A CRIANÇA MALCRIADA
Francisco B. Assumpção Jr.
Habitualmente somos tentados a achar “engraçadinhas” aquelas crianças que, por seu comportamento, criam situações que achamos divertidas. Assim, o “diabrete” que faz a babá ir embora chorando ou o outro que não obedece a professora porque “seus interesses” são diferentes dos da escola são vistos como “crianças espertas” que simplesmente não se adequam a um modelo rígido de aprendizado. Entretanto, é fundamental percebermos que o processo educacional, mais do que um mero adquirir conhecimentos, corresponde, entre outras coisas, ao fornecimento de valores e regras que permitirão àquele ser em desenvolvimento, viver em comunidade. Dessa maneira, uma das primeiras palavras que a criança aprende é o “não”, habitualmente acompanhada por um gesto que indica seu sentido. Isso lá por voltas dos 8 - 12 meses de idade. Posteriormente, essa mesma criança vai estruturar um código de regras definido pelo adulto, normalmente os pais, a partir do qual define o certo e o errado, muito mais por imitação de condutas e exemplos do que por discursos, por maior que seja a sua lógica e coerência. Dessa maneira, alguém que, apesar dos discursos diferentes, vê o adulto divertir-se com a babá que vai embora chorando ou que tem avalizada a displicência na escola porque favorece-se a utilização da Internet, tem essas condutas reforçadas e incorporadas ao seu repertório. Por voltas dos 7 anos de idade essa criança começa a criar regras próprias, principalmente associadas às regras de seu grupo. Assim, se iniciam os primeiros conflitos com o mundo dos adultos e os primeiros desafios que, embora de extrema utilidade em seu crescimento tem que gradativamente se adaptar para que o indivíduo possa continuar vivendo em comunidade. Assim, os jogos de regras (comuns nesse período) que favorecem a socialização só podem ser exercidos se essas forem obedecidas, e elas só o serão se a criança tiver sido, gradativamente, ensinada a tal. Finalmente, a adolescência é o período das grandes contestações e desafios. Isso entretanto não significa o encaminhamento à condutas delitivas ou a criação de regras éticas e morais próprias. Significa, isso sim, a avaliação dos valores fornecidos durante o processo educativo, sua análise e a criação de valores próprios que permitam a individualidade, sempre porém, dentro de um contexto social. Dessa maneira, a criança engraçadinha hoje, cujas condutas provocam risos e divertimento, dependendo do modelo educacional e, principalmente, familiar a que é submetida, será o adolescente e o adulto com dificuldades adaptativas, o que lhe ocasionará, na melhor das hipóteses, possibilidades de sofrimento no decorrer da vida.
· QUE OS PAIS PODEM FAZER
A família não é uma estrutura estática nem sem modelos definidos. Quando ela se constitue incorpora pessoas diferentes que, a partir da prole, se constituem enquanto grupo, com cada um de seus elementos tendo um papel definido e regras que devem ser claras. Por mais democrático que se seja, esse grupo é um grupo hierárquico, com regras que, quanto mais definidas melhor, e que deve se caracterizar, entre outras coisas pela coerência entre discurso e conduta. Dessa maneira, de nada vale os pais fazerem grandes discursos, inclusive com ameaças do tipo -“Você não vai mais andar de bicicleta”- se sua conduta, expressa através de risos ou do não cumprimento dessas mesmas ameaças, mostra exatamente o contrário do que é falado. Da mesma maneira, temos que pensar que a criança, como qualquer ser vivo, tende a querer ser satisfeito e que a vida social, obrigatoriamente, faz com que tenhamos que possuir um limite elevado às frustrações que nos são impostas. Dessa maneira, regras e impossibilidades, desde que lógicas e justificáveis, não proporcionam nenhum tipo de prejuízo, muito ao contrário, dão a criança possibilidades adaptativas que se refletirão em sua vida adolescente e adulta.