http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/148.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

O ENCAMINHAMENO DE BEBÊS DE RISCO PARA PROGRAMAS DE ESTIMULAÇÃO PRECOCE
Maeby Caseker Weiss
Ana Flávia Hansel
Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO


RESUMO

Este trabalho de pesquisa teve como objetivo principal investigar como ocorre o funcionamento e como se dá o encaminhamento de crianças para um programa de Estimulação Precoce, da Educação Especial, de um município do interior do Paraná. A chegada de crianças que apresentam riscos em seu desenvolvimento, ao referido programa, deveria acontecer o mais cedo possível, antes mesmo destas apresentarem déficit de qualquer natureza, já que é na primeira infância que ocorrem as aprendizagens motoras, lingüísticas, cognitivas, sociais entre outras, tornando esse período fundamental para o desenvolvimento infantil, pois é nesta fase que as crianças deverão receber impulsos e estímulos variados e intensos que, aos poucos, se configurarão em aquisições evolutivas. Infelizmente, o que ocorre é que as crianças que são atendidas por estes programas, geralmente, chegam até ele quando já estão enfrentando algum atraso, ou já existe um diagnóstico de síndrome ou deficiência estabelecida. Neste contexto, a presente investigação buscou identificar o funcionamento deste trabalho e verificar como ocorreu o encaminhamento destas crianças para a Estimulação Precoce inserida em escola especial e, se o preconceito, quanto ao fato do atendimento ser realizado em instituição especializada fez com que este encaminhamento ocorresse tardiamente. A coleta de dados se deu através de entrevistas semi-estruturadas com as famílias das crianças atendidas e com os profissionais da área de educação e saúde atuantes no serviço e foram analisados a partir de categorias de análise  estabelecidas. Como resultado encontrou-se que a maioria das famílias foram encaminhadas ao programa pelo médico (neurologista); estas famílias desconsideram a existência de preconceito quanto ao fato do programa de Estimulação Precoce funcionar em uma escola especial, mas destacam que necessitaram de informações e orientações sobre a intervenção que iria ser realizada e quais os benefícios do trabalho para o desenvolvimento da criança para que, a partir daí, pudesse ocorrer, aos poucos, a conscientização da necessidade de intervenção e a adaptação da idéia  de uma possível deficiência e/ou déficit da criança; nos momentos em que a família sofreu diretamente o preconceito social pelo fato da criança estar inserida numa escola especial, o mesmo sempre esteve atrelado ao desconhecimento do trabalho realizado pela instituição. Conclui-se assim que a partir do momento em que há maior divulgação das ações realizadas nos programas de Estimulação Precoce, o mesmo passará a ser mais valorizado e procurado com maior freqüência por famílias com crianças de risco no desenvolvimento, pois estas já terão informações sobre que tipo de intervenção realizada e dos benefícios deste atendimento à criança. 
 

Qualquer criança que apresente pelo menos um fator de risco para o desenvolvimento merece atenção imediata na busca de uma intervenção o mais precoce possível, objetivando a minimização de possíveis conseqüências de déficits no desenvolvimento. HALPERN E FIGUEIRAS (2004, p. 108) citam WERNER quando dizem que “fatores de risco não são elementos estáticos e sua identificação e avaliação só têm valor se estiverem conectados a programas de intervenção em que exista um acompanhamento periódico no sentido de proporcionar educação para a saúde, reabilitação e tratamento.”

Já que a presença de fatores de risco ao nascimento (anóxia, baixo peso, prematuridade, entre outros) podem acarretar problemas no desenvolvimento infantil, o acompanhamento dessas crianças torna-se indispensável por uma equipe de trabalho nas áreas de educação e saúde. O acompanhamento deverá acontecer como citado por VAZ (1996, p. 23) “a fim de dar continuidade ao tratamento iniciado no período neonatal, assim como avaliar de forma sistemática o seu desenvolvimento para detectar possíveis desvios; esse acompanhamento é realizado pela equipe multidisciplinar em conjunção com a família”.

