http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/112.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2


REVISÃO DE LITERATURA: ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM NO ACOMPANHAMENTO PSCIOPEDAGÓGICO EM SUJEITOS COM DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO
   
 Andréa Carla Machado – Mestranda em Educação Especial – bolsista CNPq
Universidade Federal de São Carlos- UFSCar
Profa. Dra. Maria Cristina Miyazaki – Profa.Titular do Departamento de Psiquiatria
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto- FAMERP


RESUMO

O estudo dos problemas de leitura vem sendo revisto há bastante tempo existindo assim, divergências quanto às visões teórico-metodológicas assumidas. Muitas teorias foram elaboradas (Neurologia, Psicologia, Educação) para descrever, explicar e colaborar para a superação das dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita. Dessa maneira a intervenção psicopedagógica se fundamenta, cientificamente, em modelos teóricos e supõe, uma implementação tecnológica; é facilitadora; estabelece pontes (entre o sujeito – aprendizagem) e contribui, progressivamente, para a autonomia do sujeito com dislexia do desenvolvimento. Assim, as estratégias de aprendizagem trabalhadas nessa intervenção são fundamentais para a potencialização desse sujeito perante suas dificuldades específicas (leitura e escrita). O presente trabalho é embasado em uma revisão de literatura; discute algumas pesquisas visando a importância das estratégias de aprendizagem na intervenção psicopedagógica de sujeitos com dislexia do desenvolvimento, analisando a possibilidade dessa perspectiva fornecer maiores subsídios para os profissionais envolvidos, bem como contribuir efetivamente na discussão das práticas escolhidas. Acreditamos ser necessária uma efetiva incorporação dos achados das pesquisas atuais ao fazer clínico.

Introdução
A definição das dificuldades para a aprendizagem passa primeiramente pelo conceito de aprendizagem (ROTTA, 2006). O ato de aprender se dá no SNC (Sistema Nervoso Central), onde ocorrem modificações funcionais e condutuais, que dependem do fator genético do indivíduo, associado ao ambiente onde esse sujeito está inserido, ou seja, forma uma complexa rede de funções sensitivo-sensorial, motora-práxia, envolvendo todo córtex cerebral. As alterações funcionais e neuroquímicas envolvidas produzem modificações mais ou menos permanentes no SNC, e a isto se chama aprendizagem.
Portanto, o ato de aprender é um ato de plasticidade cerebral, modulado por fatores intrínseco (genético) e extrínsecos (experiência) (ROTTA, 2006).
Segundo Moojen e França (2006) a alfabetização passou a ser um dos grandes objetivos da sociedade, a preocupação da comunidade científica tem se centrado no desenvolvimento de estudos sobre o processo da aprendizagem e, particularmente da não-aprendizagem. Assim, o termo dislexia na atualidade tem despertado muito interesse pela discrepância entre o conceito de inteligência e o desempenho escolar. Urge de acordo com esses autores destacar a dislexia dentro de um amplo espectro de problemas de aprendizagem.
A dislexia do Desenvolvimento ou de evolução é uma desordem na aquisição da leitura e/ou escrita com competência que acomete crianças com inteligência dentro dos padrões de normalidade, sem deficiências sensoriais, isentas de comprometimento emocional significativo e com oportunidades educacionais adequadas (PESTUN, 1999). 
Assim, a dislexia é uma dificuldade de aprendizagem específica. Acredita-se que afete aproximadamente um em dez alunos, de todas as origens e com níveis cariados de capacidade intelectual. Geralmente, atinge mais severamente os meninos do que as meninas. Ela tende a se repetir em família. Entretanto, muitos disléxicos apresentam um grande talento criativo em belas-artes, desenho, computação e etc. Durante os anos escolares da criança, a dislexia pode afetar a sua auto-estima em um nível tal que, até que seja corretamente diagnosticada e receba ensino de apoio pode a criança pode se recusar a ler e escrever (O’REGAN, 2007). 
Assim, falar em apoio podemos destacar a intervenção psicopedagógica como um acompanhamento especializado sempre fundamentado cientificamente em modelos teóricos e que supõe, em geral, uma implementação tecnológica. Partindo de modelos teóricos, chega-se aos desenvolvimentos tecnológicos aplicados, de forma rigorosa e controlados. A intervenção, portanto, é de caráter intencional e planejado, exigindo certo nível de estruturação e de formalização, bem como é facilitadora e estabelece pontes e ajudas para a autonomia do indivíduo trabalhado (SANCHEZ, 2004). Por último, o sujeito disporá de um metaconhecimento ou conhecimento sobre seus próprios processos psicológicos, que lhe ajudará a utilizá-los de um modo mais eficaz e flexível no planejamento de suas estratégias de aprendizagem (POZO, 1997).
Sob essa perspectiva, a intervenção psicopedagógica mostra-se importante, pois contribui para o desenvolvimento de estratégias que visam auxiliar a dificuldade (leitura e escrita), bem como exaltar as potencialidades do indivíduo acometido.
Dessa maneira, um estudo revendo a literatura relacionada a essa questão é fundamental para o aprimoramento acadêmico e profissional dos técnicos (que compõem uma equipe multidisciplinar, cujas funções são essenciais no diagnóstico/prognóstico) envolvidos no acompanhamento dos sujeitos com Dislexia do desenvolvimento.
Como objetivo este estudo tem o intuito de rever a literatura (de forma não-sistemática) sobre as estratégias de aprendizagem utilizadas em intervenções psicopedagógicas de crianças com dislexia do desenvolvimento. Ressalta-se que o objetivo não foi fazer uma revisão exaustiva do que foi produzido no período estudado, mas sim de examinar um número representativo de resumos de artigos publicados, no caso, aqueles cujo acesso foi possibilitado pela base de dados Scielo e também artigos, capítulos ou livros encontrados na biblioteca da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto.

