http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/052.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
FORMAÇÃO DE PROFESSORES “ESPECIAIS”
PARA UMA DOCÊNCIA “NORMAL”
Janaína Pessato Jerônimo – Associação dos Deficientes Físicos de Uberaba (MG)
Ana Maria Faccioli de Camargo - Universidade de Uberaba (MG)
Andréa Maria R. de Toledo Gontijo – Associação dos Deficientes Físicos de Uberaba (MG)
RESUMO
Discriminação e omissão marcaram a história de pessoas deficientes; acreditava-se que a deficiência
era crônica, imutável. Mas uma mudança na melhoria das condições de vida delas se esboçou,
sobretudo pela educação. No Brasil, dentre outras ações, a educação especial foi prevista pela
legislação, programas de esportes adaptados foram implantados, e a disciplina Educação Física
Adaptada foi incluída na graduação em Educação Física. A presença dessas pessoas em classes
regulares evidenciou a necessidade de estrutura adequada e profissionais aptos a lidar com elas;
logo, a preocupação se voltou à formação docente, pois muitos viam a ausência de certas disciplinas
como entrave ao trabalho.
A formação de professores merece um olhar especial — especial não porque vão lidar com pessoas
“especiais”, diferentes, com necessidade de atenção diferenciada; mas porque respondem
diretamente pela formação do cidadão portador ou não de necessidades especiais. Um olhar
panorâmico para o atendimento a pessoas com deficiência revela que os diversos paradigmas que
conduzem a propostas educacionais demonstram ser recente a reflexão sobre as relações
estabelecidas por elas com os fatos, os outros e o meio. Também recente é o enfoque nos interesses
e na capacitação de docentes para atuarem em classe regular ante uma população tão diversa e
necessitada de atenção específica.
Se conduzir uma classe heterogênea já é tarefa delicada, quando tal heterogeneidade se compõe,
também, de pessoas com deficiência, então são necessários uma estrutura apropriada e profissionais
aptos a reconhecer as limitações dos alunos e lhes garantir aprendizagem de qualidade. Um
retrospecto histórico da formação de professores para educação especial no Brasil mostrará que os
cursos iniciais eram de nível médio e com carga horária variável, por serem intensivos e com
professores de vários estados. Eram ministrados por estabelecimentos federais — como Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES) e Instituto Benjamim Constant (IBC), no Rio de Janeiro
— e por organizações não governamentais — como o Instituto Pestalozzi, de Belo Horizonte (MG),
que desde 1951 oferece curso de férias para professores de “excepcionais” (MAZZOTTA, 2005).
O primeiro curso regular de formação de professores para educação especial data de 1955 e era
oferecido no estado de São Paulo. A formação em nível médio em todo Brasil foi elevada ao nível
superior no fim dos anos de 1960, início dos anos de 1970 — conforme o parecer 295/69 do
Conselho Federal de Educação (CFE), cujo princípio visava a uma maior especialização exigida
para essa modalidade educacional; esses cursos formavam professores normalistas “especializados”.
No dizer de Mazzotta (2005), na parte diversificada desses cursos, evidenciavam-se duas
tendências: a educacional e a clínica ou médico-pedagógica. A tendência educacional caracterizava
os cursos de especialização para o ensino de deficientes visuais e deficientes auditivos; a médico-pedagógica, para deficientes físicos e mentais.
Em 1972, no Estado de São Paulo, a formação para professores de educação especial que atuavam
na rede regular de ensino passa a ser obrigatória em nível universitário: Pedagogia com Habilitação
em Educação Especial — que poderia ser numa área específica: deficiência auditiva (DA),
deficiência mental (DM), deficiência visual (DV), deficiência física (DF) e geral (MAZZOTTA,
2005). Porém, em muitos outros estados, ainda prevalecia a formação em nível pós-normal. Só no
fim dos anos de 1970 surgiram, no Paraná, os cursos de Estudos Adicionais para formação de
professores para educação especial e que adentraram a década de 1980, chegando praticamente ao
ano 2000. O avanço significativo na área de educação especial no Brasil a partir das contribuições
da Conferência Mundial de Educação Especial, em Salamanca, Espanha, em 1994, foi confirmado
pela nova Política Nacional de Educação Especial, que reafirma o compromisso de: respeitar as
diferenças e condições de eficiência de cada um, promover oportunidades semelhantes de
aprendizagem com as contribuições dos colegas, sua alteridade e diferenças, e implantar programas
individualizados apropriados a cada criança no sistema regular de ensino.
