http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/082.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

O ACESSO A LEITURA POR ALUNOS NÃO-FALANTES

Aldine Nogueira da Silva
Dagoberto Buim Arena
Programa de pós-graduação em educação/Unesp/Marília


RESUMO

A matrícula e a permanência na escola regular por alunos com deficiências fazem parte de um contexto de igualdade de oportunidade para todos. Nesse sentido, a escola deve oferecer uma pedagogia adequada para que todos os alunos participem das atividades acadêmicas. Dentre as diversas atividades, a atividade de leitura configura-se como aquela que, além de favorecer o desenvolvimento lingüístico, pode ampliar o conhecimento de mundo dos alunos. Então, para que os alunos não-falantes, ou seja, com comprometimento na linguagem oral e escrita, possam participar dessa atividade é necessário que haja o uso de recursos e estratégias pedagógicas adequadas para eles. Esses recursos podem ser confeccionados por meio do Picture Communication Symbols que além de ser um sistema de comunicação pictográfico também pode ser usado como um recurso pedagógico que favorecerá a realização da atividade de leitura com os alunos não-falantes. Assim, esses alunos também poderão ler o mundo a sua volta, aumentar seu acervo cultural e, acima de tudo, ter o senso de pertencimento ao mundo em que vivem.

Palavras-chave: inclusão; leitura; aluno não-falante.

1 Introdução

Em 1994 ocorreu na Espanha, junto a Unesco, a Conferência Mundial sobre as necessidades educacionais especiais, na qual foi firmada a Declaração de Salamanca. Foram elaboradas diretrizes que orientam a proposta da inclusão, a saber: toda criança tem direito à educação; toda criança tem características e necessidades únicas (BRASIL, 1994b).
Conforme a Declaração de Salamanca (1994), os sistemas educacionais devem considerar a diversidade existente, na qual os alunos com deficiências devem ter acesso à escola regular, com uma pedagogia adequada para atendê-los (BRASIL, 1994b).
A matrícula e a permanência do aluno com deficiência na escola regular fazem parte de um contexto de igualdade de oportunidades para todos.
Para tanto, a escola deve estar preparada para receber todos os alunos, independente de suas condições biológicas, além de lhes assegurar o ensino de qualidade com participação nas atividades acadêmicas.
A realização de procedimentos e adaptações sistemáticas poderá auxiliar e garantir a permanência desse aluno no ensino regular ou nas atividades pedagógicas (DELIBERATO, MANZINI, GUARDA, 2004).
Dentre as diversas atividades acadêmicas que podem ser trabalhadas, a atividade de leitura foi selecionada para demonstrar que sua abordagem pode favorecer a participação de todos os alunos.
Nesse contexto, os alunos não-falantes, ou seja, com severos comprometimentos na linguagem oral e escrita, podem ter acesso às atividades de leitura desde que haja o uso de recursos e estratégias pedagógicas adequadas para eles.



