http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/172.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

RELATO DE EXPERIÊNCIA DE INTERVENÇÃO MULTIDISCIPLINAR COM PACIENTE PÓS-ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO
Fabiana da Silva Zuttin
Thiago Hernandes Diniz
Rita de Cássia Araújo
Roberta Gonçalves da Silva
Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho
 
                                                                       
RESUMO

Em pacientes pós-acidente vascular encefálico, observam-se vários problemas relacionados à motricidade, sensibilidade, comunicação, deglutição, que de uma forma ou outra acabam interferindo no desempenho das atividades de vida diária e prática. Dessa forma, profissionais de diferentes áreas podem atuar com essa clientela de modo a favorecer a independência nestas atividades.
O objetivo deste trabalho foi identificar os resultados de uma intervenção terapêutica ocupacional e fonoaudiológica prescrita para paciente pós-AVE hemorrágico, em atendimento ambulatorial no Centro de Estudos da Educação e da Saúde (CEES), unidade auxiliar da UNESP-Marília..
O plano de intervenção foi elaborado e discutido em reuniões de equipe para definir os procedimentos a serem realizados com ênfase na avaliação dos componentes cognitivos, sensoriomotores, de comunicação, emocionais e sociais. Até o presente momento, foi possível observar que as atividades elaboradas e propostas no processo de reabilitação favoreceram maior participação e interesse por parte do indivíduo e dos familiares, o que contribuiu para autonomia e /ou independência parcial nas atividades do cotidiano.

INTRODUÇÃO
Indivíduos com seqüela do acidente vascular encefálico podem apresentar limitações no funcionamento físico, sensorial, cognitivo e social, o que pode resultar em dificuldades na realização de tarefas do cotidiano. Dessa forma, profissionais de diferentes áreas podem intervir junto a esta clientela, a fim de favorecer a reabilitação e a habilitação deste para a vida apesar das seqüelas existentes.
Segundo Ares (2003), o acidente vascular encefálico (AVE), é uma síndrome clínica descrita como um déficit neurológico focal causado por alteração na circulação sanguínea cerebral e com conseqüências nos planos cognitivo e sensoriomotor, de acordo com a área afetada e sua extensão.
As estimativas de Falcão et al (2004), retratam que o acidente vascular encefálico representa a terceira causa de morte em países industrializados e a primeira causa de incapacidade entre adultos. Esse mesmo autor ressaltou que no Brasil, a distribuição dos óbitos por doenças do aparelho circulatório vem apresentando crescente importância entre adultos e jovens, já a partir de 20 anos, assumindo o patamar de primeira causa de óbito na faixa etária dos 40 anos com predomínio nas faixas subseqüentes.
Ares (2003) destacou, segundo dados estatísticos nacionais, que a incidência do AVE é de aproximadamente 200.000 casos por ano e que a faixa etária mais acometida é a dos indivíduos com 65 anos ou mais. No entanto, pesquisas têm revelado que um número considerável de adultos jovens tem sido acometido por essa síndrome clínica, em razão dos fatores de risco a que essa população está exposta, como por exemplo, o uso de contraceptivos orais, o uso de drogas, estresse, dentre outras.
