator de risco ao desenvolvimento da DI12. Os trabalhos não apontam o uso educacional como sendo o mais atrativo para os adolescentes com características de DI12,23, mas o fato de a adolescência ser um período em que a atividade escolar é uma atividade significativa no cotidiano. Com o incentivo ao uso da internet, sem monitoramento sobre em quais locais na rede os adolescentes estão efetivamente navegando por mais tempo, pode-se abrir espaços para o uso descontrolado da internet por eles.
Alguns mecanismos podem explicar a coexistência entre TDAH e DI. A resposta rápida e a recompensa imediata fornecida pela internet, principalmente nos jogos on-line, reduziriam a sensação de tédio nos indivíduos com TDAH, os quais facilmente se entediam e possuem aversão pela recompensa atrasada11,32. A dopamina liberada durante jogos pode ajudar os jogadores a se manterem concentrados nos jogos e, assim, a terem melhor desempenho33.
A adolescência é um período do desenvolvimento em que a impulsividade é uma característica marcante5. Adolescentes com TDAH, devido à melhora de seu desempenho quando utilizam a internet, preferencialmente para jogos on-line, podem ter dificuldade de autocontrole, possibilitando a utilização mais descontrolada e, assim, contribuindo para a vulnerabilidade à DI.
No Brasil, o número de habitantes com acesso à internet atingiu 79,9 milhões em 2011, com crescimento de 8% em relação ao ano anterior34, sendo os adolescentes os que mais a acessam. Mesmo não tendo índices tão elevados de acessibilidade tecnológica quando comparados aos países mais expressivos de produção científica no tema, é inquestionável a existência da DI no Brasil1. Num estudo observacional recente, com delineamento transversal, em adolescentes brasileiros, foi observada incidência de 20,7% de DI. Verificou-se uma porcentagem maior de adolescentes com DI entre os que estudavam em escolas particulares, cuja mãe trabalhava fora da residência e que priorizavam jogos e redes sociais, quando comparados com aqueles cuja atividade principal era referente a e-mails, sites ou outra, não havendo diferença significativa em relação ao sexo nesse aspecto7.
Sintomas elevados de TDAH em adolescentes estão associados à DI e mais associados ao gênero masculino. Alguns estudos longitudinais consideram também que o TDAH pode ser um preditor para a DI, devido ao maior tempo gasto com jogos do que com outras tarefas. Assim, o uso do computador e internet deveria ser monitorado de forma mais criteriosa nessa população.
Nessa revisão, o instrumento mais citado na avaliação da DI foi o CIAS, que não possui validação para o contexto brasileiro. Já o IAT, que é o segundo mais utilizado, possui versão traduzida para o português e encontra-se adaptado para a população-alvo brasileira desde 201235. Apesar de apresentar consistência interna satisfatória, ainda não foram realizadas análises de equivalência de mensuração e reprodutibilidade. Assim, sugere-se maior investimento na validação de instrumentos para avaliação da DI no contexto brasileiro35,36.
Há evidências de associação importante entre DI e TDAH. Contudo, há necessidade de pesquisas que avancem para uma melhor compreensão de como se estabelece a associação entre os dois transtornos, levando em consideração inclusive as atuais divergências em relação à nomenclatura e ao diagnóstico da DI. Nesse sentido, pesquisas que contribuam para a melhor compreensão da DI, de modo a estabelecer estratégias na prevenção e intervenções terapêuticas, também se tornam essenciais, considerando-se que, com o avanço tecnológico, a exposição e uso da internet tendem a aumentar.
Os autores agradecem aos profissionais do Serviço de Revisão Bibliográfica da Biblioteca Central de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.