http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/024.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2


DESENVOLVIMENTO DE UM PROJETO DE HABILIDADES FUNCIONAIS POR MEIO DE ALGUMAS EXPRESSÕES DA ARTE

Giuliana M. Gabancho Barrenechea Bueno
Maria Amélia Almeida
Universidade Federal de São Carlos


RESUMO

Este trabalho tentou demonstrar que por meio da educação artística é possível desenvolver estratégias de aprendizagem muito significativas para o trabalho com pessoas que apresentam necessidades especiais, por meio das diversas expressões da arte. Para isso contamos com um grupo de 10 pessoas com necessidades especiais em fase de profissionalização. Este grupo, no entanto, não era alfabetizado. Dessa forma, aproveitamos as diferentes atividades para também para reforçar o processo de alfabetização do grupo. A primeira fase do estudo consistiu na seleção dos alunos que iriam participar do trabalho. Para a seleção dos participantes, foi elaborado um jogo em grupo, no qual se avaliou o desempenho de cada aluno. Constatou-se que muitos alunos apresentaram dificuldades diversas para realizar os trabalhos manuais e seguir ordens. Após esta atividade selecionaram-se 10 alunos para participar do estudo. A segunda fase do estudo consistiu na discussão sobre o conceito da arte em si. Para isso analisamos trabalhos efetuados por grandes artistas e também, por pessoas simples que realizam um simples desenho. Na etapa seguinte foi aplicado o programa de atividades artísticas de maneira lúdica, programadas pelo projeto, mas que foram se adaptando, conforme as necessidades do grupo. Assim, o trabalho foi desenvolvido de agosto a dezembro de 2006. Foi realizado um total de 28 sessões com diferentes atividades as quais foram divididas de acordo com o grupo, buscando os objetivos e simbologias. Essas atividades foram registradas e analisadas, utilizando-se basicamente a observação que apontou as mudanças de conduta de cada participante desde o inicio do trabalho até a sua conclusão. Para a avaliação dos resultados foram analisadas as diferentes atividades realizadas. Neste processo de análise, também foram analisadas a anamnese e algumas entrevistas com a professora da sala. Os resultados demonstraram que as atividades com educação artística melhoraram o desempenho das pessoas com necessidades especiais, aliado a uma conscientização sobre a acessibilidade e melhorias nas relações interpessoais do grupo e, ainda, uma melhoria na aceitação de críticas e apreciações dos outros indivíduos, do mesmo grupo, com muita facilidade. 

Palavras chaves: Pessoas com necessidades especiais, educação artística, alfabetização.  


