INTRODUÇÃO
O presente trabalho é resultado de um projeto de Iniciação Cientifica PIC/UEM, em andamento, visa o estudo da temática de pessoas com deficiência mental e o papel da atividade de artes no processo de desenvolvimento das mesmas. A atividade artística permite diversas formas de aprendizagem fornecendo ao aluno subsídios que auxilie no desenvolvimento intelectual e social. Como futuras educadoras nos sentimos motivadas a buscar conhecimentos que possibilitem compreender a inclusão da arte na educação especial e apontar as dificuldades e as possibilidades que esses alunos apresentam, do que sabem e não sabem fazer, e do modo particular de se relacionarem com tudo e com todos que os rodeiam. Segundo autores e estudiosos da educação especial (BARBOSA, 2005, LIMA, 2002, VYGOTSKY, 1989), as crianças ao realizarem atividades artísticas, desenvolvem auto estima, autonomia, sentimento de empatia, capacidade de simbolizar, analisar, avaliar, fazer julgamentos e adquirem pensamento mais flexível.
Percebe-se a importância do professor aprofundar seus conhecimentos sobre os temas relacionados à educação e a arte, bem como ao desenvolvimento de pessoas com necessidades especiais, relacionando-os com atividade no contexto escolar e social. A arte, neste contexto, torna-se uma maneira diversificada de apropriação de conhecimentos. Esse tema suscita a questionamentos referentes ao papel das artes no desenvolvimento da pessoa com deficiência mental, tais como: de que maneira a prática de atividades artísticas podem ajudar o desenvolvimento da pessoa com deficiência mental? Na educação especial, a função da arte não seria oportunizar formas de expressão e liberdade para o aluno pensar criativamente, desenvolvendo suas capacidades intelectuais e suas sensibilidades?
Mediante esses questionamentos, entende-se que o profissional da educação deve assumir uma postura investigativa frente as diferentes temáticas que poderão apresentar-se em situação de sala de aula. O desenvolvimento da pessoa com deficiência mental deve ser alvo de tais investigações, bem como o papel das atividades que envolvam o aprimoramento de habilidades relativas à percepção, sensibilidade e poder criativo dos alunos com necessidades especiais. Por outro lado, estudos dessa natureza cumprem o importante papel de contribuir com a formação dos acadêmicos das diferentes licenciaturas, uma vez que nem todos os currículos contemplam temáticas tão especificas. Nesta perspectiva, acredita-se que esta pesquisa se justifica para melhor compreensão e aprofundamento do assunto em questão e também por contribuir para a formação do futuro educador.
Sob esse prisma, o objetivo geral deste estudo é compreender o papel da arte como forma de expressão e desenvolvimento da pessoa com deficiência mental; e os específicos são: aprofundar conhecimentos sobre a deficiência mental, com o objetivo de conhecer formas alternativas de trabalho nas áreas de educação e arte; estudar a respeito do desenvolvimento da pessoa com deficiência mental e qual o papel da arte nesse processo; e investigar formas de intervenção educativa que possibilite o desenvolvimento da sensibilidade e apreciação, permitindo a liberdade de expressar conhecimentos e sentimentos, de criar, de experimentar e explorar, diferentes linguagens artísticas.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico, a qual é parte integrante do projeto de extensão intitulado Atividades Alternativas para Pessoas com Necessidades Especiais CAP/UEM, e servirá como campo para coleta de dados para estudos posteriores. A base teórica que vai fundamentar esse projeto será a concepção do materialismo histórico com ênfase na concepção de Vygotsky e seus colaboradores. Os procedimentos metodológicos que nortearão as ações aqui empreendidas compreendem a seleção da literatura básica que vai fundamentar os estudos, fichamento das obras selecionadas, participação de reuniões com a orientadora e em encontros de estudos, discussões e reflexões acerca do tema.
DISCUSSÕES E RESULTADOS
A história da humanidade nos comprova que em todas as épocas pessoas nascem ou tornam-se deficientes e enfrentam dificuldades no convívio social devido aos preconceitos. Desde a antiguidade existe a dificuldade em lidar e aceitar as diferenças entre as pessoas, a cada momento histórico os deficientes são tratados de maneiras diversas, pois o conceito e os conhecimentos sobre deficiência, respectivamente, mudam e multiplicam-se. Em toda a história da humanidade, encontram-se referências sobre a existência de deficientes mentais, embora, em cada época, tenha havido diferentes interpretações e formas de perceber esse tipo de pessoa, (PESSOTTI, 1984).
