http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/003.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
A UNIVERSIDADE E AS PROJEÇÕES DE CONCEPÇÕES/REPRESENTAÇÕES DE
DEFICIÊNCIA VIVENCIADAS POR ALUNOS COM NECESSIDADES
EDUCACIONAIS ESPECIAIS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA-UFSM
Carla Beatriz Kunzler Hosda1
Anelise dos Santos da Costa²
Cleonice Machado de Pellegrini³
Sinara Pollom Zardo4
Orientadora Professora Drª Soraia Napoleão Freitas5
RESUMO
Este projeto surge da necessidade de ampliar os processos investigativos de cunho educacional, em
caráter de iniciação científica, atentando para a formação de profissionais da educação, para que
estes atuem na perspectiva da educação inclusiva. O objetivo geral que direciona as ações
desenvolvidas consiste em conhecer as representações e concepções que orientam o olhar dos
alunos com necessidades educacionais especiais que freqüentam os cursos de licenciatura da UFSM
e as relações dessas representações com o processo de inclusão desses na universidade. Desse
objetivo, ramificam-se os objetivos específicos, pontuados como: a) Realizar o mapeamento dos
alunos com necessidades educacionais especiais dos cursos de licenciatura da UFSM; b) Identificar
as categorias descritivas e/ou valorativas que os mesmos possuem acerca da deficiência; c) Analisar
a relação entre as representações da deficiência e o processo de inclusão dos alunos com
necessidades educacionais especiais da UFSM. Tal proposta de trabalho guia-se pelos
pressupostos teóricos de Moreira (2004), Pellegrini (2006), Castanho (2006) e Bourdieu (1998). A
pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, de tipo estudo de caso, e os instrumentos de
coleta de dados delimitam-se em questionários para os coordenadores dos cursos de licenciatura da
UFSM e entrevista semi-estruturada com os alunos incluídos no ensino superior da universidade. A
análise dos dados seguirá a proposta metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo, de Lefèvre e
Lefèvre (2005). Embora a pesquisa ainda esteja em andamento, pode-se afirmar que emerge a
necessidade da universidade investir em acessibilidade para a garantia não somente do acesso, mas
principalmente da permanência e da progressão do aluno incluído no ensino superior. Os dados
coletados indicam o restrito conhecimento dos professores formadores da universidade acerca das
deficiências, recursos e serviços necessários e a necessidade da universidade ampliar a
acessibilidade pedagógica, arquitetônica e de comunicação.
PALAVRAS CHAVES: Inclusão – Ensino Superior – Alunos com necessidades educacionais
especiais
Introdução
A universidade, como qualquer instituição de ensino, enfrenta evidentes desafios para considerar as
diferenças dos alunos no processo formativo. Estes desafios são intensificados pela falta de
conhecimento acerca da educação especial, que repercute na construção de representações em
torno das deficiências, compreendidas como desvio e incapacidade na aprendizagem e na
impossibilidade de aquisição de saberes específicos das áreas do conhecimento.
Portanto, a forma como uma pessoa com necessidade educacional especial é representada e os
significados que são atribuídos a sua deficiência, ainda estão longe de ser considerados dignos e
isentos de preconceitos e discriminações.
Diante disso, é necessário ampliar os estudos e ações acerca da inclusão do aluno com
necessidades educacionais especiais no ensino superior brasileiro. Esta é uma realidade que carece
de pesquisas, políticas públicas e programas por parte das Instituições de Ensino Superior, que
contemplem ações que avancem no sentido de garantir acessibilidade a esse alunado.
As marcas da exclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais no ensino superior
estão claras no censo de 2006 ao revelar o número de matrículas desse alunado. O Censo
MEC/INEP de 2006 aponta que em 2003 havia 5.078 alunos com necessidades educacionais
especiais incluídos no ensino superior. Destes, 1.373 estavam matriculados em instituições de ensino
superior públicas e 3.705 alunos estavam matriculados em instituições de ensino superior privadas.
Já em 2005 o total de matrículas no ensino superior de alunos com necessidades educacionais
especiais é estimado em 11.999 alunos, sendo que 3.809 em instituições de ensino superior públicas
e 8.190 em privadas. Estes dados revelam a emergência de elaboração de estratégias de ampliação
de vagas nas universidades públicas para estes alunos e da promoção de ações de acessibilidade.
Dentro desse quadro algumas observações se fazem necessárias, dentre elas é preciso considerar
que, muitas universidades não dispõem de mapeamentos de seus alunos com necessidades
educacionais especiais e, portanto, acabam não providenciando os recursos e serviços de apoio
necessários para a garantia do acesso ao currículo universitário pleno.
