http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/089.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2



ALTERAÇÕES DE ORELHA MÉDIA EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL

Tatiane Maria Rossi (UNOPAR)
Luciana Lozza de Moraes Marchiori (UNOPAR)
Juliana Jandre Melo(UNOPAR)
Naonne Santos Camargo Luciano(UNOPAR)


RESUMO

As alterações auditivas mais encontradas durante a infância, são aquelas relacionadas aos problemas de condução do som, principalmente devido a infecções de orelha média, sendo que as crianças com paralisia cerebral devem ser sempre avaliadas uma vez que as mesmas raramente referem queixas auditivas. Esta pesquisa teve por objetivo verificar a prevalência de alterações de orelha média em crianças cm paralisia cerebral avaliadas no setor de audiologia da clinica escola, verificando as alterações de orelha média. Através de estudo descritivo transversal foram coletados dados das anamneses, das inspeções de meato acústico externo e das avaliações imitanciométricas para obtenção dos tipos de curvas timpanométricas, em todas as crianças encaminhadas durante o período de um ano com a citada patologia. Foram avaliadas 8 crianças, de 1 a 6 anos de idade, de ambos os sexos. Destas, 3 apresentaram obstrução no conduto auditivo externo. Das 5 crianças em que se  pode realizar a timpanometria da imitanciometria, 1 (20%) apresentou curva do tipo “C” bilateral e 1 (20%) apresentou curava do tipo B bilateral. Este trabalho visou enfocar a importância de encaminhar para avaliação da audição de crianças com paralisia cerebral, enfocando a necessidade de uma maior atenção quanto a avaliação da condução do som em nível de ouvido externo e médio, ao se tratar dos indivíduos com paralisia cerebral, já que a maioria das alterações auditivas adquiridas durante a infância provem desta parte periférica da audição, e dificilmente a criança refere para os pais ou responsáveis a diminuição no limiar auditivo proveniente das mesmas.

