http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/106.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
O USO DE ATIVIDADES PSICOMOTORAS EVIDENCIADAS A PARTIR DE UM
INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO SISTEMÁTICA
Mariângela de Castro Meneghin
Universidade Estadual Paulista:
“Júlio de Mesquita Filho”
Regina Helena V. Torkomian Joaquim
Universidade Federal de São Carlos
RESUMO
O estudo foi realizado por uma aluna e uma docente de graduação em Terapia
Ocupacional, na clínica da UFSCar, objetivando relatar a intervenção com uma criança
com atraso no desenvolvimento global e necessidades educativas especiais. Foram
utilizadas atividades psicomotoras indicadas no plano de intervenção, elaborado a
partir de um instrumento de avaliação que abrangesse cinco áreas do desenvolvimento
infantil. O processo terapêutico foi constituído por: avaliação usando um instrumento
sistemático, elaboração do plano de intervenção, intervenção com atividades
psicomotoras, visita domiciliar e visitas escolares, e reavaliação. Fundamentamos o
plano de intervenção na abordagem psicomotora, pois os resultados da avaliação
indicaram que - das áreas do desenvolvimento - os itens das categorias e classes de
respostas prioritárias a serem trabalhadas são as que requerem: coordenação motora
global, fina e visomotora, orientação temporo-espacial e esquema corporal.
Comparando os dados obtidos pela avaliação com os da reavaliação, observamos
evoluções em um item da área de desenvolvimento correspondente à socialização,
dois itens do desenvolvimento cognitivo e em cinco itens referentes aos autocuidados.
Não houve evolução quantitativa quanto às áreas de desenvolvimento motor e de
linguagem. Concluímos que o uso do instrumento de avaliação sistemática possibilitou
a elaboração do plano de intervenção individualizado. Além disto, o processo
terapêutico ocupacional estabelecido possibilitou: o contato com familiares e demais
profissionais que intervêem com a criança; entrega de impressos informativos com
sugestões de como proceder na sala de aula e em casa com esta criança, a fim de
favorecer seu desenvolvimento global e atender suas necessidades educacionais
específicas.
INTRODUÇÃO:
Segundo Santos e Nogueira (2004, p.259), o Terapeuta Ocupacional (T.O.) utiliza-se
da avaliação para conhecer as potencialidades, dificuldades, rotina diária e interesses
da criança e a habilita para papéis e tarefas importantes para o dia-a-dia em todos os
contextos: familiar, comunitário e o escolar. Pelosi (2005, p.42) afirma que no contexto
escolar, o trabalho do T.O. em parceria com os professores e outros serviços de apoio
aos alunos com necessidades educacionais especiais tornou-se primordial no sistema
educacional, e que o ponto de partida na intervenção é avaliar o potencial da criança.
Para Santos e Nogueira (2004, p.259) é fundamental a utilização de instrumentos
padronizados de avaliação, pois estes direcionam o plano de intervenção e
evidenciam as conseqüências do tratamento, promovendo a sistematização da prática
clínica.
O Inventário Portage Operacionalizado: Intervenção com famílias foi o instrumento de
avaliação utilizado neste estudo e é definido como instrumento de avaliação
sistemática para colher informações sobre o desenvolvimento da criança na faixa
etária de zero a seis anos, sendo um roteiro de observação que auxilia no
estabelecimento de prioridades de treino em crianças com atrasos de
desenvolvimento, possibilitando avaliar, treinar e educar crianças em áreas diversas
como: habilidades motoras, cognitivas, de comunicação, sociais e de vida diária.
(Willians & Aiello, 2001, p.13). As autoras Willians e Aiello (2001, p.22) também
destacam a relevância do envolvimento da família nos programas de intervenção,
devendo ser considerados como parceiros nos programas de reabilitação e de
educação especial.
A avaliação (direcionada por instrumentos específicos ou não) é a primeira etapa de
um processo de intervenção que tem como objetivo coletar e analisar os dados,
permitindo a seleção de objetivos e meios para elaborar o plano de intervenção,
fundamentando a prática clínica; a próxima etapa é realizar a intervenção com base no
programa de tratamento que foi elaborado e executar as reavaliações periodicamente,
utilizando os mesmos procedimentos da avaliação para verificar as mudanças
acontecidas no decorrer da terapia (FRANCISCO, 2001, p.56, 58,59).
