http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/165.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

INVENTÁRIO GERAL DE ATITUDES EM RELAÇÃO À EDUCAÇÃO INCLUSIVA: ANÁLISE DAS PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS
Altemir José Gonçalves Barbosa
Departamento de Psicologia da UFJF
Daniela Collado Rosini
Alessandra Almeida Pereira


RESUMO

São apresentados os resultados de uma análise preliminar das propriedades psicométricas do Inventário Geral de Atitudes em relação à Educação Inclusiva (IGAEI) derivados de um estudo realizado com pais. Como objetivos específicos, propuseram-se buscar evidências de precisão pelo Alfa de Cronbach e de validade baseada na estrutura interna por análise fatorial exploratória. Os resultados obtidos revelam que se trata de um instrumento com consistência interna e evidências de validade fatorial, ainda que este aspecto, tanto do ponto de vista quantitativo quanto no que se refere aos aspectos qualitativos, ainda careça de pesquisas adicionais. Destaca-se, por fim, a importância de se utilizar instrumentos válidos e fidedignos para o estudo das atitudes em relação à educação inclusiva.

Introdução

As atitudes em relação à educação inclusiva são fundamentais para o sucesso desta política educacional. Alguns autores, como Kuester (2000), consideram este aspecto um fator-chave para o êxito das escolas inclusivas. Geralmente, atitude tem sido definida como uma avaliação cognitiva e afetiva de um objeto psicológico de tal forma que ele será considerado bom ou ruim, nocivo ou benéfico, agradável ou desagradável, desejável ou indesejável (AJZEN, 2001; CRANO & PRISLIN, 2006), gerando uma disposição para responder - dimensão conotativa das atitudes - de maneira favorável ou desfavorável a este objeto (AJZEN, 2002; CRANO & PRISLIN, 2006). Essas abstrações avaliativas variam de força, que têm, por sua vez, implicações para a persistência, a resistência e a consistência da relação entre atitude e comportamento (CRANO & PRISLIN, 2006).
A literatura sobre a importância das atitudes de pais, professores, pares, diretores, psicólogos etc. (ver, por exemplo, BROWN, 2001; KUESTER, 2000; KUNSTMANN, 2003; TAFA & MANOLITSIS, 2003; WOODRUM & LOMBARDI, 2000) é bastante vasta. Porém, no contexto brasileiro, como assinala Omote (2005), há carência de estudos sobre as atitudes sociais em relação à inclusão social em geral. Este mesmo autor ressalta que,
ao apontar a necessidade de profundas mudanças de atitudes, quando se discutem as questões relacionadas à implementação de política inclusivista no atendimento educacional às minorias que apresentam necessidades educacionais especiais, defrontamo-nos com um problema metodológico sério. A inexistência de uma escala padronizada de mensuração de atitudes sociais face à inclusão e a pequena ou nenhuma experiência, por parte de muitos dos pesquisadores da área de educação, de construção de instrumentos objetivos e confiáveis de mensuração têm levado estudiosos a fazerem referência às atitudes de maneira extremamente vaga, superficial e grosseiramente captadas nos relatos verbais de seus entrevistados. (p.. 37).
Há que ressalvar que há exceções no que se refere ao uso de instrumentos padronizados para avaliar as atitudes em relação à educação inclusiva no Brasil. O próprio Omote (2005) apresenta notas preliminares sobre o desenvolvimento de uma Escala de Atitudes Sociais em Relação à Inclusão (ELASI). Outra exceção diz respeito ao estudo de Gomes e Barbosa (2006) sobre as atitudes de professores do ensino fundamental em relação à inclusão escolar de pessoas com paralisia cerebral. Em ambos os casos são propostas medidas objetivas, mais especificamente escalas tipo Likert, das atitudes em relação à educação inclusiva.
Não obstante a contribuição dos dois estudos anteriores e a abundante quantidade de escalas, inventários etc. que mensuram atitudes quanto à inclusão escolar existente em outros países, há aqui e lá fora carência de instrumentos capazes de permitir a comparação objetiva e sistemática entre as atitudes de diferentes populações (pais, professores, psicólogos etc.). Geralmente, as escalas existentes são criadas e validadas para um grupo específico, na maioria das vezes professores. Isto limita substancialmente comparações inter-grupos.
Como destacado por Omote (2005), ter pesquisas empíricas é um antídoto para ponderações meramente opinativas ou baseadas em dogmas, tão comuns quando se trata de educação inclusiva e, mais especificamente, de atitudes em relação à inclusão escolar. Para tanto, há que se contar com um leque bastante amplo de instrumentos, especialmente escalas de atitudes, válidos e fidedignos.
Objetivos
O presente texto tem como objetivo apresentar resultados de uma análise preliminar das propriedades psicométricas do Inventário Geral de Atitudes em relação à Educação Inclusiva (IGAEI). Destaca-se que se trata de um primeiro estudo realizado com pais e que os resultados referentes às atitudes dos pais propriamente ditas foram apresentados no texto de Barbosa, Rosini e Pereira (2006). Como objetivos específicos, propuseram-se buscar evidências de precisão pelo Alfa de Cronbach e de validade baseada na estrutura interna por análise fatorial exploratória.