2 Atividade de leitura

Para Smith (2003) a linguagem constitui-se em uma parte substancial da teoria de mundo de qualquer ser humano e, obviamente, exerce um papel central na leitura.
Cabe salientar que muitos alunos da educação especial apresentam comprometimento na linguagem oral e escrita, mas isso não os impede de participar das atividades acadêmicas. Esses alunos podem utilizar a linguagem que possuem para participarem do processo de ensino e aprendizagem, que também favorecerá a ampliação de seus conhecimentos de mundo, além de seu desenvolvimento lingüístico.
Na atividade de leitura, especificamente, aquele que ensina deve dar pistas de leitura, ler para quem se ensina e incitar a necessidade de ler. O ato de ler é ensinado. O aluno aprenderá a ler por meio da leitura, e acrescentará coisas novas ao que já sabe.
Smith (2003) mostrou que o núcleo da leitura é a previsão. Todos os esquemas, scripts e cenários que tem nas cabeças das pessoas – o conhecimento prévio de lugares e situações, de discurso escrito, gêneros e histórias – possibilitam prever quando se lê, e, assim, compreender, experimentar e desfrutar do que é lido. Assim, a condição para o pensamento é o conhecimento prévio. Prever se torna a base da leitura e de sua aprendizagem, pois ela explica o uso do conhecimento prévio para antecipar o significado do texto.
Consequentemente, previsão e compreensão estão interligadas, pois previsão significa fazer perguntas, e compreensão significa ser capaz de responder a algumas questões formuladas que nortearão a leitura.
É importante mostrar que a compreensão não é o resultado da decodificação. Parte-se da intenção de compreender para a leitura. Essa compreensão será reconstituída ao longo da leitura, que se dá na interação do aluno com o texto (SMITH, 2003).
Pode-se dizer então que as atividades de leitura auxiliam os alunos na aquisição e desenvolvimento de conceitos e nas várias habilidades acadêmicas, por isso, é fundamental a participação dos alunos não-falantes.
O acesso a essas atividades permite que todos os alunos leiam, vivenciem e construam a sua narrativa, além de adquirirem estruturações gramaticais e noção temporal dos acontecimentos.
Assim, leitura e construção de histórias configuram-se como atividades pedagógicas que favorecem o processo de aprendizagem do aluno, além de auxiliar no desenvolvimento lingüístico e cultural.

