http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/154.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

QUALIDADE DE VIDA E A AUTO-PERCEPÇÃO DOS PAIS DE CRIANÇAS COM TRANSTORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO
 Aline Pavan Sarilho
 Eucia Beatriz Lopes Petean
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo.


RESUMO

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID) abrangem transtornos que são caracterizados por um prejuízo severo de áreas do desenvolvimento social, de comunicação e comportamento. Estes transtornos são considerados graves, de etiologia complexa, heterogênea e pouco conhecida. Frente a este diagnóstico, os pais, muitas vezes, se vêem obrigados a alterarem suas expectativas e preocupações em relação à vida do filho e também em relação à suas próprias vidas. O presente trabalho propõe avaliar a qualidade de vida e a auto-percepção dos pais (pais e mães) de crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento. Participaram deste estudo cinco casais, pais de crianças que freqüentam a Associação Amigos dos Autistas (AMA), com idade entre três e dez anos, que foram diagnosticadas como portadoras de TID, há no mínimo três anos. Os instrumentos utilizados foram: Escala de Qualidade de Vida (WHOQOL-Bref) e uma entrevista semi-estruturada. Estes instrumentos foram aplicados individualmente. O tratamento dos dados da escala foi efetuado através de estatística não-paramétrica. As entrevistas foram transcritas na íntegra e, posteriormente, submetidas à análise quantitativa/interpretativa. Em relação à qualidade de vida, os resultados mostram que estes cuidadores estão mais satisfeitos com seu estado de saúde, domínio físico, e menos satisfeitos com as condições do ambiente no qual vivem, domínio meio ambiente. Verificou-se também que os pais apresentaram uma avaliação significativamente superior (p=0,01) frente ao domínio psicológico quando comparada à avaliação das mães neste mesmo domínio. Com relação aos resultados das entrevistas, observou que estes cuidadores vivenciaram fortes emoções ocasionadas pela perda da criança saudável que esperavam e encontram-se imersos em dúvidas com relação ao diagnóstico do filho. Verificou-se também que as mães são as principais responsáveis pelo cuidado do filho com o transtorno, possuem pouco ou nenhum tempo livre dedicado ao lazer, e a possibilidade de pensar no seu próprio futuro está muito ligada à melhora do filho. Quanto aos pais, verificou-se que são os principais responsáveis pelo sustento da família, não estão satisfeitos com a própria situação financeira e, grande parte espera melhorar seus recursos financeiros para poder ajudar mais no custeio da casa. Tendo em vista os dados obtidos neste estudo, enfatiza-se a necessidade de planejamento de estratégias que possam auxiliar estes cuidadores (FAPESP).


1.   INTRODUÇÃO


A vida, questão fundamental para os seres, necessita de critérios mínimos de qualidade para que ela seja possível (Rocha et al., 2000).

São diversas as definições do conceito de qualidade de vida, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), há três aspectos para a sua definição: subjetividade, multidimensionalidade e presença de dimensões positivas e negativas. Assim, definiu-se este conceito como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (WHOQOL GROUP, 1994 apud FLECK et al., 1999).

Há vários instrumentos que abrangem indicadores para aspectos subjetivos da convivência com doenças e lesões que geram conseqüências negativas sobre a percepção da qualidade de vida das pessoas acometidas e de suas famílias (Minayo et al., 2000).

De acordo com Cerqueira e Oliveira (2002), podemos antever que a função de prevenir perdas e agravos à saúde deverá abranger, igualmente, a figura do cuidador, e para tanto devem ser desenvolvidos programas destinados a prevenir a sobrecarga e o impacto emocional negativo que podem afetar a saúde e qualidade de vida de cuidadores de pessoas dependentes.

Esta sobrecarga tem sido definida por problemas físicos, psicológicos ou emocionais, sociais e financeiros que familiares apresentam por cuidarem de seus parentes.

O Autismo, as Síndromes de Rett, de Asperger e os Transtornos Desintegrativos do Desenvolvimento sem outra especificaçäo (Pervasive Developmental Disordes, Not Otherwise Specified - PDD - NOS) constituem os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TIDs) que são caracterizados por prejuízo severo de áreas do desenvolvimento social, de comunicação e comportamento. Estes transtornos são considerados graves, freqüentes na população geral, de etiologia complexa, heterogênea e pouco conhecida. Fatores ambientais e genéticos estão relacionados na etiologia dos TIDs, entre eles, agentes infecciosos, mutações gênicas e anomalias cromossômicas (Giunco et al., 2001).

Frente a este diagnóstico, os pais, muitas vezes, se vêem obrigados a alterarem suas expectativas e preocupações em relação à vida do filho e também em relação à suas próprias vidas.

Estudos de Braga & Avila (2004) enfatizam a necessidade de fornecer subsídios para instrumentalizar ações dirigidas aos pais de crianças com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, visando à integralidade e qualidade da assistência, baseando-se não somente nas necessidades especiais da criança, mas também nas necessidades do seu cuidador. Desse modo, os profissionais de saúde devem entender que possuem uma grande importância na comunicação da sua avaliação para o encaminhamento da criança com transtornos, no desenvolvimento de uma equipe especializada para a confirmação diagnóstica e início do tratamento.


