http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/042.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

CORRELAÇÃO ENTRE A QUALIDADE DE VIDA DO CUIDADOR E DO PACIENTE COM DEMÊNCIA
Keika Inouye (UFSCar)
Profa. Dra. Elisete Silva Pedrazzani (UFSCar)
Profa. Dra. Sofia Cristina Iost Pavarini (UFSCar)
 
            
RESUMO

O presente estudo teve como objetivo identificar correlação entre a qualidade de vida do cuidador e do paciente com demência, com a finalidade de elucidar a seguinte questão: A qualidade de vida do cuidador interfere na qualidade de vida do paciente com demência (ou vice-versa)? Os participantes (n=120) foram pessoas com diagnóstico médico de demência assistidas pelo Programa do Medicamento Excepcional (PME) de um município situado no interior do estado de São Paulo, e seus respectivos cuidadores. As medidas de qualidade de vida foram obtidas por meio da Escala de Avaliação da Qualidade de Vida na Doença de Alzheimer (QdV-DA). Os dados coletados foram digitados em um banco de dados no programa Statistical Program for Social Sciences (SPSS-PC) for Windows, versão 10.0, para realização de uma análise correlacional de Spearman baseada nas pontuações finais dos participantes. O coeficiente encontrado nesta associação foi r = (+) 0,393, p < 0,005, tal resultado comprova uma correlação positiva entre a qualidade de vida do cuidador e do paciente com demência, ou seja, o bem-estar do idoso depende e é diretamente proporcional ao do cuidador e vice-versa. Assim, concluímos que as pesquisas que envolvem a qualidade de vida de cuidadores são tão importantes quanto as de pacientes, pois se aqueles tiverem sua qualidade de vida minimizada possivelmente terão menos disposição e energia para fornecer os cuidados que as pessoas com demência necessitam.

Palavras-chave: demência, cuidador, qualidade de vida.

INTRODUÇÃO

O termo qualidade de vida é muito amplo e inclui uma variedade de condições que não se limitam às condições de saúde, controle de sintomas e intervenções médicas. Influenciado por tendências diversas como as relacionadas à educação, ao bem estar psico-social e às interações ambientais, o conceito pode ser enfatizado dentro de várias abordagens das ciências sociais, humanas e biológicas.
Atualmente, a definição mais divulgada e conhecida é a do grupo da Organização Mundial de Saúde que define qualidade de vida como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (WORLD HEALTH ORGANIZATION QUALITY OF LIFE GROUP, 1995). Desta forma, podemos afirmar esta é uma noção simultaneamente individual e coletiva, produto da cultura definida pela sociedade, derivada da combinação dos graus de satisfação encontrados na vida familiar, amorosa, social, ocupacional, ambiental e existencial. Martin e Stockler (1998) sugerem que esta seja definida em termos da distância entre expectativas individuais e a realidade, sendo que quanto menor a distância, melhor.
Embora não exista um significado consensual, os pesquisadores (FLECK et al., 1999; MINAYO, HARTZ e BUSS, 2000; NERI, 2006; PASCHOAL, 2004;SOUZA e  CARVALHO, 2003) concordam acerca do construto qualidade de vida, cuja característica é: (1) multidimensional, relacionando-se ao fato de que a vida compreende múltiplas dimensões, tais como social, mental, material, física, cultural, econômica, dentre outras; (2) dinâmica, dada a sua característica inconstante no tempo e espaço; e (3) subjetiva, determinada pela importância e percepção do significado individual atribuído às experiências inter e intra-individuais.
Uma doença crônica modifica a maneira como indivíduo se relaciona consigo mesmo e com os que lhe são próximos implicando em repercussões psicológicas nele e em todo o ambiente que o rodeia (WILLIANS e  AIELLO, 2004). A perda das funções cognitivas e a própria etapa da vida em que os sintomas da demência se manifestam determinam uma considerável redução no número de relacionamentos sociais que resultam inevitavelmente num aumento das relações intra-familiares e/ou com cuidadores. Esta situação conduz a um redimensionamento da vida dos membros familiares de forma a conviver com a doença e todas as suas implicações decorrentes (MESSIAS, 2005).
À medida que os estágios de uma doença crônico-degenerativa avançam, os auxílios permanentes de membros da família e/ou cuidadores são progressivamente mais requisitados (GREEN, 2001).  Segundo Garrido e Almeida (1999), o impacto negativo da demência de um familiar para os cuidadores, contribui para que estes fiquem mais vulneráveis a quadros depressivos e ansiosos, assim como à deterioração das condições físicas. Entretanto, com o passar do tempo, os níveis de depressão, as limitações sociais e afetivas tendem a diminuir, fazendo com que a gravidade do impacto percebida seja minimizada.
Ser cuidador de uma pessoa com demência demanda tempo, espaço, energia, dinheiro, trabalho, paciência, carinho, esforço e boa vontade. As graduais perdas cognitivas, mudanças comportamentais, emocionais e até de personalidade do paciente exigem uma grande capacidade de adaptação para um convívio satisfatório (PETERSEN, 2006). É preciso fazer numerosos arranjos diários para atender as demandas progressivas e irreversíveis do paciente (SENA et al., 1999).
A sobrecarga é uma experiência subjetiva e, pessoas expostas aos mesmos eventos estressores têm maneiras diferentes de reação e enfrentamento. O cuidador é menos afetado pelos sintomas reais do paciente e o que influencia sua qualidade de vida são seus componentes emocionais e seu conhecimento para lidar com a doença (GLOZMAN, 2004).
As pesquisas que envolvem a qualidade de vida de cuidadores são tão importantes quanto as de pacientes, pois se estes tiverem sua qualidade de vida minimizada possivelmente terão menos disposição e energia para fornecer os cuidados que as pessoas com demência necessitam (GLOZMAN, 2004).
O presente estudo teve como objetivo identificar correlação entre a qualidade de vida do cuidador e do paciente com demência, com a finalidade de elucidar a seguinte questão: A qualidade de vida do cuidador interfere na qualidade de vida do paciente com demência (ou vice-versa)?

