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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
A DEFICIÊNCIA MENTAL E AUDITIVA NO OLHAR DOS IRMAOS NÃO DEFICIENTES
Miguel C. M. Chacon1
1 Professor Assistente Doutor do Departamento de Educação Especial da Universidade Estadual Paulista – UNESP,
campi de Marília.
RESUMO
A família é uma estrutura criada pelo homem e se constitui de forma diferente em situações e
tempos diferentes de maneira a responder as necessidades sociais, bem como individual de cada um dos
seus membros. Constitui-se em torno de uma necessidade material com função biológica: a reprodução
(não há necessidade de uma forma de família para que haja reprodução, mas a reprodução é condição
para a existência da família) e exerce ainda função ideológica, ou seja, é na família que os indivíduos são
educados para perpetuar a estrutura familiar que sofre modificações a cada século. A família é o “lócus”
da estruturação da vida psíquica, é um espaço social distinto na medida em que gera e consolida
hierarquias multigeracionais, e seu funcionamento está centrado no binômio autoridade/amor.
Ao se recorrer as diferentes formas históricas assumidas pela instituição familiar, percebe-se
sempre uma busca de superação2 na relação homem/mulher. Desde a implantação da última forma de
instituição familiar, a monogâmica, até os dias de hoje é notório que o homem está perdendo poder e em
contrapartida a mulher está adquirindo-o. Essa mudança, reivindicada pelos movimentos de libertação
feminina, provocou grandes alterações, reforçadas pelos meios de produção capitalista.
Conseqüentemente assistimos, hoje, a uma transição da família monogâmica para uma outra forma de
instituição familiar “pós-monogâmica”, que é a família contemporânea.
2 “Superação aqui quer dizer reafirmação do princípio dialético do desenvolvimento da humanidade
em relação
a si mesma e a natureza, com a finalidade de “inventar” novas formas familiares a partir da transformação da totalidade
das relações sociais e individuais, interpessoais e intrapessoais.” (CANEVACCI, 1985)
Essa família contemporânea, que, de modo geral, mas nem sempre, se constitui em torno de um
homem, uma mulher e o(s) filho(s), sendo os pais não necessariamente os genitores, é uma família
modificada em grande número de funções sociais e de valores morais; uma família em que os filhos (nem
sempre legítimos), desde cedo, passam a freqüentar creches, escolas, ou instituições especializadas (como
no caso de filhos deficientes); uma família em que não apenas o homem é o provedor do sustento; uma
família em que se percebe a existência de um sentimento intergrupal, mas que não impede relações e
sentimentos extra grupo familiar. Uma família mediatizada pela sociedade em todas as suas estruturas. Essa
família, muito marcada por alguns traços da família monogâmica no seu início, mas bastante modificada já
pelos meios de produção e reprodução, pela ciência, pela tecnologia, e pelos valores atuais de
relacionamento, é a família de hoje com a qual trabalhamos. (Chacon, 1995)
As instituições ainda desprezam as diversas formas de arranjo familiar vigente hoje, mantém a
imagem de família nuclear – na qual o pai cuida de prover os recursos necessários à sobrevivência física e
a mãe é a grande responsável pela educação da prole e pela harmonia cotidiana – como os ambientes
corretos para o bom desenvolvimento, Vêem-na como espaço livre de tensões, harmônico, no qual seus
membros partilham interesses comuns. Separações de casais, famílias mono parentais, uniões
homossexuais, etc. são consideradas perigosas ao bom desenvolvimento psíquico e moral das crianças.
Ademais, o pai não é tratado como figura privilegiada de educador. (Oliveira, 2002)
Discute-se, hoje, não mais as relações de poder entre homens e mulheres, mas as relações de
poder entre pais e filhos. Desloca-se o eixo da história não mais para os direitos do homem ou da mulher,
mas para os direitos do filho.
Nesse percurso não menos importante que reconhecer o direito dos filhos é reconhecer o direito
de qualquer filho, seja ele normal ou especial, pois não se pode negar, hoje, a existência de conhecimento
científico e de tecnologia avançada, que podem possibilitar o desenvolvimento de qualquer capacidade
humana, e garantir com isso oportunidades objetivas de integração/inclusão da pessoa com deficiência em
todos os níveis sociais.
