http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/060.htm |
|
Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
MEDIANDO, INTERAGINDO E SOCIALIZANDO: AS POSSIBILIDADES DE UM
PROJETO DE EXTENSÃO
Gizeli Aparecida Ribeiro de Alencar
Maria de Jesus Cano Miranda
Marta Lucia Croce
RESUMO
Este trabalho é resultado de um projeto de extensão desenvolvido, há mais de doze anos, nas
dependências do Colégio de Apoio Pedagógico da Universidade Estadual de Maringá, Paraná,
(UEM). Denominado, ”Projeto de Extensão Atividades Alternativas para Pessoas com
Necessidades Especiais”, tem o objetivo de oferecer a crianças, jovens e adultos com necessidades
especiais um espaço alternativo para a exploração do prazer de brincar, cantar, conhecer, enfim,
pesquisar o mundo em suas diferentes possibilidades. Está organizado em áreas de conhecimento
(ateliês), para promover situações que exijam de seus participantes a utilização e o desenvolvimento
de habilidades nos âmbitos cognitivo, lingüístico, motor, social e afetivo. Os ateliês que estão em
funcionamento neste ano letivo são: Artes, Música e Teatro, Letramento, Informática, Atividade
Motora, Jogos Matemáticos. As atividades são desenvolvidas por acadêmicos dos diferentes cursos
de Licenciatura da Instituição, os quais são sempre coordenados e orientados por professores do
Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP) da mesma Universidade. São observados
resultados e benefícios nos âmbitos cognitivo, emocional e social das pessoas com necessidades
especiais que o freqüentam. Constitui-se, também, em um espaço oportuno de formação aos futuros
profissionais que desejam atuar na numa perspectiva inclusiva, pelos estudos e reflexões que são
oportunizados. Projetos de iniciação científica, ensino e outros são desenvolvidos, no sentido de
ampliar o campo da investigação na área educacional.
Palavras chave: Mediação; interação; desenvolvimento.
Introdução
O Centro de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e o Departamento de
Teoria e Prática da Educação (DTP) aprovaram em 04/04/95, o funcionamento do Projeto de
Extensão Atividades Alternativas para Pessoas com Necessidades Especiais, sob processo nº.
434/95, o qual funciona nas instalações do Colégio de Aplicação Pedagógica da UEM. Destina-se
ao atendimento de crianças, jovens e adultos, com deficiência nas áreas mental, física, motora e
condutas típicas, de instituições públicas e particulares da cidade de Maringá/PR e região.
O Projeto tem como meta norteadora oferecer às pessoas com necessidades especiais, um espaço
alternativo com vistas ao desenvolvimento e aquisições de conhecimentos por meio de atividades
que exploram o prazer de brincar, cantar, conhecer, enfim, atuar no mundo em suas diferentes
possibilidades, promovendo educação que favoreça o desenvolvimento integral da pessoa humana
independentemente dos limites apresentados. (UEM, Processo434/95).
Os alunos participantes do projeto são atendidos por acadêmicos dos diferentes cursos da
Instituição que atuam nos ateliês, tais como, Artes, Música e Teatro, Letramento, Informática,
Atividade Motora e Jogos Matemáticos, sempre acompanhados e orientados por um professor. Os
ateilês visam promover situações que exijam dos alunos a utilização e o desenvolvimento de
habilidades nos âmbitos cognitivo, lingüístico, motor, social e afetivo. Por outro lado, são
desenvolvidos também, anualmente, projetos de ensino, de pesquisa e extensão, ligados ao projeto
a fim de estudar a temática da deficiência nas pessoas em suas diferentes dimensões, bem como
projetos de Iniciação Científica (PIC e PIBIC). São oferecidos, ainda, cursos complementares,
estudos e reflexões a respeito de questões relacionadas à educação especial, área esta pouco
contemplada pelos currículos dos cursos de nível superior, com a finalidade de capacitar os
acadêmicos participantes do projeto nas teorias e concepções que subsidiam a prática pedagógica
desenvolvida para atingir os objetivos do projeto.
No presente texto pretende-se apresentar aos leitores, de forma sintetizada, um pouco do trabalho
que vem sendo desenvolvido, compartilhando os resultados enriquecedores de uma experiência que
vai além de um simples relato, mas uma vivência educativa que envolve os participantes no desafio
de suas próprias capacidades, das potencialidades e no respeito e aceitação das limitações de cada
um.