INTRODUÇÃO

Em crianças, as alterações auditivas mais encontradas são aquelas relacionadas aos problemas de condução do som, principalmente devido a infecções de orelha média. Embora não os trabalhos não evidenciem mais alterações de orelha média em crianças com paralisia cerebral do que em crianças sem esta patologia, sabe-se que as crianças com paralisia cerebral apresentam maior dificuldade em referir as queixas auditivas referentes a patologias de orelha média do que as crianças sem paralisia cerebral, e devido a este motivo devem ser constantemente monitoras.
Observou-se em seu estudo com crianças paralíticas cerebrais que cerca de 30% apresentavam algum tipo de problema auditivo, desde distúrbios condutivos até perdas neurossensoriais severas. (CHANCE, 1967).
Dinicola e Sazonna (1965, p. 375-386) afirmaram que se a capacidade auditiva for deficitária no primeiro ano de vida, trará conseqüências graves ou até mesmo pode impedir a plena aquisição do patrimônio mnésico e o aprendizado espontâneo da linguagem expressiva.
Segundo Levine (1972, p. 7-10) que aproximadamente 20% das crianças paralíticas cerebrais apresentavam perdas auditivas neurossensoriais. Discutiu a discrepância encontrada nos estudos quanto à porcentagem e gravidade dos distúrbios ou perdas da audição. Considerou que a base etiológica da paralisia cerebral pode ser a mesma que causa a deficiência auditiva, tornando as crianças paralíticas cerebrais mais susceptíveis a problemas de audição.
Já Tormakh (1975, p. 129-155) afirmou que os movimentos cefálicos são muito importantes para a orientação direcional dos sons, pois, quando a cabeça não pode mover-se livremente, não pode virar-se em direção à fonte sonora, trazendo prejuízos para o processo receptivo, pois terá dificuldades no julgamento da fonte sonora e integração sensorial.
Cunningham (1977, p. 479-484) avaliando dez crianças portadoras de paralisia cerebral e deficiência auditiva relatou que destas, quatro com diplegia espástica, três com quadriplegia espástica e três coreoatetóide, todos apresentando deficiência auditiva severa ou moderada. O autor relatou que 50% apresentavam perda da audição em freqüências acima de 2000 Hz. O autor preocupou-se com o momento do diagnóstico e observou que somente 10% dos indivíduos avaliados receberam o diagnóstico de paralisia cerebral e deficiência auditiva ao mesmo tempo, por volta de 2 meses; 50% receberam diagnóstico da deficiência auditiva em média seis meses após o diagnóstico de paralisia cerebral; e 40% o diagnóstico da deficiência auditiva só ocorreu entre um a três anos e meio após o diagnóstico da paralisia cerebral.
É por meio do feed-back estabelecido entre a fala e a audição que o indivíduo adquire as suas referências auditivas, as quais somadas aos símbolos lingüísticos, ajudam a formar os conceitos básicos à construção da linguagem, função cerebral que apresenta um caráter eminentemente social. (MARCHIORI, 2002, p. 10-15). Essa linguagem, organizada em inúmeros processos neuropsicológicos orgânicos (especialmente o auditivo) e afetivos, propicia o aprendizado do simbólico, sendo assim de imensa importância durante todo o processo educacional. O resultado timpanométrico, utilizado principalmente para identificar patologias de orelha média na população pediátrica (imitanciometria), pode ser utilizado como um importante identificador dessas possíveis alterações, possibilitando um diagnóstico precoce, fundamental para o não estabelecimento de um quadro clínico crônico. (MELO; MARCHIORI; KRELLING, 2005).
Doenças de orelha média na infância geralmente são responsáveis por grande incidência de alterações auditivas devido à perda auditiva condutiva, geralmente resultado de otites médias secretoras, isto pode vir a ocasionar um rebaixamento nos limiares auditivos, muitas vezes de grau leve a moderado. Tais alterações atrapalham a comunicação principalmente frente ao ruído. (GRIMES, 1985).
A audição normal é fundamental para o desenvolvimento da linguagem, que favorece a interação social e a aquisição de conhecimentos além de tornar possível transmitir pensamento e sentimentos, assim é imprescindível que o diagnóstico da deficiência auditiva seja feito o mais precoce possível. (ABE; STAMM, 1991, p. 37-43).
A deficiência auditiva pode vir a resultar de diversas etiologias como as genéticas e as devido à predominância de fatores ambientais. A predominância acentuada dos casos de etiologia ambiental reflete as condições médico-sanitárias da população, de cuja melhoria depende a profilaxia da deficiência auditiva em nosso meio. (SIMÕES; MACIEL-GUERRA, 1992, p. 254-257).
Esta pesquisa teve por objetivo verificar a freqüência e tipo de alterações de orelha média em crianças com paralisia cerebral avaliadas no setor de audiologia da clinica escola, verificando as alterações das orelhas externa e média.
Metodologia
De acordo com o projeto PP/189/06, foi realizada a pesquisa na Clinica dos Distúrbios da Comunicação Humana da Unopar, referente ao estudo transversal descritivo, onde foram verificados os dados das anamnese, inspeção do meato acústico externo e das avaliações imitanciométricas, em todas as crianças  com paralisia cerebral encaminhadas a clínica escola do curso de Fonoaudiologia da UNOPAR de janeiro a julho de 2007.
Para chegar aos resultados as crianças  passaram por uma inspeção do meato acústico externo, sendo que por meio desta inspeção foi possível observar se a criança estava apta para realizar a timpanometria, como também observar o formato e o tamanho do meato acústico externo para a escolha adequada da sonda, com a finalidade de se obter uma boa vedação do orelha durante a testagem, além de servir para enviar crianças com obstrução no meato acústico externo para o médico otorrinolaringologista.
Subsequentemente as crianças foram submetidas à imitanciometria, de onde foram extraídos os dados da timpanometria – as curvas timpanométricas encontradas seguem a classificação de Jerger A, B, C (1970), não levando em conta as variações de complacência no tipo “A”. Foi escolhido a timpanometria da imitanciometria devido ser padrão ouro para a detecção de alterações de orelha média (KATZ, 1989), além de ser um método prático, rápido, não invasivo e eficiente. A timpanometria foi realizada para avaliar a mobilidade do conjunto tímpano – ossicular, através da variação de pressão manual de +200 daPa a -200 daPa. Foi medido o volume das orelhas externa e média, onde, em determinado ponto de variação de pressão do meato acústico externo, foi obtido o ponto de máxima complacência do sistema tímpano – ossicular. A diferença encontrada entre as duas medidas forneceu o volume da orelha média ou a imitância absoluta do sistema. O procedimento descrito acima foi realizado utilizando a freqüência da sonda de 226 Hz e foram feitas três repetições da variação de pressão para se descartar a possibilidade de erro durante a análise.

Resultados
Do total de crianças avaliadas, 8 apresentaram diagnóstico de paralisia cerebral na anamnese.
Destas, 3 apresentaram obstrução no conduto auditivo externo.
Das crianças 5  crianças com paralisia cerebral que puderam ser submetidas a timpanometria da imitanciometria, 1 (20%) apresentou curva do tipo “C” e 1 (20%) apresentou curava do tipo B bilateral.

