http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/069.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

REPRESENTAÇÕES E IMAGINÁRIO DOCENTE QUE DEFINEM O ALUNO: UM ESTUDO DE CASO DE ESCOLAS PÚBLICAS DE SANTA MARIA

Leandra Bôer Possa1
Jalusa Oliveira da Silveira2
Patrícia Revelante3
Universidade Federal de Santa Maria

1  Professora Assistente do Departamento de Educação Especial, do Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria. Coordenadora da Pesquisa.  E mail: leandrabp@gmail.com.br.
2  Acadêmica da 8º semestre do Curso de Educação Especial, do Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: jalusa_o@hotmail.com
3  Acadêmica da 8º semestre do Curso de Educação Especial, do Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: pathyzinha85@hotmail.com


RESUMO

O objetivo deste trabalho de pesquisa em andamento é desvelar como os professores da rede pública de educação de Santa Maria idealizam o bom e o mau aluno, analisando como estas idealizações balizam a construção de representações de aluno com dificuldades de aprendizagem e com deficiência. Neste texto apresentamos os referenciais teóricos e metodológicos que orientam essa pesquisa e que podem contribuir para a reflexão sobre os processos de inclusão que, de forma generalizada, estão sendo implementados nas redes publicas de educação. Nossa intenção, portanto, é compartilhar os meios que originaram esta pesquisa.




