http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/064.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
PERCEPÇÃO DE ESTAGIÁRIOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA COM RESPEITO A SUA
FORMAÇÃO NA ÁREA DE ATIVIDADE MOTORA ADAPTADA
Andréa Carla Paura UNESP Marília
Débora Deliberato UNESP Marília
RESUMO
A formação do educador para atuar na escola inclusiva exige mudanças no ensino,
revisão dos programas de formação inicial e continuada destes profissionais. Neste
contexto, a literatura tem demonstrado a necessidade de capacitação para o professor
que atua com alunos com deficiência. O objetivo deste trabalho foi analisar a
percepção de estagiários de Educação Física com respeito à sua formação no
contexto da Educação Especial. Participaram deste estudo cinco estagiários de um
curso de Educação Física. A coleta de dados ocorreu por meio de um roteiro de
entrevista semi-estruturada com 30 questões. Após análise qualitativa dos conteúdos
das falas, foi possível estabelecer dois temas com seus respectivos subtemas:
Formação do professor em Educação Física no contexto da Educação Especial -
Inclusão e o Aluno com deficiência. Quanto à percepção da formação por estes
estagiários foi possível identificar que a parte teórica da disciplina de Atividade Motora
Adaptada foi considerada superficial. No tema percepção das características do aluno
deficiente pelos estagiários, foi possível identificar que os estagiários perceberam
com maior facilidade as habilidades e dificuldades relacionadas aos aspectos
motores em relação aos aspectos cognitivos e de comunicação. Os estagiários
relataram a necessidade de capacitação, adaptação de recursos e estratégias para
trabalhar com alunos com deficiência.
Palavras-chave: educação especial. capacitação de professores. inclusão. educação
física adaptada.
1 Introdução
As atribuições ao fenômeno da deficiência podem ser diferentes de individuo
para individuo, de grupo para grupo e de cultura para cultura em função da
sobreposição das diferentes matrizes (pessoal, social e cultural) que definirão
conseqüentemente concepções diferenciadas. Nossos primeiros contatos com a
deficiência ocorrem em geral, em situações interpessoais, ou através de certos
discursos verbais, ou mediante a interação direta com indivíduos rotulados como
portadores desta condição. A partir destas experiências cada individuo constrói suas
próprias concepções do fenômeno, partindo de informações particulares, ou ainda, de
informações compartilhadas por grupos sociais ou mesmo pelo aspecto cultural mais
amplo, no qual ele está inserido (MENDES, 1995).
Nas últimas décadas tem havido na área da educação especial no Brasil, uma
evolução no que diz respeito ao estudo das atribuições, das percepções e
concepções sobre a condição de deficiência e das pessoas com deficiência. Essa
evolução ocorreu à medida que a deficiência deixou de ser vista como um atributo das
pessoas e passou a ser analisada também sob a perspectiva social e cultural
(MANZINI; SIMÃO, 1993). As concepções envolveriam, portanto um repertório ou
conjunto de conhecimentos adquiridos no decorrer da história da vida das pessoas.
Nos últimos tempos foi possível perceber buscas por parte de todos quanto à
melhora na qualidade de vida e uma reivindicação pela igualdade de direitos e de
oportunidades de acesso a todas as pessoas. Para assegurar um tratamento mais
digno e desenvolver programas mais eficaz de inserção da pessoa com deficiência na
sociedade é preciso entender o significado ou as representações que as pessoas têm
sobre o deficiente, e como esse significado determina o tipo de relação que se
estabelece com ele (GLAT, 1995).
O professor de Educação Física apresenta um papel importante enquanto
profissional atuante nos desafios e práticas pedagógicas inclusivas no sistema
educacional brasileiro. Autores como Pedrinelli (1994), Bueno e Resa (1995), Duarte e
Werner (1995) concordaram a respeito da importância da Educação Física para o
aluno com deficiência com relação à compreensão de suas limitações e capacidades,
auxiliando-o na busca de uma melhor adaptação. Estes autores ressaltaram a
importância do conhecimento pelo professor de Educação Física sobre a patologia do
seu aluno, dos aspectos cognitivos, motores, sensoriais, interacionais e afetivos, a fim
de adequar metodologias de ensino para o atendimento às características de cada
aluno, respeitando suas diferenças individuais. Neste contexto, considerando o papel
do educador físico neste processo, este estudo teve como objetivo analisar a
percepção de estagiários de Educação Física com relação à sua formação na área de
Educação Especial após as atividades de estágio na área. Com o intuito de orientar o
leitor, neste trabalho adotaremos o termo aluno para nos referirmos às crianças,
adolescentes e jovens das salas especiais e o termo estagiário para nos referirmos
aos alunos do curso de Educação Física.
