http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/059.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

INFORMAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO: ASPECTOS INDISPENSÀVEIS PARA OTIMIZAR A INCLUSÃO ESCOLAR

Francisco Ricardo Lins Vieira de Melo
Lúcia de Araújo Ramos Martins
Universidade Federal do Rio Grande do Norte


RESUMO

A educação constitui-se, hoje, numa questão universal dos direitos humanos e, em conseqüência disso, as pessoas com deficiência devem estar incluídas nas escolas regulares, as quais devem prover as condições necessárias para garantir seu acesso e um ensino de qualidade. No entanto, dentre os diferentes aspectos a serem levados em consideração para implementação dessa política educacional, os de ordem relacional são de fundamental importância, haja vista a aceitação do aluno com deficiência se constituir num elemento chave para efetivação da sua inclusão escolar. Assim sendo, visando contribuir com as discussões em torno da inclusão do educando com paralisia cerebral no sistema de ensino regular, o presente estudo, de cunho qualitativo, realizado em duas escolas de Natal/RN, no período de dezembro a maio de 2002, teve como objetivo analisar como estas instituições vêm se organizando, em termos de sensibilização dos seus integrantes para receber e atuar junto a esses educandos. Os resultados obtidos evidenciaram a ausência de ações direcionadas a favorecer a desmistificação de preconceitos em relação ao aluno com paralisia cerebral e a disseminação de informações básicas que permitam a todos perceberem sua importância nesse processo e como cada um pode ajudar para que a escola seja, de fato, um ambiente inclusivo.

Palavras chaves: paralisia cerebral, escola inclusiva, comunidade escolar.


INTRODUÇÃO

Atualmente, é cada vez maior o número de alunos com deficiência no sistema de ensino regular, haja vista os princípios da política educacional contemporânea voltados para educação inclusiva. No entanto, a implementação dessa política no contexto das escolas brasileiras aponta para a necessidade de uma reforma estrutural, política e cultural, no que tange - entre outros aspectos - à capacitação de recursos humanos, adequação de estrutura física, dotação de equipamentos e materiais pedagógicos, além de mudanças de atitudes frente aos alunos com deficiência.
            Durante anos, a pessoa com deficiência foi vítima de sua diferença, quer seja nos aspectos físicos, sensoriais ou intelectuais, por não estar condizente com o conceito e com os padrões de normalidade estabelecidos pela organização social vigente, em cada época. Com isso, foi sendo marginalizada e afastada da escola regular, pois, no imaginário coletivo, a concepção de deficiência a levava a ser concebida como inútil e incapaz. De modo que, o aluno com deficiência era visto sob o prisma do desvio, ou seja, a deficiência era associada a uma doença “numa perspectiva de causalidade interna [...] gerando problemas de estigma” (SANTOS, 1992, p.10).
Apesar da evolução no atendimento a esses indivíduos na sociedade, inclusive na escola, onde hoje, a educação no sistema de ensino regular constitui-se num direito legalmente garantido, muitos preconceitos ainda se fazem presentes na comunidade escolar, sendo ali reproduzidos da mesma maneira que o são na sociedade, ou seja, através da linguagem, de gestos, do olhar, de atitudes, da intolerância, da própria indiferença (ITANI, 1998).
.           Não se pode querer, de repente, que os valores culturais sedimentados por toda história da humanidade em torno da deficiência e, conseqüentemente, da pessoa com deficiência, sejam ignorados, como se não trouxéssemos em nossos comportamentos atitudes influenciadas e determinadas pela sociedade em relação a esses indivíduos. Mesmo que quiséssemos, não conseguiríamos negar essa influência em nosso comportamento frente à deficiência, porque esta faz parte da nossa história de vida, de modo que concordamos com Teles (1993), quando coloca que os valores culturais transmitidos não somente nos envolvem, mas também nos penetram, modelando a nossa identidade, a nossa personalidade, a nossa maneira de agir, pensar e sentir.
Logo, pensar em reformar a escola para torná-la inclusiva é pensá-la para além das questões puramente políticas e pedagógicas. É pensá-la, também, como contexto cultural que envolve relações entre indivíduos, pois, embora seja possível cumprir uma lei que obrigue escolas a receberem crianças com deficiência em suas classes, não se pode fazer uma lei obrigando que as pessoas aceitem e sejam amigas das pessoas com deficiência (GLAT, 1995).
            Dessa forma, o presente estudo buscou verificar como a escola vem se organizando no sentido de sensibilizar a comunidade escolar com vistas a desmistificar idéias errôneas e preconceitos acerca da deficiência, particularmente do aluno com paralisia cerebral.
O termo Paralisia Cerebral é definido por Muñoz; Blasco e Suarez (1997) como sendo um grupo de afecções caracterizadas pela disfunção motora, cuja principal causa é uma lesão encefálica não progressiva, acontecida antes, durante ou pouco depois do parto. É uma perturbação complexa que pode compreender (ou não) vários sintomas, a saber: alteração da função neuromuscular com déficits sensoriais (audição, visão, fala etc.), dificuldades de aprendizagem, déficit intelectual e problemas emocionais.

