http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/096.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

FOBIA SOCIAL E SALA DE AULA:
QUANDO A TIMIDEZ GERA NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS

Ingrid Caroline de Oliveira Ausec
Universidade Estadual de Londrina


RESUMO

Embora a maioria das dificuldades emocionais relatadas pelos estudantes traga, em maior ou menor grau, prejuízos no âmbito acadêmico, é importante estar atento ao fato de que nem sempre são necessários procedimentos educacionais especiais. Este trabalho apresenta a análise de uma queixa freqüente em estudantes universitários: “dificuldade para apresentar seminários” e analisa esta queixa enquanto uma necessidade educacional especial bem como o trabalho desenvolvido pela área de Psicologia do Programa de Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Educacionais Especiais da Universidade Estadual de Londrina.

Introdução
A Psicologia existe como ciência e como profissão desde sua regulamentação pela Lei nº 4.119 de 27 de agosto de 1962.  Embora a grande maioria dos profissionais ainda tenha como principal área de atuação a clínica (SERBENA et all, 2007), cada vez mais, outras áreas se tornam atrativas e receptivas ao trabalho do psicólogo. Seus conhecimentos são úteis em diversas atividades, destacando-se as da área de saúde, organizacional e as pedagógicas.
A existência do profissional de psicologia nas instituições de ensino tem se tornado cada vez mais freqüente. Escolas e universidades, têm disponibilizado este tipo de trabalho, propiciando assim, mais um recurso na melhoria nos relacionamentos interpessoais e desempenho acadêmico de seus estudantes.
Todas as pessoas apresentam, vez ou outra na vida, comportamentos que podem ser considerados inadequados, dado o dano que podem causar a si mesmas ou aos outros, problemas para desempenhar suas funções ou prejuízo para suas relações. No contexto educacional, se tais comportamentos “forem exibidos como padrão, por um continuado e extenso período de tempo, passam a ser identificados como condutas típicas...” (PROJETO ESCOLA VIVA, 2002, p. 09). O termo condutas típicas se refere a uma grande variedade de comportamentos relacionados aos problemas de natureza psicológica, psiquiátrica e neurológica e que requerem atendimento especializado. Estes estudantes podem apresentar necessidades educacionais especiais e necessitarem de atendimento educacional diferenciado. O termo Necessidades Educacionais Especiais (NEE) se refere às crianças, adolescentes, jovens e adultos cujas necessidades decorrem de sua elevada capacidade ou de suas dificuldades para aprender e que requerem respostas educacionais específicas.
Desde outubro de 1991, o estudante com NEE na Universidade Estadual de Londrina é amparado por normas e disposições regimentais. Através do PROENE - Programa de Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Educacionais Especiais, a universidade realiza ações referentes à remoção de barreiras físicas/arquitetônicas, comunicacionais e pedagógicas, visando à manifestação plena do potencial acadêmico do estudante com NEE, nos momentos de aprendizagem e de avaliação, garantindo a sua permanência e êxito na Instituição Universitária.
O PROENE tem como um de seus objetivos acompanhar o estudante com NEE, visando o “acesso, a manutenção e o êxito do estudante na universidade” (PROENE, 2006) através de ações específicas.
Com o advento do movimento para uma escola inclusiva ampliou-se o entendimento de alunos com necessidades educacionais especiais não só para aqueles com deficiência física, mentais ou sensoriais, mas também para aqueles que não se adaptam ao ambiente escolar por problemas emocionais, sejam em caráter permanente ou temporário (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994).
De acordo com o demonstrativo dos acompanhamentos do PROENE apresentado por FERREIRA (2003), os estudantes que buscaram o Programa devido a dificuldades na área emocional, tinham limitações relacionadas à baixa auto-estima, apatia, tristeza, insegurança, fobia, entre outras. Para a autora, essas e outras dificuldades tendem a prejudicar a relação professor aluno e/ou seus pares, bem como o processo ensino-aprendizagem.
De acordo com documentos do Ministério da Educação e Cultura, as NEE decorrentes de Dificuldades Emocionais são:

...manifestações de comportamentos típicos de quadro neurológicos, psiquiátricos e psicológicos graves, que interferem no desempenho acadêmico e social, em grau que requeiram atendimento educacional especializado.(MEC, 2002)

