http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/113.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

SALA DE RECURSOS: UM ESTUDO A RESPEITO DA APRENDIZAGEM DA LEITURA DE ALUNOS COM DIFICULDADES ESCOLARES


Lúcia Cristina Dalago Barreto – UEM
                                                                             Nilza Guidini Valentini – UEM
                                                                          Áurea Paes Leme Goulart – UEM
                                                                  Nerli Nonato Ribeiro Mori – UEM



RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar o processo pelo qual ocorre a aprendizagem da leitura nos alunos com dificuldades escolares, frequentadores da Sala de Recursos de 5ª à 8ª série de um Colégio Estadual. Sob os parâmetros da Teoria Histórico Cultural a pesquisa utilizou-se de uma investigação teórico-prática, estabelecida por meio da realização de ações e atividades práticas, as quais foram objeto de observação e análise. Consideramos fundamental, portanto, desvendar as mediações necessárias para que o aluno com dificuldades escolares se aproprie e se beneficie da leitura, instrumento este fundamental para a promoção de seu desenvolvimento. 

Palavras-Chaves: Leitura. Aprendizagem. Dificuldades escolares. Mediação.

Introdução

Com o objetivo de garantir a dignidade, o respeito e os direitos individuais e coletivos elencados pela Constituição Federal, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica propõem a inclusão de alunos com necessidades especiais, com o auxílio de alguns recursos e serviços educacionais especiais, dentre eles, a Sala de Recursos de 5ª à 8ª séries, implementada no ano de 2005, no Estado do Paraná, sob a instrução nº 05/04.
Suplementando a proposta curricular, no caso dos superdotados e complementando-a, no caso dos alunos egressos de classes especiais ou Salas de Recursos de 1ª à 4ª série, esse serviço educacional tem sido implantado em quase todas as escolas públicas do Estado. Acompanhar a sua implementação, regulamentação e principalmente, compreender e analisar o processo de aprendizagem da leitura em alunos freqüentadores desse serviço tem sido nossa meta principal com o desenvolvimento dessa pesquisa.
O conhecimento a respeito da aprendizagem e do domínio da habilidade de leitura é de fundamental importância a todos os profissionais da educação, especialmente aos que trabalham com alunos que apresentam dificuldades escolares e conseqüentemente, freqüentam as Salas de Recursos organizadas para esse fim (há aquelas também que atendem altas habilidades/superdotação).
 Os registros e estudos a respeito da leitura, aqui concebida como um signo interiorizado historicamente por meio das relações sócio-históricas do homem com seus pares, desde os primeiros registros nas cavernas na pré-história até as leituras virtuais da contemporaneidade demonstram, concomitantemente mudanças na concepção dessa habilidade ao longo de toda a história.
Afinal, o que é ler em uma sociedade contemporânea? Que leitor queremos formar? Qual o papel do professor como mediador da aprendizagem de atribuição de sentidos a determinados signos? Esses e outros questionamentos perpassam todo o desenvolvimento de nossa pesquisa, inquietando-nos à busca de  respostas por meio de mediações e atividades práticas de sala de aula que sustentaram nossas investigações.
A leitura, sob a perspectiva Histórico-Cultural, constitui-se em ato formador de indivíduos capazes de pensar autonomamente e principalmente, capazes de compreender as informações emitidas cotidianamente pela sociedade (Silva, 1986). Nesse sentido, acreditamos que a formação de leitores críticos, maduros, possibilitará o rompimento da dicotomia alienante, existente entre as diferentes classes sociais, uma vez que “[...] leitor maduro é aquele para quem cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida” (LAJOLO, 1991, p.53).
A linguagem compreendida como um signo elaborado pelo meio social permite a atribuição de significação à atividade mental dos homens, a formação da consciência e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores (Luria, 1979). Elaborada no decorrer da filogênese, possibilita a acumulação, transmissão, generalização e abstração dos conhecimentos elaborados historicamente. Oriunda das relações entre os homens,

[...] a linguagem não desempenha apenas o papel de meio de comunicação entre os homens, ela é também um meio, uma forma da consciência e do pensamento humanos, não destacado ainda da produção material. Torna-se a forma e o suporte da generalização consciente da realidade. Por isso, quando, posteriormente, a palavra e a linguagem se separam da atividade prática imediata, as significações verbais são abstraídas do objeto real e só podem portanto existir como facto de consciência, isto é, como pensamento (LEONTIEV, 2004, p.93-94).