Segundo dados de BRASIL (1995) mais de 50% das crianças portadoras de algum tipo de necessidade especial poderiam ter alcançado um desenvolvimento mais satisfatório, ou até mesmo atingido níveis de desenvolvimento de outras crianças de sua faixa etária sem nenhuma deficiência, se tivessem sido adotadas, efetivamente, medidas de prevenção como a Estimulação Precoce. Os benefícios alcançados com o estabelecimento deste tipo de programa não atingem apenas as crianças portadoras de alguma necessidade especial diagnosticada, mas, também, às que apresentam apenas algum fator de risco de desenvolvê-la e a população infantil, em geral teria seu desenvolvimento otimizado quando exposta à estimulação.

Sabe-se que é de suma importância o encaminhamento dessa criança o mais rápido possível para um programa de Estimulação Precoce, pois sua chegada e atendimento aí torna-se um momento decisivo para a aquisição de habilidades que vão levar ao desenvolvimento e obtenção de resultados mais eficazes. Porém, infelizmente, essas crianças acabam não chegando aos programas nos primeiros meses de vida, mas apenas após os primeiros anos vividos, quando o déficit no desenvolvimento já está estabelecido.

Tal fato foi confirmado por WEISS (2006), em pesquisa realizada numa escola de atendimento especializado aos portadores de deficiência, também em um município do interior do estado do Paraná que conta com um programa de Estimulação Precoce. Nesta pesquisa, a autora relata que as crianças que chegam para o atendimento não são recém-nascidas e apresentam consideráveis déficits no desenvolvimento, mas são crianças, nas quais as famílias, o médico pediatra ou o neurologista já perceberam um atraso evolutivo evidente.

O fato da criança com necessidades educativas especiais não chegar ao atendimento precocemente pode se dar pelo fato da família não ter recebido a devida orientação dos profissionais com que teve contato logo após o nascimento, ao desconhecimento da família quanto à necessidade desse atendimento ou até mesmo por preconceito ou negação desta necessidade do filho.

O preconceito, que pode acometer a família de uma criança com necessidades especiais, fica eminente na vergonha que a família tem em expor aquela pessoa “diferente”. Isto pode ser demonstrado nas mais variadas situações como evitar de sair em público com a criança ou isolá-la socialmente. Isto pode deixar transparecer a vergonha do que os outros membros da comunidade irão pensar ou comentar.

A família estará inserida em um meio social, tendo contato com uma comunidade com características próprias. As reações geradas nessa comunidade com o surgimento de um membro “diferente” afetarão diretamente a estrutura dessa família e fará muita diferença para a convivência em sociedade, o modo como a família reagirá a certos comentários e atitudes, advindas desta comunidade, influenciará positiva ou negativamente neste desenvolvimento.

O preconceito social que deverá ser enfrentado pela família, é relatado por SILVA (2006, p. 04) quando explicita que “o corpo marcado pela deficiência, por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Como nossa sociedade cultua o corpo útil e aparentemente saudável, aqueles que portam uma deficiência lembram a fragilidade que se quer negar.” A negação desta imperfeição poderá acontecer também dentro da própria família, o que dificultará a busca de tratamento e soluções. 

A pesquisa se caracterizou numa abordagem qualitativa já que se pesquisaram fenômenos humanos e necessitou-se de uma intervenção do pesquisador, que como se posicionou no setting de pesquisa, automaticamente influenciou a pesquisa e foi influenciado pelos seus resultados. Também se levou em conta os significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações, que dependeram de um contexto para serem interpretados (ANDRÉ, 1995).

No contexto da pesquisa qualitativa, o enfoque na etnografia foi de grande valia nesta investigação, pois a sua maior preocupação é com o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas ou os grupos estudados. O pesquisador teve sempre um grau de interação na situação estudada. Contou com entrevistas semi-estruturadas que aprofundaram as questões e esclareceram os problemas observados. Os documentos e a revisão bibliográfica realizadas contextualizaram o fenômeno e complementaram as informações coletadas (ANDRÉ, 1995).

Os resultados da pesquisa foram obtidos em três etapas. Na primeira, uma entrevista foi realizada com a pedagoga responsável pelo programa de Estimulação Precoce pesquisado, com o intuito de obter dados gerais acerca do programa. Em um segundo momento foram realizadas entrevistas com os profissionais atuantes no programa de Estimulação Precoce (fonoaudiólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e psicólogo) e, finalmente, na terceira etapa, as entrevistas foram realizadas com os familiares das crianças atendidas pelo programa.