A nova LDB (9.394/96) define educação especial como modalidade de educação escolar, tida
como um conjunto de recursos educacionais e estratégias de apoio à disposição dos alunos e que
ofereça alternativas de atendimento. Com a promulgação da nova LDB, o Ministério da Educação
(MEC) passou a investir num sistema de informações e políticas adequadas às exigências e
complexidades da educação especial. Segundo dados atuais desse ministério, o Programa Nacional
de Capacitação de Recursos Humanos cobre 135 municípios. Dados estatísticos comprovam o
crescimento de 24,7% em 2002 para 41% em 2005 (BRASIL, 2006) de matrículas de alunos com
necessidades educativas especiais (por deficiência) em escolas regulares (BRASIL, 2006). As
publicações na área foram, igualmente, incentivadas. O MEC lançou a série Diretrizes, para cada
necessidade de educação especial, e os Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação
Especial. Em 2004, lançou as Referências para a Construção dos Sistemas Educacionais Inclusivos,
a série Saberes e Práticas da Inclusão e, em 2005, os Ensaios Pedagógicos — Construindo Escolas
Inclusivas. Ao lado da Secretaria de Educação Especial (SEESP), o MEC disponibiliza todas as
publicações na internet, facilitando a pesquisa por meio do catálogo de publicações.
A busca por um modelo educacional que englobe “todos” na mesma escola e enfatize o convívio e a
troca interativa entre os múltiplos grupos que ali se encontram sem exclusão nem segregação é um
tema que provoca o reconhecimento de um novo olhar: o sistema inclusivo. O conceito de escola
inclusiva se enquadra no princípio da igualdade de oportunidades educacionais e sociais a que todos
têm direito e pretende significar que os alunos devem — ou têm o direito a — ser incluídos no
mesmo tipo de ensino. Dessa maneira, deverá atender às diferenças individuais para potencializar o
desenvolvimento conforme as características de cada aluno, o que implica flexibilizar a organização
escolar e as estratégias de ensino, assim como a gestão de recursos e currículos. Fundamentalmente,
a escola inclusiva pretende marcar a passagem de um modelo tradicional — turmas específicas do
ensino especial — centrado no professor de educação especial, para um novo modelo em que os
alunos com necessidades educacionais especiais são incluídos nas turmas ditas “normais” do ensino
regular. Tal inclusão deverá ocorrer não apenas nas atividades curriculares; também em todas as
outras atividades extracurriculares desenvolvidas na escola, para atenuar diferenças, aceitá-las e
respeitá-las: algo fundamental na cultura escolar.
As propostas de organização do sistema educativo inspiradas no processo de inclusão simbolizam
mudanças de atitude e muitas reflexões sobre sua operacionalização. Nesse panorama, o valor de
diferenças individuais é essencial para se tornar a realidade aparentemente complexa e heterogênea
em um conjunto mais rico, ao se abandonarem os estereótipos e se acreditar que a interação entre
alunos, a troca e a reciprocidade desencadeiam uma educação de qualidade para todos. A inclusão
de alunos com necessidades educacionais especiais desafia os professores que os recebem e requer
investimentos na organização e concretização de uma escola aberta a todos — isto é, uma escola
inclusiva, cuja construção requer mudança coletiva, enfrentamento de barreiras e uma busca
constante cujo fim é a aprendizagem de todos. A escola inclusiva é construção de possibilidades e
saberes.