De acordo com o autor acima são raros os documentos existentes que fazem referência à deficiência mental na Idade Média ou mesmo, anteriormente a isso. A informação que se tem, é sobre os casos de extremo maltrato a essas pessoas. Em Esparta, as crianças com deficiência física ou mental eram abandonadas e rotuladas de sub-humanas, idiotas, imbecis e cretinas. Na Europa, a situação se assemelhava à de Esparta, sendo que isso só melhorou após a difusão européia da ética cristã.
Com o cristianismo a concepção do deficiente passou de “objeto” para pessoa, já que com esse posicionamento religioso, todas as pessoas ganham alma e, por isso, não poderiam ser eliminadas ou abandonadas, o que tornou sua exposição, inaceitável. Tal prática, portanto, comum na antiguidade era justificada e aceita por estudiosos, como por exemplo: Platão e Aristóteles, porque essas pessoas dependiam economicamente de outras. Por outro lado, desde o século IV, a igreja e os conventos acolhiam e alimentavam crianças deficientes abandonadas e maltratadas, (PESSOTTI, 1984).
Durante a reforma, os deficientes mentais eram tratados com rigidez ética carregada de noção de culpa e responsabilidade pessoal que conduzia a uma atitude de intolerância cuja explicação reside na visão pessimista do homem, entendido como uma “besta demoníaca” quando lhe vinham a faltar à razão ou a ajuda divina (PESSOTTI, 1984). Na concepção de Lutero, o deficiente mental era uma “criança normal” que tinha seu corpo tomado pelo demônio e a morte era a forma de expulsá-lo. Essa identidade sobrenatural é a marca da superstição que caracterizou a prática medieval em relação ao deficiente mental.
Jannuzzi (1985) relata que o interesse pela deficiência mental começou a divulgar-se mais veemente a partir do século XX porque esta fazia parte da preocupação com a saúde mental da população, com problemas que poderiam degradar a saúde psíquica. Em 1911 o Serviço de Higiene e Saúde Pública criou a inspeção médico-escolar que tinha por tarefa criar classes especiais e capacitar profissionais para trabalhar com este público alvo.
Percebe-se que tanto a sociedade como o contexto histórico vivido estabelecem quem são estes sujeitos. Na atualidade, não é diferente, entende-se que a questão do preconceito já se estabelece pela própria sociedade. As pessoas não se preocupam em olhar as potencialidades do sujeito, mas se preocupam em classificá-las para depois julgarem quem elas são ou podem produzir na sociedade. Desta forma, acredita-se, que os primeiros estudos e os atuais feitos acerca da deficiência mental foram necessários para tornar possível a compreensão de cada indivíduo dentro de sua limitação.
Atualmente, no Brasil, as diretrizes nacionais para a educação especial (BRASIL, 2001), asseguram os direitos individuais e sociais de pessoas com deficiência. A Lei 9.394/96, Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (BRASIL, 1996) prevê o atendimento na rede regular de ensino de pessoas com necessidades especiais. Há um movimento mundial em defesa de que todas as crianças devem ter acesso a escolas comuns para que possam aprender juntas, independentes de suas dificuldades. Os sistemas de educação devem ser projetados de modo que atendam as diferentes características e necessidades de aprendizagem que toda a criança possui e que lhes é própria. No caso de pessoas com necessidades especiais deve haver uma pedagogia centralizada na criança, para atender suas necessidades.
A discriminação ainda é um fato na sociedade, mesmo com leis que amparem as pessoas com necessidades especiais. Em razão dessa realidade a idéia de inclusão encontra-se ainda em um processo inicial, que requer muito trabalho para se concretizar. Faz-se necessário uma mudança na visão preconceituosa e equivocada que a sociedade e o próprio deficiente tem, de que deficiência é sinal de incapacidade.
Aos poucos esse impasse está se esclarecendo. Hoje a educação especial é entendida como modalidade de ensino que tem como objetivo quebrar barreiras que impedem a criança em exercer sua cidadania, porém o atendimento educacional especializado deve ser apenas um complemento da escolarização e não substituto.