Metodologia
A fundamentação metodológica que sustenta o trabalho nas diferentes atividades dos ateliês baseia-se nos pressupostos da concepção sóciohistórica defendida por Vygotsky e seus colaboradores, a
qual entende que as necessidades humanas se desenvolvem nas relações sociais, onde as interações
sociais são criadas e modificadas historicamente. Os ateliês funcionam duas vezes por semana, com
3 (três) horas de atividade diária. O aluno opta por participar de dois ateliês de sua preferência, no
primeiro dia de atendimento, e por outros dois no segundo atendimento.
Discussões e resultados
Combater a exclusão de minorias desfavorecidas tornou-se um discurso constante na vida cotidiana,
nos dias atuais. O movimento em favor da inclusão escolar e social das pessoas com deficiência
chegou até à implementação de políticas dos governos em todas as esferas. Defender o exercício
pleno da cidadania dos membros que compõem a sociedade moderna é também um dos princípios
mobilizadores para a prática da democracia. Neste projeto, acredita-se que essa mesma sociedade,
de princípios contraditórios, detém uma força representada em pessoas, ações e instituições que
lutem para combater a exclusão. (UEM, Processo 434/95).
Desta forma, a organização do trabalho está pensada de maneira que os participantes sejam
mobilizados e envolvidos nas diferentes áreas de seu desenvolvimento, considerando que a
linguagem, em suas diferentes formas (plástica, oral, corporal, musical, gráfica), constitui-se, de
acordo com a Teoria Histórico-Cultural, em um instrumento de mediação privilegiado na formação,
desenvolvimento e compartilhamento de conhecimentos, (UEM, Processo 434/95).
Assim, os ateliês, embora trabalhem conteúdos de diferentes áreas do conhecimento, têm como
objetivo comum junto a essas pessoas desenvolver o auto-conceito e auto controle; estimular a
capacidade de auto-expressão, a imaginação, interação; viabilizar a internalização e re-significação
de conceitos a partir das experiências obtidas em sua cultura; oportunizar situações que contribuam
para a compreensão da realidade em que vivem e, portanto, para a formação de sua consciência,
(UEM, Processo 434/95).
Assim, no ateliê de artes plásticas o objetivo principal é “conhecer, compreender e expressar o
mundo humanizado” (Ibid, p. 28), por meio da leitura dos objetos e da realidade, caracterizando
formas e espaços (posição, proporção e movimento). Valoriza-se o saber estético quanto aos
elementos visuais (forma, cor, linha, textura) e os elementos de composição (bidimensional e
tridimensional). A concepção de Vygotsky (2003) sobre a possibilidade do cérebro, independente
de déficit cognitivo, de conservar ou reproduzir experiências anteriores, é inquestionável, contudo,
além de se configurar como um órgão capaz de conservar e recombinar com base em experiências
passadas, também pode num momento posterior criar, reelaborar novos elementos. Essa afirmativa
respalda teoricamente o vivenciado neste ateliê, é possível evidenciar, que o déficit cognitivo não se
confirma como empecilho para o desenvolvimento da arte, e por meio das propostas direcionadas,
por exemplo, elaborações, ilustrações, enfim criações em telas, os alunos retratam a leitura que
tecem do meio circundante.
Os conteúdos do ateliê de música e teatro visam “contribuir para o desenvolvimento da criança com
necessidades especiais, através do processo de musicalização; oferecer atividades que desenvolvam
a percepção auditiva e rítmica; despertar o interesse pela exploração sonora; propiciar condição
para improvisação e criação musical; relacionar som, voz, corpo e movimento nas atividades
musicais; promover através de atividades cooperativas, a integração da criança em grupo”, (Ibid, p.
23). Para além da expressão musical e teatral, este ateliê tem-se evidenciado como um ambiente em
que representações sociais se fazem presentes. Muito mais que dramatização, esse cenário traz a
tona, por meio da fala dos alunos que dele participam, discussões e reflexões sobre os mais
variados temas, onde a mediação, os diálogos e o desenvolvimento se concretizam. Essa afirmativa
pode ser constatada no fragmento abaixo retirado de uma das aulas, evidenciando que os alunos
não são sujeitos passivos, meros expectadores executando o solicitado.