Para muitos professores, a ausência de disciplinas que favoreçam o conhecimento nos cursos de
formação dificulta o trabalho com alunos que têm necessidades educacionais especiais. Com efeito,
o trabalho educacional deve ter o suporte do conhecimento, mas a ausência de tais disciplinas na
formação inicial não deve obstar o trabalho do professor com esses alunos, pois ele poderá obtê-lo
na formação continuada. A rejeição de alguns professores à presença de tais alunos na sala de aula
pode refletir mais a falta de informação do que — como querem alguns — ausência de formação;
isso porque a desinformação nos leva a construir barreiras que poderiam ser transpostas sem
resistência. Assim, optar por enfrentar o desafio, com suas incertezas e dificuldades, requer
investimento pessoal e postura aberta à mudança; assim como outro olhar para a prática e as
atividades diárias que priorizem a interação e a cooperação entre os alunos. Nesses termos, a
inclusão é um desafio que o professor deve enfrentar com estratégias que possibilitem aos alunos
adquirirem conhecimento, sobretudo de atividades coletivas.
Talvez o desafio maior seja oferecer capacitação não só aos professores, mas também aos demais
profissionais da escola para que suas atividades se ajustem a pessoas com deficiência; não se trata,
necessariamente, de se especializar em alguma deficiência, mas de serem capazes de adequar seu
trabalho para obter respostas consideráveis. Ao se referir ao movimento denominado hoje de
inclusão — escolar ou social —, Thoma (2004, p. 47) advoga “[...] um movimento que preconiza a
inversão de papéis, defendendo a idéia de que o meio deve adaptar-se para atender às
necessidades de todos e de cada um, sejam eles portadores de deficiência ou não”. Eis por que se
impõe a necessidade de implementação de ações diversas. Embora haja legislação que ampare a
inclusão — aliás, condição necessária —, de forma alguma as leis bastam para garanti-la. A inclusão
prescinde de um investimento na formação de docentes em diferentes níveis e modalidades de
ensino, para que produza inovações pedagógicas relevantes. Também fundamental é levar a
discussão sobre esse tema para fora do espaço acadêmico e do domínio de especialistas, mediante
um diálogo mais estreito com a sociedade.
A presença de pessoas com deficiência na escola regular pressupõe uma escola aberta e capaz de
responder às necessidades concretas dos alunos que chegam ao ambiente escolar com diferentes
interesses, motivações, dificuldades e habilidades. Nesse sentido, as interações estabelecidas
precisam estar cada vez mais próximas e integradas ao conhecimento do aluno e aos desafios que o
contexto lhe propõe, a fim de que ambientes de construção de aprendizagens sejam criados para
incitar e possibilitar o pensar. É preciso considerar que os parâmetros para a ação educativa são
constituídos no meio social e na formação profissional; por isso, ao se abordar a educação inclusiva,
é importante destacar-se a preocupação com a formação e qualificação de profissionais para o
desempenho competente de uma educação de qualidade. Essa formação deve incluir o contexto do
professor, pois é na sala de aula que o saber da experiência se manifesta. Na visão de Larrosa
(2002, p. 21), “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”. O professor
parte dos conhecimentos que tem e de experiências, crenças e esquemas de trabalho; seu saber-fazer se baseia no seu aprimoramento, que amplia sua reflexão pela troca de idéias, informações e
sentimentos, assim como pela assunção de responsabilidades, tomada de decisões e concretização
de ações.
A formação do professor deve pressupor a reflexão sobre os valores da educação, a vivência interdisciplinar, o trabalho
em equipe, a pesquisa e a construção de competências. O professor deve partir não só da capacidade de explicar e
reproduzir — consideradas como competências profissionais; também deve assumir o compromisso com a
aprendizagem de todos os alunos e ter habilidade para apresentar e explicar os conteúdos de maneira a suscitar o
prazer pelo aprender. Isso porque a competência profissional se refere não apenas ao capital de conhecimento
disponível, mas também aos recursos intelectuais de que se dispõe com objetivo de tornar possível a ampliação e
desenvolvimento desse conhecimento profissional, sua flexibilidade e profundidade. (CONTRERAS 2002, p. 83).
