http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/106.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

O USO DE ATIVIDADES PSICOMOTORAS EVIDENCIADAS A PARTIR DE UM INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO SISTEMÁTICA

Mariângela de Castro Meneghin
Universidade Estadual Paulista:
 “Júlio de Mesquita Filho”
Regina Helena V. Torkomian Joaquim
Universidade Federal de São Carlos


RESUMO
 
O estudo foi realizado por uma aluna e uma docente de graduação em Terapia Ocupacional, na clínica da UFSCar, objetivando relatar a intervenção com uma criança com atraso no desenvolvimento global e necessidades educativas especiais. Foram utilizadas atividades psicomotoras indicadas no plano de intervenção, elaborado a partir de um instrumento de avaliação que abrangesse cinco áreas do desenvolvimento infantil. O processo terapêutico foi constituído por: avaliação usando um instrumento sistemático, elaboração do plano de intervenção, intervenção com atividades psicomotoras, visita domiciliar e visitas escolares, e reavaliação. Fundamentamos o plano de intervenção na abordagem psicomotora, pois os resultados da avaliação indicaram que - das áreas do desenvolvimento - os itens das categorias e classes de respostas prioritárias a serem trabalhadas são as que requerem: coordenação motora global, fina e visomotora, orientação temporo-espacial e esquema corporal. Comparando os dados obtidos pela avaliação com os da reavaliação, observamos evoluções em um item da área de desenvolvimento correspondente à socialização, dois itens do desenvolvimento cognitivo e em cinco itens referentes aos autocuidados. Não houve evolução quantitativa quanto às áreas de desenvolvimento motor e de linguagem. Concluímos que o uso do instrumento de avaliação sistemática possibilitou a elaboração do plano de intervenção individualizado. Além disto, o processo terapêutico ocupacional estabelecido possibilitou: o contato com familiares e demais profissionais que intervêem com a criança; entrega de impressos informativos com sugestões de como proceder na sala de aula e em casa com esta criança, a fim de favorecer seu desenvolvimento global e atender suas necessidades educacionais específicas.
 
INTRODUÇÃO:
Segundo Santos e Nogueira (2004, p.259), o Terapeuta Ocupacional (T.O.) utiliza-se da avaliação para conhecer as potencialidades, dificuldades, rotina diária e interesses da criança e a habilita para papéis e tarefas importantes para o dia-a-dia em todos os contextos: familiar, comunitário e o escolar. Pelosi (2005, p.42) afirma que no contexto escolar, o trabalho do T.O. em parceria com os professores e outros serviços de apoio aos alunos com necessidades educacionais especiais tornou-se primordial no sistema educacional, e que o ponto de partida na intervenção é avaliar o potencial da criança. Para Santos e Nogueira (2004, p.259) é fundamental a utilização de instrumentos padronizados de avaliação, pois estes direcionam o plano de intervenção e evidenciam as conseqüências do tratamento, promovendo a sistematização da prática clínica.
O Inventário Portage Operacionalizado: Intervenção com famílias foi o instrumento de avaliação utilizado neste estudo e é definido como instrumento de avaliação sistemática para colher informações sobre o desenvolvimento da criança na faixa etária de zero a seis anos, sendo um roteiro de observação que auxilia no estabelecimento de prioridades de treino em crianças com atrasos de desenvolvimento, possibilitando avaliar, treinar e educar crianças em áreas diversas como: habilidades motoras, cognitivas, de comunicação, sociais e de vida diária. (Willians & Aiello, 2001, p.13).  As autoras Willians e Aiello (2001, p.22) também destacam a relevância do envolvimento da família nos programas de intervenção, devendo ser considerados como parceiros nos programas de reabilitação e de educação especial.
A avaliação (direcionada por instrumentos específicos ou não) é a primeira etapa de um processo de intervenção que tem como objetivo coletar e analisar os dados, permitindo a seleção de objetivos e meios para elaborar o plano de intervenção, fundamentando a prática clínica; a próxima etapa é realizar a intervenção com base no programa de tratamento que foi elaborado e executar as reavaliações periodicamente, utilizando os mesmos procedimentos da avaliação para verificar as mudanças acontecidas no decorrer da terapia (FRANCISCO, 2001, p.56, 58,59).
