http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/022.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO PELO BRINCAR NO ESPAÇO
HOSPITALAR: O QUE FOI “TER SIDO” / “TECIDO NA” A EXPERIÊNCIA
Antoneide Santos Almeida Silva
Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
RESUMO
Este artigo traz o relato da experiência vivida entre crianças dos doze aos treze anos,
hospitalizadas no Hospital Só Baby, em Juazeiro/Bahia e as alunas do 6º período do Curso de
Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). A experiência se materializou por
meio de uma proposta de intervenção no período do estágio. A proposta teve como objetivo
principal analisar a utilização do brincar como ferramenta importante para o enfrentamento
dos problemas gerados pelo processo de hospitalização e da recuperação da criança através
de atividades lúdico-pedagógicas. Atividades nas quais a contagem e recontagem de histórias
foram motes para a concretização das atividades lúdicas como desenhar, pintar dramatizar,
recortar, colar, cantar e outras. O projeto também analisou, por intermédio de atividades
pedagógicas, o papel do conhecimento, da emoção e da linguagem para saúde da criança
hospitalizada, bem como observou a atuação do professor no acompanhamento pedagógico
num espaço hospitalar na perspectiva de se tornar um momento de reconstrução de saberes
para alunos, professores e pacientes.
Palavras Chaves: atuação do professor, imaginário infantil, ludicidade.
INTRODUÇÃO
A disciplina Pesquisa e Estágio, do 5º período, do Curso de Pedagogia e Gestão dos
Processos Educativo, estabelece na sua ementa, a necessidade dos graduandos
experimentarem diversos campos de estágio, para que tenham condições de contatos com
diversas realidades no processo de formação inicial e com isso terem condições de optarem
pelo núcleo de aprofundamento com que se identificam.
Diante desse indicativo, as alunas do respectivo período,
iniciaram uma proposição de
intervenção no Hospital Infantil Só Baby. Ao propormos este trabalho, na modalidade de
intervenção pedagógica no espaço de estágio, muitas foram às indagações, dentre elas
destacamos: Qual o objetivo de um grupo de estudantes de pedagogia no âmbito hospitalar?
Qual a relação existente entre educação e saúde? Para elucidação dessas questões
recorremos a Fontes (2000 p.121) que coloca:
O trabalho pedagógico
em hospitais apresenta diversas
interfaces de atuação e estar na mira de diferentes olhares
que o tentam compreender explicar e construir um modelo
que o possa enquadrar. No entanto, é preciso deixar claro
que tanto a educação não é elemento exclusivo da escola
quanto à saúde não é exclusivo do hospital, até por que na
definição do Ministério da saúde o hospital e centro de
educação por proporcionar atendimento preventivo e
curativo com vistas ao acesso do conhecimento das diversas
patologias por parte de seus usuários.
Com esse entendimento, o projeto priorizou a ludicidade, por se acreditar que o lúdico
pode ser instrumento fomentador de aprendizagem. Assim na primeira etapa do projeto,
foram planejadas a partir do diagnóstico, ações pedagógicas em que a brincadeira fosse o
foco, utilizando as diversas linguagens infantis (música, histórias, dobraduras, pinturas,
colagem.) para fortalecer e concretizar a interação da criança hospitalizada com o mundo e
com as sensações.
Nesse percurso, repensar o espaço hospitalar, como espaço educativo foi um grande
esforço por se tratar de um lócus desconhecido para a pedagogia, disciplina /ciência que
durante muito tempo visualizou a escola como único espaço de aprendizagem. Por isso
encontramos muitas dificuldades para se buscarmos referências em materiais teóricos.
Configurando-se assim em um esforço dobrado da equipe em construir um arcabouço teórico
com possibilidades de intervenção pedagógica em um campo hospitalar.
No período de 2007.1, na turma do 6º período, a proposta de intervenção em um espaço
hospitalar passou a ganhar uma dimensão mais ampla, necessitando de um entendimento
teórico-prático mais aprofundado. Foi preciso então, a articular outras disciplinas do núcleo
de Educação Infantil, articulação considerada fundamental, pois possibilitou uma melhor
interação entre as disciplinas e os campos de conhecimento, concretizando uma ação pautada
na transdisciplinaridade e envolvimento mais afetivo dos outros professores com o projeto.