Há na literatura uma vasta produção científica nacional acerca da mãe de filhos com necessidades
especiais (Omote, 1994; Chacon, 1999; Canotilho, 2002; Souza, 2002; Silva, 2002), e em geral percebe-se que a relação mãe-filho deficiente exige, perseverança e atenção quanto ao aprendizado do filho acerca
de competências sociais, e, ao mesmo tempo, requer utilização de novas formas de instrução, que não
apenas o diálogo. Há quem defenda que a família deve ser parceira no desenvolvimento da pessoa
deficiente, outros que defendem a necessidade de se tratar também à família nos seus aspectos emocionais
e sociais. Niella (1993) nos convida a uma reflexão acerca da necessidade que as mães têm de serem elas
mesmas sem o rótulo3 de mães especiais (uma santa assexuada). Estendamos esta reflexão para os outros
membros da família, igualmente importantes, especificamente o pai e os irmãos. A auto-estima e a vaidade
nesses membros, muitas vezes chegam a ser prejudicados ou mesmo esquecidos, para tanto há
necessidade de acompanha-los em atividades que possibilitem maior contato intrapessoal, de maneira a
valorizar e desenvolver seus sentimentos, potencialidades, necessidades e expectativas.
Em contrapartida, no que diz respeito ao pai a produção científica nacional é ainda bastante
insipiente. Tomando por base a Revista Brasileira de Educação Especial, do seu início até o momento
foi possível constatar a ausência total de trabalhos publicados que tivessem como tema principal à figura
do pai. A referida periódica apresenta relatos de pesquisas com temas variados, dentre os quais a família.
No entanto, a maioria das pesquisas em torno da família se concentra na análise das falas de mães e
quando se enfoca a figura do pai o mesmo é englobado juntamente à figura da mãe e nunca
separadamente, utilizando-se a terminologia genérica “pais”4.
No que se refere aos irmãos, a referida periódica trás até o momento apenas um artigo publicado.
Os pesquisadores e pesquisadoras brasileiros parecem não atribuir tanta importância as influencias do pai
e dos irmãos na formação e educação da pessoa deficiente, quanto à da mãe.
Powell (1992) em seu livro “Irmãos especiais” faz análises pormenorizadas da relação fraterna, e
coloca os irmãos como “agentes de socialização” uma vez que por meio das interações longitudinais que
estabelecem ensinam uns aos outros habilidades sociais. Realizamos uma pesquisa em 1995 junto a 12
mães de filhos diagnosticados como deficientes mentais em uma instituição de educação especial, todas as
participantes da pesquisa possuíam mais de um filho e, de modo geral, falou do relacionamento do filho
deficiente com pessoas da família, via de regra, os irmãos. As mães colocam-se de maneira diferenciada:
para algumas os irmãos aceitam a deficiência, e procuram auxiliar no desenvolvimento de potencialidades,
enquanto que para outras os irmãos não aceitam e criticam a mãe, quanto as suas atitudes que são,
segundo eles, de superprotecão. Os irmãos são fontes adicionais de amor, e na ausência dos pais podem
se apoiar mutuamente, tanto na infância quanto na vida adulta.
3 Para Goffman (1988) esse rótulo é o estigma de cortesia que os membros da família carregam.
4 Sempre que se fizer referência, neste trabalho, ao Pai e à Mãe conjuntamente será utilizada a terminologia
pais
entre aspas, ou seja, “pais”.
Apesar da importância que a sociedade concede a família, sabemos relativamente pouco sobre a
dinâmica das relações familiares, e menos ainda quando um ou mais de seus membros possui algum tipo
de deficiência. Os estudos sobre a pessoa deficiente, suas características, seu comportamento, seu nível
intelectual, sua educação, dentre outros, são muito mais numerosos que os que enfocam a dinâmica das
relações familiares. Como afirma Powell (1992), “esses relacionamentos são tão complexos e variados, e
diferem tanto que é impossível fazer generalizações universais sobre sua natureza e suas influências”.