Na intervenção terapêutica ocupacional infantil, nos deparamos com uma clientela que
apresenta necessidades especiais físicas, sensoriais, mentais, e/ou educacionais que
podem influenciar em seu desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), sendo inúmeros
os fatores (nutricionais, traumáticos, patológicos, ambientais e/ou psicossociais)
indicados por Costa Nova (1998, p.27) que podem interferir no DNPM da criança. O
terapeuta ocupacional avalia e intervêm quando tais dificuldades influenciam
negativamente o cotidiano da criança, prejudicando a participação dela no seu meio
social (família, escola, comunidade, etc).
Uma das abordagens de intervenção (tanto no campo da reabilitação clínica quanto no
educacional) que pode auxiliar crianças com comprometimento no DNPM é a
psicomotricidade. Para Galvani (2002, p.21-22) a psicomotricidade é uma ciência
ampla que engloba o homem nos aspectos: cognitivos (intelectual), afetivos
(emocional) e orgânicos (motor); ciência que coloca a teoria em prática através da
vivência e do sentir. A autora afirma que somente quando são trabalhados
corporalmente os aspectos psicomotores (esquema corporal, equilíbrio, coordenação,
lateralidade e tônus) os potenciais psíquicos da criança serão ativados na realização
das atividades psicofuncionais (GALVANI, 2002, p.23), o que favorecerá seu
desenvolvimento global e consequentemente auxiliará nas habilidades escolares. De
acordo com Sánchez, Martinez e Peñalver (2003, p.14) a intervenção psicomotora não
vai focar as dificuldades cognitivas e nem os transtornos de comportamento da
criança, ao contrário, vai se importar por aquilo que a criança sabe fazer de acordo
com sua fase maturativa e afetiva. Oliveira (1997, p.39) enfatiza a importância de
trabalhar os aspectos psicomotores e afirma que existem “pré-requisitos” do ponto de
vista psicomotor para que a criança tenha uma aprendizagem significativa das
habilidades relacionadas à preparação para a escrita. Segundo Sánchez, Martinez e
Peñalver (2003, p.75) a prática psicomotora pode ser utilizada tanto no contexto
terapêutico (contemplando os impedimentos que não permitem o desenvolvimento
harmônico da criança e intervindo de modo individualizado para compreender seus
objetivos), quanto no contexto escolar (contemplando o aspecto preventivo e educativo,
ajudando a prevenir dificuldades de comportamento e de aprendizagem).
Ao desejar estimular o desenvolvimento de crianças é necessário conhecer em que
fase do desenvolvimento estas crianças se encontram, pois Oliveira (1997, p.21)
destaca a necessidade de um mínimo de maturidade de onde possa partir qualquer
que seja o comportamento considerado para que uma aprendizagem aconteça, caso
contrário a estimulação será inútil.
É na literatura citada, que este estudo se alicerça, ao relatar um processo de
intervenção que se utiliza de atividades psicomotoras selecionadas a partir do plano
de intervenção elaborado especificamente para a participante do estudo,
evidenciadas por um instrumento sistemático de avaliação que permitisse avaliar as
cinco principais áreas do desenvolvimento infantil de uma criança com atraso no
DNPM e necessidades educacionais especiais.
MÉTODO:
O estudo foi realizado a partir de intervenção clínica supervisionada, realizada por uma
aluna de graduação em T.O., sob supervisão de uma docente da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar). Os atendimentos aconteceram na clínica escola da
universidade, com duração de 50 minutos cada um e totalizaram-se 40 sessões no ambulatório, destinadas à
avaliação, intervenção e reavaliação, duas visitas nas escolas da criança contatando a
professora, a fonoaudióloga, a psicopedagoga e a psicóloga que atendiam a criança
na instituição e uma visita domiciliar.