INTRODUÇÃO

Frente a todas as dificuldades que as escolas e as instituições não governamentais que realizam trabalhos com pessoas com necessidades especiais no Brasil, ainda assim é possível concordar com alguns autores como Le Blanc e Mayo (1998), que ressaltam a importância dos objetivos que buscamos como professores de alunos com deficiência que dizem: “Nossos objetivos como mestres de alunos com deficiência deveriam estar centrados na resposta à seguinte pergunta”:
O que precisam estes alunos, com necessidades especiais, para serem mais independentes e produtivos e, ao mesmo tempo, mais aceitos por outros em seu ambiente?
Ainda (Le Blanc e Mayo 1998) falam sobre o trabalho educativo e dizem que ele estará sempre calçado em determinadas habilidades. A escola é um dos locais onde as crises de habilidades e destrezas se refletem e é nela que o aluno vai vivenciar refletir e debater sobre questões de habilidades, repensando a sua conduta e a do outro. O processo educativo pode ser “produtor” e “encaminhador” de novas habilidades e destrezas, buscando a melhoria da qualidade de ensino, investindo em diferentes áreas e proporcionando a todos uma formação básica para criar habilidades de criatividade.
Segundo Newson, John & Elizabeth (1986), uma criança com necessidades especiais necessita receber uma estimulação muito ativa para que se projete além do berço e tome uma posse do mundo e para que comece a desenvolver seu potencial, ao não sentir a pressão interna de seus próprios pensamentos como as crianças normais. 
Nesse sentido, podemos mencionar que a arte é um meio não verbal e através dela, a pessoa com necessidades educacionais especiais pode expressar sentimentos profundos porque é muito mais fácil demonstrar visualmente do que pôr meio da linguagem verbal. Numa situação aberta onde se sinta aceita, a pessoa com necessidades especiais pode mostrar sua visão de mundo sem medo de criticas.
Huizinga citado por Lanuza, Perez e Ferrando (1980) passa uma definição do que é o jogo. Diz que o jogo é uma ação ou ocupação livre que se desenvolve dentro de uns limites temporais e espaciais determinados, segundo regras absolutamente obrigatórias e, ao mesmo tempo, aceitas livremente; ação que tem o fim em si mesmo e que vai acompanhada de tensão e alegria e com a consciência de ser “de outra maneira” na qual se age na vida diária. Com esta definição podemos enfocar melhor o que tentam passar os teóricos que defendem a arte como auxiliar no processo da educação, uma vez que experiências de vida podem favorecer e estimular a autonomia, tanto em adolescentes quanto em adultos com deficiência. Sabe-se que a socialização e a qualidade das relações sociais são fortes no desenvolvimento geral e na legitimação de regras, que pôr sua vez dependem da afetividade, do respeito próprio e da racionalidade.
A flexibilidade e o desenvolvimento do planejamento e do ensino com atividades exploratórias nas oficinas de artes, nas salas de trabalho e nos laboratórios devem ser mantidos.
De acordo com Claren (2000), a arte educação nesta perspectiva pode ser dialética, emancipatória e inclusiva, partindo de uma pratica – restauradora, transgressora, intercultural e crítica, como um poderoso instrumento para reafirmar a singularidade na diversidade.
Girox (1992), afirma que os estudantes devem ser estimulados a desenvolver o intelecto e a imaginação para desafiar as forças sociais, políticas e econômicas que pesam tanto em suas vidas.   
Segundo Hernández (2000), para levar a cabo uma educação critica cultural, há uma serie de fontes e referencias procedentes do pensamento pós-estruturalista, da teoria critica, e do pensamento feminista que podem contribuir para favorecer este modo mais radical, mais profundo de pensar a educação em artes.
A todas estas teorias se acrescenta Cary (1998) que diz que para enfatizar e valorizar uma pedagogia critica da arte é necessário reconhecer o valor de relacionar as práticas de arte no cotidiano das escolas com o mundo da arte e da cultura pós-modernas.
Segundo estas manifestações podemos perceber o quanto as artes podem nos auxiliar em nossos trabalhos do dia a dia com as crianças na escola, podemos afirmar que uma pedagogia crítica é sempre inovadora libertadora e política. Como o nosso trabalho foi desenvolvido basicamente com pessoas com necessidades especiais podemos ressaltar a importância da conferencia geral da UNESCO realizada em Paris, em novembro de (2001). Nela se destacou que os direitos culturais são parte integrante, dos direitos humanos que são universais, indissociáveis e interdependentes. Tal como também defendem o artigo 27 da declaração universal dos direitos humanos, que são universais indissociáveis e interdependentes. Tal como também defendem os artigos 13e 15 do pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais: “toda pessoa deve saber expressar, criar e difundir suas obras na língua mãe”.                                
Por acreditar que as atividades artísticas ajudam a desenvolver estratégias de aprendizagens e desta maneira podem melhorar a assimilação de habilidades funcionais, procuramos trazer os seus recursos para dentro da sala de aula, tanto no âmbito da educação quanto da reeducação, assim, desenvolvemos um programa que objetiva principalmente capacitar melhor o aluno que apresenta necessidades especiais e desta maneira ajudar a superar suas deficiências e minimizar as dificuldades de aprendizagem.  
Considerando que um bom desenvolvimento de expressões artísticas proporciona aos alunos com necessidades especiais algumas das capacidades básicas a um bom desempenho cognitivo, escolar, emocional e social, pretendemos dar-lhe recursos para que se saia bem no seu desenvolvimento dentro da sociedade, aumentando seu potencial artístico.
Dentro dessa perspectiva, é possível que as atividades com expressões artísticas, desde que bem direcionadas e com objetivos claros, se tornem um importante meio de educação na sala de aula, em cada atividade realizada.
Adaptando as atividades artísticas ao contexto da educação especial, é possível vislumbrar uma forma de facilitar estratégias de aprendizagens nas salas de aula, tendo como base que cada atividade artística promove a socialização e integração entre os elementos do grupo.