Na intervenção terapêutica ocupacional infantil, nos deparamos com uma clientela que apresenta necessidades especiais físicas, sensoriais, mentais, e/ou educacionais que podem influenciar em seu desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), sendo inúmeros os fatores (nutricionais, traumáticos, patológicos, ambientais e/ou psicossociais) indicados por Costa Nova (1998, p.27) que podem interferir no DNPM da criança. O terapeuta ocupacional avalia e intervêm quando tais dificuldades influenciam negativamente o cotidiano da criança, prejudicando a participação dela no seu meio social (família, escola, comunidade, etc).
Uma das abordagens de intervenção (tanto no campo da reabilitação clínica quanto no educacional) que pode auxiliar crianças com comprometimento no DNPM é a psicomotricidade. Para Galvani (2002, p.21-22) a psicomotricidade é uma ciência ampla que engloba o homem nos aspectos: cognitivos (intelectual), afetivos (emocional) e orgânicos (motor); ciência que coloca a teoria em prática através da vivência e do sentir. A autora afirma que somente quando são trabalhados corporalmente os aspectos psicomotores (esquema corporal, equilíbrio, coordenação, lateralidade e tônus) os potenciais psíquicos da criança serão ativados na realização das atividades psicofuncionais (GALVANI, 2002, p.23), o que favorecerá seu desenvolvimento global e consequentemente auxiliará nas habilidades escolares. De acordo com Sánchez, Martinez e Peñalver (2003, p.14) a intervenção psicomotora não vai focar as dificuldades cognitivas e nem os transtornos de comportamento da criança, ao contrário, vai se importar por aquilo que a criança sabe fazer de acordo com sua fase maturativa e afetiva. Oliveira (1997, p.39) enfatiza a importância de trabalhar os aspectos psicomotores e afirma que existem “pré-requisitos” do ponto de vista psicomotor para que a criança tenha uma aprendizagem significativa das habilidades relacionadas à preparação para a escrita. Segundo Sánchez, Martinez e Peñalver (2003, p.75) a prática psicomotora pode ser utilizada tanto no contexto terapêutico (contemplando os impedimentos que não permitem o desenvolvimento harmônico da criança e intervindo de modo individualizado para compreender seus objetivos), quanto no contexto escolar (contemplando o aspecto preventivo e educativo, ajudando a prevenir dificuldades de comportamento e de aprendizagem).
Ao desejar estimular o desenvolvimento de crianças é necessário conhecer em que fase do desenvolvimento estas crianças se encontram, pois Oliveira (1997, p.21) destaca a necessidade de um mínimo de maturidade de onde possa partir qualquer que seja o comportamento considerado para que uma aprendizagem aconteça, caso contrário a estimulação será inútil.
É na literatura citada, que este estudo se alicerça, ao relatar um processo de intervenção que se utiliza de atividades psicomotoras selecionadas a partir do plano de intervenção elaborado especificamente para a participante do estudo, evidenciadas por um instrumento sistemático de avaliação que permitisse avaliar as cinco principais áreas do desenvolvimento infantil de uma criança com atraso no DNPM e necessidades educacionais especiais.

MÉTODO:
O estudo foi realizado a partir de intervenção clínica supervisionada, realizada por uma aluna de graduação em T.O., sob supervisão de uma docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Os atendimentos aconteceram na clínica escola da universidade, com duração de 50 minutos cada um e totalizaram-se 40 sessões no ambulatório, destinadas à avaliação, intervenção e reavaliação, duas visitas nas escolas da criança contatando a professora, a fonoaudióloga, a psicopedagoga e a psicóloga que atendiam a criança na instituição e uma visita domiciliar.