Em face da complexidade e da extensão da exclusão que marcou a educação das pessoas com
necessidades educacionais especiais no Brasil, a busca por sua inclusão impõe-nos um olhar
cauteloso e crítico. Neste contexto, a universidade não pode se furtar de reagir diante da
indiferença, da desigualdade, dos padrões e rótulos que discriminam e classificam diferença e
inferioridade como sinônimos. Sendo assim, estudos que tenham o comprometimento em analisar a
situação do aluno com deficiência no ensino superior, neste caso em particular, as concepções
diante da deficiência parecem ser um dos caminhos quer podem colaborar com a discussão de
propostas educacionais inclusivas.
A preocupação eminente deste projeto, quando ressalta a inclusão de alunos com necessidades
educacionais no ensino superior, está em conhecer as representações e concepções que orientam o
olhar dos alunos com necessidades educacionais especiais que freqüentam os cursos de licenciatura
da UFSM e as relações dessas representações com o processo de inclusão desses na universidade.
Tal proposta de trabalho guia-se pelos pressupostos teóricos de Moreira (2004), Pellegrini (2006),
Castanho (2006) e Bourdieu (1998).
Dessa forma, esse projeto pretende conhecer as concepções e representações em relação a
deficiência dos acadêmicos dos cursos de licenciatura da UFSM, atentando para o reconhecimento
dos alunos deficientes e evidenciando seus processos relacionais com os outros alunos, a fim de
oportunizar a disseminação experiências práticas possibilitem aprimorar o processo de inclusão dos
alunos com deficiência no ensino superior.
Método
Essa proposta de pesquisa segue os preceitos metodológicos da pesquisa qualitativa, permeada por
considerações teóricas sociológicas, pois busca conhecer/interpretar/compreender uma realidade
social específica, atentando para a forma como as inter-relações entre os sujeitos que a compõem
influenciam na sua constituição e organização.
Segundo Chizzotti (1998), a abordagem qualitativa se opõe ao pressuposto experimental que
defende um padrão único de pesquisa para todas as ciências, calcado no modelo de estudo das
ciências da natureza. Portanto, a pesquisa qualitativa se recusa a admitir que as Ciências Humanas e
Sociais devam ser conduzidas pelo paradigma das ciências da natureza e que estas sejam
legitimadas pela quantificação, já que esta não consegue contemplar a complexidade das relações
humanas e sociais. Nas palavras de Chizzotti:
A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o
sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é
parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos
atribuindo-lhes um significado (1998, p. 79) .
Na perspectiva de Lüdke e André (1986), a pesquisa qualitativa apresenta cinco características
básicas: 1) a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o
pesquisador como seu principal instrumento, ou seja, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e
prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, através do
trabalho intensivo de campo; 2) os dados coletados são predominantemente descritivos, já que o
material obtido é rico em descrição de pessoas, situações, acontecimentos, etc; 3) a preocupação
com o processo é muito maior do que com o produto; 4) o “significado” que as pessoas dão às
coisas e a sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador, há uma preocupação em
compreender a maneira como os sujeitos participantes da pesquisa concebem as questões
relacionadas ao objeto de estudo; 5) a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo, uma
vez que os pesquisadores não se preocupam em buscar evidências que comprovem hipóteses
definidas antes do início dos estudos.
Logo, delineados os pressupostos dessa pesquisa como qualitativa, define-se ainda como uma
investigação de tipo Estudo de Caso, pois esta pretende aprofundar o estudo de uma realidade
específica, a Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Segundo Lüdke e André (1986) a
pesquisa de tipo estudo de caso apresenta algumas características fundamentais, tais como:
visar/possibilitar a descoberta, enfatizar a “interpretação em contexto”, buscar retratar a realidade
de forma completa e profunda – já que o pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões
presentes numa determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo – usar uma
variedade de fontes de informação, revelar a experiência de outrem permitindo generalizações
naturalísticas e representar os diferentes e conflitantes pontos de vista presentes numa situação
social.
Considerando os objetivos da pesquisa, que procuram conhecer as representações e concepções
que orientam o olhar da universidade para com a deficiência de alunos com necessidades
educacionais especiais incluídos no ensino superior na UFSM, elenca-se como instrumentos para a
coleta de material questionários e entrevista semi-estruturada.
A análise dos dados seguirá a proposta metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo, de Lefèvre e
Lefèvre (2005). A proposta do Discurso do Sujeito Coletivo consiste em analisar o material verbal
coletado extraindo de cada depoimento as idéias centrais e/ou ancoragens e suas correspondentes
expressões-chave. A partir das expressões-chave das idéias centrais ou ancoragens semelhantes,
compõe-se um ou vários discursos-síntese na primeira pessoa do singular (LEFÈVRE e LEFÈVRE,
2005). Nas palavras dos autores:
O Sujeito Coletivo se expressa, então, através de um discurso emitido no
que se poderia chamar de primeira pessoa (coletiva) do singular. Trata-se
de um eu sintático que, ao mesmo tempo em que sinaliza a presença de um
sujeito individual do discurso, expressa uma referência coletiva na medida
em que esse eu fala pela em nome de uma coletividade. [...] Partindo-se do
suposto que o pensamento coletivo pode ser visto como um conjunto de
discursos sobre um dado tema, o Discurso do Sujeito Coletivo visa dar luz
ao conjunto de individualidades semânticas componentes do imaginário
social (LEFÈVRE e LEFÈVRE, 2005, p. 16).