MÉTODO

            A pesquisa teve um caráter qualitativo, sendo efetivada mediante um Estudo de Caso (CHIZZOTTI, 1998; GODOY, 1995; TRIVIÑOS, 1995; GIL, 1991) do qual participaram 14 sujeitos (duas coordenadoras pedagógicas, quatro professores, quatro alunos sem deficiência, dois alunos com paralisia cerebral e dois funcionários de apoio) de duas escolas onde estudavam alunos com paralisia cerebral no ensino fundamental, da cidade de Natal/RN, no período de dezembro de 2001 a maio de 2002.
            Caracterização das escolas
            A escola A, de cunho governamental (estadual), possui 17 anos de funcionamento e atende a 1600 alunos, nas modalidades de ensino fundamental, médio e educação de jovens e adultos. Possui 46 professores e 18 funcionários, que atuam nos três turnos.
            A escola B, privada, possui 10 anos de funcionamento e atende a 246 alunos, nas modalidades de educação infantil, fundamental e médio. Possui 23 professores e 9 funcionários, que atuam nos turnos matutino e vespertino.
            Caracterização dos alunos com paralisia cerebral
            Aluno com paralisia cerebral da escola A – Renata (nome fictício), 26 anos, apresenta diagnóstico de paralisia cerebral com seqüela motora de diplegia espástica associada à atetose, decorrente de um choque elétrico aos três anos de idade. Estuda na 7ª série do ensino fundamental, apresenta dificuldade de escrita fazendo uso de material escolar convencional. Possui discreta disartria e anda com apoio.
            Aluno com paralisia cerebral da escola B – João (nome fictício), 11 anos, possui diagnóstico de paralisia cerebral apresentando seqüela motora de quadriplegia espástica decorrente de anóxia cerebral por complicação no parto. Estuda na 5ª série do ensino fundamental. Possui ausência de escrita e leitura e faz uso de lápis adaptado para pintar. Além disso, não fala e anda em cadeira de rodas.
            Os sujeitos foram entrevistados, seguindo um roteiro de entrevista semi-estruturado previamente elaborado. As entrevistas ocorreram de forma individual, numa única sessão de entrevista, sendo gravadas e transcritas em sua íntegra.
            A análise dos dados tomou como referência o modelo proposto por Alves e Silva (1992).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

            Considerando que a conscientização para lidar com o outro diferente / com deficiência constitui-se num dos primeiros passos a ser priorizado pela escola em seu planejamento pedagógico, com vistas a favorecer a aceitação desses educandos, constatamos - em ambas escolas investigadas -. a ausência de um trabalho de conscientização voltado para a comunidade escolar como um todo, mas ações isoladas, ocorridas em situações específicas, como podem observar nas falas abaixo:

- Não temos esse trabalho de conscientização. Que eu me lembre, houve apenas uma vez na sala que Renata ia estudar. A partir do momento que fomos avisados pela Secretaria Estadual de Educação que teríamos uma aluna deficiente e que passaria a freqüentar a escola, veio uma funcionária de lá, e ela foi na sala explicar sobre os problemas de Renata, a deficiência dela. Eu reforcei que não era para tratar ela diferente mas, também, não era para tratar ela igual a todo mundo e que, na medida do possível, quem tivesse alguma dificuldade de se relacionar procurasse a gente na escola para orientação (Coordenadora pedagógica / Escola A).
- Temos, sim. Me lembro que fizemos um seminário em que estavam todos os pais e falamos de inclusão, da importância da gente estar trabalhando com essas crianças como seres humanos, como qualquer um de nós (Coordenadora pedagógica / Escola B).