Método
Participantes
A amostra do estudo foi composta por 445 pais de alunos que cursavam o ensino fundamental (1.a à 4.a série) pertencentes a duas escolas municipais da cidade de São Paulo. Participaram 169 (37,98%) pais de alunos com necessidades educacionais especiais em processo de inclusão (G1) e 276 (62,02%) progenitores de discentes que, segundo as instituições, não tinham esse diagnóstico (G2). Como esperado, a maior parte da amostra foi composta por participantes do segundo grupo (χ2o = 25,73; gl = 1; p = 0,00).
Foram incluídos na amostra pais que consentiram livre e esclarecidamente com o estudo, que estavam presentes em reuniões agendadas pela escola e que, evidentemente, responderam ao instrumento de coleta de dados. Excluíram-se pessoas presentes na reunião que não tinham vínculo parental ou de responsabilidade com as crianças das escolas e séries-alvo. Desta forma, a amostra foi obtida de forma não probabilística, acidental.
Predominaram participantes pertencentes a uma das duas instituições educacionais pesquisadas (65,84%; n = 293; χ2o = 44,68; gl = 1; p = 0,00), do sexo feminino (72,36%; n = 322; χ2o = 88,89; gl = 1; p = 0,00), com escolaridade equivalente ao ensino médio completo (29,21%; n = 130; χ2o = 168,34; gl = 6; p = 0,00), cujos filhos cursavam a segunda série (33,03%; n = 147; χ2o = = 15,86; gl = 3; p = 0,00). Ao comparar os subgrupos G1 e G2, não foram encontradas diferenças significantes quando foram consideradas a escolaridade (χ2o = 9,56; gl = 6; p = 0,14) e as séries que os alunos cursavam (χ2o = 1,46; gl = 3; p = 0, 69). Porém, há diferenças significantes entre os agrupamentos quando são consideradas as variáveis sexo (χ2o = 4,11; gl = 1; p = 0,04), sendo que houve mais participantes do gênero masculino no G2 (33,14%; n = 56) que no G1 (24,28%; n = 67), e distribuição dos pais de alunos com e sem necessidades educacionais especiais por escola (χ2o = 25,93; gl = 1,00; p = 0,00). Também foi constatado que participantes do G1 (Média = 36,26±5,91) têm idade mais elevada (Uo = 16202,50; p = 0,00) que os integrantes do G2 (Média = 33,46±5,91).
Materiais
A avaliação das atitudes foi efetuada com uma escala de atitudes do tipo Likert denominada Inventário Geral de Atitudes em relação à Educação Inclusiva (IGAEI). O instrumento foi desenvolvido por Barbosa (2005) e objetiva ser uma ferramenta de mensuração de atitudes em relação à educação inclusiva de várias populações (por exemplo, pais, professores, diretores). Ela contém 32 sentenças abrangendo crenças, sentimentos e tendências de ação perante a inclusão escolar. Metade desses itens diz respeito a afirmações que revelam atitudes positivas e, conseqüentemente, os outros são atitudes negativas em relação a este objeto. Trata-se de um instrumento com cinco pontos: Concordo Totalmente (CT); Concordo (C); Indeciso (I); Discordo (D); e Discordo Totalmente (DT). Ressalta-se que o instrumento ainda está em fase de validação, sendo que a presente pesquisa é parte desse processo.
Também foram utilizados dois questionários, um para cada subgrupo. Além de permitir uma caracterização demográfica da amostra (idade, sexo, escolaridade etc.), o instrumento permitiu coletar dados relativos à necessidade educacional especial da criança, ao histórico de estudo em sala e/ou escola especial, aos serviços de apoio necessários na área da saúde e às reações desses participantes perante a inclusão escolar.
Procedimento
Este estudo respeitou os procedimentos éticos para pesquisas com seres humanos estabelecidos pela Resolução 196/96 (CNS, 1996) e foi autorizado por um comitê de ética em pesquisa (CAAE -- 0016.0.219.000-05).
A coleta de dados foi precedida pela obtenção do consentimento livre e esclarecido por parte das instituições e dos pais. A aplicação dos instrumentos foi feita coletivamente durante reuniões de pais nas escolas com resposta individual. Para discriminar a qual grupo os participantes pertenciam e, conseqüentemente, para que recebessem o questionário adequado para o seu perfil, a instituição entregou uma lista com a relação de alunos em processo de inclusão. Assim, era perguntado o nome do aluno que cada participante representava na reunião.
Instruções coletivas sobre a pesquisa e sobre o preenchimento foram dadas antes que iniciassem o preenchimento dos termos e dos instrumentos. Aqueles que apresentaram dificuldade no preenchimento ou de entendimento receberam o auxílio individual. Não foi controlado o tempo de resposta.
A análise dos dados adotou o nível de significância de 0,05 por omissão. Destaca-se que ela foi essencialmente quantitativa.