Segundo Lefèvre e Lefèvre (2005), para confeccionar os Discursos do Sujeito Coletivo, foram
criadas as seguintes figuras metodológicas: Expressões-chave, Idéias Centrais, Ancoragem e
Discurso do Sujeito Coletivo. A apresentação dos dados buscará valorizar a integração das
informações coletadas com a teoria orientadora do trabalho, tendo em vista a construção de uma
produção científica consistente na área educacional.
Resultados
A referida pesquisa buscou mapear os alunos com necessidades educacionais especiais que
freqüentam os cursos de Licenciatura da UFSM. Inicialmente, disponibilizou-se o Termo de
Consentimento Livre e Informado e uma carta de apresentação do projeto destinado aos
coordenadores dos cursos de graduação da UFSM. Nesta oportunidade, foi entregue um
questionário para ser respondido, considerando que a universidade não dispõe de mapeamentos
dos seus alunos com necessidades educacionais especiais atualizado. O questionário foi entregue
aos coordenadores dos cursos de Licenciatura da UFSM, dentre estes Artes Visuais, Ciências
Biológicas, Educação Especial, Educação Física, Filosofia, Física (diurno e noturno), Geografia,
História, Letras (Espanhol, Inglês e Português), Matemática (diurno e noturno), Música, Pedagogia
(diurno e noturno) e Química.
Após a coleta dos dados, o material foi organizado e analisado, tendo a intenção de revelar se o
curso possui algum acadêmico com necessidade educacional especial incluído. Segundo os dados
coletados, os cursos de Educação Especial, Educação Física, Letras (Espanhol) e Música afirmam
possuir alunos com deficiência matriculados nos cursos dos quais coordenam.
O curso de Educação Especial possui uma aluna com deficiência visual, estando esta matriculada no
1º semestre, cumprindo todas as disciplinas previstas no currículo para esta etapa. O curso de
Educação Física respondeu no questionário que possui um aluno com deficiência física nos membros
inferiores, estando matriculado no 8º semestre, em estágio profissional. O Curso de Letras -
Espanhol informou que há um aluno com cegueira matriculado regularmente no 6º semestre,
informando que este aluno possui uma carga horária diferenciada, pois não encontrou auxílio para
freqüentar as disciplinas diurnas. Por fim, o Curso de Música informou haver uma aluna com visão
subnormal ou resíduos visuais, sendo esta matriculada regularmente no 5º semestre.
Em seguida, serão realizadas entrevistas com estes alunos. As entrevistas serão gravadas e
posteriormente transcritas de forma literal, a análise dos dados seguirá a proposta metodológica do
Discurso do Sujeito Coletivo, de Lefèvre e Lefèvre (2005). A apresentação dos dados buscará
valorizar a integração das informações coletadas com a teoria orientadora do trabalho, tendo em
vista a construção de uma produção científica consistente na área educacional.
Discussão
Esta primeira etapa da coleta dos dados indica a necessidade da Universidade em estudo
investir no processo de consolidação das bases educacionais inclusivas. Este processo deve se
constituir inicialmente por um processo de identificação do alunado com deficiência, para em
seguida indicar quais as necessidades e providências que devem ser realizadas para provimento dos
recursos e serviços necessários. A análise dos questionários indica o número reduzidos de pessoas
com deficiência que estão matriculadas nos cursos de licenciatura e também revelam que alguns
alunos que foram aprovados no vestibular cursaram seus cursos de graduação durante um período
restrito e em seguida evadiram. Assim, pode-se inferir que as condições de acessibilidade estão
presentes no processo seletivo de ingresso na universidade, mas ainda não estão inseridas
transversalmente durante o processo de realização dos cursos de graduação. Desta forma, a falta de
recursos, serviços e apoio específicos para garantia da acessibilidade ao currículo dos cursos de
formação docente para os alunos com deficiência torna-se um impedimento para a progressão e
conclusão da formação inicial. Logo, evidencia-se a necessidade de investimento na formação dos
professores universitários sobre os conhecimentos básicos da educação especial, bem como emerge
que a instituição de ensino superior articule alternativas promotoras de acessibilidade e qualidade no
processo formativo destes profissionais.
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CHIZZOTTI, A. Pesquisas em ciências humanas e sociais.
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PELLEGRINI, Cleonice Machado. Ingresso, acesso e permanência de alunos com
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