METODOLOGIA

O presente trabalho foi desenvolvido de maneira experimental e teve como hipótese que as atividades realizadas por meio das expressões da arte ajudam no desenvolvimento cognitivo de pessoas com necessidades especiais.
Por conseguinte, a pessoa com necessidades especiais se tornaria uma pessoa mais completa no seu desenvolvimento dentro da sociedade. Trabalhou-se basicamente para desenvolver habilidades funcionais as quais seriam as estratégias de aprendizagens e, desta maneira, atingir as áreas cognitivas, sociais e emocionais neste grupo de adultos com necessidades especiais.
A fundamentação teórica é dada pelos autores que defendem que a arte é um importante instrumento para a educação como meio de desenvolvimento de estratégias de aprendizagens, ainda se apóia em algumas autoras que defendem a assimilação de conhecimentos por habilidades funcionais. 
Participou deste trabalho um grupo de 10 pessoas adultas com necessidades especiais, com idades entre 23 e 47 anos. O grupo, em sua maioria, apresentava deficiências severas e moderadas, sendo alguns com paralisia cerebral, deficiência mental e outros com síndrome de Down, de um centro não governamental, situado numa cidade do interior de São Paulo.

TÉCNICAS USADAS NO PRESENTE TRABALHO

1.   A observação, a qual nos ajudou a registrar as condutas obtidas em cada atividade realizada seguindo o desenvolvimento do trabalho conforme o planejado por meio de uma ficha de registro, na qual se valorizava o comportamento que eles apresentavam em cada sessão.
2.   A pesquisa, onde se usou como instrumentos as fichas de registro e a atividade realizada na entrada e saída segundo os indicadores.
3.   Foram feitas três entrevistas com a professora, antes, no meio e depois da realização do trabalho, também foram analisadas as anamneses. Obtiveram-se assim, os dados informativos acerca dos alunos, das famílias e docentes, seguindo os objetivos do trabalho.
3.1.  Na primeira entrevista indagou-se sobre o desenvolvimento dos alunos dentro da sala de aula ao realizarem atividades pedagógicas, a professora relatou de forma geral sobre os diferentes problemas que cada aluno apresentava na sala de aula.
3.2.  Na segunda entrevista perguntou-se à professora se ela havia percebido alguma mudança no desenvolvimento pedagógico dentro da sala de aula. A professora relatou ter percebido algumas mudanças, como uma melhoria significativa na realização de trabalhos que exigem maior destreza manual. Ainda segundo a professora, na área emocional, os alunos se mostram mais alegres e dispostos e mencionavam, na sala de aula, algumas conversas tidas com a própria professora com a qual realizavam as atividades.
3.3.  Na terceira entrevista procurou-se saber se a professora tinha algo mais a dizer a respeito das mudanças manifestadas na segunda entrevista. A professora mencionou que os alunos estão mais críticos ao realizarem suas atividades dentro da sala de aula, que a coordenação motora fina havia melhorado bastante e que seu manejo na realização de certas atividades de maneira geral tinha melhorado bastante e, portanto, a integração e o desenvolvimento dentro do grupo apresentaram um avanço significativo.
4.   Seguindo as recomendações mencionadas em alguns textos que descrevem a elaboração de trabalhos manuais com artes (Aquino, Barbosa, Franz, Hernández, Jamenson, Lowenfeld, Maluf, Miranda, Novelly), foram realizadas aulas dialógicas acerca do que envolve a arte como um todo. Realizaram-se, com os alunos, atividades de desenho mediante jogos, tentando fixar algumas idéias sobre o que eles apresentariam no trabalho final. Após a decisão do que iria ser construído, os alunos iniciaram a elaboração do trabalho final desenhando, modelando, recortando, colando e pintando.