2.   MÉTODO


A pesquisa foi realizada com cinco casais, pais de crianças com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, cujos filhos freqüentavam a Associação Amigos dos Autistas (AMA) de Ribeirão Preto.

Os critérios de inclusão foram:

-     pais de crianças com idade de três a dez anos, que foram diagnosticadas há, no mínimo, três anos;

-      concordar em participar voluntariamente do estudo.

Os instrumentos utilizados foram: Escala de Qualidade de Vida (WHOQOL-Bref) e uma entrevista semi-estruturada.

O instrumento de qualidade de vida (WHOQOL-Bref) foi desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde e é composto por quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio-Ambiente.

A escolha da utilização da versão abreviada do WHOQOL-100, o WHOQOL-bref foi devido a este instrumento demandar pouco tempo para seu preenchimento e permanecer com um bom desempenho psicométrico na avaliação da qualidade de vida.

O roteiro de entrevista semi-estruturado, foi elaborado especialmente para atender os objetivos desta pesquisa, de acordo com as normas previstas na literatura (Bleger, 1980; Bogdan & Biklen, 1991; Lüdke & André, 1986). A opção pelo uso de entrevista se fez em função de ser um método que permite obter informações que são de domínio do sujeito, tais como, seus sentimentos, princípios, expectativas e vivências, sendo, portanto, internas a ele, (Bleger, 1980). Desse modo, seu uso possibilitou a obtenção da percepção sobre a experiência de ter um filho com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento.

A coleta dos dados iniciou-se após aprovação do Comitê de ética e autorização formal obtida junto á direção da AMA.

Na fase inicial, foram realizadas duas entrevistas (pai e mãe) de pré-testes e após a reestruturação do roteiro de entrevista, iniciou-se a coleta dos dados, com os cinco casais que preenchiam os critérios instituídos.

Foi ressaltado o caráter voluntário da colaboração e contribuição dos pais das crianças com Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, esclarecendo-se as condições de sua participação através do termo de consentimento livre e esclarecido, o qual foi lido e assinado.

Foram utilizados a escala de Qualidade de vida (WHOQOL-Bref) e uma entrevista semi-estruturada em uma única sessão, em horário e local combinado com os participantes.

Tanto a entrevista quanto a escala foram aplicados individualmente.

As entrevistas foram gravadas em fita cassete, exceto uma, cujo pai não permitiu a gravação e, portanto a pesquisadora realizou anotação por escrito. Após as entrevistas, foi feita a transcrição na íntegra para posterior análise dos dados.

Os dados obtidos com a escala de qualidade de vida (WHOQOL-Bref) foram analisados estatisticamente. Para a verificação de diferenças existentes entre os resultados das mães e dos pais, utilizou-se o teste não paramétrico U de Mann-Whitney. E, para a verificação estatística das relações existentes entre os dados obtidos pela Com este teste foi possível verificar o nível de significância (p), sendo considerado significativo quando p é menor ou igual a 0,05.

Para a análise das entrevistas, foi realizada a análise quantitativa/interpretativa. O Sistema Quantitativo-Interpretativo descrito por Biasoli-Alves (1998) “visa apreender o significado que a fala dos informantes ou o comportamento dos sujeitos pode assumir, dentro do contexto do projeto e da abordagem conceitual dele”. Este método prevê dois momentos; primeiro o da elaboração das perguntas e o segundo a categorização das respostas obtidas na entrevista.

Para tanto, inicialmente as entrevistas foram transcritas na íntegra e, posteriormente, foram realizados os recortes. Desse modo, foi realizada a categorização das respostas através de recortes dos núcleos de sentido freqüentes na fala dos participantes, como sugerido por Biasoli-Alves (1998). Esta etapa tem início com um estudo cuidadoso da fala dos informantes, suscitada pelas questões da entrevista.


3.   RESULTADOS


As idades das mães entrevistadas foram de 26 a 35 anos, com média de 30,6 anos. E as idades dos pais variaram de 29 a 68 anos, com média de 41,8 anos.

Em relação à escolaridade dos participantes, verificou-se que duas mães possuem Ensino Fundamental incompleto, duas possuem Ensino Fundamental completo e apenas uma possui Ensino Médio completo. Quanto aos pais, quatro deles possuem Ensino Médio completo e apenas um possui Ensino Fundamental incompleto.

Com relação à religião, três mães seguem uma crença religiosa e duas informaram que não tem religião. Já os pais, pode-se constatar que, quatro deles informaram que possuem uma crença e apenas um diz não ter religião.

No que diz respeito à idade dos filhos dos participantes deste estudo, a média encontrada foi de 7,2 anos, sendo o mínimo de cinco anos e o máximo de 9 anos. E com relação do sexo desta criança, verificou-se que todos eram do sexo masculino. Esta predominância masculina é esperada, pois a literatura preconiza que há, aproximadamente, três a quatro meninos para cada menina com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TALBOTT; HALES; YDOFSKY, 1992).