Assim como evidenciado no descrito acima, a concepção de arte também mudou ao longo dos anos. No modernismo, entre os anos 40 e 50, mudou a visão sobre a educação artística no âmbito escolar e social, permitindo a liberdade de expressão. O objetivo foi desenvolver a criatividade do aluno. O contato direto com obras de arte ajudou as crianças a decodificarem, tomar elementos das obras de arte, criarem suas próprias, desenvolvendo no aluno a capacidade de reorganizar suas atividades em qualquer situação, (BARBOSA, 2005).
Cumpre ressaltar que a arte esteve presente deste o início da vida humana e o homem tem expressado sua criatividade em todas as áreas, por meio de pinturas, de esculturas e da cerâmica. Historicamente a arte vem cumprindo funções ideológicas, educativas, sociais, expressivas e cognitivas, procurando ampliar a relação do homem com a realidade. A elaboração artística, quando executada coletivamente, possibilita interligar o homem ao grupo e permite atividades sociais e integradoras, (LIMA, 2002).
Por tanto, a arte se faz importante no processo de educação tanto no ensino regular quanto na educação inclusiva, visando ajudar os alunos a lidarem com as diferenças, de modo positivo, não só na arte como na vida. A partir do trabalho com pintura, com o desenho, ou com outros tipos de arte, esta se torna um caminho que permite e favorece a expressão de sentimentos, de reações, angústias, indagações, o que por sua vez, faz com que o aluno interaja colocando-o em equilíbrio com o meio em que está inserido.
A imagem, no enfoque da arte, está associada à representação visual de formas como desenho, esculturas, pintura, gravura, fotografia, dentre outras. Assim, de acordo com Puccetti (2002), a imagem é interpretação e atribuição de sentido onde o processo de produção revela o universo de cada ser, seu olhar, sua visão de mundo, num contexto de interação social.
Sob esse prisma, de acordo com Vygotsky (1989) a arte está ligada ao campo singular do psiquismo humano, precisamente o campo do seu sentimento; para ele o psiquismo de um indivíduo lhe é particular, sendo social e socialmente construído. O autor afirma que o processo pelo qual o indivíduo internaliza os padrões sociais varia conforme os grupos em que está inserido e sua cultura, ou seja, ele não se torna um ser social apenas por meio da arte, mas sim no momento de seu nascimento, quando começa a interagir com o meio e com as pessoas que fazem parte de sua rotina.
A arte, por conseguinte, a imagem por ela retratada, de acordo com Meira (2003), agrega significados, formas e comportamentos cotidianos, de exteriorização de subjetividades e de exercício da criatividade. Nos atos de desenhar, pintar, criar uma escultura estão implícitos processos de organização de espaço, definição de formas e composição de planos. Ao produzir artisticamente, ao compor visualmente, a pessoa articula e estrutura o sentir e o pensar. Nesse fazer artístico estão presentes o conhecimento e a leitura dos elementos visuais, a organização e a ordenação do pensamento, a significação (representação), a construção de imagem, a expressão da história pessoal e social do sujeito. Então, acredita-se que o ensino de arte é resultado da articulação entre o fazer, o conhecer, o exprimir e o criar.
Com efeito, Vygotsky (1989:7) considera que “a deficiência deve ser enfocada como um processo de desenvolvimento e não vinculada aos processos patológicos, deste modo considera que a criança deficiente não é menos desenvolvida ou incapaz, mas simplesmente se desenvolve de maneira diferente”.
De acordo com Vygotsky (1996) é impossível pensar em desenvolvimento cognitivo fora do mundo cultural, uma vez que o mesmo afirma não haver possibilidade de desenvolvimento cognitivo fora da linguagem e, tampouco, desenvolvimento da linguagem sem a mediação que se evidencia nos processos interativos, entendendo a linguagem como o signo por excelência na mediação entre o mundo cultural e biológico.