A intervenção foi realizada com Letícia1 - uma criança de dez anos de idade cronológica, que apresentava atraso significativo no DNPM global. Clinicamente, a criança apresentava comportamentos rotineiros como: atenção e concentração por curtos períodos de tempo em cada tarefa e troca freqüente de atividades sem terminar o que havia começado (tal dificuldade também acontecia em sala de aula); durante a sessão - ao ouvir barulho de carro - dirigia-se até a janela da sala, onde solicitava, batendo no vidro da janela e chamando verbalmente o cuidador ou olhava se o automóvel deste ainda encontrava-se estacionado em frente do setor; recusava descer do carro ao chegar ao setor e negava iniciar atividades que aparentemente teria dificuldade de realizar, (comportamento também relatado pela professora da classe especial que freqüentava). Quanto às atividades pedagógicas, suas habilidades correspondiam às habilidades pré-acadêmicas do ensino infantil: não identificava letras e números e não associava objetos à quantidade, com preensão adequada do lápis só realizava garatujas no papel, realizava traços curtos para diversas direções sem preencher o contorno de desenhos, não contornava, precisava sempre ser lembrada de olhar para o que suas mãos estavam fazendo, atividades estas que evidenciavam precária coordenação motora fina e visomotora. Em relação à linguagem, falava frases compostas por até seis palavras, ao invés de verbalizar ações em figuras ela nomeava cada figura com apenas uma palavra, que geralmente era o nome do personagem. A maioria dos animais nomeava verbalizando os sons onomatopéicos que estes produzem. No período inicial do processo de intervenção, a criança freqüentava a classe especial de escola de ensino regular de sua cidade, que continha 14 crianças com idades cronológicas anteriores à sua. Quanto ao ambiente familiar, o cuidador o descrevia como conflituoso devido às constantes discussões entre os pais, que já não moravam mais juntos. Todas essas características observadas de forma assistemática antes da realização da avaliação, sugeriram que o desenvolvimento global da criança correspondia à faixa etária anterior a esperada aos seis anos de idade.
Como instrumento de avaliação e reavaliação utilizamos o Inventário Portage Operacionalizado (2001), e sua escolha justifica-se por este possibilitar que a avaliação contemple todas as classes de comportamentos listadas de acordo com o processo natural do desenvolvimento referentes às faixas etárias de zero a seis anos nas cinco áreas de desenvolvimento (motor, social, linguagem, autocuidados e cognitivo) o que permite traçar o desenvolvimento global da criança, e por este instrumento fornecer um roteiro com os itens agrupados em classes de respostas que ao serem preenchidos após a avaliação, evidenciam quais classes de respostas devem ser estimuladas de acordo com a seqüência do desenvolvimento infantil, dado este que norteia estabelecer os objetivos adequados de um processo de intervenção.
O Inventário Portage Operacionalizado (IPO), apresenta - dentro da faixa etária de zero a seis anos - 580 comportamentos descritos em forma de itens distribuídos nas cinco áreas de desenvolvimento e na área de Estimulação Infantil. A área de desenvolvimento motor é constituída de 140 itens ao total, a área da linguagem possui 99 itens, socialização tem 83 itens, autocuidados tem 105 itens, cognição por 108 itens e a área de estimulação infantil com 45 itens. Fornece protocolos com todos os itens de cada área de desenvolvimento numerados para que assinalemos com “V” os acertos, com “X” os erros e com “O” os itens anulados, e nos orienta que as reais habilidades da criança correspondem à faixa etária que ela apresentar 15 respostas certas consecutivas. Fornece ainda um agrupamento, com as categorias e classes de respostas contidas em cada área do desenvolvimento, e na frente de cada categoria e classe de resposta os itens pertencentes a elas dispostos de acordo com a seqüência natural de maturação do desenvolvimento infantil normalmente esperado. O preenchimento desse agrupamento dos 580 itens do inventário nas respectivas classes de respostas possibilita visualizar até que comportamento a criança realiza e qual o próximo a ser estimulado dentro de uma categoria ou classe de resposta. (por exemplo: “Comer com colher de modo independente” é um dos itens da classe de resposta “comer” e da categoria “alimentação” da área de autocuidados).