Na primeira etapa constatou-se que, a faixa etária das crianças atendidas pelo programa implantado na escola é de 0 a 3 anos e 11 meses de idade; e que, a criança mais jovem atendida até hoje chegou ao programa com 47 dias de vida, tendo o diagnóstico de Síndrome de Down. A maioria das crianças chega para o atendimento encaminhadas pelos médicos.

Tal dado corrobora com o recomendado por BRASIL (1995), que diz que as crianças devem ser atendidas nos programas de Estimulação Precoce até os 4 anos de idade, época em que uma nova avaliação deve ser realizada pela equipe multidisciplinar com o objetivo de verificar a possibilidade da criança continuar sendo atendida pela escola especial, receber apenas apoio em um período do dia ou em momentos oportunos e de ser incluída no ensino regular.

Na segunda etapa da pesquisa após realizada as entrevistas com os profissionais atuantes no programa de Estimulação Precoce, foram estabelecidas as seguintes categorias de análise: 1) A interferência do preconceito para a realização do trabalho; 2) A realização de ações juntamente com a família das crianças atendidas pelo programa; 3) Quem são as crianças atendidas pelo programa (com necessidades especiais, com atraso no desenvolvimento ou com fatores de risco no desenvolvimento).

A existência do preconceito social foi relatada por alguns dos profissionais como um sentimento presente entre as pessoas em geral e fator dificultante para a realização do trabalho. Quanto a isso, atitudes como orientação às famílias são realizadas periodicamente. As crianças que participam do programa apresentam  fatores de risco para o desenvolvimento e também diagnóstico de síndromes ou deficiência estabelecido.

Quanto aos relatos de que não se pode afirmar a existência do preconceito, SILVA et al. (1998, p.03) dizem que “certas atitudes preconceituosas frente a grupos marginalizados seriam mais prováveis sob a proteção do anonimato ou quando a situação social não induz a certos laços ou comportamentos pró-sociais”.

Quanto à orientação dada aos pais a mesma é reforçada por GIL; ALMEIDA (2001, p.479) que afirmam que “(...) para que ações efetivas e eficazes do adulto venham a maximizar as oportunidades de desenvolvimento infantil, é imprescindível que se realize a orientação contínua de pais e professores de creche, concomitantemente à estimulação dos bebês”.

Na terceira etapa da pesquisa a entrevista foi realizada com 10 familiares de crianças atendidas no programa pesquisado, sendo que, a média de idade das crianças foi de 2,77 anos de idade; e, a média de idade em que ocorreu o encaminhamento para atendimento no programa de Estimulação Precoce foi de 1,02 anos de idade.

Foram estabelecidas como categorias de análise: 4) O encaminhamento para o programa de Estimulação Precoce; 5) Os sentimentos que surgiram com a notícia da necessidade da participação da criança no programa; 6)  A relevância do programa ser implantado em uma escola especial; 7)O preconceito da sociedade quanto à necessidade da criança freqüentar escola especial; 8) A expectativa do trabalho realizado no programa de Estimulação Precoce; e 9) A visão geral da família sobre o programa o atendimento.

De maneira geral, os resultados mais relevantes foram: os familiares demonstraram sentimentos de tristeza, desespero, negação no momento em que perceberam a necessidade de uma intervenção e estimulação especializada na criança e que, após as primeiras informações e acompanhamento do trabalho realizado no programa de Estimulação Precoce estes sentimentos foram diminuindo dando lugar a uma esperança de desenvolvimento, melhora e até mesmo cura da criança. Concluindo que o programa tem sido muito bom para as crianças, sendo a escola especial o melhor lugar para o mesmo estar implantado, já que reúne as diversas especialidades, atuantes com a criança, em um mesmo local.

Quanto ao preconceito questionado, a maioria dos entrevistados relatou já ter sofrido algum tipo de atitude preconceituosa, advinda de familiares, conhecidos e até mesmo de profissionais de saúde envolvidos no tratamento da criança; em todos os relatos, os familiares atrelaram a situação ao desconhecimento das pessoas quanto ao tipo de trabalho realizado no local e aos benefícios que o mesmo traz para as crianças.

