http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/169.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MENTAL: ATÉ QUANDO A INDEFINIÇÃO SOBRE SUA CERTIFICAÇÃO/TERMINALIDADE ACADÊMICA ?
Jane Peruzo Iacono1
UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
1  Mestre em Educação pela UEM - Universidade Estadual de Maringá e Docente do Curso de Pedagogia da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná


RESUMO

Este estudo apresenta discussões a respeito da necessidade de definição sobre normatização legal para a terminalidade acadêmica de alunos com deficiência mental, pois uma das questões mais relevantes hoje no que se refere à educação desses alunos, especialmente aqueles com maiores comprometimentos, são os aspectos referentes a essa terminalidade e conseqüente certificação, que pode ser, inclusive, por meio da denominada terminalidade específica conforme disposto na LDB nº 9394/96 (Art 59, II). A sistematização metodológica pauta-se pela fundamentação na teoria histórico-cultural (Vigotski e Leontiev) destacando a importância das interações sociais e da apropriação da linguagem para a constituição do sujeito, enfatizando, no caso dos alunos com deficiência mental, o quanto elas são determinantes para sua evolução intelectual. Para tanto, apresenta a situação de 22 alunos com história de deficiência mental egressos de classes especiais, mas ainda não alfabetizados, com idades entre 14 e 22 anos, encaminhados no início de 2006, para a 5ª série do Ensino Fundamental. Como resultados provisórios demonstra-se que parte desses alunos, mesmo continuando analfabeta, foi aprovada para a 6ª série no final de 2006; que apenas 07 deles freqüentou um projeto especial organizado visando a que evoluíssem no processo de alfabetização (o que efetivamente ocorreu) e os demais receberam atendimento especializado em salas de recursos também visando a que se alfabetizassem. O estudo demonstra, assim, a premente necessidade de políticas públicas para a regulamentação da certificação a ser concedida a esses alunos, bem como os encaminhamentos dela decorrentes e a revisão exaustiva do trabalho pedagógico que vem sendo realizado com essa população de alunos.       

Palavras-chave: Certificação Escolar; Terminalidade Específica; Linguagem; Interação Social.


