http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/067.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2



QUALIFICAÇÃO E INTERVENÇÃO PROFISSIONAL EM CONTEXTOS EDUCACIONAIS INCLUSIVOS: PERCEPÇÃO DE PROFESSORES


Lucieli Kossemba da Silva
Luciana de Camargo Schroeder
Ianik Lemischka
Gilmar de Carvalho Cruz
Universidade Estadual do Centro-Oeste/Campus Irati



RESUMO


O objetivo desse trabalho foi investigar a percepção de professoras responsáveis pela disciplina Educação Física sobre a atuação em contexto educacional inclusivo e sobre a qualificação profissional para a intervenção pedagógica nesse contexto. Este estudo, caracteriza-se como uma pesquisa de campo apoiada metodologicamente no grupo de focalização, que permite o debate sobre a intervenção dos professores em contexto educacional inclusivo, promovendo a troca de experiências e a busca de  soluções para as dificuldades encontradas. Os resultados apontam para uma grande insatisfação em relação a suas qualificações profissionais para atuação em contexto inclusivo, que consequentemente gera desconforto em suas intervenções. A superação dessa situação passa pelo constante investimento na formação profissional, com o intuito de aliar uma teoria rica em experiências a práticas de qualidade, fornecendo assim, subsídios para que haja uma efetiva intervenção profissional.



INTRODUÇÃO


Nos últimos anos, novas idéias e ações vêm sendo direcionadas para a melhoria da Educação. Em especial percebe-se a preocupação com a educação escolarizada de pessoas que apresentam necessidades especiais. Afinal, é chegado o tempo de inclusão destas pessoas em escolas e salas de aula regulares. O foco de análise desta pesquisa consiste em professoras responsáveis pela disciplina Educação Física. Observa-se como peculiaridade no sistema municipal de ensino do município de Irati a presença de professoras formadas em outras áreas – denominadas professoras de hora-atividade – que ministram aulas de Educação Física em séries iniciais. Essas professoras, que atuam em ambiente educacional inclusivo podem ter, ou não, a presença de alunos com necessidades especiais em suas turmas regulares.


É comum perceber que muitos dos professores que atuam nesse tipo de ambiente, vários dos quais têm experiência e são dedicados, expressam sentimentos de frustração e culpa quanto à sua atuação, freqüentemente admitindo não estarem preparados adequadamente ou reconhecendo a falta de conhecimento (REID, 2000). Partindo do pressuposto da tendência que os professores entrem em contato com pessoas que apresentam necessidades especiais no ensino regular, é valido pensar em questões como: Qual a percepção desses professores sobre a intervenção pedagógica em contexto educacional inclusivo? O que pensam a respeito da qualificação profissional para o desenvolvimento de conteúdos de Educação Física junto a alunos com necessidades especiais inseridos em contextos inclusivos?


A análise dos múltiplos aspectos que constituem o processo educativo de uma criança com necessidades especiais depende, entre outras coisas, de uma análise detalhada e prioritária da percepção dos professores sobre a sua qualificação para estar atuando neste contexto. Reforça-se assim, a necessidade de debates entre professores para que haja uma troca de experiências, buscando uma maior compreensão que possibilite encontrar meios para solucionar os problemas enfrentados pelos mesmos. Neste sentido os objetivos da presente pesquisa foram investigar a percepção de professoras responsáveis pela disciplina Educação Física sobre sua atuação em contexto educacional inclusivo e sobre a qualificação profissional para a intervenção pedagógica nesse contexto.


MÉTODO


Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva qualitativa, apoiada em um grupo de focalização, que se efetivou por intermédio de um grupo de estudos/trabalho, onde professoras da  rede municipal de ensino de Irati-PR, responsáveis pela disciplina Educação Física, trabalhando, ou não, com pessoas que apresentam necessidades especiais, debateram o assunto proposto, trocaram experiências e apontaram propostas de encaminhamento para as situações vivenciadas no cotidiano escolar. Participaram da pesquisa 10 professoras responsáveis pela disciplina Educação Física, isto é, que não são necessariamente formadas em Educação Física, podendo, portanto, apresentar formação em outras áreas ou em nível de Ensino Médio (Magistério), que atuam na rede municipal de ensino de Irati, trabalhando, ou não, com pessoas que apresentam necessidades especiais. Não foram todas as professoras que ministram aulas de Educação Física na rede municipal de Irati que participaram desse estudo, apenas aquelas que voluntariamente se propuseram a dele tomar parte. Neste estudo só foram pesquisadas professoras do sexo feminino, pois o município não possui professores do sexo masculino ministrando aulas de Educação Física na rede municipal.


