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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
A INCLUSÃO PARA ALÉM DA ESCOLA: LAZER E PARTICIPAÇÃO
SOCIAL DE DEFICIENTES MENTAIS ADULTOS
Siliani Aparecida Martinelli
Profa. Dra. Cristina yoshie Toyoda
Programa de pós-graduação em Educação Especial/ UFScar
Agência de fomento: CNPq
RESUMO
A história dos deficientes foi marcada por uma trajetória de exclusão social, entretanto vários
movimentos como o da integração e inclusão tem contribuído para mudanças na melhoria de
direitos e condições das pessoas com necessidades especiais. Os avanços mais recentes referem-se ao contexto educacional com as diretrizes da inclusão escolar na rede regular de ensino;
estudos atuais, no entanto, apontaram para a necessidade de pesquisas sobre integração e
inclusão fora da escola e que incluam famílias e comunidade externa. Dentro deste contexto de
abrangência com relação às pessoas com necessidades especiais, o presente estudo pretende
responder a questões de como acontece a participação social dos deficientes mentais adultos,
quanto a locais e atividades de lazer desenvolvidas, bem como a opinião da família quanto a este
processo. Os objetivos deste estudo foram: a) Identificar o significado, interesses por atividades e
locais de lazer para adultos com deficiência mental e suas famílias; b) identificar e analisar as
percepções da família sobre as atividades de lazer desenvolvidas pelos seus filhos. A abordagem
teve um enfoque qualitativo utilizando-se como recurso entrevistas semi-estruturadas para a
coleta de dados, para as quais foram feitas a análise de conteúdo.
INTRODUÇÃO
1. Considerações sobre o conceito de deficiência
e sua relação com a inclusão
A questão da conceituação a respeito da deficiência mental é polêmica e está relacionada as
várias concepções de homem estabelecidas pelas condições sócio econômicas vigentes em
determinadas épocas da história. As transformações da história permitem inferir as diversas
maneiras de se conceituar a deficiência. Em decorrência deste processo estabeleceram-se várias
tendências na forma de entendimento, e por um lado apesar dos esforços de alguns cientistas
Omote (1996), Aranha (1995) em conceituar a deficiência como algo decorrente das condições
sociais e culturais estabelecidas pelas sociedades, o discurso com relação a deficiência mental
continua sendo considerada como estando dentro do individuo, descontextualizada e sem nexo
social (NUNES e FERREIRA, 1994).
A deficiência não pode ser medida por testes de inteligência e que o problema não está
diretamente vinculado ao indivíduo mas que depende dos atores envolvidos e da sociedade como
um todo.
Nos dias atuais com o movimento inclusivo, a sociedade é chamada a participar e a se
comprometer diretamente com os indivíduos considerados excluídos; portanto a concepção em
relação à deficiência que estabelece o problema centrado no indivíduo, não permite avanços ou
mesmo retarda o estabelecimento de mudanças necessárias na sociedade.
Segundo Glat (1989) o rótulo de deficiente mental acarreta um julgamento antecipado do
indivíduo como alguém totalmente desprovido de raciocínio, capacidade de aprender, ou
qualquer outro tipo de capacidade de desempenho formal ou acadêmico sendo também
associada às pessoas com deficiência mental a incapacidade para analisar sua vida e expressar
seus sentimentos, dizer quem são e o que desejam.
A partir destas considerações nota-se que as concepções das deficiências formaram um
repertório ou conjunto de conhecimentos estabelecidos no decorrer da história como um
processo inerente às relações sociais e normas culturais vigentes em determinada época. Outro
ponto relevante refere-se a convivência com a diversidade o que implicaria mudanças que
deveriam ocorrer na sociedade para que as pessoas com deficiências pudessem ser atendidas
com o mínimo de restrição possível.
Como apontam Ainscow e Ferreira (2003) as instâncias que mais contribuíram para as mudanças
nas concepções das deficiências foram a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a
Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial de Saúde (OMS) e mais
recentemente a Declaração de Salamanca, associado com outros movimentos que exigiam
mudanças sociais inclusive o das pessoas com deficiências, todos contribuíram na busca de maior
igualdade e equidade social, ou seja, uma sociedade mais inclusiva. Para a busca de uma
sociedade mais inclusiva estes movimentos incentivaram pesquisas e estudos no meio científico,
mudanças de práticas, concepções e teorias quanto a deficiência, inicialmente discriminatórias,
evoluindo para conceitos que permitissem maiores oportunidades como o da integração e
inclusão.