A intervenção foi realizada com Letícia1 - uma criança de
dez anos de idade
cronológica, que apresentava atraso significativo no DNPM global. Clinicamente, a
criança apresentava comportamentos rotineiros como: atenção e concentração por
curtos períodos de tempo em cada tarefa e troca freqüente de atividades sem terminar
o que havia começado (tal dificuldade também acontecia em sala de aula); durante a
sessão - ao ouvir barulho de carro - dirigia-se até a janela da sala, onde solicitava,
batendo no vidro da janela e chamando verbalmente o cuidador ou olhava se o
automóvel deste ainda encontrava-se estacionado em frente do setor; recusava descer
do carro ao chegar ao setor e negava iniciar atividades que aparentemente teria
dificuldade de realizar, (comportamento também relatado pela professora da classe
especial que freqüentava). Quanto às atividades pedagógicas, suas habilidades
correspondiam às habilidades pré-acadêmicas do ensino infantil: não identificava
letras e números e não associava objetos à quantidade, com preensão adequada do
lápis só realizava garatujas no papel, realizava traços curtos para diversas direções
sem preencher o contorno de desenhos, não contornava, precisava sempre ser
lembrada de olhar para o que suas mãos estavam fazendo, atividades estas que
evidenciavam precária coordenação motora fina e visomotora. Em relação à
linguagem, falava frases compostas por até seis palavras, ao invés de verbalizar ações
em figuras ela nomeava cada figura com apenas uma palavra, que geralmente era o
nome do personagem. A maioria dos animais nomeava verbalizando os sons
onomatopéicos que estes produzem. No período inicial do processo de intervenção, a
criança freqüentava a classe especial de escola de ensino regular de sua cidade, que
continha 14 crianças com idades cronológicas anteriores à sua. Quanto ao ambiente
familiar, o cuidador o descrevia como conflituoso devido às constantes discussões
entre os pais, que já não moravam mais juntos. Todas essas características
observadas de forma assistemática antes da realização da avaliação, sugeriram que o
desenvolvimento global da criança correspondia à faixa etária anterior a esperada aos
seis anos de idade.
Como instrumento de avaliação e reavaliação utilizamos o Inventário Portage
Operacionalizado (2001), e sua escolha justifica-se por este possibilitar que a
avaliação contemple todas as classes de comportamentos listadas de acordo com o
processo natural do desenvolvimento referentes às faixas etárias de zero a seis anos
nas cinco áreas de desenvolvimento (motor, social, linguagem, autocuidados e
cognitivo) o que permite traçar o desenvolvimento global da criança, e por este
instrumento fornecer um roteiro com os itens agrupados em classes de respostas que
ao serem preenchidos após a avaliação, evidenciam quais classes de respostas
devem ser estimuladas de acordo com a seqüência do desenvolvimento infantil, dado
este que norteia estabelecer os objetivos adequados de um processo de intervenção.
O Inventário Portage Operacionalizado (IPO), apresenta - dentro da faixa etária de zero
a seis anos - 580 comportamentos descritos em forma de itens distribuídos nas cinco
áreas de desenvolvimento e na área de Estimulação Infantil. A área de
desenvolvimento motor é constituída de 140 itens ao total, a área da linguagem possui
99 itens, socialização tem 83 itens, autocuidados tem 105 itens, cognição por 108
itens e a área de estimulação infantil com 45 itens. Fornece protocolos com todos os
itens de cada área de desenvolvimento numerados para que assinalemos com “V” os
acertos, com “X” os erros e com “O” os itens anulados, e nos orienta que as reais
habilidades da criança correspondem à faixa etária que ela apresentar 15 respostas
certas consecutivas. Fornece ainda um agrupamento, com as categorias e classes de
respostas contidas em cada área do desenvolvimento, e na frente de cada categoria e
classe de resposta os itens pertencentes a elas dispostos de acordo com a seqüência
natural de maturação do desenvolvimento infantil normalmente esperado. O
preenchimento desse agrupamento dos 580 itens do inventário nas respectivas
classes de respostas possibilita visualizar até que comportamento a criança realiza e
qual o próximo a ser estimulado dentro de uma categoria ou classe de resposta. (por
exemplo: “Comer com colher de modo independente” é um dos itens da classe de
resposta “comer” e da categoria “alimentação” da área de autocuidados).
1 Letícia, nome fictício para resguardar a identidade da paciente.
RESULTADOS:
Quando concluímos a avaliação, que nos indicou em cada classe de resposta quais
comportamentos a criança apresentava e quais os próximos a serem contemplados,
listamos estes como sendo os prioritários a serem estimulados durante a intervenção.