Nesses termos, a formação do professor deve ser construção contínua da pessoa, de seus saberes,
suas aptidões, sua capacidade de discernir e agir. Questionar a própria prática educativa, comparar,
fazer análises, investigações e buscar soluções de problemas levam à reflexão constante, que serve
para definir o docente, estruturá-lo e orientá-lo na ação. Segundo Sacristán (1999), por se realizar
no contexto interpessoal e social, toda ação humana gera marcas, sinais e vestígios que condicionam
as próximas ações. Embora se vinculem a histórias de vida individuais, dando-lhes um caráter de
imprevisibilidade e originalidade, essas ações deixam pegadas e demarcam roteiros, esquemas e
rotinas que delineiam ações futuras. Ao analisar o conceito de prática educativa, esse autor reitera
seu caráter multiforme e sugere o quanto a compreensão que temos desse conceito se articula com
as circunstâncias históricas em que foi forjado. Sacristán (1999) separa o conceito de ação do de
prática, atribuindo-lhe uma operacionalidade rica.
A formação de professores tem vínculos intrínsecos com a relação entre teoria e prática, e é paralela
a uma relação humana mais ampla: entre pensamento e ação. Para Sacristán, teoria e prática são
duas realidades não identificáveis em separado; não há experiência sem conseqüências para quem
as realiza e quem recebe seus efeitos; a experiência acumulada estabiliza, de alguma forma, a prática
educativa, consolidando a cultura (SACRISTÁN, 1999). Nesse sentido, ação e prática ressaltam a
importância da teoria, não uma sobre a outra, mas numa recriação entre si. Para nós, o professor é
um profissional que detém saberes de matizes variados sobre a educação e cuja função central é
educar crianças, jovens e adultos portadores ou não de necessidades especiais. Por isso, o saber
profissional que orienta a atividade docente se insere na multiplicidade própria do trabalho dos
profissionais que atuam em diferentes situações e, portanto, precisam agir de forma diferenciada,
mobilizando teorias, metodologias e habilidades diferentes. Nessa ótica, o saber profissional do
professor é constituído não por um saber específico, mas por vários saberes de diferentes matizes
— dentre os quais se incluem ainda o saber-fazer e o saber da experiência. Como postula Tardif
(2002), a questão relativa aos saberes dos professores situa-se num contexto amplo do estudo da
docência e se relaciona com a realidade escolar e social dos professores; daí a necessidade de se
estudá-lo no contexto do trabalho docente. A fim de articular os aspectos sociais e os individuais do
saber dos professores, esse autor procura não reduzi-lo a processos mentais — baseando-se na
atividade cognitiva dos professores — nem cair no sociologismo — o que eliminaria a contribuição
dos professores para a construção concreta do saber (TARDIF, 2002). Assim, ele se baseia na
origem social dos saberes, e para isso considera os lugares onde os professores atuam, as
organizações que os formam, seus instrumentos e experiências de trabalho, bem como sua trajetória
pessoal de vida. Disso se depreende como característica central na formação do docente sua
historicidade, pois a formação pressupõe saberes incorporados ao longo da vida do professor e que
resultam de sua imersão num contexto social e das relações estabelecidas com pessoas e
instituições. Na profissão, os professores continuam a incorporar saberes que se agregam ao
processo formativo de construção da identidade profissional. Noutras palavras, aprendem
adquirindo conhecimentos e construindo saberes: ferramentas para desenvolver seu trabalho. O
professor aprende a ensinar enfrentando situações diversas e cotidianas que lhe possibilitam
construir tais ferramentas (TARDIF, 2002).
Se, como aponta esse autor, a incorporação de saberes se mostra como recurso central à atuação
docente, esse recurso parece adquirir mais relevância ao professor que se dispõe a trabalhar com
pessoas com deficiência, pois seu trabalho pressupõe considerar que a busca pela superação não
ocorre isoladamente: está em cada momento, em cada atitude; ora se estabelece em processos
externos, ora em processos internos, provocando continuamente novas conquistas e abrindo uma
gama de oportunidades de atuação pedagógica. Nesse sentido, reconhecemos uma contribuição
crucial nos pressupostos da teoria histórico-social de Vygotski (1997; 1998), pois demonstram uma
preocupação fundamental com a interação social no desenvolvimento humano. Seus estudos
ressaltam a importância da convivência social, das trocas do sujeito com o outro para que as
funções psicológicas superiores se desenvolvam. Compreendemos que o papel do meio social não é
ativador, mas formador de tais funções, pois, ao se variar o ambiente social, o desenvolvimento
também varia. Assim, se este se dá pela apropriação ativa do conhecimento que há na sociedade,
desenvolvimento e aprendizagem exercem influências recíprocas. E o professor é quem vai auxiliar o
aluno ao mediar o processo de aprendizagem, pois media a relação entre o aluno e o conhecimento.