No decorrer de cada encontro foi feita a coleta de dados por intermédio de entrevistas coletivas abertas. Cruz e Ribeiro (2003, p.19) definem a utilização da técnica de entrevista sendo entendida como “uma conversa orientada para um fim especifico, ou seja, recolher dados e informações”, e como se portar durante a entrevista: “diante do entrevistado, estabeleça uma relação amistosa e não trave um debate de idéias; ao contrário procure encorajar o entrevistado para as respostas e deixe que as questões surjam naturalmente, evitando que a entrevista se torne um questionário oral”. Foram realizadas mensalmente reuniões sistemáticas, sendo lançado um tema disparador, e a partir desse tema as professoras debateram e trocaram experiências. A  coleta de dados foi efetivada por intermédio de entrevistas coletivas abertas, registradas em fita cassete.


Primeiramente foi procurada a Secretaria Municipal de Educação do município de Irati-PR, com o intuito de pedir autorização para realização do projeto. Depois de autorizado o projeto, foram convidadas todas as professoras da rede municipal de ensino para um encontro, no qual se explicou todos os procedimentos da pesquisa e efetuou-se o convite para suas participações voluntárias na pesquisa. Os encontros realizados não produziram danos físicos e nem morais aos participantes, e foi mantido sigilo absoluto sobre as suas identidades, com a utilização de letras e números (P1, P2, P3, etc.) para efeito de apresentações dos resultados.


APRESENTAÇÃO DOS DADOS E DISCUSSÃO


Em 2006 foram realizados três encontros com as professoras de aproximadamente 4 horas cada um, em 2007 foram realizados mais três encontros de aproximadamente 4 horas cada, totalizando seis encontros. Desses seis encontros, três foram gravados em fitas cassete, sendo um total de 12 horas de gravação. Foi feita ainda uma fotografia do grupo, com informações relacionadas ao tempo de atuação, a formação profissional, a responsabilidade por ministrar aulas de Educação Física e a intervenção com pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. Depois de transcritos  os dados, os mesmos foram  analisados  “a partir do extrato individualizado das falas de cada  participante, sem perder de vista os contextos nos quais elas ocorreram. Esse procedimento foi definido como radiografia do grupo” (CRUZ & FERREIRA, 2005).

Fotografia do Grupo


A idéia de  fotografia do grupo, diz respeito a  informações relacionadas ao tempo de atuação, a formação profissional, a responsabilidade por ministrar aulas de Educação Física e a intervenção com pessoas que apresentam algum tipo de deficiência (Quadro 1). “Essas informações permitem situar o grupo, na figura de cada um de seus integrantes, a partir do ponto de apoio acadêmico e profissional no qual cada um se encontrava por ocasião da realização do estudo” (CRUZ, 2005, p. 93).


Quadro 1 Fotografia do Grupo

 
Idade
Tempo de
  atuação
Formação
Formação
Específica1
Ministra aulas
de Edu. Física
Experiência2
P1
28
9 anos
Pedagogia
Sim
Não
Sim
P2
48
18 anos
Pedagogia
Sim
Sim
Não
P3
29
6 anos
Ed. Física
Sim
Sim
Sim
P4
30
9 anos
Pedagogia
Não
Não
Sim
P5
33
10 anos
Ciências
Sim
Sim
Não
P6
20
3 meses
Magistério
Não
Sim
Não
P7
20
     2 anos
Magistério
Não
Sim
Não
P8
49
6 anos
Magistério
Não
Sim
Sim
P9
37
6 anos
Magistério
Não
Sim
Sim
P10
40
16 anos
Magistério
Não
Sim
Não