Com base nesses dados elaboramos o plano de intervenção contendo como objetivos
gerais: favorecer o desenvolvimento global da criança, porém tendo como prioridade
os aspectos relacionados aos autocuidados e às habilidades motoras e cognitivas, e
assim propiciar a autonomia e independência da criança em aspectos da vida diária,
pois esta é a área de desenvolvimento diretamente relacionada às atividades
essenciais para a autonomia e independência da criança em atividades que ela
realiza no dia-a-dia, sendo assim, essencialmente funcionais para sua vida, sendo
considerada como área de desenvolvimento a ser explorada em atendimentos de
Terapia Ocupacional e objetivos relacionados ao desenvolvimento motor e cognitivo,
pois ao analisar as atividades de autocuidados verificamos que estas exigem
habilidades motoras e cognitivas para serem executadas. Dessas três áreas do
desenvolvimento, destacamos os itens que os resultados da avaliação indicaram como
prioritários a serem estimulados, e ao analisarmos esses itens verificamos que para
serem executados eles requerem aspectos psicomotores tais como: equilíbrio, noção
de esquema corporal, coordenação visomotora, coordenação motora global e fina,
lateralidade, estruturação espaço-temporal, dessa forma pareceu adequado
fundamentar o processo de intervenção na psicomotricidade.
Das habilidades relacionadas aos autocuidados, cognição e desenvolvimento motor
destacadas pelos resultados da avaliação como prioritárias a serem trabalhadas, as
que requerem coordenação motora global foram: colocar e tirar camiseta, malha e
casaco, ensaboar, correr, jogar bola, rebater a bola, ficar na ponta dos pés,
permanecer em um só pé, pular para frente e para trás e executar gestos
coordenados; as habilidades que requerem coordenação visomotora e motora fina
foram: recortar, empilhar, seqüenciar, encaixar, contornar figura, fazer traços no papel
circulares e diagonais, identificar tamanhos e comprimentos e montar quebra-cabeça
de até seis peças. Em relação ao uso da tesoura, foi observado que a criança cortou
pedaços de papel e utilizou a tesoura em posição inadequada para o recorte.
Habilidades que requerem equilíbrio: colocar e tirar: casaco, malha ou camiseta;
correr, pular, manter-se em um só pé, manter-se na ponta dos pés. Cabe destacar, que
a habilidade de vestir/desvestir, ensaboar, requer também outros aspectos
psicomotores, no caso esquema corporal e lateralidade, como ocorre nas outras
atividades, sejam gráficas ou corporais. A habilidade de contornar, realizar traços
diagonais e circulares requer além de coordenação visomotora e motora fina, pois a
criança precisa manter o olhar no local onde está passando “o lápis”, também exige
lateralidade, pois é necessário que a criança use preferencialmente a mão esquerda
ou a direita, noção de espaço, pois a escrita é realizada nos sentidos: “de cima para
baixo” e da esquerda para a direita; ou seja, os aspectos psicomotores apresentam-se
como necessários para as habilidades escolares. Dessa forma, para estimular os
aspectos psicomotores descritos, realizamos atividades psicomotoras: jogos com
bolas, jogos de encaixes, jogos de tabuleiro, atividades com músicas envolvendo
movimentos corporais coordenados, brincadeiras envolvendo movimentos corporais e
atividades pedagógicas (atividades gráficas, atividades com números, letras, formas
geométricas, cores, recorte e colagem), e orientamos os familiares principalmente
quanto ao treino das tarefas relacionadas à higiene, vestuário e alimentação. A
intervenção foi desenvolvida em dezenove sessões programadas devido a alguns
fatores como: suspensão dos atendimentos no período de férias acadêmicas;
cancelamento de seis sessões pela mãe da criança e a reserva do último semestre
letivo de graduação da aluna para o desenvolvimento da reavaliação na criança.
Então, após as sessões de intervenção, iniciamos a reavaliação usando o mesmo
protocolo para verificar se e quais mudanças poderiam ter ocorrido.