O desenvolvimento das funções psicológicas superiores1, dentre elas, a atenção, a percepção e a memória, relacionadas à aprendizagem da leitura, especificamente, em alunos com dificuldades escolares, foi um dos focos de nossa pesquisa. O entendimento a respeito da formação e da manifestação prática dessas funções permitiu-nos o planejamento de estratégias que podem corroborar a aprendizagem dessa habilidade.
Assim, o empenho em compreender a aprendizagem da leitura por alunos com dificuldades escolares identificando as mediações pedagógicas, os caminhos alternativos e os recursos especiais que contribuem para esse aprendizado, permearam os objetivos e todo o desenvolvimento dessa pesquisa.

1 Vigotski esclarece que as funções psicológicas superiores são formadas por meio de um processo dialético e de uma transformação qualitativa de fatores externos e internos, resultando em relações interiorizadas de ordem social (VYGOTSKY, 1983).



Método

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa pautada na Teoria Histórico-Cultural e conseqüentemente no materialismo dialético, por meio da qual busca explicações a respeito do processo ensino-aprendizagem de forma geral e mais especificamente em alunos com dificuldades escolares, utilizando para isso a reflexão a respeito da sociedade na qual estão inseridos.
Essa teoria é relacionada por Vigotski, quando compara os sistemas de signos aos instrumentos criados pelas sociedades ao longo da história, para compreender as transformações nelas ocorridas. Assim, “[...] acreditava que a internalização dos sistemas de signos produzidos culturalmente provoca transformações comportamentais e estabelece um elo de ligação entre as formas iniciais e tardias do desenvolvimento individual” (VYGOTSKY, 1998, p. 9-10).
Desse modo, a internalização de signos, e portanto a aprendizagem da leitura, ocorre baseada primeiramente no plano social (interpsíquico) e posteriormente no plano psicológico (intrapsíquico), por meio das relações sociais entre as pessoas, nas quais “[...] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que a cercam“ (VIGOTSKI, 1998, p.115).
A aquisição do conhecimento é desse modo, inicialmente exterior ou social em seguida, interior ou individual. Segundo Vigotski (1983) as funções psicológicas superiores, antes de se tornarem internas foram externas, por serem oriundas das relações sociais. Nesse sentido, acreditamos que a aprendizagem da leitura como um ato de compreensão, necessita fundamentalmente do desenvolvimento das funções psicológicas superiores e da relação entre os alunos e a mediação do professor.
Para que essas reflexões atinjam o objetivo já proposto, consideramos necessária a realização de uma pesquisa ação que nos auxiliasse na compreensão das relações sociais que permeiam a sala de aula e na ponderação a respeito das mudanças de atitudes e comportamentos dos alunos, na qual, ocorre “[...] um constante vaivém entre as fases, que é determinado pela dinâmica do grupo de pesquisadores em seu relacionamento com a situação pesquisada” (GIL, 2002, p.143).
Os participantes desta pesquisa, compreenderam um grupo de 4 (quatro) alunos, freqüentadores no inicio da pesquisa em 2006, da 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, de um colégio estadual de um município do Norte do Paraná, nos anos de 2006 e 2007. As idades dos alunos variavam entre 12 e 15 anos, sendo três do gênero masculino e um do gênero feminino, os quais eram atendidos na Sala de Recursos, em período contrário ao qual freqüentavam a sala regular, em grupos organizados por série e dificuldades escolares semelhantes, previamente avaliadas pela professora e equipe pedagógica.
Assim, a pesquisa se configura como uma pesquisa-ação, estruturada em duas fases. A primeira de cunho teórico, amparada nas obras de Vigotski, Leontiev, Luria, Rubisnstein e outros. E a segunda, uma investigação teórico-prática das dificuldades escolares, por eles apresentados, em especial no campo da leitura, estabelecida por meio da realização de ações e atividades práticas, analisadas a partir do material coletado.