Uma das principais causas do acidente vascular encefálico é a isquemia caracterizada pela  irrigação sanguínea insuficiente de uma porção do tecido cerebral, privando-a de seu suprimento normal de sangue, devido geralmente a presença de um êmbolo proveniente do coração, da aorta, das artérias carótidas ou das artérias vertebrais. Esse quadro clínico é comumente encontrado em pessoas mais velhas, com diabetes, colesterol elevado, hipertensão arterial, problemas vasculares e fumantes. As principais causas dessa isquemia são embolia, trombose, lacunas, microembolias e crises isquêmicas transitórias.(Une e Bianchin, 2004).
Assim, Ares (2003) classifica os AVEs em trombóticos, quando o vaso intracraniano é afetado  por arteriosclerose; embólicos quando os êmbolos são geralmente provenientes do coração;  isquêmicos ou lacunares quando há oclusão de pequenas arteríolas, associada  à hipertensão arterial sistêmica e hemorrágicos.
O acidente vascular encefálico hemorrágico ocorre quando há um extravasamento de sangue da luz do vaso, em conseqüência da hipertensão arterial ou de uma anomalia de coagulação. A hemorragia poder estar localizada nos espaços subaracnóide, subdural, intracerebral ou extradural. Pode ocorrer em pessoas mais jovens e a evolução é mais grave. Suas principais causas são aneurisma, má formação arteriovenosa e trauma (Edmans et al, 2004). 
A variedade de causas, natureza e localização da lesão advindas do acidente vascular encefálico podem trazer limitações, seqüelas e quadros clínicos bastante diversos aos indivíduos.
Algumas das seqüelas apresentadas pelas pessoas acometidas pelo AVE podem ser de ordem física, de comunicação, funcionais, emocionais, sociais. Essas seqüelas referem-se muitas vezes, ao grau de dependência, principalmente após o primeiro ano deste acometimento, sendo que 30 a 40% dos sobreviventes são impedidos de voltar ao trabalho, requerendo algum tipo de auxílio para realizar as atividades cotidianas (Falcão et al,2004).
Vestling, Tufvesson e Iwarsson (2003) confirmam que as vítimas do AVE são afetadas não só pelas incapacidades que limitam suas atividades, mas também pela impossibilidade de voltar ao trabalho que determina forte declínio  no bem-estar global, dada a importância do trabalho não só para a sobrevivência, como também para o autoconceito, o status e as relações sociais do indivíduo.
Um outro aspecto visualizado nas pessoas com seqüelas do AVE é a perda da autonomia, o que faz com que esses indivíduos se sintam incapazes e conseqüentemente depressivos por essa questão.
Segundo estudo prospectivo de Ostir et al. (2002), aproximadamente metade dos idosos sobreviventes do AVE não conseguem recuperar completamente a sua independência. Em geral, os fatores associados à recuperação da capacidade funcional incluem idade, status cognitivo, suporte social, educação, número de comorbidades e depressão. Este estudo retrata que os participantes com baixo nível de sintomas depressivos e alto nível de afetos positivos apresentam três vezes mais chance de recuperação do que os altamente deprimidos.
De acordo com o levantamento feito por Terroni, Leite, Tinone e Fráguas (2003) a depressão está associada principalmente ao prejuízo funcional e cognitivo, história anterior de depressão, idade (jovens tem maior propensão no período agudo enquanto idosos no período tardio pós AVE), gênero, história de AVE prévio, morar sozinho e ter rede social pobre.
A partir desse quadro delineado observa-se a importância da atuação da equipe multidisciplinar para reabilitar e habilitar o indivíduo novamente para a realização das atividades do seu dia-a-dia, já que o cotidiano dessas pessoas encontra-se alterado após o AVE. Por isso, profissionais de diferentes áreas, como da terapia ocupacional e fonoaudiologia possuem formação necessária para tratar dessas pessoas e auxiliar seus respectivos cuidadores para efetivação dessas práticas cotidianas.
            