Ao comparar os resultados obtidos da avaliação com os da reavaliação, verificamos
que: 1) tanto a avaliação quanto a reavaliação indicam o significativo atraso no
desenvolvimento global da criança, e embora apresentasse idade cronológica de dez
anos seu desenvolvimento correspondia à faixa etária aos dois anos de idade; 2) seu
desempenho apresentava-se de forma decrescente conforme o avanço das faixas
etárias; 3) não houve mudança quantitativa dos resultados da avaliação em
comparação com a reavaliação no desenvolvimento motor e de linguagem; 4) em
socialização houve evolução em apenas um item referente aos 48 meses; 5) em
cognição houve evolução em dois itens referentes aos 48 meses; 6) Autocuidados foi
a área de desenvolvimento que apresentou mais evolução quantitativa, sendo dois
itens pertencentes à faixa etária dos 36 meses, um item aos 60 meses e dois itens
referentes à faixa etária de 72 meses. Ao comparar as observações clínicas da
reavaliação com as da avaliação, observamos que a criança começou a utilizar a
tesoura de forma adequada (isto é, sem inverter a posição da tesoura com a pronação
do antebraço, movimento que posiciona o polegar abaixo do papel a ser recortado,
como fazia durante a avaliação), porém continuava com dificuldade de realizar o
recorte em linha reta, evidenciada pela falta de coordenação motora fina. Notamos
também que a freqüência da criança em recusar descer do carro ao chegar ao setor
diminuiu, o que pode ter sido favorecido pelo estabelecimento de vínculo terapêutico
entre criança, terapeutas e ambiente, e pelo estabelecimento de uma rotina das
sessões o que pode ter contribuído para a diminuição de sua insegurança e receio de
estar sem o cuidador por perto durante a realização de atividades.
No decorrer da intervenção, realizamos visitas nas escolas que a criança freqüentou,
assim no período da avaliação visitamos a classe especial da escola de ensino regular
que a criança freqüentava e observamos que alguns dos comportamentos
inadequados que Letícia apresentava ocorriam em outras crianças da sala,
observamos que havia apenas uma professora para atender às necessidades
educacionais individuais daqueles 14 alunos e que não havia a atuação de outros
profissionais especializados dentro do contexto escolar. Após essa visita, elaboramos
de forma impressa e explicativa e enviamos aos familiares e à professora da classe
especial, sugestões de possíveis formas de intervir com a criança que possibilitaria
potencializar seu DNPM global. Após essa conduta (não sabemos se conseqüente a
isso ou não) os familiares e a própria escola sugeriram a necessidade dessa criança
freqüentar uma escola especializada que atendesse às suas necessidades
educacionais especiais. Durante o período da reavaliação, realizamos uma visita na
escola especial em que a criança passou a freqüentar, e verificamos durante essa
visita que os outros alunos da classe, dez no máximo, possuíam idade igual ou
superior à da criança do nosso estudo e contatamos a professora e os demais
profissionais que intervinham com a criança (psicopedagoga, fonoaudióloga e
psicóloga) com quem trocamos informações verbais e impressas sobre Letícia, nos
colocando à disposição da escola. Neste período que a criança estava freqüentando o
novo contexto escolar não houve queixas com relação ao seu comportamento e não
houve relato de Letícia recusar a descer do carro ao chegar à escola, o que parece
nos indicar que a mudança para essa escola foi positiva e que a menina demonstrava-se motivada para entrar e permanecer nesta escola ao ser deixada na porta pelos
familiares.
DISCUSSÃO:
Embora os resultados do estudo tenham indicado que dentre os oito itens que
apresentaram evoluções ao compararmos os resultados da avaliação com os da
reavaliação, sete deles haviam sido evidenciados nos resultados da avaliação como
prioritários a serem trabalhados, ainda não é possível afirmar que a intervenção
terapêutica ocupacional utilizando atividades psicomotoras promoveu a aquisição de
melhores índices na reavaliação já que essa ocorreu associada e concomitante a
todas outras vivências da criança, bem como aos estímulos dos diversos ambientes
que freqüenta (escolar, familiar, de lazer e terapêutico - ambulatoriais). No entanto, é
fato que uma intervenção baseada em dados sistemáticos pode facilitar esse
processo, pois permite estabelecermos prioridades de treino ao evidenciar
habilidades e limitações que uma criança apresenta nas áreas do desenvolvimento,
além de evidenciar à qual faixa etária do desenvolvimento infantil seu real desempenho
corresponde. A avaliação utilizando-se o instrumento citado evidenciou os objetivos a
serem propostos e a necessidade da utilização de uma prática psicomotora para