INTRODUÇÃO
Na longa história do homem, às pessoas com deficiência mental - quando já não mais sacrificadas, a partir da Idade Média com o advento do cristianismo - nunca coube papel relevante algum. A elas, no máximo, era concedido o direito de ficarem entre as outras pessoas, servindo-lhes de bobas da corte (SILVA, 1998).
Enquanto cegos, surdos e pessoas com deficiência física puderam se destacar em muitas funções, inclusive de nobreza, nas diferentes épocas da história - embora apenas os pertencentes às elites, faça-se jus - a pessoa com deficiência mental sempre ficou à margem de qualquer participação digna, pois mesmo tendo nascido numa família abastada, sua condição imposta pela deficiência, ou seja, a incapacidade de um funcionamento intelectual no mesmo nível que a média das demais pessoas daquela determinada sociedade, não lhe permitiu na longa jornada histórica, exercer funções de maior destaque.
Segundo Pessotti (1984, p.29) a educação de pessoas com deficiência mental inicia-se com as experiências pedagógicas do médico Jean Marc Gaspard Itard (1774-1838), a quem em 1801, é confiado o menino Victor de Aveyron, para que seja educado. Com Victor, Itard realiza uma autêntica pedagogia cuja efetivação lhe foi instigada como uma promissora oportunidade de confirmar, seja “a teoria do ‘bom selvagem’ de Rousseau, seja a da ‘estátua’ de Condillac e, por ela a da ‘tabula rasa’ de Locke” (Id., 1984, p. 36) (grifos do autor).
Malson (1964, apud PESSOTTI, 1984, p. 36) afirma, que apesar de Philippe Pinel, o célebre psiquiatra francês da época, ter emitido um diagnóstico que ele caracterizou como jupiteriano e desolador sobre o menino Victor, Itard não concordou com o diagnóstico por sua convicção de que “o homem não nasce como homem, mas é construído como homem. Percebia, obviamente, a idiotia do selvagem, mas não a entendia como devida a uma deficiência biológica e sim como um fato de insuficiência cultural: ele era o bom selvagem, a estátua e a tabula rasa” (grifos do autor).
Esta afirmação de Itard com relação a Victor, contrapondo-se ao determinismo fatalista de Pinel, remete-nos a uma questão formulada por Leontiev (1978, p. 317): “O seu atraso era efetivamente irremediável ou a sua sorte ficou a dever-se à ação de más condições ou de acasos infelizes, condições que se poderiam mudar, acasos que se poderiam afastar no decurso do seu desenvolvimento?” Também Ermakova e Ratnikov (1986, p. 8) afirmam que “isolados durante muito tempo da sociedade, os homens perdem (...) ou não adquirem (...) pouco a pouco, suas qualidades humanas”, demonstrando, no caso de Victor, que o fato de ter permanecido isolado da sociedade, foi fundamental para as dificuldades que apresentava. Na verdade, a visão fatalista da deficiência mental e dos diagnósticos que a legitimam, têm contribuído para que haja uma certa descrença no potencial dessas pessoas perpassando historicamente o imaginário de seus professores, levando hoje, a que seja necessário um trabalho incansável na direção de outras formas de conceber os sujeitos que apresentam essa deficiência e de atuar pedagogicamente com eles, especialmente trabalhos que enfatizem a importância das interações sociais. 
Ao refletir sobre as políticas de inclusão escolar para alunos com deficiência mental - especialmente quanto às possibilidades reais, concretas, de aprenderem os conteúdos científicos que a escola tem a obrigação de ensinar e receberem certificação que lhes permita avançar na escolaridade com chances de inserção laboral - constata-se que é preciso repensar todo o trabalho realizado com esses alunos, pois a escola que temos está pautada na homogeneidade e reproduz em seu interior a mesma lógica da sociedade capitalista competitiva, meritocrática, premiando o tempo todo os “melhores” alunos com “florzinhas e estrelinhas”. E esta lógica, certamente, não combina com alunos que, na maioria das vezes, serão os últimos a terminar as atividades escolares, cujas quais, às vezes também, estão muito aquém daquilo que se exige como desempenho nessa escola.
A história da educação de alunos com deficiência mental, tem demonstrado que apesar da longa passagem desses alunos pela escola, na maioria das vezes como alunos de escolas especiais e/ou de classes especiais, a terminalidade acadêmica – via certificação escolar – geralmente não acontece para eles, porque a sociedade brasileira e os sistemas de ensino, em particular, historicamente não deram conta de sua efetivação.
É importante lembrar que as possibilidades de certificação para alunos com deficiência mental podem ser: via “certificação comum”, como a que é ofertada a todos os alunos, com a diferença de que, aqueles que têm deficiência mental poderão recebê-la também e da mesma forma, embora tenham freqüentado a escola por muito mais tempo que seus pares e podem não ter se apropriado dos conteúdos mais abstratos que nela foram trabalhados, por conta de sua limitação intelectual ou, ainda, via “terminalidade específica” - Art. 59, II (LDB nº 9394/96), para alunos com grave deficiência mental ou múltipla, o que ainda não está sendo efetivado no Paraná, por não ter sido regulamentado pelo CEE – Conselho Estadual de Educação.


MÉTODO
O trabalho pedagógico realizado com alunos com deficiência mental, vem sendo fundamentado em concepções behavioristas que visam o treino de habilidades e, mais recentemente, em concepções construtivistas que pressupõem um a priori desenvolvimentista do sujeito. Este trabalho, no entanto, busca compreender o sujeito com deficiência mental a partir da teoria histórico-cultural, em que ele é visto como alguém capaz de atribuir significados a cada uma de suas ações, mesmo as mais elementares (ex. escovar os dentes), num processo mediado pelos signos lingüísticos e pelos outros seres humanos, ou seja, de forma que sua educação se dê num processo inter e intrapsicológico conforme os pressupostos de Vygotsky (1987, p.161) ao enfatizar as origens sociais dos processos psicológicos superiores expressas na formulação da Lei Geral do Desenvolvimento Cultural:
Qualquer função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos; primeiro como algo social, depois como algo psicológico; primeiro entre as pessoas, como uma categoria interpsíquica, depois, dentro da criança, como uma categoria intrapsíquica.