Como mediador, ele deve pôr o aprendiz em contato com diferentes conteúdos e situações que
viabilizem a aprendizagem e o desenvolvimento. Ao professor, cabe compreender que cada pessoa
desenvolve diferentes estratégias de compreensão e ação sobre a realidade, fruto de suas inserções
sociais e condições socioculturais de desenvolvimento. Essas diferenças, em vez de serem apagadas
ou ignoradas, devem ser consideradas e exploradas como propulsoras de novos conhecimentos,
pela riqueza de pontos de vista e de experiências que podem ser trocadas. Acreditamos que, no
espaço das diferenças entre uma pessoa e outra, existe grandes possibilidades de intervenções, e é
por esse caminho que se pode construir a capacidade de criticar, argumentar, transformar, inventar
— de estar incluso.
Ao professor, pode ser útil conhecer conceitos como zona de desenvolvimento proximal (ZDP),
pois dariam mais aporte a suas intervenções pedagógicas. Elaborado por Vygotski (1998), esse
conceito se refere a seus estudos com crianças, porém acreditamos em seu potencial genérico e, em
nosso caso, o aplicaremos na relação que se estabelece entre pessoas com Paralisia Cerebral (PC).
A ZDP exige que vejamos cada momento como único e cada pessoa envolvida como única.
Noutras palavras, as ações tomadas devem respeitar as características individuais, as limitações e os
potenciais de cada pessoa, tenha ela deficiência ou não, sobretudo se considerarmos a afirmação
desse teórico de que as funções psicológicas superiores provêm de processos sociais e que estes se
formam por meio de ferramentas, ou instrumentos culturais, que medeiam a interação entre
indivíduos e entre estes e o meio em que vivem numa relação dialética. Então, se o educador
reconhecer que os ritmos de aprendizagem e desenvolvimento são diferentes para cada aluno, sua
atuação será a mesma perante pessoas que apresentem necessidades educativas especiais ou não.
Nessa perspectiva, o professor constrói sua formação, fortalece e enriquece seu aprendizado.
Outra concepção na teoria de Vygotski (1997) que constitui elemento fundamental à atuação
docente é que, para ele, não é o defeito que decide o destino das pessoas; são as conseqüências
sociais desse defeito. O defeito — a deficiência —, no lugar de marcar limites, aponta capacidades,
encontra fontes de força, pois não é só carência, deficiência, debilidade; é também fonte de força e
capacidades; no defeito há algo positivo. Essa visão aponta possibilidades de superação da
deficiência pela força que vem com a falta e cria essa fonte de forças, que, por sua vez, criam
oportunidades à atuação do profissional docente. A inclusão veio nos fazer pensar que não estamos
prontos, formados e que sempre temos algo a aprender. Ser professor implica compreender que
devemos aprender mais e mais e que podemos aprender sempre. Assim como a formação, a
aprendizagem é um processo que se estende por toda vida; igualmente, a docência implica
aprendizagem permanente, na qual o professor estrutura seus saberes e alicerça sua carreira. A
formação é permanente e ocorre de diversas formas e em diferentes lugares; isto é, tem um sentido
mais amplo, pois abrange toda a vida. Os saberes de docentes que trabalham com a inclusão se
vinculam, sobretudo, aos saberes pessoais e aos provenientes de sua experiência, cuja origem está
na família, na educação em sentido lato, no ambiente de vida, na prática pedagógica (escola e sala
de aula) e na experiência com os pares.