2 Material e Método
Participaram deste estudo cinco alunos de um curso de Educação Física do
interior do Estado de São Paulo, após realizarem a disciplina teórica “Atividade
Motora Adaptada” e o estágio curricular obrigatório de 40h em sala especial para
deficientes físicos.
O quadro a seguir descreve a caracterização dos participantes quanto à idade,
o gênero, e a formação.
Quadro 1 Caracterização dos Participantes
P
|
Idade
|
Gênero
|
Período
do estágio
|
Realizou cursos na
área de Educação
Especial
|
Iniciou outros cursos e parou? Se
sim, qual?
|
S1
|
21
|
Masc
|
Tarde
|
Não
|
Sim. Engenharia de Produção
Mecânica
|
S2
|
22
|
Masc
|
Manhã
|
Não
|
Não
|
S3
|
38
|
Fem
|
Tarde
|
Não
|
Sim. Psicologia
|
S4
|
23
|
Fem
|
Manhã
|
Não
|
Não
|
S5
|
33
|
Masc
|
Manhã
|
Não
|
Sim. Tradutor/ Intérprete e Biologia
|
A coleta de dados ocorreu em sessões únicas e individuais por meio de um
roteiro de entrevista semi-estruturada com 30 questões. Este roteiro foi apresentado a
juízes. O sistema de registro foi realizado por meio de gravação de áudio em fitas k7 e,
posteriormente, as entrevistas foram transcritas seguindo as normas de Marcuschi
(1986). As informações verbais identificadas foram transformadas em eixos temáticos
(MANZINI, 2004; OLIVEIRA, 2003). As categorias de análise se definiram por um
conjunto, um grupo ou uma divisão que apresentou características semelhantes, mas
que se distinguiam pela natureza. Bardin (1977) afirmou que as categorias devem ser
construídas de tal maneira que um mesmo elemento não deve ser classificado em
duas ou mais categorias. Por esta razão, a fim de obtermos maior abrangência e
flexibilidade de análise do conteúdo, este trabalho considerou as categorias em dois
temas e subtemas.
3 Resultados e Discussão
Após a análise das transcrições foi possível verificar:
Temas
|
Subtemas
|
1. Formação no Contexto da Educação Especial
|
1.1.Avaliação
|
1.2.Expectativa
|
2. Aluno com necessidades educacionais especiais
|
2.1.Características
|
2.2. Identificação de habilidades
|
2.3. Adaptações e recursos
|
A seguir, são apresentadas a análise dos temas e subtemas.
3.1 Formação no contexto da Educação Especial
Este tema apresenta relatos dos estagiários com respeito à percepção que
tiveram sobre o conteúdo da disciplina teórica e o estágio.
3.1.1 Subtema Avaliação
Os relatos dos estagiários mostraram conteúdos sobre avaliação da disciplina
teórica e o estágio, dificuldades que os estagiários tiveram em relacionar as
informações teóricas com a prática proporcionada no estágio com deficientes físicos.
Consideraram a importância da disciplina em sua formação, acreditam que a
disciplina é superficial e poderia proporcionar mais relações teórico-práticas.
Relataram acreditar na necessidade de mudanças de valores e estruturas curriculares.
S1: “Acho que foi legal assim. Mas só que foi pouco tempo, então não dá pra
você aprender muito, você pega, mas superficialmente”.
S3: Eu acho que como Educadora Física, a gente ainda deixa a desejar. Mas
eu acho que tem ser uma mudança feita em um todo, uma questão de grade
curricular, de... acho que é uma mentalidade que precisa ser mudada.”
S2: “ a gente não tinha muita atividade para dar para eles porque fugiu no
caso da sala, na faculdade não teve nada haver. Então pegou a gente meio
que desprevenido”
S5: “Eu achei que foi muito bom” “aproveitei bastante, foi bom para mim, por
essa mudança de paradigmas, é... no final das contas dos três estágios
talvez foi o que eu tenha aproveitado melhor. No treinamento esportivo eu
aproveitei bastante, mas eu já gostava, então não tive que mudar minhas
idéias, não foi uma coisa tão nova, adaptada foi bem novo. Tudo Novo.”