Historicamente, os alunos com deficiência mental foram vistos sob uma concepção organicista, biológica, que enfatizava sempre seu déficit, sua falta de racionalidade ao resolver os problemas que se lhes apresentavam, o que não permitia vê-los a partir de seu potencial latente, daquilo que poderiam vir a ser, se as condições para essa aprendizagem/desenvolvimento lhes fossem disponibilizadas, se se pensasse sua educação a partir da linguagem e sua dimensão simbólica, cuja apropriação constitui-se em meio para sua evolução intelectual, pois é o desenvolvimento de formas cada vez mais elaboradas de linguagem, que possibilita o desenvolvimento das funções mentais superiores.
Sobre esta questão Padilha (2001, p. 6) diz:
O funcionamento simbólico não tem sido privilegiado nos programas das escolas ou nas instituições de educação especial. De sujeito que se insere na cultura e dela participa, não se fala nos documentos oficiais sobre diagnóstico da deficiência. De doença e de diagnóstico se fala muito e de forma muitas vezes equivocada.

Ao compreender que as funções mentais superiores têm origem social, constata-se o quão importante é a inclusão na escola regular para os alunos com deficiência mental, pois grupos de alunos com diferentes possibilidades e com diferentes níveis de apropriação do conhecimento, são fundamentais para a promoção da aprendizagem de todos e de cada um. A esse respeito Carneiro (2007, p. 17) afirma:
Defendendo que “todas” as crianças podem aprender nas interações com os demais, entendo que ter em sala de aula um grupo de alunos com diferentes possibilidades exige que pensemos a aprendizagem de forma coletiva, distinta do modelo de escola que temos hoje. A abordagem histórico-cultural aponta a heterogeneidade como característica de qualquer grupo humano, sendo um fator imprescindível para as interações em sala de aula. A diversidade de experiências, trajetórias pessoais, contextos familiares, valores e níveis de conhecimento de cada membro do grupo viabiliza no cotidiano escolar a possibilidade de trocas, confrontos, ajuda mútua e conseqüente ampliação das capacidades individuais e coletivas (grifo da autora).

Segundo Pino (2000, p. 61) também,
a introdução das relações sociais como definidoras da natureza das funções mentais superiores, ou seja, da natureza humana do homem, constitui uma “subversão” do pensamento psicológico tradicional. Vigotski desloca definitivamente o foco da análise psicológica do campo biológico para o campo da cultura, ao mesmo tempo em que abre o caminho para uma discussão do que constitui a essência do social enquanto produção humana (grifos do autor).

A psicologia histórico-cultural preconiza ser a linguagem um instrumento fundamental no processo de apropriação do conhecimento do homem já que
A apropriação da linguagem constitui a condição mais importante do seu desenvolvimento mental, pois o conteúdo da experiência histórica dos homens, da sua prática sócio-histórica não se fixa apenas, é evidente, sob a forma de coisas materiais: está presente como conceito e reflexo na palavra, na linguagem. É sob esta forma que surge à criança a riqueza do saber acumulado pela humanidade: os conceitos sobre o mundo que a rodeia (LEONTIEV, 1978, p. 327).
   