Contudo, se a aprendizagem da docência e a construção de saberes para trabalhar com aluno
incluído pode se dar de diferentes formas, alguns fatores se destacam na aprendizagem do professor
em relação ao aluno incluído: a experiência de trabalho com tais alunos, o tempo — importante fator
na evolução da forma de ensinar — e a relação que estabelecemos com outros colegas como parte
de um processo interativo e dinâmico. Conforme Tardif (2002), a aprendizagem da docência
ocorre, também, com a prática cotidiana, em que o docente constrói saberes experienciais. No
exercício de sua prática e suas funções, os professores desenvolvem saberes específicos baseados
no seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Ainda segundo esse autor, os professores
valorizam muito a experiência em sala de aula e consideram que os saberes experienciais
fundamentam seu saber ensinar. Em outras palavras, os saberes se provam na prática; nela, são
validados ou não. Por isso, a experiência adquirida na prática representa o principal fator do
sucesso do professor atuante.
O saber dos professores é temporal: “ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar
progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente” (TARDIF, 2002, p.
20). Dito de outro modo, o saber ensinar é não inato; constrói-se, sobretudo na carreira, que é um
“[...] processo temporal marcado pela construção do saber profissional” (TARDIF, 2002, p. 20).
Tal saber é composto pelos saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da
instituição escolar, de outros atores educativos, dos lugares de formação etc. Logo, parte
importante da competência profissional docente se enraíza na história de vida do professor, pois a
competência individual se confunde com a sedimentação temporal e progressiva de crenças,
representações, hábitos práticos e rotinas de ação. Nesse sentido, compreender os saberes do
professor “[...] é compreender, portanto, sua evolução e suas transformações e sedimentações
sucessivas ao longo da história de vida e da carreira, [...] que remetem a várias camadas de
socialização e de recomeços” (TARDIF, 2002, p. 106). Aprender a trabalhar com aluno incluído
requer saberes construídos dia a dia: na prática, na interação com colegas e numa temporalidade
que acompanha os percursos de vida dos professores.
Segundo Tardif (2002), professores mergulhados na prática têm de aprender fazendo, devem se
provar que são capazes de ensinar. A lida com situações forma, pois só isso permite desenvolver o
“habitus”, isto é, certas disposições adquiridas na e pela prática real que permitirão ao professor
enfrentar os condicionantes e o imponderável da profissão. O “habitus” pode se transformar num
estilo de ensino, em “macetes” da profissão e até em traços da personalidade profissional;
manifesta-se através de um saber-ser e um saber-fazer pessoais e profissionais, validados pelo
trabalho cotidiano. Com isso, o modo como os professores desenvolvem a aula, privilegiando a
interação mediante atividades em grupo, constitui “macete” profissional desenvolvido pela
experiência. Portanto, é possível que a ausência de experiência desenvolva a insegurança e o medo,
freqüentes na fala de professores.
A inclusão impôs a necessidade de se repensar a educação e a instituição escolar, sobretudo pelas
dificuldades enfrentadas pelos docentes, porque trouxe mudanças na forma de ver, pensar e fazer a
educação escolar e a docência. Surge como estímulo para se pensar na educação tendo em vista a
inadequação de um sistema escolar tradicional em que o aluno necessita se adaptar à escola, e esta,
por sua vez, esquiva-se de possíveis mudanças. A inclusão também significou a oportunidade de
rever e repensar práticas escolares desestimulantes para torná-las mais atraentes, inovadoras e
dinâmicas. Assim, entendemos que, ante a perspectiva da educação voltada à inclusão de todos os
alunos, torna-se fundamental articular espaço e tempo de formação, por meio de políticas públicas
de formação continuada e da universidade, que pode assumir a responsabilidade pela formação de
profissionais mais preparados para essa realidade. Também devemos destacar a importância dos
órgãos governamentais para se consolidar a inclusão ao elaborarem políticas públicas de formação
em serviço. Assim, o tempo de estudo pode se inserir nos horários de trabalho, para que haja mais
envolvimento em atividades e discussões coletivas sobre estratégias de ensino — uma prática
comum em organizações não governamentais (ONGs) que trabalham com a educação especial.