“por que eu não posso beijar ele de verdade” (fala de um aluno durante uma encenação)
“por que isso é uma péça de teatro! É faz de conta!” (fala da acadêmica que atua no ateliê)
“no teatro de verdade os atores beijam mesmo sendo faz de conta! [...]”(fala de um aluno
durante uma encenação)
O ateliê Atividade Motora tem por objetivo a educação, a reeducação motora e psicomotora,
expressão corporal e coordenação motora geral e especial, os quais são contemplados em
atividades, que variam ano a ano, tais como: jogos recreativos e atividades rítmicas, natação, dentre
outros. Nesse ateliê, um dos resultados a ser destacado refere-se ao resgate, por parte dos alunos,
do seu potencial. A timidez, o medo da derrota, da cobrança, foram aos poucos amenizados.
Atualmente nossos alunos, principalmente os com condutas típicas, ousam participar de eventos de
natação, que envolvem a comunidade externa e acadêmica, sem diferenciação, ou seja, nas mesmas
modalidades, sem distinções.
O ateliê de informática visa explorar potencialidades da informática como recurso no processo de
ensino-aprendizagem, bem como promover a inclusão digital e socializar o conhecimento
informatizado junto às pessoas com necessidades especiais. O trabalho é sistematizado por meio do
uso de recursos computacionais, pautando-se na introdução ao conhecimento do hardware e
noções básicas do sistema operacional Windows. Com base em assuntos, temas, fatos, interesses,
específicos de cada aluno, durante a realização desse ateliê, vários textos poesias, imagens, foram
criados e elaborados. A partir dessas produções, os acadêmicos que atuam no ateliê, encaminham
as propostas metodológicas buscando minimizar as lacunas estabelecidas no processo de aquisição
de conhecimentos, partindo do produzido pelos alunos e de temas e/ou assuntos que de fato lhes
sejam significativos.
O desenvolvimento da organização e enriquecimento da linguagem receptiva e expressiva, por meio
de narração, reprodução e criação de histórias é realizado no Ateliê de letramento. Neste ateliê
prioriza-se o trabalho com diferentes linguagens, oportunizando formas diferenciadas de diálogos.
Para respaldar o processo de ensino e aprendizagem de conhecimentos científicos, os acadêmicos
fazem uso de recursos visuais e auditivos para intervir e melhorar a memória imediata e memória
recente apresentada pela maioria de nossos alunos com necessidades especiais. Como resultados
das intervenções, inúmeras produções textuais já se fizeram presentes, podendo ser citado o
entendimento de que a escrita tem uma função social. Atualmente os alunos solicitam aos
acadêmicos, de acordo com suas necessidades, respaldo para escrita de cartas, para amigos,
paqueras; cartões de aniversário; anotações de ingredientes para fazerem alguma receita em casa
com os pais, etc.
No ateliê de jogos matemáticos as atividades estão organizadas de modo a desenvolver conteúdos
que favoreçam a construção de noções lógico matemáticas, uma vez que o processo cognitivo
propicia não só a construção do conceito de número, como também, a construção de esquemas
mentais que permitem assimilar melhor todo processo de ensino aprendizagem, bem como a
resolução de problemas. Como exemplificação de resultados obtidos, citamos a presença de um
dos pais dos alunos do projeto relatando os avanços evidenciados no filho após seu ingresso no
ateliê. Além de melhorar as notas na escola regular, o mesmo recuperou sua auto estima, tornou-se
mais questionador e passou a expor seus pensamentos e opiniões diante de situações que se sentia
incomodado.
Mediante o exposto é possível afirmar que as ações que mobilizam o fazer educativo do presente
projeto parte do pressuposto de que o homem deve ser valorizado na sua essência. Essa afirmação
é sustentada pela premissa de que todo desenvolvimento técnico-científico deve voltar-se para o
benefício do homem, por considerá-lo um ser social. Suas incapacidades ou defeitos, originados
pelos diferentes fatores, devem ser tratados como questões sociais, conforme o pensamento de
Vygotsky (1989).
Como é possível perceber a organização do trabalho pedagógico por meio de ateliês, é
estabelecida a partir de uma perspectiva interdisciplinar, nos quais a linguagem, em suas diferentes
modalidades (gráfica, musical, plástica, matemática, corporal) se constitui em um instrumento
mediador para a apropriação de conhecimento.
