http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/054.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

FORMAÇÃO PESSOAL: CONTRIBUIÇÕES PARA O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO COMO MEDIADOR DA INCLUSÃO

Profª Doutoranda Sônia Bertoni Sousa (autora)
PPGEES/UFSCAR
Profª Dra. Piedade Resende da Costa (co-autora)
PPGEES/UFSCAR
Poster




RESUMO

Este estudo tem como objetivo explicitar a importância da formação pessoal para o profissional da educação ser mediador na inclusão escolar. Para isto, apresentamos de forma breve, alguns elementos que caracterizam a inclusão. Em seguida abordamos as vertentes de formação profissional, mais especificamente os princípios, características e o como fazer esta prática de formação pessoal. E, por último discutiremos de que forma a formação pessoal trará resultados e contribuições para que o profissional possa ser um mediador na inclusão.

Introdução

O movimento em prol da inclusão teve início nos Estados Unidos, em 1975, e apresenta como princípio norteador o respeito às diferenças e o convívio com a diversidade humana. Advoga pela igualdade de direitos e oportunidades, partindo do discurso de que somos todos diferentes.
Para que a inclusão se concretize é preciso ter um novo olhar frente ao mundo e as relações que se estabelecem nele. Propiciar uma educação com qualidade a todos, entre eles os excluídos sociais, como negros, índios, pobres, gordos, deficientes, etc. Não basta apenas promover o acesso destas pessoas nas escolas regulares sem garantir a permanência e aprendizagem. No nosso entendimento, estamos vivendo o despertar e o conhecer para este novo paradigma e, será, sem dúvida, o grande desafio do século XXI.


Metodologia

A formação pessoal: bases conceituais e o como fazer

Podemos considerar que a formação acadêmica de profissionais da área da educação e saúde engloba duas etapas distintas: inicial e continuada. A inicial é aquela que credencia o indivíduo a atuar em determinada área do conhecimento e é adquirida com a conclusão do curso de licenciatura e bacharelado. Já a formação continuada envolve todas as aprendizagens decorrentes da atualização permanente, das experiências profissionais vivenciadas, associadas ou não a cursos de atualização a nível lato ou strictu sensu, que ampliam a formação inicial (NEGRINE, 1997).
Para este autor a formação deve ser alicerçada em três vertentes, pedagógica, teórica e pessoal, independente de ser inicial ou continuada, uma vez que produziria efeitos mais efetivos na preparação dos profissionais para atuarem em seus campos de trabalho.
A formação pedagógica é aquela que se destina a elaboração de um conhecimento prático, geralmente ocorre por meio de atividades de prática de ensino e ou estágios supervisionados.
Já a formação teórica está voltada para os aspectos epistemológicos de determinada área do conhecimento, fundamentais no processo de formação, seja de conteúdos teóricos como exemplo os pedagógicos, psicológicos, históricos, etc, como de procedimentos que são os que abrangem os métodos, técnicas, avaliação dentre outros.
Por sua vez, temos a formação pessoal, que busca o crescimento do indivíduo como pessoa. Trata de usar a via corporal, desvinculada de métodos tradicionais de ginástica e de desporto. Oportuniza o profissional em formação vivenciar de forma lúdica sua expressividade corporal como um meio a mais complementar sua formação. O objetivo é fazer com que o adulto passe a ter mais disponibilidade corporal, conheça melhor suas capacidades e limitações e, ao mesmo tempo, possa refletir sobre elas.
Esta via de formação é que vai permitir que o adulto passe a ter mais disponibilidade corporal, conheça melhor suas capacidades e limitações e, ao mesmo tempo, possa refletir sobre elas.
Os enfoques psicanalíticos são encorajadores ao sustentar que o autoconhecimento permite o desbloqueio de certas resistências e que  se tenha uma dimensão mais real das nossas limitações frente às diferentes situações e , consequentemente, prepara o profissional  ter uma postura de escuta em relação aos demais, melhorando assim nossa compreensão e relação com os outros.
A formação pessoal proposta por Negrine (1998) deve oportunizar que o adulto em formação vivencie, por um lado, experiências lúdicas individualmente e em pequenos grupos, sem preocupação com o gesto técnico. Por outro lado, deve oportunizar vivências de sensibilização corporal na relação com os objetos, com seus iguais e consigo mesmo, constituindo-se assim num meio a mais que vai ampliar a formação inicial ou continuada de cada indivíduo.
Trata-se de uma formação que utiliza ação, pensamento e linguagem (comunicação e verbalização) como elemento pedagógico fundamental nas sessões, sem ter a preocupação de atingir performance ou gestos técnicos.
Esta formação objetiva que o adulto, a partir de experiências corporais concretas passe a ter mais disponibilidade, reconheça suas limitações e, ao mesmo tempo, possa refletir sobre elas. Este autoconhecimento visa:
a) ao desbloqueio de certas resistências;