Diante de uma variada gama dos chamados problemas emocionais, destaca-se um comportamento bastante freqüente no contexto acadêmico, segundo o relato de diversos professores e alunos, e que dependendo do grau em que se apresenta, requer um atendimento diferenciado no contexto escolar: a timidez.
A timidez é um sentimento desconfortável que experienciamos em algumas situações que envolvem desempenhar atividades em público ou interagir socialmente. De maneira geral, é um sentimento comum na população mundial e absolutamente normal. A maioria das pessoas sente-se ansiosa ao ter que falar em público, expor opiniões, iniciar relacionamentos, conversar com autoridades, entre outras. A literatura especializada aponta que a timidez será considerada um quadro de relevância clínica quando

...se torna tão intensa  que leva a pessoa a evitar situações sociais e a sofrer, como conseqüência, prejuízos pessoais, profissionais e afetivos. Nessas condições, a ansiedade social é conhecida como fobia social. (FALCONE, 2002)

Em outras palavras, a Fobia Social (FS) se caracteriza pela manifestação de intensa ansiedade em situações sociais cotidianas ou que são importantes para a adaptação social do indivíduo.
Assim, sintomas leves, na maioria das vezes caracterizam-se apenas como uma timidez, mas se impedirem a pessoa de participar efetivamente de determinadas situações, podem indicar FS.
Acredita-se que a FS seja o transtorno de ansiedade mais comum atualmente. A prevalência no decorrer da vida foi de 13,3% e 14,4% respectivamente em estudos americanos e europeus (JOURNAL OF AFFECTIVE DISORDERS, 1998; 50: S3-S9 apud BALLONE, 2005)
As manifestações mais comuns de fobia social envolvem sintomas característicos dos quadros ansiosos: rubor facial, sudorese, tremor nas mãos e taquicardia. É comum esses indivíduos perceberem esses sintomas como sendo  piores do que realmente são, avaliando que ao suar, tremer ou gaguejar, “todos” estarão percebendo e julgando-o negativamente. Além disso, percebemos também uma tendência em antecipar ameaças nas situações sociais cotidianas. Desta forma, o fato de terem que apresentar um seminário, por exemplo, já os remetem aos possíveis fracassos experimentados anteriormente ou simplesmente à possibilidade deles acontecerem caso a situação seja nova.
De maneira geral, os fóbicos sociais evitam. Evitam apresentar trabalhos, realizar comunicações orais, fazer perguntas em sala de aula, expor opiniões em reuniões ou grupos de estudo e até mesmo estar com outras pessoas se o grau de ansiedade social for generalizado.
Além do acompanhamento médico, necessário na maioria dos casos, o tratamento psicoterápico enfatizará a análise funcional das dificuldades apresentadas, o enfrentamento das situações evitadas e o aprendizado de comportamentos mais adaptativos em situações sociais.
No aspecto acadêmico, podem ser úteis algumas adaptações em termos de metodologias e avaliações, durante o período de tratamento, desde que indicada pelos profissionais responsáveis.

Método
Para a discussão, serão analisados os relatos de três universitários que foram acompanhados pelo PROENE - Programa de Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Educacionais Especiais/ UEL com queixas envolvendo sintomas de ansiedade social e foram encaminhados para o Serviço de Psicologia do Programa. Foram descritos os históricos das queixas, os encaminhamentos definidos pelo Programa para sanar as dificuldades relatadas pelos estudantes, os procedimentos educacionais especiais e o trabalho psicológico envolvido.
A solicitação de acompanhamento dos estudantes trazia a queixa comum de “dificuldade em apresentar seminários em razão de ansiedade”.

Resultado
Após encaminhamento do PROENE, a queixa trazida pelos estudantes foi trabalhada de diferentes maneiras. Levou-se em consideração o fato do atendimento psicológico estar voltado para as questões acadêmicas envolvidas, para tanto o atendimento seguia até a melhora da queixa quando a mesma gerava NEE. Caso o estudante não precisasse de procedimentos educacionais especiais, o mesmo era orientado e, se necessário, encaminhado para atendimento psicológico em outras instâncias dentro da Universidade ou fora dela.

TABELAS PÁGINAS 05, 06 E 07

Baseado nos dados apresentados pode-se observar que nem toda dificuldade emocional apresentada pelo estudante necessita de procedimentos educacionais especiais, não sendo, portanto identificada como uma NEE.