OBJETIVO    
O objetivo deste trabalho foi identificar os resultados de uma intervenção terapêutica ocupacional e fonoaudiológica prescrita para paciente pós-AVE hemorrágico, em atendimento ambulatorial.

MATERIAL E MÉTODO
Este estudo fez parte de um programa de estágio curricular supervisionado de Distúrbios da Linguagem, Fala e Deglutição em Lesados Encefálicos e também de um programa de aprimoramento profissional em Terapia Ocupacional da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp de Marília.
Participante
Este estudo teve como participante um adulto do gênero masculino de cinqüenta e um anos de idade pós-AVE hemorrágico. Esta escolha foi casual, ocorrendo com base na ordem da lista de espera do serviço.
 Local e Período
Os procedimentos foram realizados em salas de atendimento terapêutico dos setores de Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia de um Centro de Estudos da Educação e Saúde (CEES) da Unesp de Marília.
O período de intervenção foi de março a julho de 2007.
Procedimentos para Coleta de dados
Os procedimentos utilizados para a coleta de dados deste estudo foram:
1) Observação, anamnese realizada conjuntamente com a cuidadora e avaliação fonoaudiológica e da terapia ocupacional durante a realização dos atendimentos terapêuticos para coletar dados de identificação, a história pregressa desde a ocorrência do AVE até o momento atual, as  informações sobre a rotina diária do paciente, a queixa e as expectativas em relação a esses  tratamentos;
2) Realização de reunião entre os profissionais para discutir o caso e definir as técnicas a serem utilizadas tendo em vista os objetivos propostos. As prescrições estabelecidas nestas reuniões foram registradas em arquivos da instituição..
3)Intervenção dos profissionais em seus respectivos setores. A fonoaudiologia enfatizou a realização de um programa de treinamento da deglutição, para o qual foi feito uso das técnicas de deglutição de esforço, deglutição com cabeça fletida (com copo adaptado), deglutições múltiplas, além de estimulação térmica (fria) e gustativa. A terapia ocupacional trabalhou com atividades sensoriomotoras, cognitivas, atividades de vida diária e atividades expressivas para proporcionar o resgate do papel social, tendo como elemento de base a motivação do paciente no seguimento de sua vida profissional e familiar. Este profissional, ainda ofereceu orientação à família quanto à importância da organização do ambiente domiciliar nas suas dimensões físicas e de relações interpessoais, além de prescrição e confecção de uma órtese de posicionamento ventral de membro superior;
4)Orientação terapêutica ocupacional e fonoaudiológica à cuidadora quanto à realização do posicionamento adequado nas tarefas cotidianas .
5) Os dados de todas as terapias foram registrados em arquivos de evolução do paciente.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste estudo foi possível observar que a realização de atividades que levaram em consideração os aspectos da deglutição, cognitivos, motores e sociais (como por, exemplo, o resgate do papel profissional), realizados durante o processo de reabilitação, favoreceram maior interesse e participação por parte do paciente, o que contribuiu para a independência parcial no desempenho de suas habilidades nas tarefas cotidianas. Pesquisas como a de Hopman e Verner (2003) mostram que a reabilitação ajuda a maximizar a qualidade de vida percebida, no que tange aos aspectos físicos, cognitivos, emocionais, e sociais. 
Um outro aspecto visualizado durante o tratamento foi que o paciente não apresentou mais engasgos na deglutição de líquido engrossado quando deglute-o realizando flexão de cabeça. Esta questão condiz com a proposta de tratamento idealizada por Silva (2004)
Durante os atendimentos foi possível verificar que a parceria estabelecida entre os profissionais de fonoaudiologia e terapia ocupacional, familiares e o indivíduo pós AVE, foi de fundamental importância para a integralidade das ações e a realização de um tratamento para suprir às necessidades do participante deste estudo. Em consonância a este aspecto Une e Bianchin (2004) demonstrou a importância do trabalho em equipe para a atuação junto às famílias e aos indivíduos afetados por tal acometimento, visando uma melhor qualidade de vida a todos.
A partir dos resultados deste estudo, foi possível observar que a terapia ocupacional e a fonoaudiologia, no trabalho em equipe, podem contribuir no processo de reabilitação e habilitação do indivíduo com seqüelas de AVE para a autonomia e /ou independência parcial nas atividades do cotidiano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARES,  M.  J.  J. Acidente vascular encefálico. In: TEIXEIRA, E. et al. Terapia ocupacional na reabilitação física. São Paulo: Roca, 2003.p 03-16.
EDMANS, J.; CHAM, A.; HILL, L.; RIDLEY, M.;SKELLY, F.; JACKSON, T.; NEALE, M. Terapia ocupacional e derrame cerebral. São Paulo: Santos, 2004.
FALCÃO, I. V.; CARVALHO, E. M. F.; BARRETO, K. M. L.; LESSA, F. J. D.; LEITE, V. M. M. Acidente vascular cerebral precoce: implicações para adultos em idade produtiva atendidos pelo Sistema Único de Sáude.Rev. Bras.Mater.Infant, Recife, v.4,n.1,jan/mar., 2004.
HOPMAN, W.; VERNER, J. Quality of life during and after impatient stroke rehabilitation. Stroke, v. 34, p.801-805, 2003.
OSTIR, G. U.; GOODWIN, J. S.; MARKIDES, K. S.; OTTEN-BACHER, K. J.; BALFOUR, J.; GURALNIK, J. M.. Differential effects of  premorbid physical and emotional health on recovery from acute events. Journal of the American Geriatrics Society, v. 50, p.713-718.
SILVA, R. S. Disfagia orofaríngea pós-acidente vascular encefálico. In: FERREIRA, L. P. et al. (Org). Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. cap.30, p.354-369.
TERRONI, L. M. N.; LEITE, C. C.; TIMONE, G.; FRÁGUAS, JR. R. Depressão
Pós-AVC: fatores de risco e terapêutica antidepressiva. Revista da Associação Médica Brasileira, v.49, n.4, p.450-459, 2003.
UNE,  D. S.; BIANCHIN, M. A. A importância do cuidador em pacientes portadores de acidente vascular cerebral. Cadernos de Terapia Ocupacional UFSCar, São Carlos, v.12,n 2, p.101-104,2004.
WESTLING, M.; TUFVESSON, B.; IWARSSON, S. Indicators for return to work after stroke and the importance of work for subjective well-being and life satisfaction. Journal of Rehabilitation Medicine, v.35, p.127-131, 2003.