b) a uma dimensão mais real das limitações de cada pessoa frente às diferentes situações vivenciadas;
b) ao descobrimento de potencialidades que estejam adormecidas, o que certamente fará com que o indivíduo redimensione sua auto-imagem e auto-estima.
Tudo indica que quanto mais tomamos consciência de nossas limitações maiores são as probabilidades de nos tornarmos mais tolerantes com os outros e isso de certa forma cria um clima de distensão e uma postura de escuta, oportunizando-nos compreender melhor nossos interlocutores. Se melhoramos a relação, melhoramos o desempenho profissional, uma vez que os fortes elos afetivos condicionam uma saudável relação de troca.

Para Negrine (1998)

“ ...quanto mais tomamos consciência de nossas limitações maiores são as probabilidades de nos tornarmos mais tolerantes com os outros, nos levando a uma postura de escuta, oportunizando-nos a compreender melhor nossos interlocutores. Se melhoramos a relação melhoramos o desempenho profissional, uma vez que os fortes elos afetivos condicionam uma saudável relação de troca” .

                        

Para que o trabalho de formação pessoal aconteça utilizamos de experiências corporais concretas, de forma que a atividade central desenvolvida seja o jogo, no sentido de atividade lúdica, que devem ser vivenciadas pelos profissionais, individualmente e em pequenos grupos, sem a preocupação com o gesto técnico, além destas experiências deve-se oportunizar vivências de sensibilização corporal na relação com os objetos, com seus iguais e consigo mesmo.
Para Negrine (1998) a sessão acontece em rotinas, que devem ser caracterizadas da seguinte forma:
1º) Ritual de Entrada – onde o professor oportuniza a verbalização dos componentes do grupo para falarem algo que queiram acrescentar ao que foi relatado na sessão anterior, ou que não tenham falado e desejam falar.
2º) Expressividade Corporal – O professor ou mediador seleciona algumas atividades que possibilitem a expressividade corporal dos participantes.
3º) Sensibilização – Neste momento ocorre geralmente as atividades que devem ser realizadas em duplas, em que a tônica é a entrada de contato com o corpo do outro, não significando que não possa ter momentos de sensibilização consigo mesmo ou com algum objeto.
4º) Registro de vivências (memorial) – É proposto que cada elemento do grupo faça seus registros, que devem estar relacionados com as emoções, os simbolismos, as facilidades e dificuldades vivenciadas durante as atividades.
5º) Ritual de saída (verbalização) – O professor adota uma postura de escuta, oportunizando que as pessoas falem de suas experiências, de si mesmo, das facilidades e dificuldades encontradas durante a sessão. Com este ritual encerra-se a sessão.
O tempo médio de cada sessão varia de 60 a 80 minutos.
Esta formação passa pela via corporal e se concretiza em um trabalho de práticas corporais, em que a atividade central é o jogo. Jogo entendido como uma forma de expressar a atividade lúdica como uma das âncoras pedagógicas desta formação. Estas atividades pedagógicas oportunizam que os adultos voltem a brincar, criando nas sessões um clima de permissividade, de criatividade e de interação, mas não sem intervenção por parte do facilitador. Como se trata de um ato pedagógico pensamos que o facilitador deve intervir, ou seja, deve traçar estratégias para provocar situações vivenciais que não ocorreriam se não houvesse uma intenção deliberada. Por exemplo: propor momentos em que as atividades devem ser vivenciadas individualmente, outras de forma coletiva, outras em pares, enfim variar as técnicas, provocando situações diversificadas.
O facilitador deve intervir mão isto não significa implicar-se corporalmente com os participantes ou jogar com eles. O facilitador é a referência, a segurança é o símbolo da lei. Qualquer implicação corporal pode significara a perda de referência, e isto pode ser visto pelos participantes de diferentes perspectivas.