Tivemos que manter contato e contar com a colaboração dos professores das disciplinas
Literatura Infanto-Juvenil, Língua e Linguagem e Ludicidade e Recreação. Juntas, todas
contribuíram para a articulação de novos saberes inerente a prática docente e da interlocução
deste em um espaço não escolar, mas decididamente um espaço do aprender e ensinar. Isto
fez com que se buscasse, com clareza, o problema da instigação, bem como os limites e as
possibilidades do oferecimento de atividades educacionais em um ambiente hospitalar.
A intervenção teve como objetivo geral compreender como o trabalho com a ludicidade
pode proporcionar desenvolvimento cognitivo, emocional e sua contribuição para
recuperação da saúde das crianças. Aliado a isso, os objetivos específicos circundavam a
prática docente:
1. Descrever e analisar uma prática pedagógica em hospital como alternativa
de
atendimento educacional, apontando suas conquistas e dificuldades.
2. Refletir sobre atuação do educador e os caminhos para a educação
a partir do
acompanhamento pedagógico em âmbito hospitalar.
3. Analisar através de atividades pedagógicas o papel do conhecimento da emoção
e da
linguagem para saúde da criança hospitalizada
Esses objetivos procuravam não só compreender o papel da educação, ao operar com
processos afetivos e cognitivos na busca da saúde da criança hospitalizada, bem como definir
o espaço da atuação do pedagogo-professor, que muitas vezes é confundido com o do
Psicólogo ou Assistente Social.
Acredita-se que a proposta de intervenção tem importância crucial nos dias atuais, por
vislumbrar oportunidade educacional a uma população menos favorecida dos bens sociais da
educação, lazer e saúde. Acredita-se ainda que relevância social desse projeto de intervenção
dar-se-á pelo fato do mesmo ocorrer num espaço hospitalar público que atende a população
infantil de nível sócio - econômico baixo. Destacamos que muitas crianças atendidas neste
hospital, têm acesso apenas à televisão como suporte de leitura. Muitas são privadas do
contato com os diferentes portadores de leitura como o livro, revista em quadrinho, os livros
de poemas entre outros e não contam ainda com tempo disponível dos pais, já que estes
trabalham o dia inteiro e muitos não são escolarizados, para um convívio mais lúdico, ou seja,
para realizarem brincadeiras ou ouvirem contos e causos. Podendo ser este o único momento
para ter o contato com a leitura.
È válido ainda ressaltar a relevância científica do projeto, por se constituir no espaço para
reflexão teórica, pois durante todo o desenvolvimento do projeto procuramos responder e
problematizar algumas questões que, para nós, foram fundamentais, dentre elas é possível
destacar:
· È
possível pensar o hospital como espaço educacional para crianças hospitalizadas?
· Pode
a educação contribuir para saúde da criança hospitalizada?
· Quais
os limites e possibilidades do professor – pedagogo nesse novo lócus de
atuação?
Temos a consciência de que nem todas as dúvidas e inquietações foram resolvidas, outras,
respostas, porém foram alcançadas, mais ainda assim, sem a pretensão de se ter resposta
absoluta, inquestionável. Por isso, pretendemos, no decorrer da nossa exposição, neste texto,
trazemos algumas questões elucidadas.
Fundamental esclarecer que as inquietações e questionamentos foram esclarecidos a partir
da busca de uma concepção teórica e de uma base sólida calcada em estudos já realizados a
respeito da temática, dentre estes os estudos desenvolvidos sobre a ludicidade como via de
acesso para as múltiplas aprendizagens.
A Ludicidade: possibilidade intervenção pedagógica em um espaço hospitalar
Para refletir sobre ludicidade, necessário se faz, em primeiro plano, problematizar outra de
igual valor: o que é ser criança?Que tipo de criança foi a estagiária na infância? Que relação
existe entre a infância vivida e prática docente? Trazemos essas questões iniciais para
podermos pensar sobre esses sujeitos que a todo o momento, dizemos que os conhecemos,
mas esquecemos que muitas ações realizadas por elas hoje, foram um dia realizadas por nós.
No sentido de melhor compreendermos a relação entre ludicidade, criança e
aprendizagem consideraramos pertinentes trazer alguns conceitos que pensamos serem
reveladores de posturas e crenças construídas no decorrer da história: A criança não seria
mais considerada um adulto em miniatura: ela vive em um mundo próprio que é preciso
compreender. Concepção de ROSSEAU apresentada por Gadotti (1994, p. 87) Outro
pensar: A criança é percebida como um ser dinâmico que a todo o momento interage
com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. O pensar do Ser-criança
da obra de Jean Piaget, citado por Nicolau (1989, p.49).