3 Recursos de Comunicação Suplementar e/ou Alternativa como estratégias pedagógicas nas atividades de leitura

Dentro desse contexto, Manzini (2000) mostrou que na área da Educação Especial, a expressão Comunicação Suplementar e Alternativa vem sendo utilizada para designar um conjunto de procedimentos técnicos e metodológicos junto a pessoas acometidas por alguma doença, deficiência ou alguma situação temporária ou permanente que impeça a comunicação com demais pessoas pelos recursos usualmente utilizados, mais especificamente a fala.
Sabe-se também que os recursos de Comunicação Suplementar e Alternativa podem configurar-se não apenas como um recurso comunicativo, mas como um recurso pedagógico que poderá favorecer o desenvolvimento dos alunos não-falantes na leitura e na construção de histórias.
Esses recursos comunicativos podem ser utilizados por meio de diversas estratégias pedagógicas pelo professor que fará a mediação entre o aluno e o recurso a fim de possibilitar não só a comunicação, mas, principalmente, a leitura e a construção de histórias.
O Picture Communication Symbols - PCS (JOHNSON, 2004) é um dos sistemas pictográficos de comunicação mais utilizados, principalmente, pela facilidade de reconhecimento de suas 3.000 figuras (NUNES, 2003). Além da facilidade de reconhecimento por parte do usuário, o PCS proporciona a confecção dos recursos de baixo custo que são necessários.
Por ser figurativo, os signos do PCS são fáceis de compreender; dessa forma crianças pequenas conseguem identificar os significados com maior facilidade do que conseguiriam com outro sistema mais complexo.
O PCS apresenta coloração de fundo diferente, de acordo com as categorias semânticas ou gramaticais o que possibilita maior facilidade na organização e exteriorização do pensamento. Assim, a presença dos símbolos facilita a comunicação efetiva, enquanto as inscrições escritas, acima dos símbolos, facilitam o entendimento pelo interlocutor (ZAPATA, 2001).
Esses símbolos são indicados pelo sujeito conforme sua condição motora para a execução do movimento (olhar, indicar e pegar) e seu significado é interpretado pelo interlocutor a partir do contexto do diálogo. Para tanto, o interlocutor não precisa conhecer os símbolos, apenas ler o referente escrito acima dos símbolos. Dessa forma, por meio da leitura saberá o que representa cada símbolo e poderá interpretar o que o sujeito pretende dizer com a indicação de cada símbolo (CHUN, 2002).
Depois de selecionados, os símbolos do sistema gráfico escolhido podem ser colocados em uma prancha de papel, pastas tipo catálogo, álbum de fotos, pastas do tipo “cardápios” ou em pranchas eletrônicas de sistemas de microcomputadores, constituindo pranchas de comunicação por meio das quais os sujeitos podem se comunicar (CHUN, 2002).
Os usuários desses recursos de comunicação sempre fazem leituras ou reconhecimentos por meio dos símbolos do sistema gráfico, mesmo que não saibam ler as palavras escritas acima dos símbolos.
Para Manguel (1997) é o leitor que lê o sentido e que confere a um objeto, lugar ou acontecimento certa legibilidade possível, ou que a reconhece neles; é o leitor que deve atribuir significados a um sistema de signos e depois decifrá-lo.
Ao se comunicarem por meio dos sistemas pictográficos, esses alunos atribuem significados aos símbolos e constroem sentenças para efetivar o processo comunicativo em que se espera a compreensão pelo interlocutor sobre a mensagem transmitida.
Pode-se fazer uma ligação da leitura de símbolos gráficos com a leitura de imagens apresentada por Manguel (1997). No trecho em que citou o papa Gregório, o Grande, no século VI, mostrou que da mesma forma que a escrita é compreendida pelo leitor, as imagens são compreendidas pelo analfabeto, para aqueles que só percebem visualmente. Esse papa dizia que nas imagens os ignorantes vêem a história que têm de seguir, e aqueles que não sabem as letras descobrem que podem, de certo modo, ler. Portanto, é possível dizer que as imagens são equivalentes ao texto escrito, ou às palavras dispostas diante dos olhos, como imagens.
Naquela época, para os analfabetos, excluídos do reino da palavra escrita, ver os textos sacros representados num livro de imagens que eles conseguiam reconhecer ou “ler” devia induzir um sentimento de pertencer àquilo, de compartilhar com os sábios e poderosos a presença material da palavra de Deus (MANGUEL, 1997).
Dessa mesma forma, hoje há os alunos não-falantes, que não são excluídos do reino da palavra escrita e nem ignorantes, mas pessoas com comprometimento na linguagem oral e escrita, que fazem uso de pictografia para poder compreender o mundo, e, conseqüentemente, ter esse sentimento de pertencer à sociedade e de compartilhar com o outro os seus saberes.
Então, por meio do uso dos recursos comunicativos, agora com finalidade pedagógica, podem ser definidas estratégias de ensino a fim de promover a leitura pelo aluno não-falante.
As atividades de leitura proporcionadas ao aluno não-falante podem ser de diversos gêneros como jornais, revistas, placas, livros, cardápios, diários, contos, etc. O leitor é quem sabe qual leitura lhe agradará ou resolverá suas necessidades imediatas.
Segundo Manguel (1997) o significado de um texto é ampliado pelas capacidades e desejos do leitor. Dessa forma, é importante que o professor ofereça oportunidades do aluno não-falante fazer sua opção de leitura.
Partindo dessa necessidade de leitura do aluno não-falante, é possível estabelecer estratégias de ensino a fim de desenvolver a aprendizagem e o conhecimento cultural desse aluno. Para Smith (2003) cabe ao mediador ou professor favorecer o aumento do acervo cultural do aluno, ensinar a fazer as ligações, na hora da leitura, daquilo que é lido com aquilo que se sabe. Cada um tem um acervo construído de acordo com suas experiências.
A seguir, seguem algumas estratégias sugeridas para a atividade de leitura com alunos não-falantes que podem ser realizadas pelo professor:
·    Identificar temas de interesse do aluno, com o auxílio da prancha de comunicação;
·    Conversar com ele sobre esses temas;
·    Instigar a necessidade de saber mais sobre o tema de maior interesse demonstrado por ele;
·    Selecionar para o aluno livros, revistas ou outros materiais de acordo com o tema de interesse escolhido;
·    Apresentar os livros, revistas ou outros materiais selecionados para o aluno;
·    Deixar o aluno realizar a escolha de sua preferência;
·    Ler para o aluno o que foi selecionado;
·    Esclarecer o conteúdo do material escolhido durante a leitura. As discussões a respeito do tema podem ser realizadas com auxílio das figuras do texto e, também com fotos e figuras previamente selecionadas para a atividade.
·    Selecionar e confeccionar os símbolos do PCS compatíveis com o conteúdo e a estrutura do tema escolhido, assim como, com o vocabulário e a idade do aluno. Esse material pode ser impresso em sulfite, plastificado e com velcro no verso para que as figuras e fotos possam ser fixadas nas pranchas de eucatéx ou no livro também adaptado com linhas de velcro.
Assim, o aluno estará munido de material para poder compreender o conteúdo selecionado de acordo com seu interesse e poderá, posteriormente, reler esse material sem a presença do professor, além de poder recontar a história que aprendeu e leu por meio desses recursos para outro interlocutor ou até mesmo para si. O importante é não oferecer palavras, mas enunciados, porque a identificação de palavras isoladas não levará o aluno a desenvolver a compreensão pela leitura, possível apenas diante de enunciados.
A utilização desses recursos como estratégia pedagógica na atividade de leitura possibilitará ao aluno não-falante participar dessa atividade de sala de aula, além de promover a expansão de seu conhecimento extra-escolar.