Há alguns anos temos nos dedicado à pesquisa sobre a percepção que o irmão não deficiente tem
sobre o irmão deficiente, no intuito de entender melhor exatamente que influências irmãos e irmãs têm uns
sobre os outros, especificamente a daqueles sobre estes. Assim sendo, elaboramos um questionário com
12 questões, das quais as 11 primeiras são de múltipla escolha, e a última uma questão aberta.
Apresentaremos nesta oportunidade a percepção 66 irmãos, sendo 33 irmãos de deficiente mentais e 33
irmãos de irmãos normais, todos com idade superior a 25 anos, escolhidos aleatoriamente. A seguir serão
apresentados as questões e os resultados, entre parênteses, por nós encontrados.
Método
Participaram da pesquisa 60 irmãos, 20 irmãos de deficientes mentais, 20 irmãos de deficientes
auditivos e vinte irmãos de irmãos não deficientes. A idade mínima dos irmãos é 14 anos e a máxima 26
anos, com idade média de 20 anos.
Os participantes da pesquisa preencheram um formulário contendo “características da pessoa
deficiente”, “Características do(a) irmão(ã) respondente”, “características da família”, e um questionário
com onze questões fechadas e uma aberta, sendo que para os irmãos de irmãos não deficientes haviam
dez questões fechadas e uma aberta, ou seja, a questão de número nove foi respondida apenas pelos
irmãos de deficientes.
Os dados foram organizados levando-se em conta as características dos irmãos respondentes,
objeto de investigação desta pesquisa. A analise dos dados ora apresentados é parcial, pois os dados
ainda receberão tratamento estatístico. Sendo assim, as considerações do presente relato de pesquisa são,
também, parciais.
Os dados coletados serão apresentados em tabelas com respostas quantificadas por modalidade,
seguido da respectiva porcentagem. Atribuiu-se a sigla DM para resposta dadas por irmãos de Deficientes
Mentais, DA para resposta dadas por irmãos de Deficientes Auditivos e SD para resposta dadas por
irmãos de irmãos Sem Deficiência. A porcentagem das respostas foi colocada em figura para melhor
visualização.
Análise dos dados
Os dados serão apresentados um a um e a seguir será feita uma análise preliminar sem tratamento
estatístico. Podem-se visualizar abaixo as questões respondidas pelos irmãos e a respectiva consideração
do pesquisador.
1 – Em sua opinião a preocupação dos seus pais é:

Como se pode observar nos dados acima apresentados, o fenômeno em questão comporta-se
diferentemente para cada modalidade de irmão respondente. A distribuição é mais equilibrada entre os
irmãos de irmãos não deficientes - SD. Nas três categorias há uma percepção mais elevada dos irmãos
quanto à preocupação de seus pais como sendo maior para com seus irmãos que para com eles próprios
(DM = 12 - 60%, DA = 10 - 50%, SD = 8 - 40%). Isto nos induz a pensar que este tipo de percepção,
de maneira geral, está presente na relação fraterna. Há uma diferença significante nas respostas dadas
pelos irmãos de DM entre a alternativa b e as demais alternativas. Esta diferença não ocorre nas outras
duas categorias de irmãos, o que nos leva a pensar que embora seja uma percepção presente na relação
fraterna de modo geral, entre os irmão de DM esta percepção é mais fortemente marcada pela presença
da deficiência. Comparativamente há uma diferença grande no número de irmãos que afirmam que seus
pais preocupam-se igualmente para com eles e com os irmãos, sendo que os irmãos normais em maior
número que os outros irmãos das outras duas categorias se percebem nesta situação (DM = 4 - 20%, DA
= 1 - 5%, SD = 7 - 35%).
2 – Você acredita que seu/sua irmão(ã) necessita de:
No tocante a atenção e cuidados para com o irmão, o fenômeno em questão comporta-se
contrariamente apenas para a categoria de irmãos SD. A distribuição das respostas dadas pelos os irmãos
de deficientes é equivalente, e há diferença significante entre as respostas dadas por eles e as dadas pelos
irmãos de não deficientes (DM = 18 - 80%, DA = 18 - 80%, SD = 4 - 20%) a maioria dos irmãos de
deficientes concordam que seus irmãos precisam de mais atenção e cuidados que eles. Os dados em
questão possibilitam inferir que o fenômeno da percepção dos irmãos acerca de maior atenção e cuidados
para com o irmão deficiente é fortemente marcado pela presença da deficiência, o que pode ser
confirmado pela resposta contrária e quase na mesma proporção dada pela categoria de irmãos de não
deficientes para a segunda alternativa, ou seja, de que eles necessitam da mesma atenção e cuidados que
os demais irmãos.