Verificamos que, no primeiro relato, houve apenas uma preocupação inicial com a admissão da aluna na escola, no sentido de esclarecer os alunos da turma com quem iriam estudar. Percebemos que as explicações fornecidas pela funcionária da Secretaria Estadual de Educação foram reduzidas ao plano biológico, cuja ênfase é dada à deficiência em si e aos problemas que a aluna apresenta, em detrimento de informações que poderiam propiciar uma discussão mais ampla e realista a respeito da deficiência (como por exemplo, analisar a deficiência no contexto social, como a sociedade se comporta diante dessas pessoas, como reage em relação ao preconceito, o direito à educação de todas as pessoas, sejam elas deficientes ou não, entre outros aspectos).
Percebemos também que, querendo ajudar aos alunos, a coordenadora revela em sua fala preconceitos em relação à pessoa com deficiência, ao colocar – de forma vaga, genérica - que não era para tratar Renata diferentemente, mas também que não era para tratá-la igual a todo mundo. Essa atitude, verbalizada na fala da coordenadora da escola A, é comum na maioria das pessoas normais, por não saberem o que fazer quando estão diante de uma pessoa com deficiência, passando a vê-la e a tratá-la de forma diferente das outras pessoas, mesmo que inconscientemente, como se isso fosse a melhor coisa a fazer. Na verdade, o que estão fazendo está contribuindo para que essa pessoa com deficiência se sinta inferiorizada por perceber que não é tratada como os outros, levando-a a desenvolver uma imagem negativa de si mesmo. Tal aspecto poderá influenciar em sua vida pessoal e, por conseguinte, em sua vida escolar.
            Na segunda fala, apesar da coordenadora pedagógica destacar a importância da inclusão em um seminário realizado com os pais na escola - ação esta fundamental - outros atores da comunidade escolar não tiveram acesso a esse tipo de discussão, particularmente aqueles que parecem ser menos valorizados em termos de função na escola, os funcionários de apoio (porteiros, vigias, merendeiras e auxiliar de serviços gerais), como podemos evidenciar numa das falas deles:

- Para ajudar é importante a gente aprender coisas, porque o tempo vai passando e as coisas vão mudando e é bom a gente aprender para saber o porque da gente ajudar, conhecer para ajudar essas crianças [...] A escola é boa, mas ela não conversa isso com a gente (Porteiro / Escola B).

O que acontece, ao nosso ver, é que a escola de uma forma geral, diante da inclusão do aluno com deficiência, vem canalizando suas preocupações para a atuação pedagógica do professor, esquecendo-se das outras pessoas que fazem parte da comunidade escolar e de outras questões tão importantes como, por exemplo, informar e orientar a todos os membros da escola sobre como se comportar diante do aluno com necessidade educacional especial (neste caso, com o aluno com paralisia cerebral), questão fundamental para potencializar as relações interpessoais entre o aluno e os demais membros da escola. A esse respeito, a comunidade escolar deve estar atenta para os seguintes aspectos:
·    a pessoa com paralisia cerebral anda com dificuldade ou não anda. Pode ter problemas de fala. Seus movimentos podem ser estranhos ou descontrolados. Pode, involuntariamente, apresentar gestos faciais incomuns, sobre a forma de caretas. Geralmente, é uma pessoa inteligente e sempre muito sensível;
·    para ajudá-la, não a trate bruscamente. Adapte-se ao seu ritmo. Se não compreender o que ela diz, peça-lhe que repita. Ela o compreenderá. Não se deixe impressionar pelo seu aspecto, aja de forma natural, sorria, é uma pessoa igual a você;
·    se fizer uso de cadeira de rodas, não segure nem toque nela. Ela é como se fosse parte do corpo da pessoa. Apoiar-se ou encostar-se na cadeira é o mesmo que apoiar-se ou encostar-se nela (COMO..., 1992).
Vale salientar que essas informações não devem ser compreendidas como uma receita a ser obedecida para se ter êxito junto ao aluno com paralisia cerebral, mas como uma orientação básica, pois acreditamos que a melhor forma de nos comportarmos perante uma pessoa com deficiência é sendo natural com ela.
Além disso, precisamos estar atentos para perceber que tanto os integrantes da escola, como o aluno com deficiência, estão vivenciando a mesma realidade, ou seja, para ambas as partes essa situação nova gera medo, angústia, ansiedade, entre outras reações. Se por um lado a escola regular não tem experiência com essa situação, o aluno com deficiência, por outro lado, encontra-se temeroso em saber como vai ser acolhido nessa escola, haja vista ser, para muitos, a primeira oportunidade de estar no mesmo espaço social com pessoas diferentes das que costumava conviver em instituições especializadas.
            Portanto, é fundamental que a comunidade escolar, diante da inclusão do aluno com deficiência, tenha um espaço para discutir sobre a deficiência, procurando tirar dúvidas e questionamentos de todos os seus membros, objetivando assim contribuir para desmistificar idéias errôneas e preconceituosas a respeito da pessoa que a apresenta.
De uma maneira geral, podemos dizer que esses preconceitos decorrem da falta de conhecimentos sobre a deficiência, pois, como afirma Amaral (1994, p.18),

o desconhecimento é a matéria prima para a perpetuação das atitudes preconceituosas e das leituras estereotipadas da deficiência – seja esse desconhecimento relativo ao fato em si, às emoções geradas ou às reações subsequentes.