1 Letícia, nome fictício para resguardar a identidade da paciente.

RESULTADOS:
Quando concluímos a avaliação, que nos indicou em cada classe de resposta quais comportamentos a criança apresentava e quais os próximos a serem contemplados, listamos estes como sendo os prioritários a serem estimulados durante a intervenção. Com base nesses dados elaboramos o plano de intervenção contendo como objetivos gerais: favorecer o desenvolvimento global da criança, porém tendo como prioridade os aspectos relacionados aos autocuidados e às habilidades motoras e cognitivas, e assim propiciar a autonomia e independência da criança em aspectos da vida diária, pois esta é a área de desenvolvimento diretamente relacionada às atividades essenciais para a autonomia e independência da criança em atividades que ela realiza no dia-a-dia, sendo assim, essencialmente funcionais para sua vida, sendo considerada como área de desenvolvimento a ser explorada em atendimentos de Terapia Ocupacional e objetivos relacionados ao desenvolvimento motor e cognitivo, pois ao analisar as atividades de autocuidados verificamos que estas exigem habilidades motoras e cognitivas para serem executadas. Dessas três áreas do desenvolvimento, destacamos os itens que os resultados da avaliação indicaram como prioritários a serem estimulados, e ao analisarmos esses itens verificamos que para serem executados eles requerem aspectos psicomotores tais como: equilíbrio, noção de esquema corporal, coordenação visomotora, coordenação motora global e fina, lateralidade, estruturação espaço-temporal, dessa forma pareceu adequado fundamentar o processo de intervenção na psicomotricidade.
Das habilidades relacionadas aos autocuidados, cognição e desenvolvimento motor destacadas pelos resultados da avaliação como prioritárias a serem trabalhadas, as que requerem coordenação motora global foram: colocar e tirar camiseta, malha e casaco, ensaboar, correr, jogar bola, rebater a bola, ficar na ponta dos pés, permanecer em um só pé, pular para frente e para trás e executar gestos coordenados; as habilidades que requerem coordenação visomotora e motora fina foram: recortar, empilhar, seqüenciar, encaixar, contornar figura, fazer traços no papel circulares e diagonais, identificar tamanhos e comprimentos e montar quebra-cabeça de até seis peças. Em relação ao uso da tesoura, foi observado que a criança cortou pedaços de papel e utilizou a tesoura em posição inadequada para o recorte. Habilidades que requerem equilíbrio: colocar e tirar: casaco, malha ou camiseta; correr, pular, manter-se em um só pé, manter-se na ponta dos pés. Cabe destacar, que a habilidade de vestir/desvestir, ensaboar, requer também outros aspectos psicomotores, no caso esquema corporal e lateralidade, como ocorre nas outras atividades, sejam gráficas ou corporais. A habilidade de contornar, realizar traços diagonais e circulares requer além de coordenação visomotora e motora fina, pois a criança precisa manter o olhar no local onde está passando “o lápis”, também exige lateralidade, pois é necessário que a criança use preferencialmente a mão esquerda ou a direita, noção de espaço, pois a escrita é realizada nos sentidos: “de cima para baixo” e da esquerda para a direita; ou seja, os aspectos psicomotores apresentam-se como necessários para as habilidades escolares. Dessa forma, para estimular os aspectos psicomotores descritos, realizamos atividades psicomotoras: jogos com bolas, jogos de encaixes, jogos de tabuleiro, atividades com músicas envolvendo movimentos corporais coordenados, brincadeiras envolvendo movimentos corporais e atividades pedagógicas (atividades gráficas, atividades com números, letras, formas geométricas, cores, recorte e colagem), e orientamos os familiares principalmente quanto ao treino das tarefas relacionadas à higiene, vestuário e alimentação. A intervenção foi desenvolvida em dezenove sessões programadas devido a alguns fatores como: suspensão dos atendimentos no período de férias acadêmicas; cancelamento de seis sessões pela mãe da criança e a reserva do último semestre letivo de graduação da aluna para o desenvolvimento da reavaliação na criança. Então, após as sessões de intervenção, iniciamos a reavaliação usando o mesmo protocolo para verificar se e quais mudanças poderiam ter ocorrido.