Diante destes conceitos nos questionamos: como pensar na criança presa a uma cama de
hospital, tendo em volta o branco e o cinza como perspectivas de vida? È sabido que o
período da internação traz à criança a vivência de uma realidade distante da que
cotidianamente, é acostumada. Notamos que o papel de ser criança é sufocado pelas rotinas
e práticas hospitalares que restringem a atuação da criança num espaço extremamente
delimitado: as enfermarias. Elas são tratadas como pacientes que inspiram e necessitam de
cuidados especiais, precisam ficar imóveis, passiva a tudo, como se estivessem alheias ao que
ocorre ao seu redor.
Essa é a simbólica e culturalmente, a imagem dos hospitais, espaços materializados pela
ausência de cor e sabor. Pensar em uma diferente configuração para esse espaço, não uma
tarefa fácil, no entanto recorremos a uma das linhas mais fascinantes da atividade humana e
mais essencialmente da criança: a ludicidade. Segundo Luckesi (2005) são atividades que
propiciam uma experiência de plenitude, em que nos envolvemos por inteiro. Para Santin,
(2000) são ações vividas e sentidas, não definíveis por palavras, mas compreendidas pela
fruição, povoadas pela fantasia, pela imaginação e pelos sonhos que se articulam como teias
urdidas com materiais simbólicos. Visualizar a criança sob essa esfera conceitual é pensá-la na
perspectiva da pedologia1
A ludicidade é, pois um assunto que tem conquistado diversos espaços na sociedade. As
atividades lúdicas fazem parte da vida do ser humano e, em especial, da vida da criança, que
utiliza a brincadeira como elo entre ela e o outro. Isso fica evidente no que OTAKE (2000,
p.115) coloca:
O brincar proporciona á criança construir e elaborar a
relação eu – mundo, pois além do prazer de brincar
proporcionado através do brincar, domina suas angústias,
controla idéias ou impulsos que conduzem as mesmas,
caso não sejam dominados.
Por ser o brinquedo a essência da infância, diferentes espaços se destinam ao prazer, às
emoções, a vivência corporal, ao desenvolvimento da imaginação, da criatividade, da auto-estima, da sensibilidade, pensar num trabalho que envolva esses aspectos subjetivos num
hospital é extremamente novo e desafiador, mais é evidente sua importância ,pois o brincar
transforma esse ambiente , e vem preencher uma lacuna entre a criança, sua família,
diminuindo o estresse, a ansiedade.
Nessa direção, o brinquedo é um convite à interação e inclusão que se expande até a
relação da criança com o acompanhante, isto por que foi percebido durante o projeto um
redirecionamento na relação entre criança e acompanhante que gradativamente, passou a
participar das atividades, ajudando as crianças na execução das mesmas. Este
redirecionamento contribui de maneira impar com a recuperação da criança como coloca a
enfermeira: depois das atividades do projeto, as crianças retornam as enfermarias mais
alegres.
Na nossa experiência, ou seja, no período de execução do estágio, o grupo de estagiárias
preparou um plano de ação que evidenciou o fazer lúdico como mote para o trabalhado,
elenco o contar e recontar historia como fio condutor das atividades. Assim foram contadas
variadas espécies de historias que foram das Fábulas aos contos de fadas, sempre compostos
de atividade de pintura, colagens, reconto, teatro de fantoches e tantas outras. Este foi um
momento precioso para experiência profissional acadêmica, pois se começou a pensar sobre
a atuação do pedagogo neste espaço. A seguir têm-se algumas fotos das crianças realizando
as atividades proposta
A experiência de intervenção passou, assim, a tomar um novo corpo, o da pesquisa.
Retomamos então as questões evidenciadas no inicio deste artigo: Qual o objetivo de um
grupo de estudantes de pedagogia no âmbito hospitalar? Qual a relação existente entre
educação e saúde? E acrescentamos ainda: que saberes serão construído por estagiários e
pacientes nesse percurso?
2 Ciência que estuda a criança não como um ser em miniatura,mas como um ser cujo universo difere
qualitativamente do mundo do adulto.Criada por Preyer, desenvolvida por Piaget, Wallon(1971)
Tecendo possibilidade: a atuação do pedagogo no espaço de inclusão e construção de
saberes
Pensar n na proposta de intervenção como objeto de pesquisa, implica também,
problematizar outro conceito. Agora um conceito que envolve o sujeito de atuação, o sujeito
mediador, o pedagogo. Por isso, continuaremos esse nosso diálogo com uma interrogação
básica: o que é pedagogia? Quem é o pedagogo? Que imagem foi construída no caminhar da
história educacional?Que atribuições a ele são atribuídas no contexto educacional?