MÉTODO

O presente estudo foi realizado em um município de porte médio, situado na região central do estado de São Paulo. Em 2006, segundo estimativa do IBGE, a população chegava à margem de aproximadamente 218 mil habitantes, 12% dos quais apresentam 60 anos ou mais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2001).
A coleta de dados teve duração de nove meses, com início em agosto de 2006, estendendo-se até abril de 2007.
Nosso estudo contou com a participação de 120 sujeitos de pesquisa, igualmente divididos em dois grupos, assim denominados:
-Grupo de pessoas com demência (GPD) (n=60): composto por idosos atendidos pelo Programa do Medicamento Excepcional (PME)1 do município com diagnóstico médico de demência, provavelmente doença de Alzheimer, segundo os critérios vigentes na legislação brasileira (BRASIL, 2002).
-Grupo de cuidadores (GC) (n=60): constituído de pessoas que, independente do grau de parentesco, proviam, ao GPD, auxílio direto e em maior período para o desempenho das tarefas práticas ou instrumentais da vida diária (AIVDs) e tarefas básicas de auto cuidado (AVDs).
O instrumento de coleta de dados foi a Escala de Avaliação da Qualidade de Vida na Doença de Alzheimer (QdV-DA) (NOVELLI, 2006). Esta foi traduzida, adaptada transculturalmente e validada para o Brasil para avaliação da qualidade de vida de cuidadores e idosos com demência tipo Alzheimer. Os treze aspectos da escala avaliados pelo participante são: saúde física, disposição, humor, moradia, memória, família, casamento, amigos,

você em geral, capacidade de fazer tarefas, capacidade de fazer atividades de lazer, dinheiro e a vida em geral.

 Atribui-se pontuação 1 para “ruim”, 2 para “regular”, 3 para “bom” e 4 para “excelente”, sendo a pontuação geral mínima de 13 e a máxima de 52.
Após aprovação do trabalho pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, as pessoas que preenchiam os critérios de inclusão foram informadas sobre a pesquisa e seus objetivos. Todos, que concordaram em participar, assinaram termo de consentimento livre e esclarecido e responderam à QdV-DA. Um único encontro para cada indivíduo foi suficiente para coleta e registro dos dados.
Os dados coletados foram digitados em um banco de dados no programa Statistical Program for Social Sciences (SPSS-PC) for Windows, versão 10.0, para realização de uma análise correlacional de Spearman baseada nos escores totais obtidos com a QdV-DA.

RESULTADOS

O coeficiente ("r") encontrado nesta associação foi r = (+) 0,393, p < 0,005. O índice mostra uma relação positiva, entre fraca e moderada (DANCEY; REIDY, 2006) e diretamente proporcional destas variáveis. Deste modo, sendo r ¹ 0, pressupomos que a qualidade de vida do cuidador interfere na do paciente (ou vice-versa). O Gráfico 1 comprova tal afirmação.

1 Conhecido popularmente como Programa de Medicamento de Alto Custo, atende pacientes que necessitam de medicamentos contemplados pelas Portarias Ministerial e Estadual dentro dos critérios de inclusão e apresentação dos documentos necessários (receita médica, formulário de solicitação do medicamento preenchido pelo médico requisitante, exames que comprovem a patologia, RG, CPF, comprovante de residência). Os critérios de inclusão e exclusão, determinados pelo Protocolo Ministerial, são elaborados por uma equipe técnica de competentes médicos especialistas que têm conhecimento do quadro clínico e da resposta que o paciente terá com o uso do medicamento (BRASIL, 2006). Embora, o programa seja criado para atender pacientes do SUS, qualquer pessoa com diagnóstico médico de DA, pode solicitar sua medicação gratuita, pois o custo do tratamento justifica o pedido mesmo para os que são atendidos na rede particular de saúde. 

Gráfico 1 – Relação entre a qualidade de vida do cuidador e do idoso com DA.


DISCUSSÃO

Os resultados obtidos comprovam uma correlação positiva entre a qualidade de vida do cuidador e do paciente com demência, ou seja, o bem-estar do idoso depende e é diretamente proporcional ao do cuidador e vice-versa.  Investigações desta temática poderão sugerir novos direcionamentos para que os programas de intervenção sejam planejados enfocando não apenas pacientes, mas também cuidadores e familiares.
A atenção ao paciente revelou-se tão importante quanto a atenção ao cuidador:  a investigação de aspectos econômicos, culturais e emocionais são indispensáveis para que as estratégias governamentais favoreçam a implementação de programas que viabilizem a melhora da qualidade de vida do idoso baseando-se não somente em seus direitos constitucionais, mas em suas reais necessidades. Identificar o perfil de todos os elementos que cercam o paciente e o cuidador, bem como suas especificidades, possibilita intervenções personalizadas que contribuem para a obtenção de melhoria na qualidade de vida dos indivíduos e redução de gastos públicos com cuidados.
É inegável que uma doença crônica degenerativa progressiva, como a demência, crie obstáculos e traga prejuízos de diversas ordens, mas um programa de intervenção pode gerar estímulos para o desenvolvimento de vias de adaptação e canais de compensação por meio da motivação, desejo, necessidade ou interações sócio-ambientais. Independentemente dos eventos desfavoráveis, todos temos infinitas possibilidades de melhorar e viver bem se oportunidades adequadas e suporte nos forem proporcionados.

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