Propomos atividades livres, em que cada um joga o que quer e com quer, ora com atividades dirigidas, mas em nenhuma das situações determinando padrões comportamentais ou emitindo julgamentos e de mérito sobre o desempenho das pessoas – atividades de expressão corporal, de simetria, de sensibilização, de representação, de distensão corporal. Os jogos dramáticos e os relatos em pequenos grupos sobre o vivenciado são utilizados como atividades meio.
As atividades lúdicas, de desafio e de sensibilização em cada sessão serão complementadas com momentos de registro das emoções e das representações vivenciadas e, ainda, de um momento de verbalização. Este último é o momento em que se oportuniza a cada elemento do grupo falar de si no grande grupo. A única norma é que cada um fale de si, de como se sentiu realizando esta ou aquela atividade; facilidades encontradas; sensações de prazer e de desprazer, já que há uma tendência de o adulto falar de outras coisas como forma de fugir da realidade.
As sensações geradas podem trazer prazer, alegria para uns e desprazer, desconforto e tristeza para outros.Há situações em que os indivíduos não gostariam de pensar naquilo que as imagens produzem e, mesmo fazendo uso da racionalidade, não são capazes de afastá-las de seus pensamentos.
Quanto mais limitações tem o indivíduo mais dificuldade tem para falar de si, principalmente como reflexo de uma realidade profunda.
Esta via de formação objetiva a superação das limitações e deve ser entendida como um processo. Toda ação pedagógica que oportuniza ao adulto brincar abre canais para que o indivíduo vivencie sensações de prazer que, de certo modo, desbloqueiam resistências; este sentido, suas expressões são produtos do inconsciente que de alguma maneira, refletem seu estado interior.
É necessário que o adulto brinque, independente da idade, porque é através desta ação que mostramos o que somos, liberamos o corpo e, por conseqüência, ativamos o pensamento e a memória. A concepção de que o brincar, berço da ludicidade, está reservada às crianças nada mais é do que a perda da naturalidade humana, imposta pelo homem ao próprio homem. O adulto que volta a jogar (brincar) não se torna criança, como se costuma dizer, mas amplia suas sensações de prazer que atuam desbloqueando resistências; neste sentido, suas expressões estão muito mais a serviço do inconsciente que do consciente.
A formação pessoal pela via corporal é um processo que favorece o crescimento do indivíduo como pessoa. A âncora pedagógica esta na verbalização. Não se trata de ter que falar porque o momento é de verbalização, mas de evidenciar desinibição, confiança em si mesmo perante o grupo, onde a única regra é falar de si, sem entrar no julgamento de mérito das circunstâncias para justificar suas atitudes. Nesta prática quando isto começa acontecer a formação começa atingir seus fins.
Através de vivências corporais variadas vamos tomando consciência das nossas facilidades e dificuldades, devendo de alguma forma tentar superar as dificuldades. Esta tomada de consciência através da vivência com o mundo dos objetos e dos demais possibilita compreender melhor os outros, tornando-nos mais tolerantes, já que temos limitações que nem sempre estão aparentes a nível consciente.
Por outro lado, prepara o profissional para uma atitude de escuta, eixo básico de uma ação pedagógica interativa.
A atitude de escuta significa dar tempo ao outro, não esperar que siga a mesma linha de raciocínio de quem o interpela ou age com ela, aceitar que as pessoas possam reagir de forma diferenciada na solução de problemas. Significa, ainda, dar tempo para que o outro tome iniciativa na relação dual, o que para muitas pessoas é extremamente difícil, porque afoitamente tomam a iniciativa, sem sequer escutar a demanda do outro.
Tivemos a experiência com o trabalho de formação pessoal em dois momentos. Primeiro de 1997 a 1999 com um grupo de professores de Educação Física do programa de Educação Especial e de 2000 a 2002 com um grupo de professoras de Braille, ambos os grupos são de profissionais da rede pública municipal de Uberlândia, atuantes no Programa de Educação Especial da rede pública municipal. As sessões eram realizadas duas vezes por semana, no Centro de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz, que é o centro de estudos dos professores/profissionais da rede municipal.