Tal fato foi evidenciado por parte de todos os professores entrevistados, quando indagados sobre o conceito e conhecimentos que tinham a respeito da paralisia cerebral.

- Conhecimento nenhum (Professora A1).
- O conhecimento é superficial, mas o que eu entendo [...] é uma anomalia, pode ser de caráter, não sei se congênito e, também, provocado por acidente, uma perda de massa encefálica (Professor A2).
- Meus conhecimentos são poucos. São pessoas que têm dificuldades de locomoção, de aprendizagem em si [...], tem limitações na forma de pensar, às vezes até na forma de falar, dependendo do grau de paralisia cerebral (Professora B1).
- Sinceramente, quase nenhum. Sei que ele tem um problema motor, não consegue falar direito, mas dizer o que é de fato a paralisia cerebral, assim, de forma especifica, eu não sei (Professora B2).

Notamos que as informações dadas pelos professores, de uma maneira geral, recaem nas características que se apresentam visíveis, às suas limitações cognitivas, motoras, de fala, entre outras. Os docentes, portanto, não conseguem conceituar claramente a paralisia cerebral. E um dos professores (Professor A2) ainda relata informações imprecisas e errôneas, ao colocar que a paralisia cerebral é uma anomalia de caráter, ou que pode ser causada por perda de massa encefálica.
O mais interessante é que todas as informações situadas pela maioria dos professores a respeito da paralisia cerebral são puramente de natureza clínica. Em nenhum momento, fazem associação com o contexto educacional, com exceção da professora B1, que aponta como uma das dificuldades desse aluno a aprendizagem. Isso se deve principalmente à herança do modelo médico, que ainda hoje influencia o olhar da comunidade escolar, especificamente do professor sobre o aluno com deficiência.
Portanto, a ausência de conhecimentos científicos a respeito da paralisia cerebral pode favorecer um entendimento deturpado a respeito das potencialidades físicas, cognitivas e sociais que esses alunos possuem em diferentes graus, dando margem a uma idéia errônea, uma vez que quem ouve o termo e não tem nenhuma informação sobre esta deficiência física pensa que essas pessoas têm o cérebro parado e, conseqüentemente, não têm a possibilidade de pensar, de sentir ou mesmo de agir (SATOW, 2000). Para confirmar tal afirmação, apresentamos um dos trechos da fala de uma coordenadora pedagógica, em que fica clara essa idéia errônea, antes do seu convívio e acompanhamento pedagógico junto ao aluno com paralisia cerebral.

- É um dos alunos que a gente tem mais dificuldade de trabalhar [...], mas ele não é aquela pessoa que você acha que é inútil porque tem paralisia cerebral (Coordenadora pedagógica B).

Sem o devido conhecimento sobre esse tipo de deficiência física e de sua necessidade educacional especial, muitas vezes o aluno com paralisia cerebral é tratado como um ser incapaz, como inútil e, até mesmo, como uma pessoa deficiente mental, sem, contudo, sê-la.
Além disso, o desconhecimento e os estigmas criados em torno da deficiência possibilitam que olhemos a pessoa com deficiência com medo, com insegurança, com sentimentos ambivalentes (ora com pena, ora com repulsa), como algo estranho, ameaçador ou mesmo sobrenatural.
De fato, evidenciamos algumas dessas reações nas falas dos alunos normais ao se reportarem como se sentiram pela primeira vez estudando com colegas com deficiências:

- No início, achava ela chata, o jeito dela falar, pensava que pegava aquilo dela. Hoje não; vejo que ela é uma das minhas melhores amigas, gosto muito dela (Aluna / 17 anos / Escola A)
- Na primeira vez que eu vi, tive medo. Sentava distante, depois eu comecei a falar com ela, ela é igual a mim, só aquele jeito dela (Aluna / 17 anos / Escola A).
- Na outra escola que eu estudava não tinha deficientes, eu só estudava com crianças normais. Aí, quando eu cheguei aqui, eu achei estranho, porque eu nunca tinha visto uma criança deficiente. Depois, eu me acostumei, ele só tem alguns problemas [...] Eu ficava perguntando aos meus amigos porque ele era daquele jeito (Aluna / 9 anos / Escola B).
- É a primeira vez que estudo com pessoas deficientes. No início, tinha medo, porque eu não estava acostumado mas, com o passar do tempo, eu me acostumei. Ele tem problemas e precisa de ajuda (Aluna / 9 anos / Escola B).