3 – Quando você está em lugares públicos com seu/sua irmão(ã), você percebe que:

Questionados a respeito da percepção que esses irmãos têm sobre a reação da audiência
em
público quando na presença de seus irmãos deficientes é possível observar que o fenômeno se comporta
diferentemente nas três categorias de irmãos respondentes. A maioria desses irmãos percebe que seus
respectivos irmãos ou chama muito ou chama pouco a atenção da audiência, mas chama a atenção.
Contrariamente às duas categorias de irmão de deficientes, os irmãos de não deficiente percebem que seus
respectivos irmãos não chamam a atenção da audiência. A relação fraterna não é provavelmente a mesma
em casa que em outros contextos sociais, nos quais possa intervir pessoa do ciclo social maior, tais como
amigos, ou pessoas estranhas ao nosso convívio social, “quando o defeito da pessoa estigmatizada pode
ser percebido só ao lhe ser dirigida a atenção (geralmente visual) /.../ é provável que ela sinta que estar
presente entre os normais a expõe cruamente a invasões de privacidade” (Goffman, 1988). Como bem
definiu Erving Goffman, esses irmãos se encontram numa perspectiva a qual denominou “estigma de
cortesia”, que é um atributo daquele(s) que sofrem a maior parte das privações típicas da(s) pessoa(s) ou
grupo(s) que assumiu, voluntariamente ou não, pois no caso dos irmãos eles não se escolhem, mas se
encontram. Assim sendo, por estarem na presença física imediata daqueles que observam seus irmãos,
automaticamente tomam para si as “dores” da situação. Entre os irmãos SD, nove deles afirmam que o
irmão geralmente chama pouco ou não chama a atenção, ou nada percebem. Os outros que percebem que
os irmãos chamam muito ou pouco a atenção são por outros fatores que não a deficiência. Desta maneira
é possível inferir que tal fenômeno é fortemente marcado pela presença da deficiência.
4 – A relação que você tem com seu irmão é:
Dos respondentes 24 irmãos de deficientes ((DM = 14 - 70%, DA = 10 - 50%) e 10 (50%)
irmãos de não deficientes afirmaram ter um relacionamento basicamente positivo com seus respectivos
irmãos, apenas 02 (10%) irmãos de não deficientes afirmou ser negativa, enquanto que 24 irmãos
afirmaram ter relacionamento às vezes positivo e às vezes negativo (DM = 6 – 30%, DA = 10 – 50%, SD
= 8 – 40%).
O fenômeno, como se pode observar comporta-se basicamente da mesma maneira nas três
categorias de irmãos respondentes, com discrepância maior entre os irmãos de DM. Os irmãos de
maneira geral percebem sua relação com seus respectivos irmãos como sendo basicamente positiva, ou às
vezes positiva e às vezes negativa de onde se pode apreender que não é o fato de o irmão ser ou não
deficiente que estabelece maior positividade ou negatividade no relacionamento fraterno. Convergindo
com os estudos de Mc Hale, Sloan y Simeonsson (1986), os autores indicam “que a metade dos irmãos
de crianças com alguma deficiência vê suas relações fraternas como positivas e a outra metade como
negativas, relações muito parecidas às dos irmãos normais”. (Apud Niella, 1993).
5 – Alguma vez você sentiu vergonha do seu irmão:
Quando questionados se alguma vez sentiram ou não vergonha do(a) seu/sua irmão(ã), do total de
irmãos 15 (25%) responderam positivamente, 39 (65%) negaram e apenas 06 (10%)não soube
responder.