Para alguns autores como Amaral (1998) e Carvalho (1997) os termos integração e inclusão
correspondem ao mesmo significado, porém concebidos em momentos diferentes, e portanto
trata-se de um movimento mais amplo observado não só na área da educação, mas também na
área da saúde, do trabalho, do lazer etc., procurando contribuir para uma sociedade mais justa,
capaz de conviver com a diferença, valorizar a diversidade e garantir a cidadania.
Os pressupostos da teoria da inclusão estabelecem que ocorram mudanças na sociedade e uma
das formas destas mudanças podem ser estabelecidas através da maior participação das pessoas
com deficiência no contexto social da comunidade. Pode-se supor que uma grande rede de
inclusão e de participação destas pessoas com deficiência é mais contemplada quando a mesma
tem início na infância, tendo como principal objetivo a educação, sendo a escola um local
privilegiado onde os processos de inclusão ocorrem. Entretanto ao chegar à vida adulta as
pessoas com alguma deficiência encontram barreiras seja no mercado de trabalho ou na vida
social no seu cotidiano. As instituições especializadas passam a abrigar estas pessoas que
permanecem às vezes a vida toda executando pequenos ofícios dentro da própria instituição,
dificultando seus contatos e a vida em sociedade, perpetuando o ciclo de segregação e exclusão
social.
2. Lazer e Participação Social
Atualmente o termo inclusão tem sido utilizado em larga escala, o que vem demonstrando a
preocupação de todos por uma sociedade mais justa e de igualdade de direitos. Considerou-se
neste estudo que uma das formas de inclusão possa ser estabelecida pelo lazer. Segundo
Blascovi-Assis (1997) os estudos que enfocam o lazer devem preocupar-se com o momento
histórico e cultural, na medida em que relaciona sujeito/meio e época, entendendo como meio, o
ambiente e a cultura em que a população estudada vive e, como época, o período histórico social
vigente no estudo.
O lazer é pouco citado na literatura nacional enquanto recurso para maior participação social.
Segundo Neto (1993) os estudos na área do lazer para as pessoas com deficiência vem sendo
negligenciados e no caso do Brasil focalizam a questão na adaptação de atividades e geralmente a
nível de reabilitação e salientando a importância para que essas pessoas tenham o direito ao lazer
e ao significado do mesmo em suas vidas. Outros estudos, principalmente os internacionais tem
apontado para a escolha de atividades de lazer de pessoas com deficiência baseados em seus
interesses e desejos, considerando a oportunidade dessas pessoas para fazer escolhas,
contribuindo para sentimentos de autonomia e independência (BRONDER, COOPER, 1994;
ROGERS, HAWKINS e EKLUND, 1998).
No que se refere a população com deficiência mental o foco de interesse não é apenas se esta
realiza ou não atividades de lazer, mais sim nos seus desejos e interesses e se ela se utiliza das
atividades de lazer em espaços públicos de lazer como forma de participação social. Além dos
aspectos benéficos proporcionados pelo lazer para a população de uma maneira geral, este tem
uma função ainda maior no desenvolvimento social criando condições favoráveis a fim de que a
civilização do lazer não acentue as desigualdades naturais entre os homens e os grupos, mas as
atenue.
Em estudos analisando as barreiras para o lazer inclusivo, West (1984) conduziu suas pesquisas
examinando como estigmas sociais e atitudes negativas e restritivas são percebidos por pessoas
com deficiência na participação do lazer e concluiu que reações estigmatizantes e experiências
negativas com pessoas sem deficiência, constituem-se como barreiras para a participação em
atividades de lazer na comunidade.
Mahon (2000) relata a importância do lazer na integração de pessoas com deficiência e sem
deficiência em programas de lazer baseados na comunidade, porque essas interações favorecem
oportunidades para as relações interpessoais e desenvolvem suas habilidades, estimulando a
aceitação da diversidade por parte da sociedade.
Na concepção de Demo (1996) participação é um processo de conquista, não entendida como
dádiva, como concessão, mas aquela que pode ser construída, é em essência autopromoção e
existe enquanto conquista processual, com canais de participação sendo um deles a educação
como formação a cidadania e o processo de conquista de direitos.