4 Considerações finais

As pessoas também lêem a si e ao mundo a sua volta para vislumbrar o que são e onde estão. Não é possível deixar de ler. Ler é quase como respirar, é uma função essencial. Leitura é como função vital, numa relação íntima entre o corpo e o texto lido (MANGUEL, 1997).
Então, se ler é uma função vital, essa função tem que ser proporcionada a todos, ou seja, também às pessoas que têm severos comprometimentos lingüísticos, pois mesmo com essas características elas poderão ler o mundo a sua volta, aumentar seu acervo cultural e, acima de tudo, ter o senso de pertencimento ao mundo em que vivem.




5 Referências

BRASIL. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília. DF, 1994 b.

CHUN, R. Y. S. Questões de linguagem na comunicação suplementar e/ou alternativa. In: LACERDA, C. B. F.; PANHOCA, I. Tempo de fonoaudiologia III. Taubaté: Cabral Editora Universitária, 2002.

DELIBERATO, D.; MANZINI, E. J.; GUARDA, N. S. A implementação de recursos suplementares de comunicação: participação da família na descrição de comportamentos comunicativos dos filhos. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília: ABPEE/FFC - Unesp - Publicações, v.10, n.2, p.199-220, 2004.

JOHNSON, R. Boardmaker: the P.C.S. libraries on disk. Solana Beach, CA: Mayer Johnson, 2004.

MANGUEL, A. Uma história da leitura. Trad. SOARES, P. M. São Paulo: Cia das Letras, 1997.

MANZINI, E. J. Conceitos básicos em comunicação alternativa e suplementar. In: CARRARA, K. Universidade, sociedade e educação. Marília: Unesp-Marília-Publicações, 2000.

MENDES, E. G. Perspectivas para a construção da escola inclusiva no Brasil. In: PALHARES, M.S; MARINS, S. Escola Inclusiva. São Carlos: EdUFSCAR, 2002, p. 61-86.

NUNES, L. R. O. P. Linguagem e comunicação alternativa: uma introdução. In: NUNES, L. R. O. P. (org.) Favorecendo o desenvolvimento da comunicação em crianças e jovens com necessidades educacionais especiais. Rio de Janeiro: Dunya, 2003.

SMITH, F. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e do aprender a ler. Trad. BATISTA, D. Porto Alegre: Artmed, 2003.

UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994.

ZAPATA, A. B. A comunicação como fator relevante para a viabilização da inclusão. Temas sobre desenvolvimento, v. 10, n. 58-9, 2001. p. 65-68.