Do ponto de vista da fotografia do grupo é possível perceber o intervalo de quase 30 anos entre as participantes de maior e menor idade, o que nos leva ao maior e menor tempo de atuação, que conseqüentemente nos permite visualizar uma contradição interessante. Era de se esperar que as professoras de maior idade se mostrassem menos inseguras quanto a sua intervenção devido à experiência profissional, e as de menor idade se mostrassem mais seguras devido a uma formação recente, mais envolvida com a questão da inclusão. Mas nenhuma das duas situações acontece, todas demonstram insegurança em suas intervenções profissionais. Interessante constatar também que a metade das participantes tem ou teve alguma experiência com alunos com necessidades especiais e a outra  metade não, e nem por isso deixaram de trocar experiências e buscar estratégias pensando em uma intervenção futura.




_________________________________________

1 Em nível de pós - graduação

2 Com alunos que apresentam necessidades especiais
Radiografia do Grupo


Radiografar o Grupo significa vê-lo por dentro” (CRUZ & FERREIRA, 2005). A partir dessa colocação a radiografia do grupo tem por finalidade localizar as reflexões dos participantes desse grupo, por intermédio de entrevistas abertas, temas disparadores que foram coletados no decorrer de cada encontro. Esse tipo de entrevista nos leva a opiniões inesperadas, distintas sobre cada assunto discutido. Os temas disparadores foram: inclusão de alunos com necessidades especiais nas escolas regulares e a percepção sobre a qualificação profissional em contexto educacional inclusivo.


Foram realizados no total seis encontros e em todos eles os temas disparadores deram início as discussões. Os comentários feitos pelas participantes foram coletados durante os três últimos encontros por intermédio de gravador de voz, sendo considerado para efeito de análise o extrato individualizado das falas de cada participante, ocorrendo na maioria das vezes o compartilhamento dos mesmos comentários. Segue abaixo cada um dos temas abordados e comentários relevantes dos participantes da pesquisa.


O primeiro tema discutido foi a inclusão de alunos com necessidades especiais nas escolas regulares. Todas as participantes concordam com o inclusão, sendo necessário o apoio profissional de outras áreas dentro da escola. As falas a seguir ilustram essa afirmação:


P2: “Eu acredito assim, que a inclusão ela tem que ocorrer, mas o professor, ele precisa de um apoio...na escola especial, o aluno tem o seu professor e o auxílio de todos os profissionais que ali estão, e na escola regular não, o aluno tem apenas o professor pra resolver tudo, é complicado.”


P5: “Eu concordo com a inclusão, mas uma inclusão bem pensada, não é só incluir o aluno ali, sem o apoio de outros profissionais...eu concordo com a inclusão, mas se o aluno só está ali para ler e escrever, eu acho que não está valendo.”


P8: “O apoio faz muita falta, porque a gente tenta, é óbvio, mas tentativas, quanto tempo perdido da criança.”


Essas falas permitem constatar que as professoras estão cientes do papel que representam neste cenário mas não conseguem desempenhá-lo pela falta de apoio da escola, pois “cabe à escola transpor os obstáculos que se interpõem entre o aluno e o ensino” (CARVALHO, 2001, p. 14).


O outro tema a ser discutido foi a percepção sobre a qualificação profissional para atuar em contexto educacional inclusivo. Todas as participantes compartilham a idéia de que saíram de suas formações despreparadas para atuar neste contexto. As professoras P1, P3 e P10 reforçam essa idéia dizendo:


P1: “Tive uma experiência com a inclusão de um aluno em minha sala... não estava preparada, corri atrás, ninguém foi lá me ajudar, fiz cursos, mas foi bastante complicado, pois não estava nem um pouco preparada.”


P3: “A inclusão está todo tempo sendo discutida e no entanto as professoras estão saindo das instituições sem preparo, sem conhecer o que é uma deficiência. Então é lógico que você tem uma rejeição, tem medo...não é simplesmente pegar o aluno e colocar dentro de uma sala de aula e falar se vire, para o professor isso é um massacre, pro aluno, para os colegas, pra tudo.”



P10: “Que professor está sendo formado? Pois a maioria se sente incapaz e não sabe lidar com o problema, deixando-o muitas vezes de lado.”