Historicamente, o conceito de pedagogia é ligado à instrução, condução, com o advento
da pedagogia nova e de outras correntes pedagógicas esse conceito foi se alargando e se
configurando num campo de estudo.
Segundo Libâneo (apud Pimenta 1996, p.127) pedagogia é a ciência da educação que
organiza intencionalmente as formas, os procedimentos, os métodos e as técnicas através das
quais se chega ao domínio do patrimônio cultural acumulado. Já o pedagogo, é o profissional
da educação que se converte em formador de homens, em diferentes espaços de educação e
diferentes práticas educativas, de forma crítica, criativa e transformadora.
A esse entendimento complementaremos a concepção defendida por Paulo Freire (1987)
sobre pedagogia. Para o autor é preciso pensar em uma pedagogia voltada para emancipação
dos sujeitos em contra posição a uma pedagogia castradora, bancária. No livro “Pedagogia
do Oprimido”, o autor apresenta as características da concepção bancária de educação,
afirmando que a mesma serve como instrumento de opressão de uma classe sobre outra. A
relação professor aluno apresenta-se de forma hierarquizada e distanciada, sendo que os
alunos recebem uma formação educativa do tipo reprodutora de conhecimentos. Tanto o
professor quanto o aluno não são sujeitos no processo de construção do conhecimento. O
primeiro é um transmissor enquanto que o segundo é um receptor, tal como um banco, no
qual os depósitos são realizados. No contexto da concepção problematizadora ou
libertadora de educação, há predomínio da dialogicidade, da interação. Neste cenário a
atuação do pedagogo se configura num processo educacional e social na prática educativa.
Nesta direção, Freire destaca:
O diálogo fenominiza e historiciza a real intersubjetividade
humana, ele é relacional, nele ninguém tem iniciativa
absoluta. Os dialogantes admiram o mesmo mundo,
afastam-se dele e com ele coincidem, nele põe-se e opõe-se. (1987, p.08)
Percebemos que na perspectiva freiriana, o destaque para o processo de construção de
aprendizagem e a importância da dialogicidade e da interação. Para os estudiosos que
defendem esta corrente, a dialogicidade e as interações são preceitos fundamentais para
intervenção educativa em um espaço hospitalar, mas paradoxalmente nos perguntamos: como
fazê-lo sem perder a identidade pedagógica?
Nesse momento do estudo e de inquietação, nos prendemos ao que propõe SCHON
(apud Moreira, 2000:17) acerca da prática reflexiva que aponta a reflexão em ação que se
processa no decorrer da mesma e não se vale sempre de palavras. Ocorre por exemplo no
ensino quando se interrompe ação para dar conta de perguntas e atitudes inesperada do
aluno. Essa compreensão nos ajudou de maneira significativa para pensar na intervenção no
estágio. O diário de bordo das estagiárias se constituiu assim em um instrumento rico de
memória, que apresenta a co-existência de tempos, entre o que se viveu e o que se vive no
fazer pedagógico.
As anotações no diário foram o norte para refletirmos acerca dos saberes construídos no
decorrer da experiência. Durante a análise, esse instrumento de registro foi se configurando
em diversos saberes. Saberes que dão conta do amplo e complexo universo da ação
educativa. Isso porque, nesse momento, a constituição da identidade pedagógica vai se
construindo no caminhar da experiência. Vários registros no Diário de Bordo confirmaram a
construção dos saberes construídos. Assim a estagiária C comenta que...
(...) foi preciso me tornar criança, para contar e agradar a
estas criaturinhas. A imaginação, a extra temporalidade, as
metamorfose o maravilhoso, a intenção recreativa, e,
sobretudo, a dramaticidade são caracteres literários que mais
agradam as crianças. Foi ai a nossa fonte de inspiração para
trabalhar as dramatizações dos contos.