Para Mizukami et al, 2002, as mudanças que os professores precisam realizar
de forma a contemplar novas exigências sociais e de políticas públicas vão além do
aprender novas técnicas, implicando revisões conceituais do processo educacional e
instrucional e da própria prática. Lopes e Valdes (2003) realizaram um estudo para
delinear um programa de formação de professores de Educação Física que atuam
com alunos com necessidades educacionais especiais - deficiência auditiva- do
ensino fundamental da rede pública, com o intuito de ampliar os conhecimentos acerca
da Educação Física Adaptada. Para isso utilizaram observação das práticas
pedagógicas do professor e condições de trabalho e entrevista com os professores
com o objetivo de detectar o nível de conhecimento para o trabalho com alunos com
necessidades educacionais especiais. Como resultados, verificaram a falta de
preparação dos professores para o exercício da profissão, condições físicas e
matérias insuficientes para o desenvolvimento do processo ensino - aprendizagem e a
falta de políticas públicas consistentes para o desenvolvimento da Educação Especial.
3.1.2 Subtema Expectativa
Quanto à expectativa sobre a prática com o aluno, os estagiários relataram
sentimentos de pensar que seria fácil ou difícil: referiram sentir curiosidade, medo,
preconceito e falta de interesse pela área.
S1: “Quando eu entrei lá eu achei que ia ser muito difícil assim mais no
decorrer do trabalho eu achei legal porque eu me adaptei bem, as crianças
são muito receptivas assim então dá pra desenvolver um trabalho legal.”
S2: “Eu achei que era mais fácil pelo conteúdo que eu tive na faculdade, eu
achei que eu ia chegar lá, eu ia conseguir dar uma atividade física, né então
foi totalmente diferente. Fiquei meia limitada assim passar uma atividade
física assim, ...”
3.2 Aluno com necessidades educacionais especiais.
Este tema aborda relatos dos estagiários no que diz respeito a sua percepção
sobre o aluno com deficiência suas características, identificação de habilidades e
dificuldades e adaptações de estratégias e recursos.
3.2.1 Subtema Características.
Este subtema descreveu a percepção dos estagiários com relação aos
aspectos físicos e comportamentais dos alunos. A seguir alguns relatos:
S1: “Porque eu não sei de manhã, mas à tarde as crianças são muito assim
como eu posso te dizer debilitadas, entendeu? A maioria é cadeirante e não
consegue nem falar nem ler, é mais ou menos por isso aí “
Para Omote (1994) algumas diferenças se destacam porque qualquer
um pode
prontamente descrevê-las verbalmente e conferir-lhes significações consagradas,
enquanto outras se destacam pela própria singularidade e infamiliaridade. Enfocando
a deficiência física como objeto de estudo, pudemos observar algumas características
que a distinguem da deficiência mental. Em termos perceptivos a deficiência física é
claramente observada. Para Manzini e Simão (1993) a percepção da deficiência física
é mais imediata, não sendo necessário um maior conhecimento sobre a pessoa.
Outra percepção identificada no relato de um dos entrevistados foi com relação à
associação de mais de uma deficiência, no caso em questão, a deficiência mental e a
limitação que esta ocasiona ao aprendizado.
S5: “... é deficiente físico as pessoas tem., pelo menos eu imagino que elas
tem maior consciência do que esta acontecendo, muitas tinham uma vida
normal antes e vieram a ficar deficientes por algum acidente ou alguma coisa
assim, é eu preferiria trabalhar com deficientes só físicos, chegando lá eles
tinham um retardo mental também e conhecendo cada um quebrou uma série
de barreiras minhas assim, é hoje eu encaro de uma maneira totalmente
diferente “
Mello (1999) com o objetivo de conhecer “o que” e “como”
pessoas que fazem
parte de uma comunidade escolar pensam acerca da classe especial para deficientes
físicos e da deficiência física, percebeu que alguns participantes, ao tentarem elaborar
uma concepção sobre deficiência física, destacam como favorável o aspecto
intelectual. Parecem acreditar que são pessoas que, mesmo com limitações físicas,
são inteligentes, ou seja, não associam ao deficiente físico uma deficiência mental.