Partindo das considerações de Demo (1996) pode-se dizer que o lazer pode ser destacado
enquanto instrumento de participação na busca do exercício da cidadania, aquela que descobre
os direitos, toma consciência das injustiças e tenta mudar o rumo da história, princípios estes
estabelecidos pela inclusão.
Dentro do conceito da sociedade inclusiva estão presentes a necessidade de educar as pessoas
com deficiência mental para exercerem seus direitos, na busca de melhores oportunidades.
A declaração dos direitos das pessoas deficientes aprovada pela ONU em 1975 e as “normas
sobre a equiparação de oportunidades em 1996 foram conceitos fundamentais para a
participação em sociedade.
A participação tem como objetivo a autopromoção ou seja a característica de uma política social
centrada nos próprios interessados, que passam a autogerir a satisfação de suas necessidades,
com vistas a superar o caráter assistencialista (DEMO, 1996).
É neste sentido de participação apontado por Demo (1996) que o tema lazer será destacado
nesta pesquisa. As pesquisas científicas na área da Educação Especial abordam para o
desenvolvimento do indivíduo com deficiências, porém estes estudos focalizam as deficiências
enquanto a recuperação e estimulação de determinada função a fim de atingir um bom
funcionamento na busca primordialmente de aumentar a capacidade pessoal dessas pessoas no
intuito de ajustá-las à sociedade.
Com relação a este aspecto (Neves e Rossit, 2006) referem que estes conceitos foram
fundamentais para a igualdade de participação e para o caminhar na luta pela cidadania da
pessoa com deficiência oferecendo a essas pessoas o poder de decisão, garantindo
acessibilidade, igualdade de oportunidades, igualdade de direitos e plena participação.
O presente estudo pretende abordar a questão de atividades de lazer, não para desenvolver
alguma habilidade no adulto com deficiência, mas sim identificar seus gostos e interesses como
forma de participação social.
3. A importância da família para o processo inclusivo
Outro ponto importante a ser destacado refere-se ao papel da família na integração social da
pessoa com deficiência levando-se em consideração a facilitação ou impedimento que a família
traz para esta integração na comunidade; por se constituir num grupo social primário, a família é o
fator determinante para a manutenção ou ao contrário, para o impedimento do processo de
integração (GLAT, 1996).
Williams e Aiello (2001) revendo a literatura internacional na área de intervenção com as famílias,
notaram uma evolução de uma nova visão do envolvimento familiar, uma visão que enfatiza o
papel da família em determinar prioridades, decidir que serviços e como devem ser oferecidos,
mudando sua posição de subserviência aos profissionais para um papel participativo.
Embora a presente pesquisa não tenha como objetivo uma intervenção com as famílias,
considerou-se importante escutar suas opiniões e sugestões sobre o que pensam acerca de
atividades de lazer e locais de participação de seus filhos na comunidade. Acredita-se que ao
escutar as opiniões e sugestões das famílias estaremos contribuindo para estimular a participação
e o envolvimento das mesmas na inclusão social de seus filhos.
Blascovi-Assis (1997) demonstrou em sua pesquisa que a avaliação das famílias sobre o
comportamento social de seus filhos mostra a existência de dificuldades sociais, pois embora
relatado que o deficiente “relaciona-se bem”, notou-se que as relações, restringem-se a irmãos e
pais, não havendo relato, por parte da família, sobre contatos sociais com terceiros.
O presente estudo abordou a questão de atividades de lazer, não para desenvolver alguma
habilidade no adulto com deficiência, mas sim para identificar seus gostos e interesses como
forma de participação social.
A presente pesquisa pretendeu responder a questões de como acontece a participação social dos
deficientes mentais adultos, quanto a locais e atividades de lazer desenvolvidas, bem como a
opinião da família quanto a este processo. A participação na comunidade em atividades de lazer,
assim como locais que propiciem trocas entre pares contribuem para a convivência com as
diferenças, o exercício da cidadania, facilitando mudanças nas representações da deficiência,
incentivando para a mudança do atual cenário de segregação e conduzindo políticas públicas para
disponibilizar equipamentos sociais comprometidos para o desenvolvimento de uma sociedade
inclusiva. A aproximação com a comunidade de pessoas com deficiência é uma condição que
permite desmistificar a questão da deficiência, permitindo o exercício de direitos destas pessoas,
diminuindo os processos de exclusão social.