A linguagem, nesse prisma, segundo Vygotsky (1984), ocupa lugar central na caracterização dos
elementos constitutivos do comportamento humano, sendo a ela atribuído papel significativo na
emergência e desenvolvimento das funções psicológicas. Tal pensamento é reforçado por Palangana
(2000, p.28-29), a qual afirma que
A linguagem encerra em si o saber, os valores, as normas de conduta, as
experiências organizadas pelos antepassados, por isso participa diretamente
do psiquismo desde o nascimento (...) Quando a criança, pela intervenção
das pessoas, toma para si significados socialmente construídos, junto com
eles incorpora e desenvolve uma qualidade de percepção, memória e
atenção, raciocínio e abstração, dentre tantas outras capacidades presentes
no mundo moderno.
Essa capacidade citada acima, é respaldada por Vygotsky (1989) em relação às pessoas com
deficiências, pontuando que as mesmas não são menos desenvolvidas que aquelas consideradas
normais, apenas se desenvolvem de outra maneira. Para tal, é necessário buscar recursos,
estratégias, métodos e procedimentos que favoreçam o seu desenvolvimento, para subsidiar
mediações no que tange aos aspectos de desenvolvimento de atitudes, valores e do aprimoramento
das capacidades intelectivas.
Considerações
Com os princípios do movimento da inclusão social e escolar das pessoas com necessidades
especiais incorporados no cotidiano da sociedade atual, por meio da implementação de políticas
públicas que contemplem cada vez mais o atendimento desses indivíduos, a realização do presente
projeto, representa, até certo ponto, atitude coesa, no sentido que oportuniza aos seus participantes
o acesso aos conhecimentos que fundamentam a área da educação especial e inclusiva, pouco
contemplada nos currículos dos cursos de nível superior, embora nos debates acadêmicos essa
temática tenha sido alvo de significativos estudos e pesquisas.
Vygotsky, em sua obra, dedica atenção especial à investigação da educação e desenvolvimento das
pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. Acredita no potencial desses indivíduos e
defende a possibilidade de se desenvolverem como cidadãos. Defende o princípio pelo qual a
educação dessas crianças não deve diferenciar-se da educação das crianças normais. A inserção na
cultura e participação com seus pares ajuda-as no desenvolvimento e organização do pensamento,
da linguagem, da memória, da atenção e da percepção. Afirma que os impedimentos para o
desenvolvimento das pessoas deficientes são as restrições sociais. A exclusão do meio social,
cultural e produtivo pode sim prejudicar seu processo de aprendizagem. Assim, acredita o autor que
a cultura e a mediação são fatores importantes para o desenvolvimento e aprendizagem do ser
humano.
Fundamentado em tais pressupostos o projeto tem desenvolvido, nos diferentes ateliês, um trabalho voltado
para a valorização do potencial de cada um, independentemente do nível de desenvolvimento que o
aluno se encontre, evidenciando-se como espaço alternativo, bem como ambiente propício para
superação de dificuldades. Esses procedimentos têm resultado além do aprimoramento das
capacidades das pessoas que o freqüentam, importantes produções científicas, publicadas em
eventos internos e externos, das distintas áreas do conhecimento, contribuindo assim, para a
formação dos futuros profissionais.
Referências Bibliográficas
KHOL DE OLIVEIRA, M. VYGOTSKY . Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1995.
PALANGANA, I. C. A função da linguagem na formação da consciência: reflexões. Cadernos
Cedes. Campinas, v.35, p. 19-35, jul., 2000.
UEM_UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ- PEC-DTP- Projeto de Extensão:
Atividades Alternativas para Pessoas com Necessidades Especiais, processo no. 00434/95,
vol.1.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VYGOTSKY, L. S. La imaginación y el arte en la infancia. Madri, Ediciones Akal, .A.,2003.
VYGOTSKY, L. S. Obras Escogidas.Madrid: Visor Libros, Volume II, 1995.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São paulo: martins fontes, 1998.
VYGOTSKY, L. S. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
VYGOTSKY, L. S. Psicologia Pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2001.
VYGOTSKY, L.S. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
VYGOTSKY, L.S. Fundamentos de Defectologia. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1989.