RESSULTADOS

Com a expressão gráfica do desenho, da pintura, da colagem, elaboração de moldes e a construção de um trabalho manual este grupo de adultos com necessidades especiais logrou desenvolver as seguintes habilidades:
·    Melhoraram a sua coordenação motora fina.
·    Conseguirão o controle de suas condutas inadequadas.
·    Desenvolvimento de sua linguagem ao tentarem descrever seus desenhos, moldes e trabalhos finais.
·    Passaram a expressar suas vivencias dentro e fora da sala de aula.
·    Desenvolveram a sua memória e atenção ao se lembrarem em que fase da construção do seu trabalho final ficaram na sessão anterior e ao se lembrarem também do que haviam desenhado.
·    Passaram a expressar seus sentimentos e emoções por meio de diferentes desenhos.
·    Desenvolveram a sua atenção e concentração as quais foram mantidas em todo o desenvolvimento da construção dos seus trabalhos finais.
·    Tornaram-se pessoas mais calmas, críticas e sociáveis.

A mudança de comportamento dos alunos com relação aos trabalhos desenvolvidos, só ocorreu quando, através das diferentes atividades, os conceitos foram incorporados pelo grupo, o que demonstrou que essa estratégia possui um efeito eficaz no processo de reeducação, e integração nas relações interpessoais do grupo.
 Considerando as informações obtidas, acreditamos que este trabalho, além de abordar um tema relevante como a “arte” como meio para gerar estratégias de aprendizagens e ter chegado a resultados significativos, comprova a eficácia das atividades lúdicas por meio das expressões da arte, criando-se assim estratégias de aprendizagem para pessoas com necessidades especiais.


DISCUSSÃO

Como foi exposto na metodologia, foram analisados, neste trabalho, o desempenho de 10 adultos com diferentes necessidades especiais. Como o grupo foi bastante heterogêneo, o trabalho foi desenvolvido basicamente com o objetivo de avaliar o quanto se tem a ganhar cognitivamente, desenvolvendo atividades artísticas.
A idéia central era realizar um estudo que denotasse a eficácia de tal plano de trabalho na sala de aula, na reeducação de pessoas com necessidades especiais que apresentavam dificuldades na aprendizagem.
A aplicação de algumas expressões artísticas (desenho, pintura, modelagem e colagem) tem permitido o aumento de habilidades cognitivas, emocionais, e motoras neste grupo de adultos como necessidades especiais.
Observou-se, portanto, que a arte é uma das atividades mais significativas, a qual não só nos permite o desenvolvimento de habilidades, mas também ajuda no manejo e controle das condutas inadequadas e facilita a aprendizagem das pessoas com necessidades especiais no ensino comum. Além disso, promove sua integração como pessoa dentro da sociedade e traz melhoria, tanto na área educacional quanto no desenvolvimento sócio emocional dos sujeitos envolvidos, conforme os autores anteriormente mencionados (Claren, Girox, Hernandez, Cary). Sugere-se que outros profissionais da área de educação desenvolvam, em suas salas de aula, esta proposta de trabalho, tendo sempre o cuidado de não salientar os desvios sociais das deficiências, mas não ignorando que parte do sucesso dependerá também dos laços de afetividade sempre necessários na relação aluno-professor, pois só se poderá interferir no aspecto sócio-afetivo do educando, se estes aspectos estiverem bem resolvidos nos educadores.


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