http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/118.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

AMBIENTES INCLUSIVO E EXCLUSIVO NO ENSINO DO TAE-KWON-DO ORIENTADO A ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL
Ianik Lemischka (PAIC)
Luciana Camargo Schoroeder
Lucieli Kossemba da Silva
Gilmar de Carvalho Cruz
Universidade Estadual do Centro-oeste Campus de Irati-Pr
Setor de Ciências da Saúde. Irati-Pr


RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar o processo ensino-aprendizagem do Tae-Kwon-Do em ambientes inclusivo e exclusivo no atendimento de alunos com deficiência mental. Para tanto foi realizada pesquisa descritiva, de caráter observacional, com foco no comportamento motor de alunos com deficiência mental. Participaram do estudo uma turma de alunos de escola especial e uma de escola regular. Os resultados encontrados apontam ausência de diferença no comportamento motor dos alunos em decorrência das alterações ambientais propostas.

Introdução

A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais é um assunto atual que provoca desequilíbrio no ambiente acadêmico teórico-prático de formação de professores e durante a atuação profissional, cuja intenção é a de melhorar a qualidade do ensino. Dentro dessa perspectiva pretende-se reunir alunos com e sem necessidades especiais em um mesmo ambiente de ensino. Estima-se que aproximadamente 5% da população mundial apresentam deficiência mental. Quanto às características motoras das pessoas com deficiência mental, pode-se destacar a lentidão e escolha de estratégias motoras inadequadas, além de apresentarem certo atraso no alcance da seqüência de desenvolvimento em comparação com indivíduos que não apresentam deficiência mental (GIMENEZ, 2005). Embora apresentem problemas em muitas capacidades e habilidades, as pessoas com deficiência mental podem alcançar etapas avançadas no seu desenvolvimento motor, área de interferência do profissional de Educação Física.

As lutas compõem um conteúdo de Educação Física escolar (COLETIVO DE AUTORES, 1993) não sendo comum sua prática em instituições de ensino especial. O Tae-Kwon-Do é originário da Coréia, focalizando preponderantemente os membros inferiores e a agilidade na movimentação em chutes e saltos. Pesquisas relacionadas ao ensino de artes marciais para pessoas com deficiência mental podem ser consideradas incipientes. Neste contexto, aponta-se como questão de interesse as implicações da organização de ambientes inclusivo (turma composta por alunos de escola especial e alunos da rede regular de ensino) e exclusivo (turma composta apenas por alunos de escola especial) de aprendizagem do Tae-Kwon-Do por ocasião de sua orientação a pessoas que apresentam deficiência mental. Isto é, se o ambiente (inclusivo / exclusivo) no qual acontece o processo ensino-aprendizagem de aulas de Tae-Kwon-Do pode interferir no comportamento motor dos alunos. A atividade motora expressa pelo Tae-Kwon-Do enriquece o conjunto de alternativas na intervenção junto a pessoas com deficiência mental.

Não há, contudo, muitas informações sobre conteúdos, atividades que podem ser utilizadas e organização do ambiente de aprendizagem com essa parcela da população. Na maioria das vezes prevalece a “boa vontade” e as atividades desenvolvidas junto a pessoas sem deficiência são direcionadas a pessoas com deficiência, com algumas modificações. O objetivo do estudo foi analisar o processo ensino-aprendizagem, em aulas de Educação Física, das técnicas do Tae-Kwon-Do em ambientes exclusivo e inclusivo de atendimento a alunos que apresentam deficiência mental.

Materiais e Métodos

Participaram da pesquisa uma turma de alunos de escola especial composta por 6 alunos (3 meninos e 3 meninas) com deficiência mental e idade variando entre 12-14 anos – sendo destes um menino e duas meninas com síndrome de Down, e uma menina com paralisia cerebral – e uma turma de alunos da 4ª série de uma escola regular, composta por meninos e meninas com idade variando entre 10-12 anos. Foi realizada pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa, por intermédio de observação direta (THOMAS; NELSON, 2002). Efetuou-se análise do comportamento motor dos alunos com deficiência mental em aulas de Tae-Kwon-Do com foco na interferência dos ambientes exclusivo e inclusivo no seu processo ensino-aprendizagem. Utilizou-se a estratégia de alternar as aulas a fim de obter dados referentes ao processo ensino-aprendizagem dos alunos que apresentam deficiência mental nos ambientes inclusivo e exclusivo. Os dados foram obtidos por intermédio de um “delineamento de série temporal do tipo amostras temporais equivalentes” (CAMPBELL; STANLEY, 1979), alternando a realização do processo ensino-aprendizagem em ambientes inclusivo (ambiente A) e exclusivo (ambiente B) durante a pesquisa. As aulas foram ministradas pelo próprio pesquisador e filmadas para análise posterior. Preceitos éticos relacionados à pesquisa com humanos foram respeitados.

Resultados e Discussão

As observações e análises das filmagens das aulas permitiram análises que indicaram aspectos a modificar, gerando mudanças de estratégia no ensino do Tae-Kwon-Do aos alunos especiais seguindo a inclusão destes à prática efetiva do esporte, sem restrições técnicas ou seletividade, que gerasse desistências. O aspecto adotado de um esporte para o ensino de uma determinada população deve ser compatível com seus objetivos ou necessidades, ficando a encargo do profissional estudar o perfil e elaborar um plano de trabalho adequado à realidade cognitivo-motora dos alunos e obter resultados positivos para o progresso de aprendizagem destes indivíduos a níveis mais elevados. Ambientes de menor cobrança técnica onde todos possam tentar executar movimentos e participar efetivamente da aula indicam ser a melhor opção tanto para indivíduos que apresentam e que não apresentam uma determinada deficiência.

Em todas as aulas, o movimento do chute frontal dos alunos especiais apresentava-se confuso e sem direção, chutes com a perna estendida, não atendendo ao padrão de flexionar o joelho e no momento do alinhamento da coxa com o alvo estende-lo para golpear com o pé; o chute lateral apresentou-se incompatível com o explicado e demonstrado pelo instrutor, possivelmente devido a diversos fatores como o intervalo de práticas/aula (uma aula por semana); níveis de aptidão física deficitários (flexibilidade); insuficiente afastamento antero-posterior do quadril, a altura do chute é baixa, atingindo dedutivamente  a perna ou joelho de um adversário e não o abdômen; ausência do giro sobre o pé de apoio plantiflexionado ou também um leve salto para não comprometer o movimento pelo atrito do giro do pé de apoio ao chão.

Os alunos da escola especial mantiveram a mesma característica de participação nos dois ambientes (A e B), tanto na realização dos movimentos específicos do Tae-Kwon-Do, quanto no envolvimento nas atividades propostas durante as aulas. A aluna com paralisia cerebral manteve suas restrições motoras nos dois ambientes e – assim como os dois alunos apenas com deficiência mental – apresentou uma participação oscilante, no que diz respeito à realização das atividades, ao longo das aulas. Os demais alunos da escola especial tiveram uma participação efetiva nas aulas realizadas. Os alunos da escola especial demonstraram capacidade de assimilação das orientações pedagógicas apresentadas durante as aulas. Os alunos da escola regular participaram das aulas de modo efetivo.


Observações durante o estudo apontaram necessidade de reavaliar os procedimentos de ensino no que se refere à exigência de rigor técnico na execução dos movimentos, devido a sua inadequação ao ambiente escolar. Uma aula de Educação Física adaptada é executada com base em propostas que dão certo na prática, mas não na teoria, havendo um enorme fosso entre ambos, onde a produção de conhecimento atualmente gira em torno de adaptar um esporte da população “normal” para o povo dos deficientes, deixando de compreender a deficiência e criar idéias voltadas a esse público (GIMENEZ; MANOEL, 2005).


Pode-se assumir que a maioria de professores de artes marciais e esportes, ao repassar as técnicas demonstram todos os movimentos habilidosos adquiridos por anos de prática. Esse aspecto é incoerente com a realidade do ambiente escolar, conforme visualização descrita aqui. Metodologias de ensino adequadas ao público esportivo ou particular, em que a demonstração de movimentos avançados se baseia numa tentativa diária de vender uma imagem de competência motora, são, portanto, inadequadas ao objetivo e nível inicial de aprendizagem dos alunos da escola. De outro lado, não deixa de ser mais um recurso didático para o aprimoramento do desenvolvimento motor e assimilação de novas habilidades motoras. Situações como essas exigem modificações na atuação do professor de modo a rever sua maneira de organizar uma aula em que todos participem, não só os mais aptos.


Porém, com o andamento das aulas tanto em ambiente inclusivo como no ambiente exclusivo, verificou-se que não era possível ensinar as técnicas do Tae-Kwon-Do de maneira a obter respostas motoras adequadas, supostamente, devido a problemas de controle da turma e organização dos alunos junto do professor em sala. A maneira como foram repassadas as aulas estava nos moldes de uma aula de Educação Física comum supondo ser similar ao trabalho da maioria dos professores de Educação Física atuantes na área escolar, aspecto determinante para ampliar o foco das observações, pois, os alunos não aprendiam o suficiente ou mesmo não conseguiam responder à maneira de ensino para demonstrar técnicas básicas do Tae-Kwon-Do a ponto de mensurá-las. Em relação a isso Prodócimo (2007) afirma:


O ensino deveria partir daquilo que é mais fácil, ou mais facilmente compreensível pelo aluno, acreditando em suas potencialidades e não enfatizando suas dificuldades. A escola, muitas vezes faz o caminho oposto, quantos bons alunos em Educação Física têm dificuldade em matérias como língua portuguesa ou matemática, mas não com a matéria em si, mas com a forma como ela é ensinada.

Em outras observações houve a percepção de que os instrutores podem auxiliar na participação dos alunos que não participam da brincadeira/atividade, seja por timidez ou por inibição de outros grupos, atuando na brincadeira de modo a manipular o andamento, favorecendo a participação destes indivíduos e incluí-los na aula. A identificação dos aspectos mais compatíveis com a realidade dos aprendizes, alunos de escola regular ou especial com objetivo de desenvolvimento motor e cognitivo atuam direcionando a prática e vivência de inúmeras atividades motoras. A esse respeito, o Coletivo de autores (1993, p. 70) menciona que:

O esporte, como prática social que institucionaliza temas lúdicos da cultura corporal, se projeta numa dimensão complexa de fenômeno que envolve códigos, sentidos e significados da sociedade que o cria e o pratica. Por isso, deve ser analisado nos seus variados aspectos, para determinar a forma em que deve ser abordado pedagogicamente no sentido de esporte “da” escola e não como esporte “na” escola.

As pessoas com deficiência mental possuem um modo de coordenação peculiar de acordo com suas restrições, outra maneira de integração percepto-motora-cognitiva para realização de tarefas. O padrão de movimento é adaptado para a produção de movimento através de diferentes meios de acordo com as circunstâncias imediatas, características pessoais e número de interações do indivíduo. O professor de Educação Física deve conceder ao aluno que apresenta deficiência, liberdade para escolher o melhor meio de solução às suas limitações, pois não possui subsídios para compreender nem sugerir e impor um modelo pré-definido de ensino, como acontece à maioria da população e mesmo assim erroneamente se considerado a infinita variedade de indivíduos. A flexibilidade e o dinamismo devem acompanhar as aulas.

Segundo o que Carmo (2006) orienta e de acordo com a prática vivenciada pelo pesquisador na APAE (Associação de Pais e Amigos do Excepcional), os alunos foram estudados e analisados através de observações antecipadas de seu desempenho nas aulas com o professor habitual, a fim de se organizar para melhor atender a demanda daquele público. Outra característica observada foi a disposição dos alunos durante a aula, O instrutor tomava diversas posições à frente da turma na tentativa de poder ensinar os movimentos a todos os alunos, porém inutilmente conseguia fazer com que os indivíduos do fundo pudessem vê-lo ou compreendê-lo. Isto era evidenciado com a observação da resposta motora que os alunos da frente tinham em relação com o grupo do fundo, o grupo posicionado à frente executava os movimentos prontamente ao comando e demonstração do professor, e o grupo de trás observava seus colegas da frente, com claro atraso temporal, indicando imitação de movimentos. Neste momento foi possível refletir sobre a dimensão que a organização do ambiente de aprendizagem ocupa no contexto da inclusão de alunos que apresentam necessidades especiais (no caso deficiência mental) em ambientes compartilhados com alunos que não apresentam necessidades especiais.

Em uma das aulas tomou-se a disposição dos alunos em círculo para melhor visualizar uma atividade sugerindo ser a mais adequada para a situação da aula, onde todos podem visualizar e possivelmente entender as atividades. Em outra aula o instrutor não conseguia dar atenção aos alunos que se excluíam, pois coordenava a atividade para a maioria dos alunos. Nesta e em aulas anteriores, ficou evidente o problema do professor em controlar a atividade, onde mesmo posicionado no centro do local da aula tentando obter máxima atenção dos alunos, alguns se excluem, não fazendo partes ou toda a aula.

Nas duas situações ambientais não houve potencial diferença na resposta motora dos alunos da escola especial. Tanto no ambiente exclusivo quanto no ambiente inclusivo, eles apresentaram o mesmo padrão individual de resposta às solicitações ambientais. A característica de execução dos movimentos específicos do Tae-Kwon-Do e de participação nas aulas foi mantida a despeito do ambiente exclusivo ou inclusivo. Os resultados encontrados sugerem que – tendo como foco da intervenção profissional na área da Educação Física a aquisição de habilidades motoras – mais do que atender alunos com deficiência mental em escola especial ou regular, importa aprimorar a organização do ambiente de aprendizagem para que eles realmente aprendam. Deste modo, é possível que se desenvolva a realização de pesquisas conseqüentes relacionadas à aprendizagem de movimentos utilizados em aulas de Educação Física.


Referências Bibliográficas

D.T. Campbell; J.C. Stanley. Delineamentos Experimentais e Quase Experimentais de pesquisa. São-Paulo: Editora USP, 1979.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia de Ensino de Educação Física. São-Paulo: Cortez, 1993.
FAGUNDES, A J. Descrição, definição e registro de comportamento. 7ª edição. São – Paulo: Edicon, 1985.
GIMENEZ, R.; MANOEL, E. J. Comportamento Motor e Deficiência: Considerações para a Pesquisa e Intervenção In: TANI, G. Comportamento Motor, Aprendizagem e Desenvolvimento. Rio-de-Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
GIMENEZ, R. Atividade física e deficiência mental. In: GORGATTI, M.G.; COSTA, R.F. (Org.) Atividade física adaptada: qualidade de vida para pessoas com necessidades especiais. Barueri – SP: Manole, 2005.
PRODÓCIMO, E. A Educação Física escolar e as Inteligências Múltiplas. http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 105 - Febrero de 2007.
THOMAS, J.R.; NELSON, J.K. Métodos de pesquisa em atividade física. 3ª. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.