Nos trechos dessas falas percebemos que lidar e aceitar o outro diferente / com deficiência inicialmente não é tão fácil assim, principalmente quando o outro nos causa temor, desconforto. Para Glat (1995), isso acontece porque, quando nos deparamos com indivíduos que - por suas características ou comportamentos - não se enquadram em nossa representação de normalidade, ocorre uma quebra ou ruptura na rotina da interação social, de modo que ficamos perdidos, sem saber como agir. Acompanhando esse estado de inércia em que ficamos, várias reações surgem como curiosidade, espanto, surpresa, repulsa e até mesmo medo, pois, estar diante do que foge à norma e, portanto, de uma pessoa diferente, tida muitas vezes como anormal (no caso, com deficiência), ameaça a nossa estabilidade emocional.
Marques (1997) considera que talvez um dos fatores responsáveis por essa dificuldade possa estar localizado em seu processo de identificação e individualização. Neste, o ser humano busca, em sua relação com o outro, identificar o que lhe é comum e o que lhe é diferente, ou seja, é o outro quem lhe permite reconhecer-se como individuo, possibilitando o seu ajustamento à sociedade. Portanto, se o auto-reconhecimento é construído a partir dessa relação, necessário se faz que haja um certo equilíbrio entre semelhanças e diferenças, ou seja, o outro não pode se afastar muito dos padrões tidos como normais naquela realidade. Se houver uma identificação total de um indivíduo com o outro, isso acarreta a perda de sua própria identidade e, portanto, a perda de si como ser humano. Outrossim, no caso de se reconhecer no outro uma diferença exagerada, isso também acarreta a desestruturação do indivíduo e o sentimento de perda de sua própria humanidade. Decorre disso, em grande parte, a dificuldade do ser humano de se confrontar com a diferença alheia. O conflito que surge daquilo que ele é, com o que ele pode vir a ser, faz com que apresente comportamentos negativos frente às diferenças. Portanto,

o outro, o diferente, o deficiente, representa muitas e muitas coisas. Representa a consciência da própria imperfeição daquele que vê, espelha suas limitações, suas castrações. Representa também o sobrevivente, aquele que passou pela catástrofe em potencial, virtualmente suspensa sobre a vida do outro (AMARAL, 1989, p.10).

No entanto, também percebemos que - apesar desse choque inicial frente ao outro com deficiência - é através da convivência com as diferenças que as relações interpessoais vão se tornando naturais, na medida que os alunos pesquisados passam a conhecer o outro em sua singularidade.
O estar juntos, alunos com deficiência e alunos sem deficiência, facilita a quebra de barreiras atitudinais, proporcionando oportunidade de ajuda, de trocas significativas, de constatações positivas diante do colega diferente e a construção de vínculos.
            Visando otimizar esse processo, não apenas entre os alunos, mas, entre todos atores que compõe a comunidade escolar, é fundamental que diante da inclusão do aluno com deficiência exista um espaço no âmbito da escola para discutir sobre a deficiência, procurando tirar dúvidas e questionamentos de todos os seus membros, objetivando assim contribuir para desmistificar idéias errôneas e preconceituosas a respeito da pessoa que a apresenta.
Uma das maneiras para favorecer isto, é prever estratégias em seu planejamento pedagógico que possam ser utilizadas com os diferentes segmentos da comunidade escolar, tais como debates, seminários, peças de teatros, uso de fantoches, história infantis1, entre outras, adequando o conteúdo a ser trabalhado sobre a deficiência às diferentes necessidades e faixas etárias. Tudo deve ser planejado e executado de modo que favoreça a construção de valores e, em particular, o respeito ao outro.

1 Citamos, particularmente, no caso de educandos com paralisia cerebral, os livros Um menino especial (MILARÉ; CALIPO, 1996) e Pedro pé-de-valsa (MILARÉ; CALIPO, 1998) e filmes (como por exemplo, Meu pé esquerdo, que aborda o caso de uma pessoa com paralisia cerebral), direcionados ao público adulto/adolescente.