Há uma dinâmica na relação fraterna que sofre a influência da idade de cada irmão e do circulo de
amizade e/ou convivência dos mesmos. Assim sendo, em algum momento da vida os irmãos farão escolhas
que podem incluir ou excluir o outro irmão de tais atividades e de suas relações sociais uma vez que a
presença do irmão deficiente coloca-os em situações de contatos mistos5. Como é possível observar nos
dados acima, de maneira geral, os irmãos não sentem vergonha de seus próprios irmãos. Dentre os que
sentem, o maior número está entre os irmãos de DM, seguidos dos de SD e por último de DA. O
fenômeno se repete em todas as modalidades o que é possível inferir que a vergonha é um sentimento que
o ser humano associa ao comportamento nas relações sociais e não necessariamente ao atributo diferencial
que alguém possa ter.
6 – Você acha que por ter um irmão deficiente, possui maior responsabilidade na família que
seus outros amigos cujos irmãos não são deficientes?

Os pais de pessoas deficientes tendem a atribuir maior responsabilidade para os irmãos não
deficientes, no que se refere aos cuidados para com seus irmãos deficientes, em contrapartida os pais de
irmãos sem deficiência parecem agir diferentemente. Ao responder a esta questão, 26 irmãos de
deficientes afirmaram possui maior responsabilidade na família que seus amigos(as) cujos irmãos não são
deficientes, 12 negaram, e apenas 02 não souberam responder. Entre os irmãos de não deficientes 07
afirmaram possuir maior responsabilidade, 12 negaram e apenas 01 não soube responder. “Esta
responsabilidade dada aos irmãos não deficientes é uma das inquietudes subjacentes na maior parte dos
estudos, pois se suspeita que tal responsabilidade de cuidados da criança deficiente trará efeitos negativos
nos irmãos, principalmente nas irmãs” (Niella, 1993). Os resultados aqui apresentados apontam diferenças
aparentemente significantes nas respostas dos irmãos de DM, e diferenças aparentemente não significantes
nas respostas dos irmãos de DA e SD, conseqüentemente estamos novamente diante de um fenômeno que
funciona diferentemente em função da deficiência, principalmente para os irmãos de DM.
7 – Seus pais atribuem a você a tarefa de cuidar do seu/sua irmão(ã) deficiente?

A diferença nas respostas dos irmãos de deficientes ao afirmar “às vezes” reafirma a percepção de
que pais de deficientes têm os outros filhos mais como um suporte auxiliar no cuidado para com o irmão
que os pais de irmãos SD. Como se pode observar o fenômeno se comporta diferentemente entre os
irmãos de deficientes e os de não deficientes. Dos irmãos de deficientes 08 (20%) confirmou a atribuição
de tal tarefa, 07 (18%) negou e 25 (62%) diz desempenhar tal tarefa “às vezes”, enquanto que dos irmãos
de não deficientes 04 (20%) confirmou a atribuição, 12 (60%) negou e 04 (20%) diz desempenhar “às
vezes”. Praticamente nas três modalidades de irmãos respondentes um número equivalente afirma possuir
tal tarefa, a diferenca está no fato de o maior número de irmãos de deficientes possuírem tal tarefa “às
vezes” e o maior número de irmãos de não deficiente não possuírem. O número de filhos é uma variável
importante a ser considerada, pois em uma família numerosa o cuidado da criança deficiente pode ser
compartilhado entre todos os membros da família e os irmãos não sentirem tanto esta atribuição. Tal tarefa
segundo Niella (1993) é mais estressante para as filhas mais velhas que para os filhos mais velhos.
8 – Seus pais e você conversam abertamente sobre a deficiência do(a) seu/sua irmão(ã) e sobre
os problemas que surgem com o desenvolvimento dele(a)?

Quando solicitados a responder a questão acima, 26 (65%) irmãos de deficientes afirmaram
conversar com freqüência, apenas 03 (7,5%) disseram não conversar sobre o assunto e 11 (27,5%)
afirmaram conversar às vezes. Entre os irmãos de não deficientes 12 (60%) afirmaram conversar com
freqüência, 04 (20%) disseram não conversar, e 04 (20%) afirmaram conversar às vezes.