Muitas vezes, a expectativa de encontrar alunos ideais se choca com a realidade. Isso poderia ser
evitado por meio do contato prévio com o cotidiano escolar nos cursos de formação de professores
— por exemplo, em parcerias com instituições especializadas que permitam aos acadêmicos
estagiarem em contado direto com as pessoas com deficiência. Desse modo, pensar na forma como
os docentes aprendem é fundamental para romper com a idéia preconcebida de que só quem
freqüentou o curso de educação especial está apto a trabalhar com alunos que têm necessidades
educacionais especiais. Entretanto, não basta pôr o aluno na classe para que o professor aprenda a
lidar com ele; é preciso, também, orientar sua postura e suas representações para a crença no seu
potencial de aprendizagem, de aceitar desafios e de criar, tanto quanto no potencial do aluno. Nesse
sentido, reconhecemos como de suma importância os professores adquirirem saberes de diferentes
fontes. Isso, contudo, não minimiza a importância de se promover aprendizagem por meio de cursos
de formação continuada em serviço. Acreditamos que, na circularidade que se estabelece entre a
experiência vivida no dia a dia escolar e os cursos de formação continuada, o professor aprende e
constrói sua maneira própria de trabalhar. Certamente neste movimento os professores ficam mais
bem preparados para lidar com situações difíceis e muitas vezes inesperadas em sala de aula. Para
Freitas e Castro (s. d.), a formação continuada de professores para atuar numa perspectiva inclusiva
tendo em vista o desenvolvimento do sujeito autônomo deve prever uma reflexão constante dos
profissionais sobre a prática pedagógica; assim como questionamentos, para que possa reavaliá-la,
compartilhar experiências e idéias com colegas e, assim, fazer do exercício profissional um campo
de investigação.
Compartilhar experiências é fundamental à formação continuada em educação, pois só os
conhecimentos teóricos não bastam: é necessário haver a participação do professor nas mudanças
sociais como agente de formação, e não apenas como transmissor de conhecimentos; por isso,
cabe-lhe se aprimorar pessoal e profissionalmente. A formação do professor deve ser continuada,
diferenciada e vista como ação que ampliará seu potencial, constituído por inúmeros elementos,
dentre os quais sua experiência. Para que isso ocorra é primordial que cada professor busque o
aprimoramento constante, seja mediante cursos ou pela formação em serviço. Ele deve ser
propenso a mudanças e sempre revisar conceitos, ideologias e valores, a fim de que sua (atu)ação
se concretize como elemento facilitador da construção de uma sociedade mais justa. E tal processo
deve partir da prática e de conhecimentos prévios. Acrescente-se que não só ao professor cabe
melhorar a prática pedagógica; também a escola deve promover melhorias em conjunto com seus
profissionais, pois um depende do outro para que estas sejam possíveis. Os professores não podem
mudar sem que instituições em que trabalham mudem; nem estas podem fazer mudanças se aqueles
não se empenharem nelas. Deve haver uma articulação entre escola, seus projetos e seus
professores, pois todos são interdependentes. Em sentido amplo, o ensino inclusivo propõe uma
prática pedagógica que busca promover a inserção de todos em escolas onde suas necessidades
devem ser supridas, seja qual for o talento, a deficiência e a origem socioeconômica ou cultural. Ao
professor e à equipe técnico-pedagógica, cabe alicerçar as mudanças necessárias à prática para que
se incluam todos os alunos. Romper com modelos pedagógicos pré-concebidos e consagrados no
meio educativo requer coragem e um olhar panorâmico, depois direcionado — como em raios X
—, para se alcançarem os diferentes caminhos educacionais que vão promover a convivência sadia
entre alunos, professores e funcionários da instituição escolar. Assim, manter o foco nessa direção
impossível será transpor barreiras atitudinais que entravam a promoção da inclusão de corpos
disformes, porém habitados pela mesma essência de corpos considerados como perfeitos,
instituídos como modelos e tidos como parâmetros de normalidade e perfeição.
REFERÊNCIAS
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THOMA, Adriana da S. Sobre a proposta de educação inclusiva: notas para ampliar o debate.
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<http://www.ufsm.br/ce/revista/artigos_cad.htm-138k>. Acesso em: 3, nov. 2005.
LARROSA, Jorge Bondía. Revista Brasileira de Educação, n. 19, jan./fev./mar./abr. 2002
CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.
SACRISTÁN, José G. Poderes instáveis em educação. Porto alegre: Artmed, 1999.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
VYGOTSKI, Lev S. Obras escogidas — Tomo V Fundamentos de defectologia. Moscú:
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VYGOTSKI, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.