Discussão
A partir destes dados se observa que alta freqüência de alteração de orelha média constatada nas crianças com paralisia cerebral, serve para reforçar aqueles encontrados na literatura, que mostram que existe grande importância em se executar a imitânciometria ou triagens imitanciométricas nessa população.
Foi identificada prevalência de alteração na parte da orelha responsável pela condução do som, como resultado de otites médias secretoras em evolução ou em involução, relacionadas com a presença de timpanometrias com curva tipo B nos casos em evolução e timpanometrias tipo C nos casos em involução que ainda apresentavam disfunção tubária, como observado por Grimes (1985) e Araújo et. al (2002).
Uma perda auditiva leve ou moderada poderá resultar numa dificuldade para ouvir de forma plena as mensagens, levando ao aparecimento de problemas no desenvolvimento e integração das percepções, que poderão desencadear sérios problemas de aprendizagem. Lopes Filho e Campos (1994) afirmam que o diagnóstico precoce, realizado durante o primeiro ano de vida possibilita a intervenção médica e/ou fonoaudiológica, ainda no período crítico de maturação e plasticidade funcional do Sistema Nervoso Central, permitindo um prognóstico mais favorável em relação ao desenvolvimento global da criança. As alterações auditivas mais frequentes, segundo o mesmo autor, são de comprometimento do sistema tímpano-ossicular, de caráter flutuante, e podem comprometer a habilidade de processamento dos estímulos sonoros cujos parâmetros acústicos variam em função da diminuição temporária e periódica da sensibilidade auditiva.
A linguagem auditivo-oral é o principal modo da comunicação humana e conseqüentemente, qualquer perda auditiva pode comprometer a capacidade da pessoa de utilizar a linguagem, sendo a perda auditiva a alteração mais comum que afeta a comunicação. Até mesmo uma perda auditiva suave e flutuante, numa criança pequena, pode interferir gravemente no desenvolvimento da linguagem e no futuro sucesso acadêmico (BOONE; PLANTE, 1994). O problema de comunicação de ocorrência mais comum na criança é a perda auditiva periférica relacionada à infecção da orelha média. A perda auditiva na otite média oscila continuamente, mas pode variar de 15dBNA a 55dBNA, sendo que, principalmente no período de aquisição da linguagem, isso é suficientemente grave para prejudicar a conversação normal, principalmente em crianças com especiais, como as com paralisia cerebral (KATZ, 1989). Além disso, o líquido na orelha média e as mudanças na pressão do mesmo distorcem os sons transmitidos para a orelha interna. Os efeitos combinados de distorção sonora e limiares de audição elevados podem interferir na audição dos sons da fala, acarretando em problemas tanto da linguagem oral como da linguagem escrita (BOONE; PLANTE, 1994).
Crianças com paralisia cerebral podem apresentar inúmeros problemas em relação à linguagem, sendo que a mesma pode ser mais prejudicada se houver alteração na recepção do som devido a alterações da audição periférica. (LAMÔNICA et.al. 2002).
Salienta-se principalmente a partir da literatura pesquisada que, ao se tratar de crianças com paralisia cerebral devemos ter atenção redobrada quanto à audição, pois existe falta de queixa dos familiares a problemas auditivos das mesmas.Isto porque, o próprio déficit motor, a dificuldade de realizar atos motores voluntários e os padrões motores involuntários, podem vir a mascarar a percepção dos familiares, sendo também que, a conduta dos familiares para facilitar a interação destes indivíduos, levando-os até os estímulos, falando sempre de frente, tendo condutas de interpretar a comunicação destes ou falando por eles. Assim, muitas famílias interpretavam a falha dos filhos nas atividades auditivas, quando observadas, como sendo falhas devida às alterações motoras previstas no quadro clínico da paralisia cerebral. (LAMÔNICA et.al. 2002).
Neste trabalho pretendeu-se enfocar a importância de encaminhar para avaliação da audição de crianças com paralisia cerabral, enfocando a necessidade de uma maior atenção tanto a acuidade auditiva como a integridade da parte periférica da audição das mesmas. Isto porque  a maioria das alterações auditivas adquiridas durante a infância provem desta parte periférica da audição.
A audição como um todo é fundamental e deve ser averiguada sempre que se cogitar encaminhamento para reabilitação fonoaudiológica e processo de escolarização. Pois como é colocado por Lamônica et.al. (2002), só a partir daí se estará permitindo, que a terapia fonoaudiológica enfoque os aspectos de audição e de linguagem buscando melhorar a qualidade de vida para estes indivíduos, assim como o melhor desempenho no processo escolar dos mesmos.

Referências bibliográficas:

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