Semelhantemente aos irmãos de DM e DA, a maioria dos irmãos SD também afirmam conversar. Como
se pode observar os irmãos independente da categoria em que se encontram conversam com os pais
sobre seus irmãos. “Algumas famílias preferem o silêncio aos possíveis riscos da comunicação. Entretanto,
jamais experimentaram o valor de uma discussão franca nem sentiram as vantagens de procurar juntas as
respostas as perguntas compartilhadas (Powell, 1992).” Tais dados não convergem com os encontrados
na literatura que afirma haver uma crença generalizada sobre a falta de diálogo entre pais e filhos. Nossos
resultados podem estar sofrendo a interferência das políticas de integração e inclusão da pessoa deficiente,
bem como a mudança nas relações parentais, o que pode levar à facilidade em dialogar.
9 – Em sua opinião, seu/sua irmão(ã):

Algumas deficiências são tão perceptíveis que qualquer pessoa saberia reconhecê-las logo num
primeiro contato visual, pois se trata de deficiências com características aparentes e causas, na maioria das
vezes, conhecidas. No entanto, a deficiência mental, nem sempre é reconhecida à primeira vista, e os
comportamentos caracterizados como de pessoas deficientes mentais, via de regra, não se apresentam
logo no início da vida a não ser que a deficiência seja bem acentuada. Na maioria das vezes, são
detectados apenas quando a criança começa a freqüentar a escola, o que reforça o mito de que a
deficiência mental está localizada na cabeça do indivíduo. Ao serem questionados sobre o conhecimento
que possuem sobre a deficiência do(a) irmão(ã), 27 (67,5%) deles disseram que seu/sua irmão(ã) já
nasceu com a deficiência, 09 (22,5%) irmãos de DA disseram que adquiriu por algum problema de saúde
(febre, rubéola, convulsão, outros.), 01 (2,5%) irmão de DM disse que adquiriu a deficiência por acidente
(queda, acidente automobilístico, outros.), 01 (2,5%) irmão de DA afirma ser a causa medicamentos
ingeridos na gravidez, e 02 (5%) afirmam ser por outros fatores. “Os irmãos precisam de um tempo para
ficar a sós, para discutir problemas e procurar informações sem a influência dos pais. /.../ Uma maneira um
tanto informal, embora eficaz, de fornecer importantes informações aos irmãos é através de material de
leitura” (Powell, 1992). Nossos dados apontam para uma crença maior dos fatores hereditários e
congênitos acerca da deficiência que para os fatores adquiridos, crença está influenciada pela biologização
da deficiência no decorrer da história.
Vygotsky (1989), em sua obra Fundamentos de defectologia,
opôs-se às tentativas de biologizar
as concepções que existiam sobre a deficiência. Para o autor a deficiência não é tanto de caráter
biológico, como social. Em seu trabalho, toma a cegueira como exemplo e afirma que ela, enquanto fator
psicológico, não é uma desgraça. Converte-se em desgraça como fator social. Para ele as particularidades
psicológicas da pessoa deficiente têm como base não a esfera biológica, mas a social.
10 – Você tem medo de ter um(a) filho(a) como seu/sua irmão(ã)?