Ao comparar os resultados obtidos da avaliação com os da reavaliação, verificamos que: 1) tanto a avaliação quanto a reavaliação indicam o significativo atraso no desenvolvimento global da criança, e embora apresentasse idade cronológica de dez anos seu desenvolvimento correspondia à faixa etária aos dois anos de idade; 2) seu desempenho apresentava-se de forma decrescente conforme o avanço das faixas etárias; 3) não houve mudança quantitativa dos resultados da avaliação em comparação com a reavaliação no desenvolvimento motor e de linguagem; 4) em socialização houve evolução em apenas um item referente aos 48 meses; 5) em cognição houve evolução em dois itens referentes aos 48 meses; 6) Autocuidados foi a área de desenvolvimento que apresentou mais evolução quantitativa, sendo dois itens pertencentes à faixa etária dos 36 meses, um item aos 60 meses e dois itens referentes à faixa etária de 72 meses. Ao comparar as observações clínicas da reavaliação com as da avaliação, observamos que a criança começou a utilizar a tesoura de forma adequada (isto é, sem inverter a posição da tesoura com a pronação do antebraço, movimento que posiciona o polegar abaixo do papel a ser recortado, como fazia durante a avaliação), porém continuava com dificuldade de realizar o recorte em linha reta, evidenciada pela falta de coordenação motora fina. Notamos também que a freqüência da criança em recusar descer do carro ao chegar ao setor diminuiu, o que pode ter sido favorecido pelo estabelecimento de vínculo terapêutico entre criança, terapeutas e ambiente, e pelo estabelecimento de uma rotina das sessões o que pode ter contribuído para a diminuição de sua insegurança e receio de estar sem o cuidador por perto durante a realização de atividades.
No decorrer da intervenção, realizamos visitas nas escolas que a criança freqüentou, assim no período da avaliação visitamos a classe especial da escola de ensino regular que a criança freqüentava e observamos que alguns dos comportamentos inadequados que Letícia apresentava ocorriam em outras crianças da sala, observamos que havia apenas uma professora para atender às necessidades educacionais individuais daqueles 14 alunos e que não havia a atuação de outros profissionais especializados dentro do contexto escolar. Após essa visita, elaboramos de forma impressa e explicativa e enviamos aos familiares e à professora da classe especial, sugestões de possíveis formas de intervir com a criança que possibilitaria potencializar seu DNPM global. Após essa conduta (não sabemos se conseqüente a isso ou não) os familiares e a própria escola sugeriram a necessidade dessa criança freqüentar uma escola especializada que atendesse às suas necessidades educacionais especiais. Durante o período da reavaliação, realizamos uma visita na escola especial em que a criança passou a freqüentar, e verificamos durante essa visita que os outros alunos da classe, dez no máximo, possuíam idade igual ou superior à da criança do nosso estudo e contatamos a professora e os demais profissionais que intervinham com a criança (psicopedagoga, fonoaudióloga e psicóloga) com quem trocamos informações verbais e impressas sobre Letícia, nos colocando à disposição da escola. Neste período que a criança estava freqüentando o novo contexto escolar não houve queixas com relação ao seu comportamento e não houve relato de Letícia recusar a descer do carro ao chegar à escola, o que parece nos indicar que a mudança para essa escola foi positiva e que a menina demonstrava-se motivada para entrar e permanecer nesta escola ao ser deixada na porta pelos familiares.

DISCUSSÃO:
Embora os resultados do estudo tenham indicado que dentre os oito itens que apresentaram evoluções ao compararmos os resultados da avaliação com os da reavaliação, sete deles haviam sido evidenciados nos resultados da avaliação como prioritários a serem trabalhados, ainda não é possível afirmar que a intervenção terapêutica ocupacional utilizando atividades psicomotoras promoveu a aquisição de melhores índices na reavaliação já que essa ocorreu associada e concomitante a todas outras vivências da criança, bem como aos estímulos dos diversos ambientes que freqüenta (escolar, familiar, de lazer e terapêutico - ambulatoriais). No entanto, é fato que uma intervenção baseada em dados sistemáticos pode facilitar esse processo, pois permite estabelecermos prioridades de treino ao evidenciar habilidades e limitações que uma criança apresenta nas áreas do desenvolvimento, além de evidenciar à qual faixa etária do desenvolvimento infantil seu real desempenho corresponde. A avaliação utilizando-se o instrumento citado evidenciou os objetivos a serem propostos e a necessidade da utilização de uma prática psicomotora para estimular as classes de comportamentos que indicou como prioritários naquele dado momento, e consideramos este um dos pontos fundamentais do processo relatado, uma vez que diante de tantas necessidades especiais (físicas, educacionais, mentais, emocionais e sociais) e do atraso no DNPM que observamos num primeiro momento de forma assistemática em Letícia, necessitávamos saber exatamente o quanto representava esse atraso em seu desenvolvimento global e por onde e como começar a estimulação. Além da escolha da psicomotricidade ter se dado ao analisarmos e pormenorizarmos cada item das classes de comportamento indicadas como prioritárias a serem estimuladas naquele momento e concluirmos que após esmiuçarmos cada item prioritário estes requeriam principalmente as habilidades correspondentes aos aspectos psicomotores, procuramos focar as destrezas da criança, aprimorando aquilo que ela já sabe fazer acrescentando desafios para construir novas habilidades sem “trabalhar” diretamente suas dificuldades, o que provavelmente suscitaria frustrações e recusas em participar das atividades e dificultaria adesão ao tratamento. Consideramos benéfico o uso de atividades psicomotoras com essa criança, pois acreditamos na importância de naquele momento ela vivenciar este tipo de atividade no ambiente terapêutico preparado e apropriado para a prática psicomotora, porque de acordo com Vitta (1997, p.35) o desenvolvimento humano é fruto da interação entre o biológico e o ambiente, dessa forma pudemos favorecer que os estímulos externos e ambientais acontecessem.