Resultados

O Alfa de Cronbach do IGAEI aplicado em pais foi de 0,87, o que denota uma boa consistência interna do instrumento. É preciso destacar que o valor do alfa não apresentou alterações significantes quando se considerou a exclusão de itens, isto é, eliminar um ou mais itens não melhoraria necessariamente a consistência interna do instrumento.
Quando são considerados os subgrupos de participantes, o valor do alfa foi de 0,74 para o G1 e de 0,85 para o G2. Também não houve alterações significativas no Alfa de Cronbach do IGAEI para os dois agrupamentos quando se considerou a exclusão de itens.
Ao analisar se os dados apresentavam os pré-requisitos necessários para uma análise fatorial (Tabela 1), verificou-se que eles apresentavam adequação medíocre no caso do G1 (KMO = 0,66), razoável para o G2 (KMO = 0,77) e boa quando são considerados todos os pais (KMO = 0,83).  No caso do Teste de Bartlett, os escores foram significantes para as três situações.
A partir dos resultados descritos no parágrafo anterior e considerando a meta de se ter uma escala que pode ser aplicada em diferentes populações – não seria sensato, desta forma, subdividir os pais –, efetuou-se a análise fatorial exploratória considerando a totalidade dos participantes. Ao empregar o método de extração Análise dos Componentes Principais com rotação Varimax e normalização de Kaiser, nove fatores com valor-próprio superior ou igual a um foram extraídos (Tabela 2). Juntos eles explicam 64,60% da variância das respostas.

Tabela 1: Análise dos pré-requisitos para análise fatorial.
Pré-requisitos
Subgrupos
G1
G2
Total
Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)
0,66
0,77
0,83
Teste de Bartlett (BTS)
χ2o = 1788,14
gl = 496
p = 0,00
χ2o = 3751,77
gl = 496
p = 0,00
χ2o = 5669,89
gl = 496
p = 0,00

Tabela 2: Fatores extraídos do IGAEI aplicado a pais.
Fatores e Alfas
Itens
Carga fatorial
Variância
%
Acumulada
1
a = 0,83
21
0,80
11,07
11,07
26
0,75
31
0,52
28
0,48
29
0,46
22
0,46
14
0,39
2
a = 0,78
4
0,67
10,05
21,12
19
0,67
18
0,66
15
0,64
20
0,54
3
0,49
32
0,40
3
a = 0,73
23
0,83
9,45
30,57
24
0,68
25
0,63
8
0,43
4
a = -0,41
10
0,76
7,18
37,76
12
-0,74
17
0,67
5
a = 0,63
2
0,71
6,13
43,89
16
0,66
5
0,52
1
0,46
6
a = 0,50
13
0,66
5,52
49,41
30
0,62
7
a = 0,63
7
0,84
5,49
54,90
6
0,59
8
a = 0,63
27
0,71
5,15
60,05
9
0,45
9
11
-0,82
4,55
64,60