A avaliação dos alunos indicados pelos professores do ensino regular, para o ingresso na Sala de Recursos deu-se por meio dos resultados da leitura, escrita e aritmética obtidos no Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein, 1994) juntamente à análise dos dados fornecidos pelos professores de Língua Portuguesa e Matemática e Anamnese realizada com os pais.
Quanto aos níveis de leitura, escrita e aritmética (TDE), foram verificados os seguintes resultados: 
O participante JV, 13 anos, da quinta série, apresentou um resultado inferior nas áreas de matemática e escrita e classificação no nível médio, correspondentes à idade de 12 anos ou mais conforme a tabela referente à idade.
O participante F, 15 anos, da sexta série, apresentou um resultado inferior na área de matemática e uma classificação no nível médio nas áreas de escrita e leitura, correspondentes à idade de 12 anos conforme a tabela referente à idade.
O participante FR, 12 anos, da sexta série, apresentou resultado inferior na área da matemática e uma classificação no nível médio nas áreas da escrita e leitura, correspondentes a idade de 12 anos, conforme a tabela referente à idade.
O participante AM, 13 anos, apresentou um resultado inferior na área da escrita e uma classificação no nível médio nas áreas de matemática e leitura, correspondentes a idade de 12 anos, conforme a tabela referente à idade.
Cabe-nos salientar, que os alunos citados fazem parte de um grupo de vinte e um alunos freqüentadores da Sala de Recursos, e foram selecionados por apresentarem dificuldades escolares acentuadas em relação ao nosso objeto de pesquisa.
A pesquisa tem sido realizada por meio de conversações orais, gravadas, posteriormente transcritas e analisadas e/ou atividades escritas nas quais os alunos realizam a leitura e logo em seguida escrevem o que compreenderam da mesma. As aulas de Língua Portuguesa são desenvolvidas uma vez por semana, compreendendo um período de 2 horas/aula.
Privilegiamos em nosso planejamento, a diversidade das fontes e a qualidade dos textos. Assim, utilizamo-nos de jornais, revistas, propagandas e do próprio livro didático, a partir de algumas adequações e adaptações.

Resultados e Discussão

Os resultados, demonstram uma mudança significativa no processo de compreensão, interpretação e postura dos alunos em relação aos dados iniciais.
Nos primeiros encontros, verificamos o pouco domínio e hábito de leitura pelos alunos. Realizavam uma leitura fragmentada e pautada em elementos isolados do texto, que pouco ou nada contribuíam à sua compreensão.
 Alguns alunos, em momento nenhum teciam comentários ou argumentavam a respeito da leitura realizada. Quando solicitados, respondiam com as palavras “boa”, “legal” ou “não sei”. A falta de argumentação demonstra que, primeiramente, não houve uma compreensão e consequentemente, a ausência de posicionamento pessoal indica que o aluno possuía pouco conhecimento anterior a respeito do tema em discussão.
A cogitação consciente do aluno a respeito do conteúdo em discussão caracteriza-se por uma relação interna entre o sentido e a significação, que permitem a sua generalização e a sua reflexão (Leontiev, 2004). Essa relação exteriorizada por meio da fala, realiza-se como um elo de ligação entre os participantes e a pesquisadora.
No decorrer das aulas, percebemos uma mudança nesse elo de ligação, no qual o sentido e a significação passaram a interagir por meio da linguagem. Os alunos, quando solicitados a emitir sua opinião, o faziam a partir de suas experiências pessoais e das experiências sociais, políticas e econômicas presenciadas por eles.
Faz-se necessário salientarmos, que as mediações previamente planejadas a partir das dificuldades escolares dos alunos foram fundamentais para a consecução dos resultados. Procuramos em todas as atividades, enfatizar o desenvolvimento das funções psicológicas superiores; a atenção, para que os alunos aprendessem a se concentrar no texto e nas discussões; a memória, para que aprendessem a resgatar  seus conhecimentos a respeito do tema discutido relacionando-os às informações enfatizadas. A mediação é um dos elementos fundamentais à aprendizagem. Ou seja:

A mediação do outro desperta na mente da criança um sistema de processos complexos de compreensão ativa e responsiva, sujeitos às experiências e habilidades que ela já domina. Mesmo que ela não elabore ou não apreenda conceitualmente a palavra do adulto, é na margem dessas palavras que passa a organizar seu processo de elaboração mental, seja para assumi-las ou para recusá-las (FONTANA, 1996, p.19).
 
E finalmente, o desenvolvimento da percepção, para que tornassem capacitados a estabelecer relações entre os conteúdos científicos e cotidianos, compreendendo e não apenas decodificando as informações socialmente divulgadas pelos meios de comunicação. Ou seja, primamos em todos os momentos por discussões que garantissem a formação de leitores conscientes e voltados à busca da compreensão dos fatos sociais e da realidade a qual estão inseridos. 
          
E mais do que isso, é a consciência que permite ao homem distanciar-se (ou colocar entre parênteses) o conteúdo de suas experiências e de suas representações a fim de proceder à análise e à transformação desse conteúdo. Consequentemente, o processo de conscientização, na íntegra do seu movimento, faz com que o homem dialeticamente direcione-se para determinados fatos e relações contidos na realidade circundante e tome distância desses fatos e relações, a fim de refleti-los, questioná-los e se, necessário, transformá-los (SILVA, 1986, p.19).

As palavras opinativas, já citadas anteriormente, como “boa” e “legal” desapareceram do vocabulário dos alunos, os quais passaram a argumentar os fatos por meio dos conceitos mais elaborados discutidos nos textos e aulas, utilizando ainda de exemplos próprios das suas realidades como confirmadores da opinião exposta.
Acreditamos que os resultados dessa pesquisa não contribuíram apenas para o desenvolvimento da aprendizagem da leitura de alunos com  dificuldades escolares, mas colaborou principalmente, para a formação de indivíduos capazes “agora” de interpretar as inúmeras leituras proferidas cotidianamente, com suas diversas mensagens que perpetuam as diferenças e alimentam a exclusão.
Não pretendemos com isso eliminar toda a exclusão social existente, no entanto, desejamos formar pessoas capazes de compreender o ambiente ao qual estão inseridos, de modo a realizar suas próprias escolhas e discernir entre os diversos tipos de leituras e informações que circundam nossa sociedade com objetivos implícitos e voltados a interesses de uma minoria...




Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília: 2001.

FONTANA, Roseli  A. Cação. Mediação pedagógica na sala de aula. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 1996.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: ZILBERMAN, Regina et al (Orgs.). Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 10 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991.

LEONTIEV, Aléxis. O desenvolvimento do psiquismo. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004.
 
LURIA, Alexandr Romanovich. Cap. III-A atividade Consciente do Homem e Suas Raízes Histórico-Sociais. In: Curso de Psicologia Geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

SILVA, Ezequiel T. Leitura na escola e na biblioteca. Campinas, SP : Papirus, 1986.

STEIN, L.M. TDE: teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. Obras Escogidas. Madri: Visor, 1983. v. 3.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A Formação da Mente. 6. ed. São Paulo: Fontes, 1998.