Assim, para os sujeitos com deficiência mental, as possibilidades de se apropriarem da linguagem em todas as suas manifestações, desde a oral, gestual, linguagem das artes, até a linguagem escrita, são consideradas não apenas essenciais, imprescindíveis, mas determinantes para o seu desenvolvimento mental. A linguagem, para o sujeito com deficiência mental, é representação, é conceito que traduz toda a experiência histórica das gerações precedentes e a sua apropriação, depende sim, de suas condições individuais com relação à deficiência, mas depende também, fundamentalmente, das condições que envolvem o trabalho pedagógico na ação de ensinar.
Aprender, numa concepção histórico-cultural é adquirir, é apropriar-se, é tomar para si a herança cultural que foi historicamente produzida pelo homem, sendo que a principal característica do processo desta apropriação ou aquisição, é criar no homem aptidões novas, funções psíquicas novas, pois de acordo com Leontiev (1978, p.272),
as aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente “dadas” aos homens nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí “postas”. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles “as suas” aptidões, os “órgãos da sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através doutros homens, isto é, num processo de comunicação com eles. Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função, este processo é, portanto, um processo de educação.

Assim, tem-se a clareza de que a aprendizagem só acontece num processo de troca entre pessoas. Só “efetua-se no decurso do desenvolvimento de relações reais do sujeito com o mundo. Relações que não dependem nem do sujeito nem da sua consciência, mas são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais, nas quais ele vive, e pela maneira como a sua vida se forma nestas condições” (Leontiev, 1978, p.257).


RESULTADOS E DISCUSSÕES
Historicamente, os alunos com deficiência mental têm “passado” pela escola, mas dela têm saído sem certificação que lhes permita vislumbrar possibilidades de futuro, quer continuando seus estudos por meio da EJA - Educação de Jovens e Adultos - ou em um nível ulterior de estudos, ou ainda para cursar educação profissional ou adentrar o mercado de trabalho. Esta questão tem sido motivo de preocupação de pais, professores e gestores das escolas que recebem esses alunos, por não saberem como lidar com os aspectos de seu cotidiano escolar, especialmente os aspectos pedagógicos, como os conteúdos a serem trabalhados, os encaminhamentos metodológicos mais adequados para assegurar sua aprendizagem e as formas de avaliação que devem ser utilizadas.
A avaliação da aprendizagem e a conseqüente certificação são ainda, passada mais de uma década da promulgação da LDB nº 9394/96, um problema não resolvido, talvez o maior de todos em se tratando de alunos com deficiência mental. Independente da trajetória desses alunos pela escola, se realmente puderam aprender o que a escola ensinou, em muitos casos essa passagem constitui-se numa experiência extremamente negativa, já que muitos deles têm até adoecido por não poderem acompanhar os conteúdos da série/nível de ensino na qual foram matriculados e têm perfeita consciência disso e, por isso, se sentem menosprezados e frustrados.
Essa indefinição de políticas claras sobre a certificação e os encaminhamentos posteriores desses alunos, podem gerar atitudes precipitadas por parte de alguns gestores, cuja preocupação poderia estar mais centrada nas vagas que esses alunos ocupam indefinidamente nas escolas por que passam e os “problemas de comportamento” que começam a apresentar, muitas vezes motivados por anos a fio de consagração de suas dificuldades - ao invés de investimentos em suas potencialidades/capacidades - numa escola e num sistema que não conseguem responder minimamente às suas “necessidades especiais”.
Assim, é importante relatar a situação escolar de 22 alunos com história de deficiência mental que vem ocorrendo desde o início de 2006 em Cascavel-Pr, quando a rede municipal de ensino encaminhou esses alunos “ainda não alfabetizados”, egressos de classes especiais (sendo que alguns deles já tinham sido alunos da APAE), para matricular-se na 5ª série do Ensino Fundamental da rede estadual de educação. O encaminhamento desses alunos ainda não alfabetizados gerou grande preocupação por parte das famílias e das escolas estaduais que os receberam, já que eles foram matriculados em turmas de 5ª série em que, a cada hora escolar (de cerca de 50 minutos), mudam o professor e a disciplina lecionada e, por sua condição de ainda não serem capazes de ler e escrever, dificilmente poderiam acompanhar as aulas.
Esses alunos, pela sua idade, que variava de 14 a 22 anos, deveriam ter sido encaminhados para a EJA, em programas de “Alfabetização com apoio pedagógico especializado”, que lhes propiciasse atendimento diferenciado, não só nos encaminhamentos teórico-metodológicos da prática pedagógica, como no tempo necessário à sua permanência no programa de educação de jovens e adultos, que deve ser maior do que o tempo de freqüência dos demais alunos. Considera-se ser esta questão do tempo “maior” a ser propiciado a estes alunos com deficiência mental, como um dos pontos cruciais em sua escolarização, pois se uma de suas principais características é a lentidão no aprender, é absolutamente necessária a dilatação nesse tempo, o que é, inclusive, referendado pela legislação nacional mais recente:
(...) 4.1. Na organização das classes comuns, faz-se necessário prever: (...) f) temporalidade flexível do ano letivo, para atender as necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência mental ou graves deficiências múltiplas, de forma que possam concluir em “tempo maior o currículo previsto para a série/etapa escolar, principalmente nos anos finais do ensino fundamental, conforme estabelecido por normas do sistema de ensino, procurando-se evitar grande defasagem idade/série (BRASIL, 2001, p. 47-48) (grifo meu).
 