Discussão
Os resultados apresentados mostram a importância de se observar que nem todo estudante com dificuldades psicológicas necessita de adaptações para sua escolarização, apesar de muitas vezes precisar de intervenção terapêutica em razão de sua dificuldade emocional. Isso se explica principalmente pelo fato de que a maioria das queixas trazidas pelos estudantes, e que envolvem dificuldades na aprendizagem (desatenção, problemas de memória, falta de interesse nas aulas ou no curso, ansiedade, entre outras), geralmente decorrem de dificuldades pessoais no enfrentamento de situações aversivas, tais como problemas de família, afetivos ou financeiros.

Neste sentido, nem todos que apresentam dificuldades de adaptação escolar são alunos com condutas típicas de síndromes de quadros neurológicos, psicológicos complexos e psiquiátricos persistentes. Muitos apresentam quadros de mudança de comportamento em decorrência de determinadas circunstâncias, necessitando de atenção especial do professor, sem serem necessariamente encaminhados para serviços especializados.  (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CAMPINAS)

Por outro lado, em queixas como ansiedade em provas ou dificuldades para apresentação de trabalhos, por exemplo, podem ser necessárias adaptações do tipo: aumento do tempo ou aplicação diferenciada de uma prova ou até mesmo, a não participação em determinadas atividades durante um período do tratamento médico ou psicológico.
Sendo assim, ao longo da Graduação ou Pós-Graduação poderão ser oferecidos procedimentos diferenciados ao estudante com necessidades educacionais especiais durante o processo de ensino-aprendizagem-avaliação até que o mesmo possa realizar suas atividades de maneira satisfatória.

Referências Bibliográficas
BALLONE, G.J. - Transtornos Fóbicos-Ansiosos, in. PsiqWeb, Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br/, revisto em 2005/ Acessado em Julho/ 2007.

BRASIL. Ministério da Educação/ Secretaria de Educação especial. Estratégias e Orientações para educação de Alunos com Dificuldades Acentuadas de Aprendizagem relacionadas a Condutas Típicas. Brasília: MEC/SEESP, 2002.

Declaração De Salamanca: Princípios, Políticas e Prática em Educação Especial. Espanha, 1994.

FERREIRA, S.L. Diversidade e Ensino superior. A Universidade Estadual de Londrina na construção de uma sociedade para todos. In: MARQUESINE, M.C. et all (org). Inclusão. Coleção Perspectivas Multidisciplinares em Ensino Especial, Vol. 02. Londrina: Eduel, 2003.

PROENE – Programa de Acompanhamento ao Estudante com Necessidades Educacionais Especiais. Folder Ano 15. Nº 13. Janeiro/2006.

PROJETO ESCOLA VIVA – Reconhecendo os alunos que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem, relacionadas a condutas típicas, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2002, Série 2

Regimento Geral da Universidade Estadual de Londrina, 20 de Janeiro de 2004.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, A Educação Especial no Paraná: Subsídios para a construção de Diretrizes Pedagógicas da Educação Especial na Educação Básica. Disponível no site www.seed.pr.gov.br/portals/portal/institucional/dee/dee_artigos.php e acessado em Janeiro/ 2007.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CAMPINAS. Identificando Necessidades Educacionais Especiais. Disponível em:
http://www.campinas.sp.gov.br/smenet/pedagogico/educacao_especial/Identificandonecessidadeseducacionaisespeciais.htm Acessado em Julho de 2007.

SERBENA, et all, Retrato dos profissionais em Psicologia em Curitiba. Revista Contato – Publicação Bimestral do CRP do Paraná. Ano 27. Edição 141, Janeiro/ Fevereiro de 2007. 




 
 
Histórico ao iniciar acompanhamento do PROENE
Procedimentos Educacionais viabilizados pelo PROENE
Encaminhamentos definidos pelo PROENE
Intervenção Psicológica
CASO 01

NEE decorrentes de Problemas Emocionais

- Aluno do 1º ano de um curso integral na área de saúde.

- Relatava ansiedade intensa em situações de convívio social e apresentação de trabalhos em sala de aula ou eventos científicos. Tinha dificuldades para permanecer em sala e não apresentava seminários.

- Apresentou histórico de outros tratamentos psicológicos e psiquiátricos desde sua infância.

- Após algumas tentativas dos familiares, deixou de freqüentar escolas regulares em razão de sua timidez, tendo feito seus estudos por meio de telecurso.

- Já havia iniciado um curso superior na UEL, mas havia desistido no primeiro semestre por não ter conseguido se adaptar.

- Fazia uso de medicação psiquiátrica sem acompanhamento contínuo. Tinha vários laudos e atestados com diagnóstico de Fobia Social.
 