Neste movimento, diversos saberes são acionados, como por exemplo, o saber
pedagógico, que para Garrido (2000) se constitui no saber ligado ao entendimento didático
do como organizar a intervenção pedagógica, para isso é necessário o conhecimento da
estrutura de funcionamento do universo infantil, ainda saberes éticos, estéticos, em que a
atividade educacional antes de qualquer coisa é uma atividade social. Saberes relacionados à
importância do estímulo a atividade lingüística dentro do hospital,para resignificação desse
processo.Neste item, o fator da interdisciplinaridade foi fundamental.As interfaces criadas
entre a disciplina Pesquisa e Estágio e as demais disciplinas do período,contribuiram para um
mais apurado estudo teórico e uma maior clareza por parte das estagiárias nas proposições
pedagógicas.Vejamos o que dizem as estagiárias acerca dessa questão:
Uma das disciplinas que nos ajudou foi Alfabetização e Lingüística, com a
professora W que nos incentivou a ler um livro; Contar historia uma arte sem
idade, de Betty Coelho, onde falava dos segredos e as técnicas. Essa leitura
também ajudou na estrutura do projeto. ( Estagiária A)
A disciplina que muito nos ajudou foi a da professora Y
de Literatura Infanto-
Juvenil. Ela sempre começava a aula contando uma história, isso estimulava
mais ainda o gostar pelos contos. Ela também ampliava nosso olhar sobre o
porquê e para que contar histórias no hospital. .(Estagiária B)
Nessa direção o conceito de flexibilização no processo ensino-aprendizagem é
fundamental, pois estar se lidando com crianças numa condição especial, ainda que
temporariamente, e que não se podia planejar sem levar em consideração as condições
específicas dos sujeitos, necessitando de um planejamento centrado em uma série de fatores
interdependentes, tais como: sujeitos, espaço tempo, entorno, recursos, e principalmente o
despertar dos desejos e da auto-estima, aspectos que no momento estavam fragilizados. Era
preciso um envolvimento maior de todos que acreditam que um estágio ultrapassa a questão
legal-acadêmica, era necessário a criação de um rede de interesse para transformar um
espaço árido, estéril que é o ambiente hospitalar, em um espaço de produção de saberes, em
um campo para se plantar sementes.
No decorrer do projeto notamos que houve um entrecruzar de vozes, por meio das
disciplinas envolvidas, fortalecendo as vivências planejadas, executadas e avaliadas. A
materialização do projeto já não era mais só competência da disciplina proponente na grade
curricular (Pesquisa e Estágio), mas uma responsabilidade de todas as disciplinas que
trabalham para conceber o estágio como espaço para o primeiro exercício do professor
pesquisador em usar o olhar observador como forma de registro para retroalimentar a prática
docente. Esse entrecruzar de vozes nos fez acionar o dizer de Guimarães Rosa: um galo
sozinho tece o amanhã, ele precisa de tantos outros galos para construir saberes e
concretizar desejos e vida com qualidade.
Concluindo esta etapa...
Trago dentro do meu coração
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso que é tanto é pouco para o que quero.
(Fernando Pessoa)
Pensar na conclusão deste artigo nos remete a memórias que guardamos no Diário de
Bordo. Nele, venho registrando fatos e imagens marcantes que foram vividos na experiência
que, com certeza a legitimam, pois como coloca JESUS (2000, p.23): na memória
vasculhada, os sentidos vão regatando do passado sensações, as experiências vividas em
alguns momentos que ficaram impressas nos corpos nas mentes...
Durante essa experiência, percebemos que muito ainda há de se construir, com relação ao
papel do pedagogo numa enfermaria pediátrica e ainda acerca da relação entre saúde e
educação, bem como no exercício de construção de uma sociedade sem exclusão,
fundamentada em pilares que asseguram uma vida de qualidade para todos que vivem em
condições especiais, mesmo que seja em situações temporárias.
Dizemos isto por que no decorrer do trabalho foi notável a distância entre as
enfermeiras e as crianças, assim como entre as enfermeiras e as estagiárias. A instituição
hospitalar não se percebe enquanto agência de educação. O conceito de saúde ainda se
propaga na perspectiva da doença. Com a chegada do projeto da UNEB, iniciou-se uma
abertura tímida, mas significativa na redefinição e humanização desse espaço hospitalar
enquanto instituição social de aprendizagem. Dentre os investimentos positivos, após a
execução do projeto, destacamos; a qualidade na relação entre acompanhante e paciente;
aproximação da criança com o mundo simbólico; entendimento da disciplina, Pesquisa e
Estágio como mediadora na construção de outros saberes; o engajamento de outras
instituições sociais para o atendimento a esse público, via recolhimentos de livros e
brinquedos, junto à comunidade; ampliação de projetos de pesquisa, na UNEB, com a
temática em questão e contato com professores de outras Instituições do Ensino Superior
para intercâmbio e troca de experiência, tanto no que se refere ao aspecto teórico, quanto
prático, via leitura e discussão de artigos publicados. Esta será, com certeza, uma experiência
das muitas que virão.
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