Do ponto de vista quantitativo, os resultados da análise fatorial evidenciam que o IGAEI possui validade. Não obstante, a consistência interna dos fatores ainda não é suficiente. No que se refere ao valor semântico dos fatores por ela gerado, isto é, a interpretação dos fatores a partir dos itens que os compõem – análise qualitativa –, a análise fatorial ainda não se mostra adequada também, uma vez que itens com significado muito próximos aparecem em fatores distintos.

Discussão

Os resultados obtidos permitem afirmar que o IGAEI, no que se refere aos pais, é um instrumento com consistência interna e com indícios de validade fatorial. Todavia, este último aspecto ainda requer estudos adicionais, especialmente no que se refere à consistência interna dos fatores e à interpretação dos mesmos. Outros métodos de extração e de rotação devem ser testados Também é importante ampliar e diversificar a amostra, coletando dados com, por exemplo, pais de estudantes de escolas privadas.
A análise fatorial é, simultaneamente, um tratamento quantitativo e qualitativo de dados extremamente útil aos psicólogos e educadores, pois permite ao mesmo tempo a mensuração objetiva, própria da estatística, e a interpretação dos significados, algo fundamental em psicologia e educação. Ela é fundamental quando se tem um número expressivo de variáveis A análise fatorial consiste em um procedimento estatístico que “identifica grupos de variáveis similares” (SPSS, 2003), isto é, resume um elevado número de variáveis originais num número limitado de variáveis (LATIF, 1994). Ela busca identificar fatores num conjunto de medidas realizadas (PEREIRA, 1999).
Destaca-se que a outra parte deste estudo publicada por Barbosa, Rosini e Pereira (2006) evidenciou que o instrumento também possui validade discriminativa, pois ele foi capaz de separar pais com atitudes positivas quanto à educação inclusiva daqueles que tinham atitudes negativas.
No caso do IGAEI, a árdua e sistemática tarefa de validar um instrumento para medir atitudes ainda está só começando. Estudos sobre estabilidade temporal, análise de itens e validade concorrente são necessários. Para atingir seu objetivo, isto é, mensurar atitudes de diferentes populações em relação à educação inclusiva, pesquisas com outras amostras (professores, estudantes de educação superior etc.), como já destacado anteriormente, devem ser realizadas.
Para superar as barreiras atitudinais que obstaculizam o estabelecimento de escolas que são efetivamente inclusivas, é preciso conhecer as atitudes em relação à educação inclusiva das várias personagens que compõem a comunidade escolar. Só será possível conhecer efetivamente estas atitudes, se forem desenvolvidos instrumentos com propriedades psicométricas satisfatórias. Para ter estes instrumentos, uma quantidade expressiva de pesquisas ainda deve ser realizada e comunicada para a comunidade científica.

Referências Bibliográficas

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BROWN, K. T. The effectiveness of early childhood inclusion: Parents’ perspectives. 2001. Disponível em: www.eric.ed.gov. Acesso em: 5 de fevereiro de 2005.
CNS – CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução Nº 196 de 10 de Outubro de 1996. Brasília: CNS, 1996. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/docs/Resolucoes/Reso196.doc. Acesso em 5 de fevereiro de 2005.
CRANO, W. D. & PRISLIN, R. Attitudes and persuasion. Annual Review of Psychology, (57), p. 345–74, 2006.
GOMES, C. & BARBOSA, A. J. G. Inclusão escolar do portador de paralisia cerebral: atitudes de professores do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação Especial, 12, (1), p. 85-100
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KUNSTMANN, A. H. A path analysis for factors affecting head start teachers’ beliefs about inclusion.  Dissertation. Graduate School of The Ohio State University, Ohio, 2003.
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