A partir desses comentários podemos notar algumas críticas dessas professoras em relação a suas qualificações, particularmente no que diz respeito ao estágio supervisionado. Foram apontadas as possíveis falhas durante a formação profissional:


                        P6: “Essa questão de estágio é muito complicada, é pouco tempo.”


                        P5: “Eu acho a carga horária de estágio muito importante.”


                        P7: “Sem o estágio você se prepara sem saber com quem vai trabalhar.”


Elas indicam a falta de estágio ou a pouca carga horária de estágio que as instituições oferecem, como sendo o fator principal a esse despreparo, mas também determinam o professor realizando um papel não colaborador neste cenário:


P9: “Além de todo esse problema da qualificação, eu vejo assim, muita falta de conscientização dos professores em relação ao trabalho com esses alunos, porque é uma coisa difícil, e quando a coisa é difícil tem que ter uma motivação maior em cima disso pra poder superar...pois não adianta saber, estudar, falar sobre o problema e não fazer nada para aquilo melhorar.” 


P4: “Muitos professores não se abrem pra discutir sobre a inclusão...o aluno já é rotulado incapacitado e não tem essa abertura para se trabalhar...só de você saber que um aluno vai ser incluso dá aquele alvoroço,  porque é problema. Mas esse professor precisa abrir a cabeça, correr atrás, aceitar, procurar...”


Segundo MANTOAN apud CARVALHO (2001, p. 13), “a adesão à inclusão, como uma probabilidade que se abre para o aperfeiçoamento da educação escolar e para o benefício de alunos com deficiência, depende também de uma disponibilidade interna, que não é comum a todos os professores.” Ao se perceberem como integrantes de um sistema de ensino definido pela Secretaria Municipal de Educação e, deste modo, assumindo a condição de contribuintes para que a superação, ou não, dessa situação ocorra, as professoras demonstram bastante consciência e discernimento podendo criar expectativas que as levem a aulas de melhor qualidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Buscou-se com essa pesquisa, analisar as percepções de professores em relação a qualificação  profissional e intervenção pedagógica para atuar em contexto educacional inclusivo. A  respeito disso as professoras participantes da pesquisa se mostraram bastante insatisfeitas quanto a suas qualificações, se denominando despreparadas para a realização de suas intervenções nesse contexto.


Com base nessas considerações pode-se concluir que o grupo das participantes é bastante homogêneo em suas reflexões acerca dos assuntos abordados durante a pesquisa, a despeito de suas características particulares. A reflexão sobre a inclusão em ambiente escolar conduz a apontamentos sobre a qualificação profissional, nos levando a questionamentos e a percepções angustiantes, percepções essas, compartilhadas por todas as participantes. Ao se perceberem personagens principais desse cenário, as professoras demonstram bastante senso de responsabilidade, admitindo o seu despreparo frente à inclusão, sem deixar de pensar no foco fundamental dessa situação, o aluno que está sendo incluído.


A qualificação profissional evidentemente não foi suficiente para garantir que essas professoras se sentissem preparadas para atuar neste contexto, mas nem por isso elas deixaram de buscar conhecimentos que as auxiliassem  na superação desse conflito. Essa situação angustiante só será superada com investimento constante na formação profissional, com o intuito de aliar uma teoria rica em experiências a práticas de qualidade, fornecendo assim, subsídios para que haja uma efetiva intervenção profissional.


REFERÊNCIAS


CARVALHO, I. Supervisão Escolar e os Desafios da Inclusão de Alunos com Necessidades Especiais. Monografia (especialização). UNICENTRO, Guarapuava, 2001.


CRUZ, C.; RIBEIRO, U. Metodologia Científica: teoria e prática. Rio de Janeiro, RJ: Axcel Books do Brasil, 2003.


CRUZ, G.C.; FERREIRA, J.R. Processo de Formação Continuada de Professores de Educação Física em Contexto Educacional Inclusivo. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte. São Paulo, SP. v.19, n.2, abr/jun 2005, p. 163-180.


REID, G. Preparação Profissional em Atividade Física Adaptada: Perspectivas Norte Americanas. SOBAMA: Revista da Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada. Recife, PE: SOBAMA, v. 5, n. 5, dez / 2000, p. 1 – 4.