METODOLOGIA
A abordagem para a presente pesquisa se situa dentro de um enfoque qualitativo e que
estabelece, o pesquisador como seu principal instrumento, e a obtenção de dados descritivos,
enfatizando mais o processo do que o produto e com a preocupação de retratar a perspectiva
dos participantes (LUDKE e ANDRÈ, 1986). A pesquisa qualitativa contribui para os campos
de educação especial e segundo Brantlinger et al. (2005) os estudos qualitativos descrevem
informações e permitem compreender os indivíduos com deficiência, além de poder dar voz as
pessoas que tem sido historicamente marginalizadas. Para este estudo optou-se pela utilização de
um roteiro de entrevistas semi-estruturadas, que foi submetido a um pré–teste através de um
estudo piloto. Os sujeitos participantes desta pesquisa foram 13 adultos com deficiência mental e
13 membros familiares responsáveis por esses adultos. Foram considerados responsáveis não
apenas pais ou mães, mas também as pessoas que interagem diariamente com os indivíduos com
deficiência mental, tais como avós, tios, irmãos, dentre outros.
Assim os 13 adultos com deficiência mental foram selecionados a partir de uma instituição de
caráter filantrópico num município de porte médio do interior de São Paulo. Após este
procedimento as entrevistas foram gravadas e transcritas, extraindo dessas os principais temas e
conteúdos apresentados pela fala dos participantes. Para a análise dos dados extraídos das
transcrições das entrevistas gravadas a pesquisadora utilizou-se análise de conteúdo proposta por
Bardin (1977).
RESULTADOS
O conteúdo emergente das análises das entrevistas apontou categorias
que indicaram que á
prática do lazer, apesar de sua realização, são executadas principalmente no ambiente domiciliar e
na própria instituição em que freqüentam. As atividades de lazer externas, realizadas fora da
instituição, quando desenvolvidas, estão diretamente vinculadas com o lazer das famílias. Outros
resultados indicaram a falta de autonomia dos adultos com deficiência mental quanto á sua
locomoção. O direito do adulto com deficiência mental de ir e vir está condicionado á presença
de alguém responsável. Os adultos relataram interesses e desejos por atividades de lazer e
indicaram possibilidades de locais o que contribuiu para uma compreensão de quem são essas
pessoas, conhecê-las, saberem o que pensam e esperam, resultados necessários para qualquer
programa educacional. Para os familiares estão presentes sentimentos exacerbados de
superproteção, falta de confiança e desconhecimento das reais possibilidades e habilidades dos
seus filhos. Outro resultado importante foram as preocupações dos familiares quanto aos
comportamentos dos seus filhos no que se refere a grandes oscilações de humor, rigidez de
atitudes e isolamento.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
As conclusões preliminares sugerem há a necessidade de maiores opções de lazer, de valorização
dos interesses e escolhas e da maior participação social para os adultos com deficiência mental,
assim como aponta a literatura (BRONDER, COOPER 1994; ROGERS, HAWKINS e
EKLUND,1998; WEST, 1984; MAHON,2000). Outro aspecto do resultado, indica as
barreiras para o lazer inclusivo, como os impedimentos de locomoção por parte da família,
dificultando á possibilidade de independência na vida dos adultos com deficiência mental.
Esta pesquisa aponta para necessidades de estudos de intervenção no sentido de
autodeterminação para essas pessoas. Outras propostas podem sugerir a importância de políticas
públicas quanto à adequação de espaços na comunidade a fim de promover a convivência com a
diversidade. A família também desempenha um papel primordial pois segundo Glat (1996), a
determinação para a facilitação ou impedimento para integração na comunidade das pessoas com
deficiência depende deste grupo social primário e portanto são necessárias intervenções com a
família, no sentido de dar suas opiniões, sugerir serviços e determinar prioridades. Assim como
declara Araújo (2001) citando Omote, a atenção às famílias das pessoas com deficiência vem
sofrendo mudanças principalmente no sentido de maior participação e problemáticas vividas por
ela, a família não deve ser vista apenas como fornecedoras de informação. Aponta também para
a necessidade de se buscar o enfoque da família como colaboradora e parceira efetiva junto aos
profissionais e demais pessoas da comunidade, para que possam contribuir com mudanças,
atuando com escolhas e sugestões conduzindo a inclusão social de seus filhos.
O estudo mostrou ainda que um dos grandes desafios a serem alcançados pelos adultos com
deficiência mental, referem-se a ultrapassar as barreiras familiares que impedem o exercício da
sua autonomia.
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