O uso desse instrumento sistemático de avaliação e reavaliação também facilitou conhecer a criança em todos os aspectos (motor, cognitivo, social, comunicativo e de autocuidado) o que favoreceu que fornecêssemos aos familiares e demais profissionais que atuavam com ela informações sobre a mesma, sugestões de como proceder com ela em casa e na escola, o que poderia aumentar as vivências adequadas para fase maturativa atual, propiciando seu desenvolvimento neuropsicomotor global. Enfatizamos a importância deste processo terapêutico também ter permitido a realização da discussão do caso na escola da criança por uma equipe de profissionais especializados (psicóloga, psicopedagoga, professora habilitada em educação especial, fonoaudióloga e terapeuta ocupacional) a fim de demonstrar e informar que a parceria do T.O. com os profissionais especializados da escola pode facilitar a compreensão e estimulação das necessidades educacionais específicas da criança.
Embora indicamos os aspectos positivos descritos acima quanto ao uso do Inventário Portage Operacionalizado como instrumento sistemático de avaliação e reavaliação consideramos importante relatar que a falta de flexibilidade em permitir adaptações nos itens, contribuiriam para que a criança apresentasse um atraso no DNPM significativo. Acreditamos que se pudéssemos ter realizado adaptações nas atividades, procedimento comum para o terapeuta ocupacional, poderíamos ter computado um número maior de acertos durante a avaliação e reavaliação.
Assim como nós sentimos a necessidade de esmiuçar cada item do Inventário Portage Operacionalizado (IPO) para saber exatamente quais atos seriam necessários para realizar cada item, outro estudo chegou a conclusão semelhante, Rossito (1984) realizou um Estudo comparativo entre o IPO e a Escala AVC (escala que permite analisar as discriminações básicas, presentes no repertório de uma criança, através de seis tarefas) para programar atividades pré-escolares de crianças excepcionais, e concluiu que o Inventário por ser operacionalizado foi útil como guia para derivar atividades, porém apenas a sua aplicação não era suficiente para a programação de treinos que desejava, e considerou necessário o uso de outro instrumento (no caso a escala AVC) que permitisse uma análise mais refinada, para saber quais discriminações seriam necessárias para realizar cada item, para então programar as atividades pré-escolares. Outro estudo, utilizando o IPO, foi realizado por Rossit (1997), para avaliar, intervir e analisar o desenvolvimento motor de bebês com Síndrome de Down em função da capacitação da mãe, e a autora concluiu que ao comparar os registros da avaliação com os da reavaliação na área desenvolvimento motor, os bebês das mães que foram treinadas obtiveram melhor desempenho em relação aos bebês das mães que não receberam o treinamento. Como os resultados desse estudo demonstram exatamente as evoluções motoras ocorridas durante a intervenção, podemos indicar que o estudo sugere que o uso do IPO permite a análise sistemática dos dados demonstrando diferenças quantitativas entre a avaliação e a reavaliação, assim como nós o utilizamos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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