Assim, de acordo com os pressupostos sociohistóricos “todos os homens são capazes de realizar operações construtivas de transformação da natureza em signos de cultura” (LOUREIRO, 2003:13). É possível transferir para a obra aquilo que lhe é peculiar, sendo capaz de entender que sua produção artística é algo que pode ser valorizada e útil. Desta maneira, ao conhecer e ter acesso à arte, o indivíduo com necessidades especiais pode sentir-se mais participante da sociedade na qual está inserido, podendo ser utilizada, a arte, enquanto recurso facilitador de desenvolvimento e aprimoramento das capacidades e habilidades da pessoa com deficiência mental.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Desde a antiguidade a arte foi se desenvolvendo socialmente, possibilitando a comunicação entre os grupos sociais e nos dando inúmeras possibilidades de expressão, se tornando um instrumento social. É no contexto da história da humanidade que vem se formando as relações entre a arte e o comportamento do homem, relações que não estão restritas apenas as emoções e ao contágio de um sentimento comum a todos que percebem uma obra de arte. A arte, como afirma Vygotsky (2001) não possui apenas o papel de transmitir um sentimento único, ao contrário, seu papel implica algo que vai além do contágio de emoções em comum, e é composta por meios infinitamente importantes para o desenvolvimento do homem. A percepção de formas artísticas contribui para o desenvolvimento dos sentidos humanos, o contato com uma obra de arte permite que o homem experimente novos meios de comunicação.
Dentro desse contexto, a produção artística deve considerar a perspectiva da diversidade propiciando ao deficiente mental a interação com o coletivo e a conexão com o que conhece e sente. Quanto à interação, ainda persistem muitas polêmicas. Os estudos existentes, as publicações técnicas e os documentos oficiais sobre o tema são escassos e pouco divulgados, fazendo com que pessoas responsáveis pelo planejamento educacional trabalhem, muitas vezes, de maneira intuitiva, desenvolvendo ações que não conduzem a uma interação educacional efetiva, em muitos casos há uma mera integração física, que não atende a necessidade especial do aluno. Pessoas com deficiência mental possuem maiores dificuldades na capacidade de se expressarem, abstraírem, generalizarem e no desenvolvimento do domínio motor. Nesse sentido, a arte como atividade educacional especial desenvolve essas habilidades, pois permitem a liberdade de expressar conhecimentos e sentimentos, de criar, de experimentar e explorar, diferentes linguagens artísticas.
A existência de uma deficiência cognitiva não deve ser concebida como limitadora no campo da arte, pois por meio da mesma, outras potencialidades podem ser atingidas. Assim, a arte pode ser interpretada como um recurso em que pensamento e conhecimento se expressam assim como nos expressamos por meio da linguagem.
Com efeito, a arte pode ser um processo de criação que move o conhecer e o exprimir, proporcionando as pessoas com deficiência mental um desenvolvimento por meio do fazer, desconsiderando os aspectos patológicos ou orgânicos, dando ênfase às capacidades reais do seu processo mental de compreensão, abstração, planejamento e elaboração do meio circundante, os quais podem e devem ser contemplados nas práticas pedagógicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARBOSA, Ana Mãe. A arte – educação não é espetáculo. Folha Sinapse; nº34; 2005. p.16-17.
BRASIL - MEC - Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Brasileira, Res.01/2001.
BRASIL – MEC - LDB nº 394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) – Capítulo V – Educação Especial- Art. 58, Art.59, 1996.
JANNUZZI, Gilberta. A luta da educação do deficiente metal no Brasil. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, 1985.
LIMA, Alba Horvath. A vivência da arte como possibilidade de educação permanente. Revista de Educação Cultural; v.24; nº78. Set/Dez. 2002.
LOUREIRO, Joas de Jesus Paes. A estética de uma ética sem barreiras. Educação, arte, inclusão. Caderno de texto 3. programa de arte sem barreiras/ FUNARTE: 2003. ano 2, n°3.
MEIRA, Marly. Filosofia da criação: reflexões sobre o sentido do sensível. Porto Alegre: meditação 2003.
PESSOTTI, Isaías. Deficiência Mental: da superstição à ciência. São Paulo: T. A.Queiroz: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1984.
PUCCETTI, Roberta. A arte na diferença: um estudo da relação arte/ conhecimento do deficiente mental. Tese (doutorado). Faculdade de educação. Universidade Metodista de Piracicaba, 2002.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
VYGOTSKY,L.S. Fundamentos de defectologia.Havana: Ed.Pueblo e Educacion,1989.
VIGOTSKI, L. S. Psicologia da arte. In: Arte e vida. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,2001.P.301-320.
VIGOTSKI, L. S. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1996.