http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/127.htm |
|
Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
ESTUDO COMPARATIVO DA QUALIDADE DE VIDA EM PESSOAS COM LESÃO
MEDULAR PRATICANTES E NÃO-PRATICANTES DE ESPORTE
Marina Panin Candeira, Fausto Orsi Medola,
Rosangela Marques Busto
Ana Paula Antonietti
Fernando Pisconti
Vanessa Kinust Biage
Universidade Estadual de Londrina
RESUMO
Trauma raquimedular é definido por uma diminuição ou perda da função motora e/ou sensitiva e/ou
autonômica abaixo do nível da lesão, podendo ser uma lesão parcial ou total. O número de pessoas
tetraplégicas ou paraplégicas por lesão de medula espinhal vem aumentando significativamente nas
últimas décadas.
O esporte tem um papel fundamental na reabilitação: complementa e amplia as alternativas; estimula
e desenvolve os aspectos físicos, psicológicos e sociais e favorece a independência.
O objetivo deste estudo é avaliar a influência da prática esportiva na qualidade de vida dos
cadeirantes com lesão medular. Participaram do estudo 21 indivíduos, do sexo masculino. O
instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário Short Form 36. Como resultado não
houve diferença significante na qualidade de vida entre indivíduos com lesão medular cadeirantes,
praticantes e não praticantes de esporte.
INTRODUÇÃO
Trauma raquimedular é definido por uma diminuição ou perda da função motora e/ou sensitiva e/ou
autonômica abaixo do nível da lesão, podendo ser uma lesão parcial ou total, devido ao trauma dos
elementos neuronais dentro do canal vertebral1. As lesões cervicais determinam tetraplegia (paralisia
dos quatro membros). Nas torácicas e segmentos abaixo, a paralisia é de membros inferiores sendo
classificada como paraplegia 2.
O número de pessoas tetraplégicas ou paraplégicas por lesão de medula espinhal vem aumentando
significativamente nas últimas décadas e atualmente estima-se que de 30 a 40 pessoas/ milhão / ano
sofrem lesão, o que equivale no Brasil a aproximadamente 6.000 novos casos por ano. Este
dramático aumento é devido principalmente a lesões traumáticas (80%) provocadas por ferimentos
por arma de fogo, acidentes automobilísticos, mergulhos e quedas 3. Dentre essas, o acidente de
trânsito e a agressão por arma de fogo são as mais comuns 4. As causas não traumáticas (20%) são
as tumorais, infecciosas, vasculares e degenerativas. Este grave problema, que acomete a população
jovem (média de idade: 25 anos) e predomina no sexo masculino (80%), provoca marcantes
modificações somáticas (motoras, sensitivas e autonômicas)3,4.
O tratamento da lesão raquimedular consiste em: condutas de emergência, tratamento hospitalar e
fisioterapia, terapia ocupacional e reabilitação 5.As melhoras no tratamento médico e cuidados com
os indivíduos com lesão medular nas décadas recentes tem prolongado o tempo de vida desses
indivíduos 6. Tais lesões geram uma incapacidade de alto custo para o governo e acarreta
importantes alterações no estilo de vida do paciente 4.
A habilidade funcional dos indivíduos com trauma raquimedular é diretamente relacionado com a
altura e gravidade da lesão. É conhecida que a perda da função motora conseqüente da lesão
medular resulta em detrimento de várias funções fisiológicas 7,8, as quais podem ser minimizadas pela
dedicação à uma atividade física regular. É comum para indivíduos que perdem o uso dos membros
inferiores se tornarem altamente sedentários9, contrastando profundamente com o estado físico
anterior à lesão visto que a maioria dos indivíduos eram jovens e fisicamente ativos 10. Muitos
estudos têm mostrado benefícios de um programa de exercício regular 11. Em geral, tem mostrado
reduzir o risco de doenças sistêmicas adquiridas tais como doença cardiovascular, diabetes mellitus
do tipo 2 e certas desordens neoplásicas. Além disso, a probabilidade do indivíduo manter um
problema articular por uso excessivo é atenuado. O exercício físico tem mostrado aumentar a
habilidade funcional 12 e melhorar a qualidade de vida em cadeirantes 13.
Os esportes e o lazer começam a fazer parte do tratamento médico por serem fundamentais no
processo de enfrentamento da “desvantagem” pelos deficientes físicos. O esporte tem um papel
fundamental na reabilitação: complementa e amplia as alternativas; estimula e desenvolve os
aspectos físicos, psicológicos e sociais e favorece a independência 14.
Os benefícios relatados na literatura sobre o treinamento de atletas com LM são: melhora do
consumo de oxigênio (VO2máx.), ganho de capacidade aeróbica, redução do risco de doenças
cardiovasculares e de infecções respiratórias, diminuição na incidência de complicações médicas
(infecções urinárias, escaras e infecções renais), redução de hospitalizações, aumento da expectativa
de vida, aumento nos níveis de integração comunitária, auxílio no enfrentamento da deficiência,
favorecimento da independência, melhora da auto-imagem, auto-estima e satisfação com a vida e
diminuição na probabilidade de distúrbios psicológicos14.
São objetivos do esporte para paraplégicos e tetraplégicos: promover a educação para a saúde,
educar o indivíduo para a vida em sociedade e para o tempo livre, oferecer vivências de êxito,
aumentar a tolerância à frustração, promover o contato social, tornar os indivíduos mais
independentes; melhorar a auto-imagem e a auto-estima, desenvolver o potencial residual, melhorar
a condição organofuncional e aprimorar as qualidades físicas (resistência, força e velocidade)14.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), qualidade de vida é a percepção do indivíduo
em relação a sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais vive e
em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações4.
Um dos métodos de se mensurar a qualidade de vida dos indivíduos é através de questionários
como o Short Form -36 (SF-36), que foi traduzido e validado no Brasil por Ciconelli em 1997 4.
O SF-36 possui 36 itens e 8 domínios: (1) limitações na atividade física devido a problemas de
saúde; (2) limitações nas atividades sociais devido a problemas físicos ou emocionais; (3) limitações
na execução de atividades devido a problemas de saúde física;(4) dor no corpo; (5) saúde mental
geral;(6) limitação na execução de atividades devido a problemas emocionais; (7) vitalidade e (8)
percepção geral de saúde. Quanto mais alta a pontuação, melhor funcionalidade e bem-estar 15.
O objetivo deste estudo é avaliar a influência da prática esportiva na qualidade de vida dos
cadeirantes com lesão medular.
MÉTODO
Este trabalho foi desenvolvido junto às atividades do Grupo de Estudo Dimensão do Esporte
Adaptado (GEDEA) da Universidade Estadual de Londrina. A amostra foi composta de 21
indivíduos do sexo masculino com lesão medular cadeirantes, sendo 11 praticantes de atividade
esportiva com frequência de 2 vezes semanais, por no mínimo 6 meses, e 10 não praticantes de
atividade esportiva. Todos os participantes foram informados sobre o trabalho e então assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.Foi aplicado o questionário SF-36 na forma de
entrevista para todos os participantes. Para análise dos resultados, os indivíduos foram divididos em
2 grupos, Esporte e Não-Esporte. Foram então comparados todos os domínios do questionário
entre os dois grupos.
RESULTADO
A amostra de 21 indivíduos foi composta de 11 cadeirantes praticantes de atividade esportiva e 10
não praticantes, todos do sexo masculino. A média de idade dos participantes foi de 31,54 +5,98
anos para o grupo esporte, e 41,8 + 9,96 anos para o grupo não-esporte. As médias do tempo de
lesão foram de 6 + 3,9 anos para o grupo esporte e 11,8 + 5,5 anos para o grupo não-esporte.
Dentre os participantes do grupo esporte, 6 tinham como atividade esportiva o basquete, 2
praticavam natação, 2 praticavam atletismo (corrida em cadeira de rodas), 1 praticava o
halterofilismo.
Quando realizada a comparação de cada domínio do questionário SF36 entre os grupos esporte e
não-esporte, não foi encontrada diferença estatisticamente significante, demonstrado a seguir:
Capacidade Funcional (p= 0,59); Aspecto Físico (p= 0,36); Dor (p= 0,25); Estado Geral de Saúde
(p= 0,71); Vitalidade (p= 0,44); Aspecto Social (p= 0,72); Aspecto Emocional (p= 0,18); Saúde
Mental (p= 0,72); ou seja, não foi encontrada diferença entre indivíduos cadeirantes com lesão
medular praticantes e não praticantes de atividade esportiva em relação à qualidade de vida,
avaliada através do questionário SF36.
DOMÍNIO
|
ESPORTE
|
NÃO-ESPORTE
|
p
|
CF
|
59,55
|
38,00
|
0,59
|
AF
|
100,00
|
87,50
|
0,36
|
DOR
|
63,64
|
52,90
|
0,25
|
EGS
|
70,64
|
74,10
|
0,71
|
VIT
|
75,00
|
69,00
|
0,44
|
AS
|
79,82
|
76,25
|
0,72
|
AE
|
100,00
|
100,00
|
0,18
|
SM
|
74,55
|
77,60
|
0,72
|
CF: Capacidade Funcional; AF: Aspecto Físico; EGS: Estado Geral de Saúde; VIT: Vitalidade; AS: Aspecto Social; AE:
Aspecto Emocional; SM: Saúde Mental. Média: CF, DOR, EGS, VIT, AS, SM. Mediana: AF, AE.
DISCUSSÃO
São vários os estudos que fazem referências importantes em relação à qualidade de vida dos
lesados medulares, porém até o presente momento, não encontramos nenhum trabalho que avalie a
influência do esporte na qualidade de vida do portador de lesão medular (para ou tetraplégicos).
Vall et al realizaram um estudo avaliando a qualidade de vida de pessoas com lesão medular
traumática, tendo participado do estudo 38 indivíduos paraplégicos adultos com lesão medular
completa, maioria do sexo masculino, idade entre 20 a 47 anos e entre 5 a 10 anos de lesão. O
instrumento utilizado para coleta dos dados foi o SF-36, assim como no presente estudo. Como
resultado foi encontrado que o paciente com lesão medular traumática possui grande
comprometimento de sua qualidade de vida, em todos os domínios, principalmente no que se refere
aos aspectos sociais 4, divergindo com a população não-esporte do nosso estudo no qual o domínio
“capacidade funcional” apresentou o menor valor. Comparando os dados obtidos em nosso
trabalho podemos notar que os domínios, tanto o de maior quanto o de menor valor, são os
mesmos para as duas populações. Sendo o domínio de maior comprometimento a capacidade
funcional, e o de menor comprometimento o aspecto emocional.
Silva et al, desenvolveram um estudo com 16 portadores de lesão medular atendidos no programa
de reabilitação do Hospital Sarah-Brasília. A amostra foi dividida em 2 grupos (experimental e
controle), com o objetivo de analisar os efeitos de uma modalidade esportiva sobre a independência
funcional em indivíduos com lesão medular. Os resultados do experimento apontam para mudanças
estatisticamente significativas entre os grupos em relação às habilidades funcionais, relativas às
transferências, aos aspectos motores gerais e ao escore total (conforme a escala FIM utilizada)14.
Pode-se concluir que o esporte é importante em um dos itens que compõe a qualidade de vida do
cadeirante por lesão medular. Porém, é necessário avaliar outros domínios além da capacidade
funcional para se constatar uma real melhoria na qualidade de vida do indivíduo como ocorre no
SF-36, que avalia, além da capacidade funcional, outros sete domínios (aspecto físico, dor, estado
geral de saúde, vitalidade, aspecto social, aspecto emocional e saúde mental).
No presente estudo, não encontramos diferença estatisticamente significante quando comparada à
qualidade de vida dos grupos praticante e não praticante de atividade esportiva. Vários aspectos
devem ser levantados frente aos presentes resultados antes de uma conclusão imperativa. Primeiro,
a amostra selecionada não foi de tamanho adequado. Acreditamos que uma amostra maior proveria
maior fidedignidade na interpretação dos resultados. Outro fator que julgamos ter interferido no
resultado foi a heterogeneidade dos grupos. O grupo praticante de atividade esportiva mostrou uma
média menor de idade (31,54 contra 41,8 anos do grupo não praticante), e também menor média
em relação ao tempo de lesão (6 contra 11,8 anos do grupo não praticante). Entendemos que essa
importante diferença no tempo de lesão entre os dois grupos pode ter sido determinante para alguns
resultados encontrados. A prática clínica nos mostra que um tempo maior desde o evento
traumático que levou o indivíduo à cadeira-de-rodas está relacionado à maior adaptação do mesmo
à nova condição de vida. A limitação física não mudou, porém aquilo que nos primeiros meses após
a lesão o indivíduo jamais imaginaria conseguir realizar, pode ser realizado após um maior tempo,
com treinamento, dedicação e motivação. O retorno às atividades laborais e sociais também
requerem tempo, e o ajuste emocional de cada indivíduo passará por instabilidades até que encontre
seu ponto de equilíbrio, permitindo então que o mesmo retome gradativamente suas atividades
normais de vida, ainda que muitas delas adaptadas.
Por fim, acreditamos que o formato restrito de um questionário como o usado neste trabalho pode
não contemplar algumas revelações de melhora da qualidade de vida, mas que nos foram
apresentados na forma de afirmações subjetivas e descritivas pelos participantes do estudo. Como
exemplo, podemos citar a melhora na qualidade do sono e melhora na relação com os familiares
próximos, entre várias outras citações.
CONCLUSÃO
No presente estudo não encontramos diferença significante na qualidade de vida entre indivíduos
com lesão medular cadeirantes, praticantes e não praticantes de esporte, avaliada através do
questionário SF-36. Tal achado não permite, por fim, conclusões definitivas referentes ao papel do
esporte na reabilitação destes indivíduos, uma vez que o trabalho apresentou algumas limitações que
possibilitam interpretações equivocadas.
Portanto, acreditamos serem necessárias novas pesquisas com uma amostra maior de indivíduos e
um instrumento de avaliação da qualidade de vida adaptado para a população em questão. Além
disso, é interessante uma determinação mais adequada da amostra no que se refere aos critérios de
inclusão e exclusão (nível de lesão, tempo da lesão, idade, entre outros).
REFERÊNCIAS
[3] Aacd.com.br [site na internet] – Associação de Assistência à Criança Deficiente -Acesso em
10/03/2007. Disponível em http://www.aacd.com.br
[4] VALL J, BRAGA VAB, ALMEIDA PC. Study of the quality of life in people with traumatic
spinal cord injury - Arq. Neuropsiquiatr. 2006;64(2-B):451-455.
[5] CECIL, Tratado de Medicina Interna; 20ª edição; capítulo
438; páginas 2360 e 2361
[6] BUDH CN, ÖSTERAKER AL. Life Satisfaction in individuals with spinal cord injury and pain –
Clinical Rehabilitation 2007;21:89-96.
[7] COWELL LL, SQUIRES WG, RAVEN PB. Benefits of aerobic exercise for the paraplegic: a
brief review – Med Sci Medicine and Science in Sports and Exercise 1986;18:501-08
[8] MOLLINGER LA, SPURR GB,EL GHATIT AZ, BARBORIAK JJ, ROONEY CB,
DAVIDOFF DD, BONGARD RD. Daily energy expenditure and basal metabolic rate of patients
with spinal cord injury – Archives of Physical Medicine and Rehabilitation – 1985;66: 420-26
[9] SEDLOCK DA, Excess post-exercise oxygen consumption in spinal cord-injured men –
European journal of applied physiology – 2004;93:1-2:231-36
[10] NASH MS, Exercise as a Health-Promotion Activity Following Spinal Cord Injury –Journal of
Neurological Physical Therapy –2005;29:2:87-115
[11] DURÁN FS, LUGO L, RAMIREZ L, EUSSE E. Effects of an exercise program on the
rehabilitation of patients with spinal cord injury – Archives of Physical Medicine and Rehabilitation –
2001;82:1349-57
[12] RANDALL EK, Improved upper-body endurance following a 12-week home exercise
program for manual wheelchair users - Journal of rehabilitation research and development –
2003;40:6:501-10
[13] MANNS PJ, CHAD KE. Determining the relation between quality of life, handicap, fitness,
and physical activity for persons with spinal cord injury - Archives of Physical Medicine and
Rehabilitation – 1999;80:1566-71
[14] SILVA MCR, OLIVEIRA RJ, CONCEIÇÃO MIG. Efeitos da natação sobre a
independência funcional de pacientes com lesão medular – Rev Bras Med Esporte – 2005;11:
4:251-54.
[15] ÜNALLAN H, GENÇOSMANOGLU B, AKGUN K, KARAMEHMETOGLU S, TUNA
H, ONES K, RAHIMPENAH A, UZUN E, TUZUN F. Quality of life of primary caregivers of
spinal cord injury survivors living in the community: controlled study with short form-36 questionnaire
– Spinal Cord – 2001;39:318-22