estimular as classes de comportamentos que indicou como prioritários naquele dado
momento, e consideramos este um dos pontos fundamentais do processo relatado,
uma vez que diante de tantas necessidades especiais (físicas, educacionais, mentais,
emocionais e sociais) e do atraso no DNPM que observamos num primeiro momento
de forma assistemática em Letícia, necessitávamos saber exatamente o quanto
representava esse atraso em seu desenvolvimento global e por onde e como começar
a estimulação. Além da escolha da psicomotricidade ter se dado ao analisarmos e
pormenorizarmos cada item das classes de comportamento indicadas como
prioritárias a serem estimuladas naquele momento e concluirmos que após
esmiuçarmos cada item prioritário estes requeriam principalmente as habilidades
correspondentes aos aspectos psicomotores, procuramos focar as destrezas da
criança, aprimorando aquilo que ela já sabe fazer acrescentando desafios para
construir novas habilidades sem “trabalhar” diretamente suas dificuldades, o que
provavelmente suscitaria frustrações e recusas em participar das atividades e
dificultaria adesão ao tratamento. Consideramos benéfico o uso de atividades
psicomotoras com essa criança, pois acreditamos na importância de naquele
momento ela vivenciar este tipo de atividade no ambiente terapêutico preparado e
apropriado para a prática psicomotora, porque de acordo com Vitta (1997, p.35) o
desenvolvimento humano é fruto da interação entre o biológico e o ambiente, dessa
forma pudemos favorecer que os estímulos externos e ambientais acontecessem.
O uso desse instrumento sistemático de avaliação e reavaliação também facilitou
conhecer a criança em todos os aspectos (motor, cognitivo, social, comunicativo e de
autocuidado) o que favoreceu que fornecêssemos aos familiares e demais
profissionais que atuavam com ela informações sobre a mesma, sugestões de como
proceder com ela em casa e na escola, o que poderia aumentar as vivências
adequadas para fase maturativa atual, propiciando seu desenvolvimento
neuropsicomotor global. Enfatizamos a importância deste processo terapêutico
também ter permitido a realização da discussão do caso na escola da criança por uma
equipe de profissionais especializados (psicóloga, psicopedagoga, professora
habilitada em educação especial, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional) a fim de
demonstrar e informar que a parceria do T.O. com os profissionais especializados da
escola pode facilitar a compreensão e estimulação das necessidades educacionais
específicas da criança.
Embora indicamos os aspectos positivos descritos acima quanto ao uso do Inventário
Portage Operacionalizado como instrumento sistemático de avaliação e reavaliação
consideramos importante relatar que a falta de flexibilidade em permitir adaptações
nos itens, contribuiriam para que a criança apresentasse um atraso no DNPM
significativo. Acreditamos que se pudéssemos ter realizado adaptações nas
atividades, procedimento comum para o terapeuta ocupacional, poderíamos ter
computado um número maior de acertos durante a avaliação e reavaliação.
Assim como nós sentimos a necessidade de esmiuçar cada item do Inventário
Portage Operacionalizado (IPO) para saber exatamente quais atos seriam
necessários para realizar cada item, outro estudo chegou a conclusão semelhante,
Rossito (1984) realizou um Estudo comparativo entre o IPO e a Escala AVC (escala
que permite analisar as discriminações básicas, presentes no repertório de uma
criança, através de seis tarefas) para programar atividades pré-escolares de crianças
excepcionais, e concluiu que o Inventário por ser operacionalizado foi útil como guia
para derivar atividades, porém apenas a sua aplicação não era suficiente para a
programação de treinos que desejava, e considerou necessário o uso de outro
instrumento (no caso a escala AVC) que permitisse uma análise mais refinada, para
saber quais discriminações seriam necessárias para realizar cada item, para então
programar as atividades pré-escolares. Outro estudo, utilizando o IPO, foi realizado por
Rossit (1997), para avaliar, intervir e analisar o desenvolvimento motor de bebês com
Síndrome de Down em função da capacitação da mãe, e a autora concluiu que ao
comparar os registros da avaliação com os da reavaliação na área desenvolvimento
motor, os bebês das mães que foram treinadas obtiveram melhor desempenho em
relação aos bebês das mães que não receberam o treinamento. Como os resultados
desse estudo demonstram exatamente as evoluções motoras ocorridas durante a
intervenção, podemos indicar que o estudo sugere que o uso do IPO permite a análise
sistemática dos dados demonstrando diferenças quantitativas entre a avaliação e a
reavaliação, assim como nós o utilizamos.
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