Foi verificado que o encaminhamento ocorre a partir do momento em que a família já está em busca de algum tipo de tratamento médico especializado para a criança (neurologista), ou seja, algum tipo de problema já foi percebido. Assim, mesmo havendo o reconhecimento da necessidade de uma intervenção realmente precoce para a estimulação do desenvolvimento dessas crianças, elas acabam chegando tarde ao programa e, o mesmo, não consegue cumprir o seu papel de incentivar a evolução da criança para suprir possíveis atrasos. O que ocorre é que o atraso já está instalado e o trabalho precisa ser intenso no sentido de auxiliar a criança a alcançar padrões de normalidade esperados ou aproximados para sua idade.

Em relação ao preconceito social, destaca-se também a idéia de que quando há conhecimento, informação sobre o assunto, este não fica evidente ao contrário do que acontece quando não há informação e conhecimento sobre a temática.

As questões levantadas sobre os sentimentos que surgiram quando ficou claro para as famílias a necessidade de encaminhar a criança para estimulação, que ocorreria em uma escola especial, foram o medo, a apreensão e ao mesmo tempo a esperança com o trabalho a ser realizado. Percebeu-se que quando havia o conhecimento prévio do que encontrariam no programa ou quando os entrevistados já tinham conhecimento antes do nascimento que o filho precisaria de atendimento especializado, as mesmas demonstraram maior segurança e expectativas futuras positivas.

Em relação à sociedade, surgiram vários apontamentos de eminência do preconceito, o que, infelizmente, ainda é uma realidade para uma cultura que considera importante o corpo perfeito e as plenas capacidades de desempenho funcional e de produção no contexto social.

Ainda acredita-se que a vigilância ao desenvolvimento seja uma opção para o trabalho com Estimulação Precoce, partindo-se do princípio de que os programas podem ser implantados em instituições que não sejam escolas especiais, mas centros de atendimentos especializados para a comunidade e que, criem como tradição o acompanhamento do desenvolvimento de crianças com fatores de risco e suas famílias.

E ainda, acredita-se que é possível desmistificar os programas de Estimulação Precoce através de uma maior divulgação do trabalho realizado e, da conscientização da sociedade de que toda e qualquer criança com risco no desenvolvimento deve ser estimulada para que esse risco não se torne um déficit para a criança. Salienta-se também a importância de investigações na área, bem como o fomento e o investimento em educação para a saúde.


Referências Bibliográficas:

ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da Prática Escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995.  

BRASIL. Ministério da Educação – Secretaria da Educação Especial – SEESP. Diretrizes Educacionais sobre estimulação precoce: o portador de necessidades educativas especiais/ Secretaria de Educação Especial – Brasília: MEC, SEESP, 1995. 

GIL, M. S. C. A. de; ALMEIDA, N. V. F. de. Programa de Atendimento á Criança Pequena: integrando intervenção, ensino e investigação. In: MARQUEZINE, M. C.; ALMEIDA, M. A.; TANAKA, E. D. O. (Org.). Perspectivas Multidisciplinares em Educação Especial II. Londrina: Editora UEL, 2001.   

HALPERN, R.; FIGUEIRAS, A. C. M. Influências Ambientais na Saúde Mental da Criança. Jornal de Pediatria, 2004. Disponível em www.scielo.br  

SILVA, L. M .da. O Estranhamento Causado pela Deficiência: preconceito e experiência. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v.11, n.33, pág. 01-12, set./dez. 2006. Disponível em http://www.scielo.br/.  

SILVA, A. V. de. et al. Técnicas da Carta-perdida Como Instrumento de Pesquisa Social: um estudo sobre preconceito e ajuda. Psicol. Reflex. Crit. Porto Alegre, v.11, n.1, 1998. Disponível em http://www.scielo.br/

VAZ, F. A. C. Perinatologia e Neonatologia: conceitos e princípios gerais. In: ANDRADE, C. R. F. (Org). Fonoaudiologia em Berçário Normal e de Risco. Série Atualidades em Fonoaudiologia. Vol I. São Paulo: Lovise, 1996. 

WEISS, M. C. O Nascimento de Bebês de Risco no Hospital Santa Casa de Irati e seus encaminhamentos para Programas de Estimulação Precoce. 2006. 81 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Fonoaudiologia) – Universidade Estadual do Centro-Oeste, Irati, 2006.