Para estes estagiários parece chamar mais a atenção o aspecto físico, ou seja,
as limitações que o comprometimento físico traz, uma vez que estes profissionais
parecem ser formados para atingir o melhor desempenho que o corpo possa atingir
nas atividades físicas. Na atividade motora adaptada trabalha-se com o mínimo de
desempenho conseguido de acordo com a habilidade específica de cada indivíduo.
Como pode ser concluído por um estagiário:
S5: “então assim a área de adaptada você trabalha justamente com o
contrário, a pessoa tem inúmeras limitações e você trabalha com ela da
maneira que for possível.”
3.2.2 Subtema Identificação de Habilidades
Neste subtema foram selecionados relatos que demonstraram a identificação
de habilidades e dificuldades gerais, principalmente quando estas estavam
relacionadas ao aspecto motor do aluno.
S2: “Ah eu acho que na realidade todos participam dentro daquilo que podem
fazer né “ “...né a gente que assim adequar o limites deles as limitações que
eles tem as deficiências saber procurar pesquisar no caso né a deficiência de
cada um a limitação ...”
Para a elaboração de um plano de aula de Educação Física, devemos ter como
objetivo propiciar o desenvolvimento motor físico do aluno, o desenvolvimento de
padrões fundamentais de movimento e a aquisição de habilidades específicas,
fazendo-se necessário identificar as necessidades e capacidades de cada aluno. As
atividades motoras devem ser desenvolvidas através de grau e complexidade
crescente (LOPES; VALDES; 2003). Compreender a necessidade ou o potencial de
um indivíduo é algo bastante complexo, contudo, independentemente da origem da
natureza das dificuldades, as pessoas com necessidades educacionais especiais
precisam de atenção diferenciada, suas particularidades precisam ser levadas em
conta, pois reconhecer a extensão de seu potencial e de sua limitação é criar a
oportunidade de se estabelecer programas educacionais que realmente atinjam suas
reais necessidades (BUENO, 1999; OMOTE, 2001)
3.2.3 Subtema Adaptações e Recursos.
Neste subtema foram abordados os relatos que mostraram a necessidade de
adaptação de estratégias e recursos no trabalho com os alunos com necessidades
especiais.
S4:” Por exemplo, você pode dar um vôlei, um futebol pra eles, mas tem
alunos que
conseguem chutar a bola, outros não. Então para os alunos que não
conseguem chutar a bola, você dá a bola para ele arremessar com a mão.
Então na verdade seria um futebol misturado com handball, mas você tem que
adaptar para cada aluno “
S5: “Uma coisa bacana era que assim a gente tenta sempre mudar pra
motivar, né. E pra eles essa necessidade de mudança não é tão grande,
principalmente por causa das limitações, então qualquer atividade assim por
mais simples que ela fosse eles gostavam e às vezes eu ficava meio com
receio deles não terem gostado, mas a própria reação deles durante o jogo ou
o exercício já me motivava. Nunca aconteceu deles não gostarem. Talvez por
esta carência que eles tem de fazer alguma coisa diferente, de quebrar o
cotidiano da classe , né é talvez isso já fosse motivação suficiente pra eles.
Então eles sempre gostavam da atividade. Só que é lógico, a gente tem que
é...,.não pode se acomodar perante este fato. Tentar mudar. Sempre tentar
trazer alguma coisa nova. Por mais igual que essa coisa nova possa parecer”
O ritmo e a repetição das atividades foram relatados por um dos estagiários,
como uma das preocupações iniciais quando propunha atividades aos alunos. Em sua
formação, relatou que a redundância de atividades não era fator motivacional nos
treinamentos em academias e clubes. Já na atividade motora adaptada a atividade
pode e em alguns momentos precisa ser repetida, por motivo das diversas
dificuldades dos alunos.
4 Considerações Finais
O profissional de Educação Física tem percebido a importância da capacitação
para trabalhar no contexto da Educação Especial. Este profissional tende a identificar
com mais facilidade as habilidades e dificuldades relacionadas aos aspectos motores,
e menos com relação aos aspectos cognitivos e de comunicação, provavelmente
devido a sua formação. A experiência prática na formação profissional é importante à
medida que desmonta concepções e expectativas equivocadas e possibilita a
construção de novas concepções sobre o trabalho na educação especial.
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