Método
Primeiramente, verificou-se o material publicado desde 1998 a 2007 na biblioteca da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e na base de dados Scielo sobre o tema de intervenção psicopedagógica com estratégias de aprendizagem no atendimento de sujeitos com dislexia do desenvolvimento. Para tanto, foram utilizados como descritores os termos: Dislexia, intervenção, psicopedagogia e estratégias de aprendizagem. Estes termos, embora indicassem algumas vezes artigos repetidos, em outras vezes revelavam artigos não contidos em outros descritores. Assim, foi possível obter garantia a respeito da maior abrangência das consultas realizadas.
Tomou-se o cuidado de conferir todos os títulos e autores, evitando-se considerar o mesmo resumo mais de uma vez. Para a classificação quanto ao tema estudado, foi realizada uma leitura inicial, nas quais os resumos foram alocados em uma leitura posterior, a fim de obter um panorama da produção científica sobre as estratégias usadas na intervenção psicopedagógica em sujeitos com dislexia do desenvolvimento. 

Resultados e Discussão
Com base nas teorias propostas para explicar os déficits na aprendizagem da leitura nas crianças disléxicas, em anos de estudo em torno do tema, foram propostas várias formas de intervenção com esses sujeitos. O problema principal das abordagens de intervenção nas dificuldades específicas de leitura é a inexistência de um modelo teórico consistente dos processos cognitivos envolvidos na leitura proficiente e uma teoria de desenvolvimento das habilidades de leitura. Tais teorias devem estar subjacentes ao processo de avaliação das habilidades de leitura, permitindo ao clínico/pesquisador detectar os componentes do modelo de leitura intactos e os prejudicados nas crianças disléxicas.
O aprendizado da leitura envolve habilidades perceptivas, memória, decomposição das palavras em seus sons constituintes (consciência fonológica), ligação da forma escrita da palavra com a forma falada, aprendizado de regras e elaboração de suas várias exceções, elaboração de inferências lingüísticas, habilidades que devem se agrupar quando as crianças começam a ler (SALLES et al., 2004). Assim, as pesquisas estudadas puderam mostrar somente programas de intervenção voltados para a habilidade fônica, e não mencionaram usos de estratégias envolvendo todas as habilidades metalingüísticas. Porém, os trabalhos mostraram-se eficientes para o que se propuseram como é o caso da pesquisa de Bennett (2004) cujos resultados demonstraram que uma intervenção de leitura visando os aspectos fonológicos tem implicações importantes no âmbito de facilitar o desenvolvimento dos sujeitos com dislexia de evolução.  Existe uma grande quantidade estudos de intervenção nas habilidades de leitura  e escrita cuja a intervenção em leitura, especificamente, enfoca  as habilidades de reconhecimento de palavras isoladas (leitura fora de contexto). Mas são escassos estudos que mostram que associar essa forma de intervenção direta em reconhecimento de palavras isoladas e uma abordagem baseada na leitura de compreensão textual é mais efetiva para melhorar a habilidade de acesso ao léxico mental.
No Brasil, o enfoque neuropsicológico de intervenção na dislexia de desenvolvimento está sendo difundido. Os estudos nacionais em geral enfocam a instrução em consciência fonológica como forma de prevenção de dificuldade de leitura (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 1998, 2004; SANTOS; NAVAS, 1997).