Resultados, discussão e contribuições da formação pessoal para que o profissional possa ser um mediador na inclusão.

O deprimente quadro da realidade do final do século XX e início do XXI retrata a crise global, sugere a urgente necessidade de refletirmos a respeito de nossos valores, nossas metas, nossas práticas, nossa identidade, nossa profissão, e ainda sobre a nossa própria vida.
Tudo isto implica em necessidade de mudança de paradigma na educação, saúde, trabalho, relações humanas, enfim, vislumbrar a possibilidade de pensar o novo, algo que ainda estar por vir, mas que precisa começar agora, por pequenos atos e ações. Segundo Mantoan e Batista (2005) é urgente que as pessoas saibam agir para sobreviver, mais harmonicamente, sem estresses, diante dos problemas e situações inusitados que temos que enfrentar e resolver.
E ainda, podemos dizer que estamos vivendo diante de uma realidade caracterizada pelo mundo globalizado em que as pessoas não têm tempo para se olharem e nem descobrir suas potencialidades e limitações, seus medos e seus anseios. Mal nos vemos e também mal conseguimos enxergar o outro. E, neste ir e vir acontecem os desencontros e a dificuldade em conviver com a diversidade e respeitar o outro na sua diferença.
No paradigma da inclusão estes princípios são básicos e fundamentais e a formação pessoal nos trará a possibilidade de a partir de nosso conhecimento pessoal, da consciência de nossas limitações e possibilidades, buscarmos a compreensão da diferença do outro como meio enriquecedor da aprendizagem e das relações humanas.
O professor na inclusão necessitará, a princípio, romper os preconceitos, para ser um mediador na inclusão e a formação pessoal trará possibilidades de mudanças interiores, necessárias para que um novo olhar se aflore para o novo, base de sustentação do paradigma da inclusão.
O trabalho que realizamos com os professores de Educação Física e com as professoras de Braille só veio confirmar esta mudança tão necessária para o processo de inclusão.
 Foi visível as modificações significativas na forma de agir e ser destas pessoas. As professoras de Braille apresentaram mudança a nível postural e também atitudinal, o que pode ser evidenciado pelos demais profissionais e colegas de trabalho. Elas passaram a se deslocarem com maior independência nos seus locais de trabalho, melhoraram a postura, a autonomia e demonstraram mais alegria e disposição para realizar as atividades profissionais. Os professores de Educação Física sentiram uma maior segurança em atuar com seus alunos com necessidades especiais, confirmando a necessidade da formação pessoal acoplada à formação teórica e pedagógica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERNARDES, A. A. M.; VIDAL, M. H. C. SOUSA, S. B. Formação docente frente aos desafios na superação da racionalidade técnica: uma experiência de formação pessoal. In: Cadernos de Educação Escolar, Ano 2, nº 1, 2001,  p. 17 – 25.

DORÉ R.; WAGNER, S.; BRUNET, J. A integração escolar: os principais conceitos, os desafios e os fatores de sucesso no secundário. In: MANTOAN, M. T. E et al. A integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Menom/SENAC, 1998. p. 174 – 183.

MANTOAN, M. T. E; BATISTA, C. A. M.. Educação Inclusiva: Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência mental. Brasília: MEC/SEESP, 2005.

NEGRINE, Airton. Terapias Corporais: A formação pessoal do adulto. Porto Alegre: Edita, 1998.

SOUSA, S. B. Inclusão escolar e o portador de deficiência nas aulas de Educação Física das redes municipal e estadual de Uberlândia-MG. 2002. 132 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia.