http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/134.htm |
|
Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
ORGANIZAÇÃO DE AMBIENTES INCLUSIVOS
EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Gilmar de Carvalho Cruz
Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG
Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO / Campus de Irati
Resumo
O texto apresenta considerações acerca da oferta de serviços de educação
escolarizada destinados a alunos que apresentam, no âmbito das necessidades
especiais, algum tipo de deficiência. O cenário no qual debates sobre o tema são
realizados caracteriza-se por uma perspectiva educacional que se pretende inclusiva.
Deste modo, investir sobre a organização de ambientes inclusivos de aprendizagem
sugere ser de interesse para que a participação do componente curricular Educação
Física esteja em consonância com o projeto pedagógico da escola.
O atendimento de pessoas com necessidades especiais tem suscitado inquietações
importantes no campo de atuação profissional no âmbito da Educação Física. Na
condição de um dos componentes curriculares da escola, também a Educação Física
se encontra às voltas com os debates em torno da inclusão de pessoas com
necessidades especiais. A participação ativa nesses debates é de fundamental
importância para que esse componente curricular aprimore suas possibilidades de
atuação junto a alunos que apresentam demandas específicas quanto à realização de
atividades concernentes ao movimento corporal humano.
Proposições relacionadas à saúde, ao esporte, ao desenvolvimento motor e à cultura
corporal, se encontram presentes na prática pedagógica de professores de Educação
Física inseridos em ambiente escolar. Em um dos raros pontos de consenso entre as
variadas óticas sob as quais podemos enxergar a atuação da Educação Física na
escola, pode-se assumir como necessário o incremento do repertório de movimento
corporal humano na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.
Na escola, a reunião de competências particulares de cada disciplina fortalece a
coerência interna de seu projeto pedagógico e, conseqüentemente, sua repercussão
social. Deste modo, para garantir que o conjunto das disciplinas escolares inseridas
em um projeto coletivo caminhe na mesma direção – ainda que usando diferentes
maneiras de caminhar – é fundamental que cada uma reconheça suas próprias
particularidades. Essas particularidades dizem respeito a cada disciplina escolar fazer
aquilo que se não fizer nenhuma outra fará. Ou seja, promover a aprendizagem de
conteúdos específicos que reunidos irão corroborar a função social e os objetivos da
escola.
No que diz respeito à intervenção da Educação Física – junto a pessoas que no âmbito
das necessidades especiais apresentam algum tipo de deficiência – nos vemos às
voltas com questões que vão desde a especificidade do comportamento motor dos
indivíduos atendidos, até o processo de formação de profissionais para atuarem nessa
área. Numa primeira aproximação, tendemos a nos precipitar na constatação da
incompatibilidade, quase paradoxal, de se relacionar Educação Física e deficiência.
Isso acontece em parte devido às lentes com as quais se enxerga,
preponderantemente na Educação Física, o movimento corporal humano – as
“bicicletas” no futebol, os saques “viagem ao fundo do mar” no voleibol, as “enterradas”
no basquetebol, por exemplo, não raro nos servem como referência de competência
motora. Mesmo considerando a possibilidade aberta pelo esporte adaptado de tornar
espetacular o movimento realizado por pessoas que apresentam deficiência, é preciso
salientar que em ambiente escolar essa perspectiva não se apresenta como a mais
adequada.
Como outros componentes curriculares a Educação Física deve contribuir na tarefa de
garantir a educação escolarizada de todo e qualquer aluno. Além da complexidade
inerente à articulação entre temas como pessoas com necessidades especiais,
inclusão escolar e Educação Física, é necessário tratar com profundidade questões
decorrentes da referida articulação. É preciso levar em conta que a escola e seus
integrantes, todos, devem ter uma expectativa de progresso em relação a todos os
seus alunos – mesmo aqueles que possuem demandas educacionais específicas.
Caso contrário, a profecia se auto-realiza e os alunos com necessidades especiais
vêem-se excluídos do acesso ao currículo escolar, apesar de inseridos em ambientes
regulares de escolarização.
A preocupação com a inclusão escolar de alunos com necessidades especiais em
aulas de Educação Física vem sendo alvo de pesquisas de campo já há algum tempo.
Neste sentido, pesquisa realizada por Block e Zeman (1996) indica que, havendo
suporte adequado, a inclusão de alunos com deficiência mental em uma turma regular
de Educação Física não tem efeito negativo sobre os alunos que não apresentam
deficiência. Com foco no desempenho motor de alunos de classes especiais,
portadores de deficiência mental – submetidos a ambientes de aprendizagem
segregado e integrado (junto com alunos de classe regular) – Cruz (1997) constatou
que o ambiente integrado favoreceu a melhora no desempenho dos alunos das
classes especiais, além de identificar interações destes com alunos das classes
regulares. Por outro lado Lopes (1999) ao investigar a participação de um aluno com
deficiência física em aulas comuns/regulares de Educação Física observou que
atividades individualizadas favoreceram mais sua participação efetiva do que
atividades em grupo, sinalizando a necessidade de criação de espaço escolar –
envolvendo professores e alunos – destinado a discutir temas relacionados à
deficiência.
A despeito das discussões em torno de se incluir ou não um aluno com necessidades
educacionais especiais em uma turma regular, é notória a dificuldade de se
equacionar a situação escolar que envolve dois encontros semanais de pouco mais de
40 minutos cada, cerca de 30 alunos (com diferenças entre si que vão desde a
questão de gênero à história de vida), e recursos materiais e instalações
freqüentemente marcados pela precariedade. Mas, paradoxalmente, ao se deslocar
para uma escola especial, com número reduzido de alunos por turmas –
pretensamente homogêneas – e material/instalações relativamente satisfatórios,
chega-se a um ambiente educacional com insistentes dificuldades para garantir a
efetiva escolarização de seus alunos.
Além de aspectos de ordem social, questões internas a cada componente curricular
podem levar ao enfraquecimento de sua participação na dinâmica escolar. No caso da
Educação Física, em particular, a justificativa de sua importância no processo de
escolarização se dá, por vezes, mais em função do que se ensina/aprende por
intermédio dela do que sobre ela mesma. Relacionar atividades pertinentes à
Educação Física ao desempenho na leitura e escrita de crianças que apresentam
deficiência mental, por exemplo, representa uma salutar interação dos componentes
curriculares presentes na escola. Todavia, deve-se atentar para que o caráter ímpar da
contribuição da Educação Física no processo de educação escolarizada não seja
negligenciado devido à opção de participação no ambiente escolar na condição
exclusiva de apoio a outros componentes curriculares.
Cumpre não se perder de vista indicações de Zabala (1997) a respeito da
impossibilidade de ensinar algo desprovido do entendimento sobre como se aprende.
Em se tratando da Educação Física, ele ressalta a utilização de um modelo de ensino
baseado em uma interpretação complexa da aprendizagem, sem perder de vista que
para ela ocorrer é indispensável estruturar um ambiente físico-social adequado. A
contribuição de Sánchez Bañuelos (1986) nos permite avançar mais um pouco na
questão da particularidade ao mencionar uma didática específica da Educação Física
que trate de um processo de ensino possuidor do movimento corporal humano como
conteúdo. No tocante aos embates decorrentes de perspectivas teóricas distintas, ele
menciona que ao se ensinar uma tarefa motora, tendo como objetivo que o aluno a
aprenda, são as características específicas da tarefa que devem determinar os
procedimentos de ensino utilizados, e não considerações de caráter ideológico.
Seguindo seu raciocínio, a tarefa por se ensinar deve estar relacionada com idade e
possibilidades do aluno e os procedimentos de ensino com a tarefa a ser ensinada.
Esse raciocínio se aplica às pessoas que, no âmbito das necessidades educacionais
especiais, apresentam algum tipo de deficiência. A Educação Física tem a
responsabilidade de incrementar o repertório de movimento corporal de uma pessoa
que apresenta deficiência, e pode fazê-lo à medida que estruture um ambiente que
proporcione vivências motoras capazes de aprimorar sua habilidade para solucionar
as tarefas apresentadas pelo ambiente físico-social no qual está inserida. Para tanto,
nossas lentes devem focalizar o movimento corporal – sem restrições excludentes – e
não a deficiência da pessoa, quando nos propormos a abordar este tema. Não
compete à Educação Física reverter alterações morfológico-funcionais constitutivas de
uma pessoa. Entretanto, proporcionar-lhe condições de movimentar-se para interagir
com seu ambiente físico-social de modo cada vez mais satisfatório às suas
necessidades é tarefa que lhe cabe.
Observando atentamente as características de serviços ofertados pela Educação
Física, notamos que se trata de um campo de atuação profissional que todo o tempo
lida com a diferença das pessoas – quer possuam ou não necessidades especiais.
Esta assertiva impõe que admitamos a heterogeneidade manifesta em suas
possibilidades de movimentos corporais (CRUZ; RADIGONDA; MANGABEIRA, 2003).
Este talvez seja, dentre outros, o mais inquietador dos desafios: dar conta de cada um
num grupo de 5, 15, 45 pessoas. A intervenção da Educação Física em ambiente
escolar, leva ao relacionamento com grupos heterogêneos, constituídos por crianças
com diferentes níveis de habilidade e vivência no tocante ao movimento corporal. Se
considerarmos que a Educação Física lida todo o tempo com a diferença, podemos
assumi-la com a faca e o queijo nas mãos. Se constituirmos uma turma de alunas da
mesma faixa etária, residentes na mesma rua constataremos suas dessemelhanças. O
mesmo ocorrerá com uma turma composta por crianças com a síndrome de Down, ou
qualquer outra característica que se queira destacar.
As diferenças entre alunos nas quadras de aula são expressão da contribuição ímpar
que o componente curricular Educação Física tem a dar no processo de inclusão
escolar de pessoas que apresentam algum tipo de deficiência. É a partir da assunção
de que o processo ensino-aprendizagem deflagrado em aulas de Educação Física diz
respeito à construção de um ambiente que proporcione ao aluno vivências motoras
significativas ao seu processo de desenvolvimento e capazes de corroborar o projeto
pedagógico da escola, que se deve considerar a possibilidade de intervenção na
realidade de alunos que apresentam algum tipo de deficiência.
O desenvolvimento motor é imanente a todas as pessoas e no caso de um padrão de
movimento, como andar, por exemplo, é possível observar que algumas pessoas
andam mais cedo, outras um pouco mais tarde. O tempo para se chegar a
determinado estágio de movimento recebe a influência da interação de aspectos
constitutivos e ambientais pertinentes ao indivíduo. Cabe ressaltar, no entanto, que ao
mencionarmos padrão de movimento não nos referimos a macdonaldização, ou
padronização da/na resposta motora de uma pessoa em virtude de determinada
solicitação do ambiente. Ao contrário, trata-se padrão de movimento como sendo o
modo particular que cada indivíduo possui de organizar as ações motoras necessárias
à resolução de problemas decorrentes de sua interação com seu ambiente físico-social.
Em sua proposição de estratégias para a aprendizagem motora – com foco no
esporte – de pessoas cegas e com deficiência visual, Almeida (1995) ressalta a
necessária conjunção de fatores intrínsecos (relacionados ao aluno) e extrínsecos
(relacionados ao meio externo) a fim de que os objetivos estabelecidos em um
programa de atividades esportivas sejam alcançados. O relacionamento entre a
pessoa que apresenta deficiência, o seu ambiente físico-social e as restrições
impostas pelas tarefas que lhe são propostas, não pode ser ignorado na avaliação das
possibilidades de intervenção junto a essas pessoas. Do ponto de vista da realização
de tarefas motoras pode-se dizer que uma pessoa com algum tipo de deficiência
possui desenvolvimento diferente, podendo, inclusive, manifestar um alto nível de
competência motora (MANOEL, 1994, 1996).
Em função das características peculiares de pessoas com necessidades especiais, o
ramo da Educação Física que assume a responsabilidade de atendê-las vem sendo
denominado Educação Física Adaptada. Trata-se da adoção de uma terminologia que
melhor traduza os propósitos que a orientam, não obstante questionamentos sobre o
caráter adaptado da Educação Física acompanharem algumas das discussões
conceituais da área. Afinal de contas a Educação Física comum deve estar, todo o
tempo, atenta às inevitáveis diferenças que se expressam no movimento corporal
daqueles que dela tomam parte. Nesse sentido vale acompanhar Pedrinelli e
Verenguer (2005) ao apontarem que a Educação Física Adaptada focaliza a cultural
corporal de movimento, com atenção ao potencial de desenvolvimento pessoal do
aluno e não à deficiência que ele apresenta.
É possível observar que a Educação Física Adaptada está para a Educação Física
Comum – assim como esta está para a Educação – como fonte instigante na busca
de aprimoramento das intervenções pedagógicas implementadas. Pode-se ainda
avançar nessa relação sugerida entre a Educação Física Adaptada e a Comum –
assentada no entendimento de que a ampliação do repertório corporal de movimento
de seus alunos é sua inequívoca responsabilidade – e repensar a idéia de adaptar
uma determinada atividade para que um aluno cego, ou com uma deficiência física,
por exemplo, possa acompanhar a aula com os alunos de uma turma regular. Levar os
alunos que não possuem deficiência a realizar uma atividade desprovidos da visão, ou
executando movimentos corporais fora dos padrões conhecidos significa conduzi-los à
experimentação de outros canais perceptivos, de outras possibilidades motoras. Isso
significa enriquecer sobremaneira as possibilidades de dar respostas motoras às
solicitações provenientes das interações com seu entorno físico-social. Contudo,
pensar a Educação Física Adaptada como panacéia para as questões relativas ao
movimento corporal de pessoas com necessidades especiais é um grande equívoco.
A contribuição que a Educação Física Adaptada, entendida como vertente da
Educação Física comum, pode dar no aprimoramento dos serviços destinados a
pessoas com necessidades especiais passa pelo seu inevitável engajamento em
questões mais amplas que acompanham a própria Educação Física. É necessário que
a especificidade de uma determinada situação de intervenção não a descole da
paisagem da qual ela faz parte. As condições para o atendimento de um aluno com
uma deficiência física, por exemplo, vão além da construção de rampa para acesso ao
local no qual acontecerá a aula de Educação Física, ou mesmo de definição do
espaço físico no qual a aula acontecerá. Mais do que discutir se um aluno que
apresenta uma determinada deficiência deve ter seu processo de educação
escolarizada desenvolvido em ambiente inclusivo (com alunos do ensino regular) ou
exclusivo (com seus pares de uma escola especial), importa definir em qual desses
ambientes seu desenvolvimento escolar é otimizado.
A participação ímpar do componente curricular Educação Física no cotidiano escolar
deve reunir a especificidade da área à docência em nível de educação básica. Reduzir
a problemática da escolarização de pessoas com necessidades especiais às
condições estruturais de acesso ao prédio escolar pouco colabora na aprendizagem
dos conteúdos veiculados pela escola. Do mesmo modo, a intervenção da Educação
Física orientada para um aluno com algum tipo de deficiência não pode ser reduzida à
adaptação de jogos e atividades físicas. Se o contexto em questão é o educacional, e
tem inspiração inclusiva, será ainda mais necessário articular aspectos específicos da
Educação Física com o contexto complexo e dinâmico definido por uma turma de
alunos em uma determinada escola. Pensar a Educação Física na escola, dando conta
de atender simultaneamente alunos com e sem necessidades especiais, implica em
pensar no aporte advindo da Educação Física Adaptada, mas supõe, sobretudo, a
sintonia com o projeto pedagógico da escola e com debates educacionais de fundo.
Referências
ALMEIDA, J.J.G. Estratégias para a aprendizagem esportiva: uma abordagem
pedagógica da atividade motora para cegos e deficientes visuais. 1995. 177 f.
Tese (Doutorado em Educação Física) – Universidade de Campinas, Campinas, S.P.
BLOCK,M.E.; ZEMAN, R. Including students with disabilities in regular physical
education: effects on nondisabled children. Adapted Physical Activity Quarterly,
Champaign, v. 13, p.38-49, 1996.
CRUZ, G.C. Classe especial e regular no contexto da Educação Física:
segregar
ou integrar? Londrina: Ed. UEL, 1997.
CRUZ, G.C.; RAZENTE, D.M.R.; MANGABEIRA, E.M.C. Considerações de
professores de Educação Física sobre o atendimento de alunos de classes especiais
inseridos em ambientes educacionais sob a perspectiva da inclusão. Revista
Brasileira de Educação Especial, Marília, v.9, n. 2, p.211-226, 2003.
LOPES, K.A.T. Aluno com deficiência física em aulas regulares de Educação
Física: prática viável ou não? Um estudo de caso. 1999. 164 f. Tese (Doutorado em
Psicologia) – Universidade São Paulo, São Paulo, S.P.
MANOEL, E.J. Desenvolvimento motor: implicações para a Educação Física escolar.
Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, v.8, n.1, p.82-97, 1994.
________. Atividade motora adaptada: desafios para o século XXI. In: SIMPÓSIO
PAULISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA, 6. 1996, São Paulo. Anais... São
Paulo, 1996. p.183-185.
PEDRINELLI, V.J.; VERENGUER, R.C.G. Educação Física Adaptada: introdução ao
universo das possibilidades. In: GORGATTI, M.G.; COSTA, R.F. Atividade física
adaptada: qualidade de vida para pessoas com necessidades especiais. (Org.).
Barueri, SP: Manole, 2005. p.1-27.
SÁNCHEZ BAÑUELOS, F. Didáctica de la educación física y el deporte.
Madrid:
Gymnos, 1986.
ZABALA, A. Aprendizaje significativo: el professor como movilizador de lãs
competências de sus alunos. In: SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO E SOCIEDADE, 6.,
1997, São Paulo. Anais... São Paulo: Grupo Associação de Escolas Particulares,
1997. p.1-39.