- Fracionamento da 1ª série;

-Ampliação do prazo para a realização de provas e entrega de trabalhos,

- Substituição dos seminários por outras formas de avaliação durante um período do tratamento.

- Reuniões com Coordenador de Colegiado de Curso e docentes para esclarecimentos e orientações, sempre que necessário ou solicitado. 

 

- LABTED – Laboratório de Tecnologia Educacional/ UEL (curso de treinamento em apresentação de trabalhos)

- Serviço de Psicologia do  PROENE
 

- O trabalho psicológico enfatizou a análise e o enfrentamento das situações aversivas (permanência em sala de aula e apresentação de trabalhos) através do desenvolvimento de estratégias comportamentais mais adequadas para a realização das atividades acadêmicas e de convívio social, em especial dentro da universidade.

- Foi orientado e incentivado a dar continuidade ao tratamento psiquiátrico.

- Foi para a 2ª série de seu curso sem a necessidade de nenhum procedimento educacional especial.

- Totalizou 35 sessões semanais. 
 


  
 
Histórico ao iniciar  acompanhamento do PROENE
Procedimentos Educacionais viabilizados pelo PROENE
Encaminhamentos definidos pelo PROENE
Intervenção Psicológica
CASO 02

Problemas Emocionais
sem NEE
- Estudante da 3ª série de curso na área de Humanas.

-Relatava “muita ansiedade para falar em público e se relacionar com outras pessoas”.

- Informou apresentar rubor facial e gagueira em situações de apresentação de trabalhos.

- Socialmente e afetivamente dizia ser “muito reservada”.

- Disse perceber-se tímida em excesso e que se incomodava com o próprio desempenho porque havia recebido o apelido de  “tatu” dos amigos da Igreja.

-
 Academicamente apresentava boas notas (na média e sem dependências);

- Informou ter feito terapia anteriormente (adolescência) em razão de sua timidez e que recebeu alta.

- Estava iniciando um namoro e freqüentava grupo de jovens na Igreja.

- Na avaliação inicial não foram identificadas necessidades educacionais especiais.

- Recebeu orientações sobre a legislação acadêmica e encaminhamentos pertinentes.

 

- LABTED - (curso de treinamento em apresentação de trabalhos)

- Serviço de Psicologia  do  PROENE
 

-Recebeu orientações em relação ao sentimento normal de ansiedade em situações de provas e seminários e foi capaz de realizá-los sem procedimentos especiais.

- Após quatro sessões de foi encaminhada para atendimento psicológico na Clínica de Psicologia da UEL em razão da queixa de timidez no contexto afetivo (pretendia iniciar vida sexual com o namorado).

 

  
 
Histórico ao iniciar  acompanhamento do PROENE
Procedimentos Educacionais viabilizados pelo PROENE
Encaminhamentos definidos pelo PROENE
Intervenção Psicológica
CASO 03

Outras Dificuldades que geram sintomas emocionais e possíveis NEE

- Aluno do último semestre em um curso na área de Humanas.

- Informou estar reprovado em uma disciplina porque a forma de avaliação era oral (seminários que não compareceu) e que se não fosse aprovado novamente não poderia se formar junto com a turma.

- Disse ter feito curso de oratória, mas “não resolveu”.

- Colocou que não se sente tímido em outras situações, só em sala de aula (era supervisor de equipe na empresa onde trabalhava).

-Disse ter dificuldades para organizar seus seminários, pois colocava muitas coisas e depois “se perdia”.

-Aluno com poucos recursos financeiros. Dizia sentir-se “inferior” perante a turma de universitários. 
 

- Foi discutida a possibilidade de substituição de seminários por outras formas de avaliação, durante um período do tratamento, caso não conseguisse realizar o primeiro seminário do semestre.

- não houve necessidade de nenhum procedimento  educacional especial para a realização dos seminários que se seguiram.

- LABTED (elaboração e organização de apresentações)

- Serviço de Psicologia do PROENE
 

-Recebeu orientações em relação ao enfrentamento da ansiedade em situações de provas e seminários, conseguindo realizá-los com poucas dificuldades.

- Discussão sobre algumas questões referentes à percepção de “ser inferior” (verbalizava “ser o mais pobre da turma”, “ter menos cultura”, entre outras regras).

- Não quis trabalhar a integração com a turma, pois se sentia “ressentido e como logo se formaria, não teria mais contato com o grupo”.

- Formou-se no prazo, totalizando 08 sessões de orientação.

- Foi sugerido que desse continuidade ao atendimento psicológico se tivesse oportunidade.