Por muito tempo a deficiência e o aluno com necessidades educacionais especiais foram entendidos como sinônimo do desvio, do atípico e do improdutivo. Essa representação contribuiu para práticas educativas segregacionistas que legitimaram metodologias inadequadas e alienantes, que presumiam ser, a sala de aula e o grupo de alunos, uma comunidade homogênea, pois não se concebiam as diferenças individuais.
Essa realidade educacional considerava as crianças com necessidades especiais uma categoria “a parte” e não como parte da sociedade ou da comunidade da escola. Criaram-se sistemas paralelos de escolarização que implicavam institucionalizar e consolidar atitudes e práticas excludentes.
Grande parte da consolidação de uma escola excludente se dá em função do imaginário docente que permanece povoado de predefinições, estereótipos e concepções romantizadas do bom aluno. A escola que deveria ser um espaço e tempo de garantia de vida e de aprendizagem, em que o sujeito pudesse desfrutar dos direitos de qualquer pessoa, independentemente do seu ritmo de desenvolvimento, aceitando e valorizando a diversidade, se constitui excludente.
Embora existam tentativas dos professores do ensino comum de justificar a segregação dos alunos, apoiando-se na questão da falta de formação especifica, torna-se necessário um novo olhar e uma profunda reconstrução do pensamento e do imaginário docente sobre seus alunos e suas diferenças. A idéia de inclusão demanda a capacidade docente de trabalhar com as diferenças, considerando que enquanto educador o professor precisa especializar-se na aprendizagem de todas as crianças, uma vez que toda a criança em situação de aprendizagem também pode ser vista como um aluno com necessidades especiais.
Diante disto, o trabalho de pesquisa que apresentamos tem a intenção de desvelar o imaginário docente e suas representações em relação a sua concepção de aluno. Para tanto, buscamos descobrir como os professores imaginam os seus bons alunos, assim desvelando o que pensam sobre aqueles com dificuldades de aprendizagem e deficiências, e por fim, identificar se esses alunos podem ou não contar com os professores em sua inclusão escolar.      O grande desafio que nos impulsionou para o desenvolvimento dessa pesquisa foi a preocupação sobre como os alunos com dificuldades de aprendizagem e ou deficiência estão sendo incluídos no contexto escolar, já que grande parte dos professores fazem discurso de que não estarem preparados para tal fim.
Esses questionamentos fazem reportar a discussão sobre a formação inicial dos professores e em relação a isso podemos considerar a escolha da profissão e parece-nos claro que muitos docentes do ensino comum, ao escolheram a licenciatura, não tinham uma representação efetiva das razões, ou mesmo dos desafios que teriam que enfrentar ao optarem por este caminho.
Outra representação que os docentes constroem ao longo da vida estudantil e depois, durante os processos de formação para se constituírem docentes, é a idéia e ou o perfil característico do bom e do mau aluno. Por isso, desde crianças, quando freqüentamos a educação infantil ou mesmo os anos iniciais do ensino fundamental podemos classificar quem são os alunos/colegas mais inteligentes, os bons e os maus.
O que estamos comprovando com esta pesquisa é que a representação do bom e do mau aluno, construída ao longo das experiências como alunos, como acadêmicos em formação e como professores são reflexos de uma cultura e de um tipo de concepção de escola, educação e das teorias educacionais que fundamentam e orientam um tipo de prática pedagógica/educativa.
Nesse sentido, temos hoje um outro tipo de concepção de educação e escola que transforma as lógicas e concepções passadas.  A concepção de inclusão coloca o desafio de que para acontecer uma escola inclusiva, que acolha as diferenças humanas, se torna necessário transformar as representações docentes de bom e mau aluno. Sem esta transformação os professores estão fadados a se deparar com um aluno deficiente e não saber o que fazer, ou ainda, pior que não saber o que fazer, poderão estar negando sua capacidade docente de atendê-lo. Ocultar as razões de não sentir-se desafiado com a perspectiva da escola inclusiva parece, a nosso ver, uma das ações possíveis que derivam das representações dos professores sobre o bom aluno, inteligente e estudioso e o mau aluno, aquele que não aprende nos tempos escolares.
Outra justificativa muito comum, que estamos identificando entre os professores do ensino comum, é a justificativa de que não se desafiam com a escola inclusiva por terem escolhido outra área do conhecimento que não a Educação Especial. Consideramos isto um equívoco, já que qualquer área da educação e por isso dos cursos de licenciatura, tem como objeto de estudo e formação a aprendizagem humana no âmbito da escola. Por isso, entendemos que qualquer professor, de qualquer licenciatura precisa ter como propósito e intencionalidade a aprendizagem, sejam os sujeitos quaisquer sujeitos, diferentes, que compõem a escola.
A lógica social e cultural em relação ao sujeito com deficiência segue um pouco a seguinte analogia: como os pais esperam um bebê perfeito, os professores também idealizam um aluno perfeito. Ou seja, os professores construíram, ao longo da sua própria trajetória, enquanto discentes, um imaginário de aluno ideal, transpondo-o à sua prática educativa, criando formas de atuação em sala de aula que valorizam o bom aluno (estudioso, inteligente) e segregam o aluno com dificuldade de aprendizagem e ou deficiência. Estes não fazem parte do perfil idealizado, pois o imaginário da deficiência e da dificuldade está ligado à incapacidade e a improdutividade.
O que nos preocupa, portanto, são os professores que dizem não ter formação e ou não aceitam o desafio de trabalhar na perspectiva da inclusão, que se mostram resistentes à aceitação dos alunos diferentes. Embora tenham a responsabilidade social de promover o acesso ao conhecimento a todos os alunos e fazer valer o direito à inclusão, esses professores são aqueles que pensam na educação especial como um segmento a parte.
Há algum tempo o tema inclusão vem sendo pilar de discussões no campo educacional. Políticas públicas e metas para a prática de inclusão estão hoje no cenário dos sistemas de educação, sendo um dos maiores desafios da escola. No entanto, poucas têm sido as práticas de inclusão, que regidas por políticas amplas, lhes sejam atribuídas sucesso.  O que tem se percebido é que as políticas institucionais participativas que envolvem a comunidade, a escola e seus professores colaboradores têm alcançado mais êxito à perspectiva da escola inclusiva.
Entendemos por escola inclusiva aquela que organiza o espaço físico e de relações (ensinar e aprender) e o tempo cronológico e de relações (com os outros e com o conhecimento), tendo em vista as diferenças humanas.  Uma escola inclusiva é aquela que tem em si a representação do grupo social e humano que está fora dela, ou seja, sujeitos humanos com diferentes credos e etnias, com diferentes saberes, pessoas sem deficiência (se é que existem essas pessoas) e pessoas com deficiências.
A escola inclusiva é aquela que tem na vivência e experiência educativa a capacidade de todos conviverem com as diferenças, compreendendo que o diferente é necessário para se constituir os sistemas de relação da vida. Nesse sentido incluir é compreender e apreender a totalidade, considerando que a parte faz parte, que a parte pertence a.
Depois dessa conceituação pode-se então perguntar: Qual o aluno tem o direito de estar na escola? Qual concepção de aluno precisa povoar o imaginário dos professores?
O mundo mudou, as crianças mudaram, novos princípios sociais e valores culturais, ou ainda, diferentes princípios e valores passaram a reger a sociedade e as comunidades em que as escolas estão inseridas. Nesse contexto, a sociedade globalizada em que as informações e as tentações por diferentes formas de ação e de acesso ao conhecimento são colocadas, passam a integrar e ser parte da vida dos sujeitos. As crianças estão recebendo e percebendo, desde muito cedo, a influência das diferenças humanas e culturais, bem como discutindo seus direitos de cidadão. E a escola parece continuar a mesma, seus professores parecem fingir que essa sociedade não mudou e que a escola deve seguir seu curso sem essa influência. Em relação a isso Arroyo afirma: “As crianças, adolescentes e jovens mudaram, e as famílias, as igrejas, as escolas seguiram as mesmas? Quando os padrões sociais, morais mudam, as instituições sociais são questionadas a se abrirem. E as escolas?” (2004, p.34)
Os alunos não são mais os mesmos. Hoje temos na escola todo o tipo de aluno e junto a eles os alunos com dificuldades de aprendizagem, com deficiência, com problemas de comportamento e os inteligentes e estudiosos. Esse conjunto de diferentes tipos de alunos protagoniza a escola, e os professores são os responsáveis por dirigirem essa trama de relações e cenário que precisa ser regado de aprendizagens.
Ao mesmo tempo, diante dessa responsabilidade, parece que os professores estão, a alto e bom som, revelando seu desencantamento com essa mistura de sujeitos que protagonizam a escola. Para Arroyo o desencantamento dos professores está ligado às imagens que eles fazem da escola e de seus alunos.