Capellini e Ciasca (2000) aplicaram um programa de treinamento em consciência fonológica em dois grupos de crianças. O treino da consciência fonológica teve efeitos sobre o desempenho nas tarefas de consciência fonológica e no nível de velocidade de leitura de ambos os grupos. Em outro estudo nacional, Barrera e Maluf (2003) realizaram um intervenção em crianças de pré-escola e primeira série, centrada na leitura em contexto, envolvendo reflexão sobre a palavra como seqüência de sons, para despertar o conhecimento da estrutura do sistema de escrita alfabético. Seus resultados foram favoráveis em termos de compreensão do sistema alfabético de escrita e na leitura.  Somente uma das pesquisas encontrada e estudada envolveu na intervenção de indivíduos disléxicos, outro elemento além do processamento fonológico. Foram os resultados encontrados no estudo de Temple (2004) os quais sugerem que uma intervenção visando a associação de técnicas e comportamento e técnicas de remediação fonológica produz um compensação na ativação de outras regiões cerebrais resultando numa melhora na leitura.
Dentro da perspectiva do presente estudo destaca-se as estratégias de aprendizagem: as estratégias de elaboração que consistem em buscar uma relação, um referencial ou um significado comum aos itens que devem ser aprendidos (palavra-chave, imagem mental, códigos, analogia) e estratégias de organização que implicam uma classificação hierárquica ou organização semântica desses elementos (construção de redes de conhecimento, mapas conceituais). Os estudos que visam o trabalho com essa abordagem (estratégias) indicaram que, com uma instrução apropriada e precoce, a prevalência no fracasso da leitura e escrita pode reduzida significamente (VELLUTINO, 2000).
Entretanto, essas não foram exploradas nas pesquisas que visaram à intervenção na dislexia de desenvolvimento. Na perspectiva da intervenção psicopedagógica não foram achados estudos que tratassem especificamente dessa intervenção na dislexia do desenvolvimento. Necessitam ser realizados trabalhos que visem tanto os aspectos fonológicos, como também de compreensão textual. No estudo relacional de prosódia e compreensão em sujeitos disléxicos desenvolvido por Mendonça (2007) há a importância de se atentar para intervenções que tenham como objetivo aspectos metalingüísticos, pois se constatou uma escassez na literatura enfocando tais dimensões.
Ao final deste trabalho, constata-se a relevância da realização de um estudo de revisão da literatura. A partir de tal visão podem-se direcionar esforços de pesquisa para área pouco explorada, possibilitando maior avanço nos conhecimentos já existentes sobre o tema em questão. Cinco estudos de intervenção longitudinal do NICHID (Instituto Nacional da Saúde da Criança e do Desenvolvimento Humano dos Estados Unidos) examinaram as diferenças efetivas de procedimentos de intervenção precoce, mobilizadas no 1º ano e 2º ano de crianças que foram diagnosticadas com dislexia do desenvolvimento. Esses estudos sugerem, fortemente, que programas implementados apropriadamente, podem reduzir o número de crianças que falham no aprendizado de leitura e escrita. Torna-se importante, também, observar que, para a maioria das crianças que fazem parte desse grupo de leitores, não são proporcionados serviços de educação especial.
Percebe-se que o tema ainda encontra-se em aprimoramento dentro do processo de ensino-aprendizagem. Sem dúvida, este evento apresenta-se como um tema de pesquisa bastante rico, que merece ser aprofundado. Os achados desta revisão apontam diversos caminhos, que precisam apenas de pesquisadores interessados e curiosos para serem trilhados.
É importante ressaltar ser necessária uma efetiva incorporação dos achado das pesquisas atuais ao fazer clínico. Nunes, Buarque e Bryant (2001) salientam que muitos profissionais, principalmente, no contexto escolar não incluem avaliação e elaboração de estratégias da leitura e escrita nem mesmo em crianças com queixa de dificuldade de leitura e escrita. Pois, sabe-se que uma intervenção bem sucedida depende de uma avaliação criteriosa e multidimensional dos fatores relacionados ás dislexias do desenvolvimento.
            
Referência Bibliográfica
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