A defesa da freqüência desses alunos na EJA, mas obrigatoriamente com apoio pedagógico especializado, se deve não só por que - pela sua faixa etária - eles não poderiam continuar freqüentando turmas de alfabetização com crianças de 6-7 anos, mas pela clareza de que devem ter continuidade em seus estudos acadêmicos, não importa se após terem recebido ou não determinada certificação (comum ou via terminalidade específica). Mas deve-se lembrar também que, paralelamente à freqüência na EJA, deveriam ter recebido educação profissional para sua posterior inserção no mercado de trabalho, conforme preceitua a Resolução 02/01 (BRASIL, 2001) para, minimamente, poderem ter chances futuras de adentrar o mercado de trabalho chamado competitivo. Assim, não teriam como única opção hoje, retornar à APAE (uma das poucas possibilidades que tem sido vislumbrada para alguns desses alunos), para “trabalharem” em suas oficinas pedagógicas como se fosse uma terapia ocupacional, ou para não adoecerem em suas casas, isolados do convívio social ou ainda perambulando pelas ruas da cidade, homens então, sem nenhuma perspectiva de futuro.
Em estudos (IACONO, 2004) sobre as possibilidades de concessão de terminalidade específica a alunos com deficiência mental, pôde-se constatar que essa terminalidade, denominada “específica”, poderia ser mais um instrumento utilizado pela escola/sistema como forma de discriminação negativa a alunos com deficiência mental, no sentido de que sua concessão poderia ser uma maneira de desocupar as vagas que estes alunos utilizam por anos a fio na escola, dada a lentidão com que evoluem na aprendizagem. Eles ficam anos na escola e, na maioria das vezes, por mais que avancem em seu processo de apropriação dos conteúdos científicos trabalhados, essa apropriação não se efetiva no mesmo nível dos demais alunos, tanto no que se refere à quantidade de conteúdos, como quanto à sua abstração. Dessa forma, a escola, que historicamente tem atuado na perspectiva de atender apenas a grupos homogêneos de alunos, tanto quanto à faixa etária, como quanto às possibilidades de apreensão dos conteúdos destinados àquela série/grupo, fica completamente desestabilizada não mais sabendo como agir diante de alunos com possibilidades tão diferentes de apropriação dos conhecimentos.
Quando foram realizados esses estudos sobre a terminalidade específica (Id., 2004) concluiu-se, naquele momento, que essa certificação não deveria ser concedida ainda, a nenhum dos alunos da pesquisa (05 alunos jovens e adultos), até que se tivesse clareza de seu real significado e intencionalidade, das reais condições desses alunos para recebê-la e as bases materiais necessárias para seus encaminhamentos posteriores, quer para a Educação de Jovens e Adultos, quer para a Educação Profissional. Como um dos requisitos para a concessão da “terminalidade específica” é o fato de o aluno não ter se apropriado da leitura, da escrita e do cálculo, conforme o Art 32, I, da LDB n. 9394/96: “(...) – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo” (BRASIL, 1997), esses alunos encaminhados para a 5ª série, em 2006, sem estarem ainda alfabetizados, poderiam ser candidatos à referida terminalidade/certificação, desde que observada sua faixa etária.
No entanto, como essa terminalidade ainda não está regulamentada em nosso estado e talvez por haver ainda poucos estudos sobre este dispositivo legal, portanto não havendo como implementar as bases materiais necessárias à sua concessão, esses fatores teriam contribuído para a tomada de decisão precipitada e unilateral da Secretaria Municipal de Educação de Cascavel quando os encaminhou analfabetos para a 5ª série, sem uma discussão maior com seus professores e a escola e, principalmente, com suas famílias e com eles mesmos - por que não? - demonstrando uma visão equivocada de inclusão escolar. 
Quando se discute educação de alunos com deficiência mental não se pode desconsiderar que grande parte deles nunca poderá se alfabetizar, mas o que o momento histórico nos exige é que, além de refletirmos sobre se se deve trabalhar na escola a partir de adaptações curriculares significativas ou de grande porte, se a educação que devem receber tem caráter substitutivo ou não, não se deve perder de vista a dívida histórica que temos para com eles, pois a mesma escola – regular ou especial – que um dia os recebeu, de forma mais ou menos segregativa, mais ou menos “paternalista”, é a escola, é o sistema que não soube dar-lhes terminalidade nos estudos para que pudessem caminhar na vida.
Este é o desafio hoje: educar esses alunos com as referidas limitações, junto com todos os outros - já que esta reivindicação é justa, não porque está na letra da lei e nos documentos internacionais, mas porque vem sendo reivindicada pelas famílias desses alunos e por eles mesmos, que já não querem mais estudar em escolas separadas; não se pode desconsiderar que hoje já há inúmeros casos de alunos com deficiência mental que já ultrapassaram a barreira do Ensino Médio e hoje galgam outras possibilidades em suas vidas (CARNEIRO, 2007).     
Assim, é importante que essa educação se efetive a partir de suas experiências, de seus contextos sociais, ou seja, na trama de suas relações humanas, de forma que possam ser relações cada vez maiores e mais intrincadas, superando o pequeno grupo segregado com o qual historicamente este sujeito (con)viveu, desde os tempos bíblicos em que era deixado a morrer de inanição pela prática da “exposição”, ou nas cavernas com toda sorte de desvalidos (SILVA, 1986).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001.