O desencanto é com a perda das imagens que povoam nossa docência, a educação e as escolas. Colocamos a pergunta: que olhares projetamos para sobre os alunos? Com que imagem os representamos? Que imagens carregamos da infância, adolescência e juventude? [Que imagem de deficiente?] Os alunos(as) ‘que não são mais os mesmos’ cabem nessas imagens? Não nos incomodam exatamente porque quebraram nossas imagens? (2004, p. 35)
 
Esta aí o desafio desse projeto de pesquisa, analisar as imagens que representam os alunos e nos perguntar: as grandes barreiras encontradas pelos professores para construírem a escola inclusiva não estão justamente na imagem, na representação que se tem de aluno?
Inquieta-nos compreender como, durante a formação de professores, se confirma a imagem de bom e mau aluno que os professores vieram construindo desde que eram alunos, por influência da escola e da sociedade.
Consideramos, portanto, que a representação de aluno tem seu ponto de ancoragem nas representações sociais a que os professores, ao longo de sua formação, vêm construindo. Entende-se, portanto, que a representação social regula a constituição da representação de aluno e por isso se compreende a representação social como uma teia de significados e sentidos (objetivos e subjetivos), que produzem formas de ver e ser da existência de existência de sujeitos e, nesse caso, de bons alunos, maus alunos, deficientes, eficientes e ineficientes.
É necessário para a mudança de representação sobre o aluno que os professores e por isso os processos de formação pensem na perspectiva que aponta Beyer:

Mantê-las separadas, protegidas, significa nada mais do que endossar suas limitações. Ao contrário, possibilitar sua convivência com outras crianças significa trazê-las para o mundo tal como ele é, com todas as suas diversidades e diferenças (2005, p. 122).
 