Como exemplo dessas estratégias, Ferreira (1998) estruturou um programa que prepara crianças sem deficiência, em termos de informações, sentimentos e condutas, visando a convivência com companheiros vistos como diferentes, principalmente com aqueles que são deficientes mentais, tanto no seu cotidiano, quanto na escola inclusiva. O programa foi desenvolvido junto a pré-escolares, inclusive os freqüentadores de creches e com alunos de primeira série de escolas regulares, da rede pública e particular de ensino. A autora afirma que o programa demonstrou ser eficaz quando se visa difundir a informação aos alunos, com vistas ao esclarecimento, à discussão e à reflexão sobre a deficiência mental e seus portadores, de forma natural, sem preconceitos. Pode ser desenvolvido em momentos educativos e, até mesmo, lúdicos, respeitando-se o nível e a capacidade da criança de aproveitar essas oportunidades. Segundo ela, é uma estratégia apropriada para a conscientização sobre o tema, prevenindo o desenvolvimento de preconceitos em relação aos indivíduos com deficiência e propiciando uma participação mais adaptada e integrada na convivência com esse segmento da população.
Esse exemplo de trabalho nos mostra a possibilidade de adequá-lo a outras situações, bem como de estendê-lo aos diversos integrantes da comunidade escolar. No entanto, acreditamos que essas ações devem ser priorizadas o mais cedo possível, uma vez que, quando adultos, é mais difícil - porém, não impossível - serem modificados os valores culturais assimilados sobre a deficiência.
            A esse respeito, constatamos, durante as observações nas escolas investigadas, que, de fato, quanto menor a idade dos alunos, melhor a aceitação e menor a formação de preconceitos diante dos colegas que apresentam deficiência.
Na escola B, onde os alunos tinham uma menor faixa etária, as relações interpessoais fluíam naturalmente entre todos os alunos, e pudemos presenciar cenas bastante significativas, que nos levam a crer que a inclusão escolar já começou a apontar sinais positivos em relação ao respeito e à solidariedade diante do colega com deficiência, como por exemplo, o carinho dos alunos por João, quando, no meio da aula, um deles levantava e enxugava sua baba (sialorréia) e perguntava se estava tudo bem com ele; a preocupação, durante as atividades em grupo, sobre se João estava interagindo, quando um dizia: “e aí, João, está entendendo? Levanta a cabeça, João, deixa eu te ajudar” e, de repente, João esboçava um belo riso para o grupo e era correspondido com beijos e abraços; a disputa para levá-lo para o intervalo, às vezes, tendo até discussão para decidir quem iria guiar a sua cadeira.
Cenas significativas como essas evidenciam que nessas escolas a inclusão está no rumo certo, bastando se investir nela e acreditar que é contemplando a diversidade que o outro - diferente / com deficiência - pode ser respeitado, pois ser deficiente, como diz Fonseca (1995), representa apenas uma probabilidade de ser humano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos na investigação apontam para a necessidade das escolas perceberem que a questão principal para o sucesso da inclusão escolar do aluno com paralisia cerebral não depende, exclusivamente, da presença de professores capacitados e de recursos materiais e pedagógicos específicos para atuar junto a esses alunos. Observamos que, embora tais aspectos sejam fundamentais para garantir a sua permanência na escola e um ensino de qualidade, urge, principalmente, a superação da visão negativa da deficiência. O aluno com deficiência necessita ser aceito e respeitado na sua singularidade de ser, e, para tanto, a escola precisa estar atenta para favorecer esse processo de inclusão, envolvendo toda a comunidade escolar, se preocupando também com as questões de ordem relacional, pois,

sem que haja, em toda comunidade escolar mudanças de atitude quanto à diferença, o que implica principalmente numa atitude de não rejeição dos alunos com deficiência, corre-se o risco de apenas inseri-los no convívio com outras crianças, sem que efetivem, entre todos, trocas interativas com a plena aceitação dos portadores de deficiência, o que é fundamental para a valorização da sua auto-imagem e da sua auto-estima (CARVALHO, 1999, p.37).

            Assim sendo, deve-se pensar num trabalho de conscientização que privilegie a todas as pessoas que atuam, de forma direta ou indireta, com os alunos com paralisia cerebral. É preciso que do diretor ao porteiro da escola exista um entendimento básico, que permita a todos perceberem sua importância no processo de inclusão escolar desses alunos e também como cada um pode contribuir para que a escola seja, de fato, um ambiente inclusivo.

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