CARNEIRO, Maria Sylvia Cardoso. Deficiência mental como produção social: uma discussão a partir de histórias de vida de adultos com síndrome de Down. Tese -  (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.

ERMAKOVA, A.F. ; RATNIKOV, B.V. Que são classes e a luta de classes? Moscovo: Edições Progresso, 1986.

IACONO, J. P. Deficiência mental e terminalidade específica: novas possibilidades de inclusão ou exclusão velada? 2004. Dissertação (Mestrado em educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Estadual de Maringá. Maringá, 2004.

LEONTIEV, A. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

PADILHA, A. M. L. Práticas pedagógicas na educação especial: a capacidade de significar o mundo e a inserção cultural do deficiente mental. Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

PESSOTI, Isaías. Deficiência Mental: Da superstição à ciência. São Paulo: T.A.Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo, 1984.

PINO, A. O social e o cultural na obra de Vigotski. In: Educação & Sociedade: revista quadrimensal de Ciência da Educação/ Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES) n. 71 – 2000 – 2ª edição, Campinas: Cedes, 2000.

SILVA, O. M. A epopéia ignorada: a pessoa deficiente na história do mundo de ontem e de hoje. São Paulo: Ed. CEDAS, 1986.

VIGOTSKI, L. S. Historia del desarollo de lãs funciones psíquicas superiores. Ciudad de La Habana: Editorial científico-técnica, 1987.