É fundamental a transformação das representações de aluno para que os professores possam entender que todos, independentemente da diferença, podem desenvolver sua capacidade, basta oferecer um ambiente propício. Sobre isso, Garcia enfatiza:


Nesse sentido, podemos afirmar que a condição deficiente é determinada mais pelas condições concretas de vida, pelas relações que se estabelecem entre as pessoas, do que por características pessoais próprias de quem tem alguma limitação orgânica. Assim, é possível compreender que as pessoas, mesmo aquelas com características físicas identificadas socialmente como deficiências, podem relacionar-se e constituir-se de outras formas, a partir de outras relações (1999, p. 46).


Não podemos exigir mudanças da noite para o dia, especialmente se considerarmos que a história tem se mostrado, inacreditavelmente, preconceituosa em relação aos alunos com deficiência. Todavia, enquanto agentes socializadores, os docentes podem refletir sobre suas representações de aluno, conforme Libâneo & Pimenta:

Valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de análise, que os ajudem a compreender os contextos histórico, sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá sua atividade docente. (2002, p. 42)

Diante das justificativas apresentadas, temos como problema de pesquisa questões que nos levam a buscar entender quais imagens de bom e de mau aluno povoam o imaginário docente, assim como de que forma estas imagens influenciam na representação do professor em relação ao aluno deficiente e a sua inclusão.         
Tomamos como objetivo geral da pesquisa desvelar como os professores da rede pública de educação de Santa Maria idealizam o bom e o mau aluno, analisando como essas idealizações balizam a construção de representações de aluno com dificuldades de aprendizagem e com deficiência. A partir disto, buscamos identificar como os professores caracterizam os bons e ou maus alunos e como aprenderam a representá-los como bons e ou maus alunos, bem como identificar quais características dos bons/maus alunos são também características de representação dos alunos com deficiência e com dificuldades de aprendizagem.
Por fim esta pesquisa nos aponta algo relevante, pois ao analisar como foi se construindo, na trajetória de formação dos professores, a representação de bons e maus alunos estamos podendo identificar, como discutir e contribuir com a reflexão dos currículos de formação inicial de professores da Universidade Federal de Santa Maria.


            
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALARCÃO, Isabel (org). Formação reflexiva de professores. Estratégias de supervisão. Portugal : Porto, 1996
ALVES, Nilda (org.). Formação de professores: pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 3 ed. 1995.
ARROYO, Miguel G. Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres.
ASSMANN, Hugo.  Metáforas novas para reencantar a educação: epistemologia e didática. Piracicaba: Unimep, 1996.
BEYER, Hugo Otto. Inclusão e avaliação na escola: de alunos com necessidades educacionais especiais. Potro Alegre: Mediação, 2005.
CUNHA, Maria Isabel da.   O bom professor e sua prática.  3. ed.  Campinas: Papirus, 2004.
CUNHA, Maria Isabel. Relação ensino e pesquisa. In: VEIGA, Ilma Alencastro (Org). Didática: o ensino e suas relações. Campinas, SP: Papirus, 1996.
DUBAR, Claude.  A socialização : construção das identidades sociais e profissionais.  Porto : Porto Ed., 1997.
GARCIA, Rosalba M.C. A educação de sujeitos considerados portadores de deficiência: contribuições vygotskianas. Ponto de Vista. Florianópolis, 1999.
NÓVOA, António (org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.
NOVOA, António.  Vidas de professores.  Porto : Porto Editora, 1992.
PIMENTA, Selma Garrido (Org.) Saberes pedagógicos e atividade docente.  São Paulo :  Cortez, 1999.
PIMENTA, Selma Garrido.  (Org.) Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997.
PIMENTA, Selma Garrido. Para uma re-signifcação da Didática. Ciências da Educação , Pedagogia e Didática - Uma revisão conceitual e uma síntese provisória. In: VIII ENDIPE, (Mimeo) 1996.
POSSA, Leandra. As Licenciaturas da UFSM e a incorporação da qualidade formal, política e cultural nos processos de formação do profissional da educação. Santa Maria: 1997. Dissertação de Mestrado, UFSM.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.) Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998.
VEIGA, Ilma Passos e CASTANHO, Maria E. Pedagogia Universitária: a aula em foco. Campinas,SP: Papirus, 2000.