A respeito da renda familiar, verificou-se que, embora cada casal tenha fornecido informações próximas, não houve total concordância entre eles. A média da renda familiar dos participantes foi de R$ 1030,00, sendo a renda mínima de R$ 300,00 e a máxima de R$2000,00.

Em relação à qualidade de vida, os resultados mostram que estes cuidadores estão mais satisfeitos com seu estado de saúde, domínio físico, e menos satisfeitos com as condições do ambiente no qual vivem, domínio meio ambiente. Verificou-se também que os pais apresentaram uma avaliação significativamente superior (p=0,01) frente ao domínio psicológico quando comparada à avaliação das mães neste mesmo domínio.

Com relação aos resultados das entrevistas, observou que estes cuidadores vivenciaram fortes emoções ocasionadas pela perda da criança saudável que esperavam e encontram-se imersos em dúvidas com relação ao diagnóstico do filho.

Verificou-se também que as mães são as principais responsáveis pelo cuidado do filho com o transtorno, possuem pouco ou nenhum tempo livre dedicado ao lazer, e a possibilidade de pensar no seu próprio futuro está muito ligada à melhora do filho. Quanto aos pais, verificou-se que são os principais responsáveis pelo sustento da família, não estão satisfeitos com a própria situação financeira e, grande parte espera melhorar seus recursos financeiros para poder ajudar mais no custeio da casa. Tendo em vista os dados obtidos neste estudo, enfatiza-se a necessidade de planejamento de estratégias que possam auxiliar estes cuidadores.


4.   DISCUSSÃO


Através desta pesquisa verificou-se que a utilização de entrevistas e de um instrumento padronizado possibilitou a obtenção de uma gama de dados que resultou em um olhar mais amplo e significativo sobre a compreensão da qualidade de vida dos pais (pais e mães) de crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento, possibilitando, dessa forma, uma análise complementar.

As principais conclusões obtidas com este estudo foram que, após o diagnóstico, estes pais (pais e mães) vivenciaram fortes emoções ocasionadas pela perda da criança saudável que esperavam.

Percebeu-se que estes cuidadores estão imersos em dúvidas, principalmente com relação à etiologia, às características da doença e ao seu prognóstico, desta forma, seria importante que os profissionais de saúde oferecessem as informações necessárias para que estes cuidadores possam compreender o que ocorre com seus filhos.

Verificou-se também que as mães são as principais responsáveis pelo cuidado do filho com o transtorno, possuem pouco ou nenhum tempo livre dedicado ao lazer, e a possibilidade de pensar no seu próprio futuro está muito ligada à melhora do filho. Quanto aos pais, verificou-se que são os principais responsáveis pelo sustento da família, não estão satisfeitos com a própria situação financeira e, grande parte espera melhorar seus recursos financeiros para poder ajudar mais no custeio da casa.

Assim, percebe-se que estes cuidadores estão menos satisfeitos com as condições do ambiente em que vivem, o que pode ser devido á falta de disponibilidade de recursos que possibilitem o acesso às oportunidades para adquirir novas informações, habilidades e lazer, ou devido à dedicação integral com o cuidado da criança que impossibilita o acesso a estas oportunidades.

As crianças com TID demandam muitos cuidados, que são assumidos quase integralmente pelas mães, e, desta forma, este extremo cuidado pode resultar em um prejuízo no relacionamento com os outros filhos, impossibilidade de prosseguir uma carreira profissional e insatisfação frente á aspectos de sua qualidade de vida.

Desta forma, destaca-se a importância de atendimento a estes pais (pais e mães) para que possam ser auxiliados desde o momento do diagnóstico. Vale ressaltar a importância do profissional de saúde na comunicação da sua avaliação, no esclarecimento das dúvidas suscitadas pelos pais quanto ao diagnóstico e nas intervenções terapêuticas que visem apoiar estes pais. Pensa-se na possibilidade de grupos de apoio que possibilitem trocas de experiências e vivências, permitindo um suporte a estes cuidadores.


5.   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BIASOLI-ALVES, Z. M. M. (1998). A Pesquisa em Psicologia – Análise de Métodos e Estratégias na Construção de um Conhecimento que se Pretende Científico. Diálogos Metodológicos Sobre Prática de Pesquisa.  Ribeirão Preto, SP: Summus.

BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

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GIUNCO, C. T., FETT-CONTE, A. C. & TAJARA, E. H. Aspectos Genéticos do Autismo e outros Transtornos Invasivos do Desenvolvimento. HB cient, 8(2), 103-112, 2001.

LÜDKE, M. & ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária, 1986.

MINAYO, M. C. S., HARTZ, Z. M. A. & BUSS, P. M. Qualidade de vida e saúde: um debate necessário. Ciência saúde coletiva, 5, 2000.

ROCHA, A. D., OKABE, I., MARTINS, M. E. A., MACHADO, P. H. B. &  MELLO, T. C. Qualidade de vida, ponto de partida ou resultado final? Ciência saúde coletiva, 5, 2000.