O sentimento de medo pode ser compulsivo ou real “o medo de estar no escuro é um medo real,
ou medo da realidade. O medo de colapso e morte iminente, quando se goza de perfeita saúde, é um
medo compulsivo” (Campbell, 1986). Quando se tem um irmão deficiente o medo de se ter um filho
também deficiente é real. Quando questionados a esse respeito, 12 irmãos de deficientes afirmaram ter
medo de ter um(a) filho(a) deficiente como seu/sua irmão(ã), 15 disserem não ter medo e 13 disseram
nunca ter pensado nisso. Já entre os irmãos de irmãos normais 04 (20%) afirmaram ter medo de ter um(a)
filho(a) parecido(a) com seu/sua irmão(ã), 13 (65%) afirmam não ter medo, e 03 (15%) nunca pensaram
nisso. Convidamos o leitor a olhar para as respostas dadas pelos irmãos de não deficientes. A 65% não
possuir medo de ter um(a) filho(a) como seu/sua irmão(ã) e apenas 04 afirma possuir tal medo, enquanto
que entre os irmãos de deficientes as respostas estão quase que equilibradamente distribuídas, com pouca
discrepância entre os irmãos de DF. Se comparados entre com os irmãos de não deficientes a diferença
para a resposta não parece ser significante, de onde se pode considerar que a presença, convivência e
conhecimento do processo de criação de um irmão deficiente levam estes irmãos a sentirem maior medo
que aqueles. Além do enfrentamento sócio-cultual, “a adaptação do irmão não deficiente a estes
sentimentos (raiva, culpa, e medo – grifo nosso) é um processo muito individual que está relacionado com
suas características de temperamento e personalidade”. (Niella, 1983)
11 – Você acha que seu/sua irmão(ã) deficiente poderá ser:

Na sociedade de hoje, parece que ser independente é uma meta almejada por todos, muito
embora não seja uma condição para todos. “A dependência reflete necessidade de proteção materna,
amor, afeição, amparo, segurança, alimento, carinho, etc.” (Campbell, 1986). Ao serem indagados sobre
este assunto, apenas 01 (2,5%) irmão de DM e 08 (20%) de DA acreditam que seu/sua irmão(ã) poderá
ser totalmente independente, 12 (30%) irmãos de DM e 10 (25%) de DA acreditam que seu/sua irmão(ã)
será parcialmente independente, 04 (10%) irmãos de DM e 01 (2,5%) de DA acreditam que seu/sua
irmão(ã) será sempre dependente e, apenas 04 (10%) dos irmãos de deficientes não souberam responder.
Entre os irmãos normais, 10 (50%) afirmaram acreditar que seu/sua irmão(ã) poderá ser totalmente
independente, 13 (65%) acreditam que seu/sua irmão(ã) poderá ser totalmente independente, e apenas 03
(15%) acreditam que seu/sua irmão(ã) poderá ser sempre dependente. A análise dos resultados
demonstra uma inversão de percepção entre os irmãos de deficientes mentais e os outros irmãos, no que
se refere à (in)dependência total. Tais percepções reforçam os estigmas de passividade e dependência em
torno da deficiência mental. Diferentes variáveis podem estar influenciando neste processo perceptivo dos
irmãos, tais como: atividade profissional da mãe, gênero do(a) filho(a), gravidade da deficiência, recursos
socioeconômico e cultural da família, oportunidade concretas de acessibilidade, dentre outras. Todos os
membros de uma família possuem movimentos de “soltar” e “restringir”, o que varia é a percepção que
cada qual tem da gravidade ou não da situação a qual o sujeito estará exposto, tais movimentos de criação
pode levar o(a) filho(a) a se tornar uma pessoa mais ou menos dependente.
Conclusão
Temos que levar em conta que os irmãos passam muitos anos juntos em companhia uns dos
outros, que estabelecem relações que marcam para toda a vida e que os irmãos não se escolhem, mas se
encontram.
As famílias de pessoas deficientes mentais possuem algumas necessidades diferenciadas, porém
sua dinâmica não difere demasiadamente da das outras famílias. As relações fraternas ficam parcialmente
afetadas pela presença da deficiência que pode repercutir no funcionamento inter e intrapsíquico dos
irmãos não deficientes, tais como: alto grau de ansiedade, menor oportunidade de sociabilidade, conflitos
com os pais, etc. No entanto, os resultados acima apresentados nos mostram que o sistema fraternal não
pode ser visto apenas com efeitos negativos, mas possui também efeitos positivos, os irmãos desenvolvem
maior: tolerância e compreensão, capacidade de cooperação, resistência à frustração. Com o passar dos
anos os irmãos, via de regra, aprendem a adaptar-se e a lidar com as diferenças que se apresentam na
relação com o irmão deficiente mental, podendo se estressar menos com as atribuições que possam vir a
ter. Diferentemente de irmãos normais os irmãos de deficientes precisam de informações corretas sobre
seus irmãos, bem como de apoio terapêutico para elaborar sentimentos de medo, raiva, vergonha que
possam ter em função de sua condição. Cabe salientar, também a necessidade que estes irmãos têm de
serem eles mesmos sem o rótulo de irmãos de deficientes mentais (estigma de cortesia).
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