http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/175.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
UMA POSSIBILIDADE METODOLÓGICA NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
ESPECIAL
Débora Dainêz
(Fonoaudióloga e Mestranda em Educação na Universidade Metodista de Piracicaba)
Ana Paula de Freitas
(Profª. do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Metodista de Piracicaba)
Maria Inês Bacellar Monteiro
(Profª.do Curso de Fonoaudiologia e do Curso de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Metodista de Piracicaba)
RESUMO
Este estudo apóia-se na matriz histórico-cultural, que tem como seu principal representante
Vigotski, em especial, nos seus estudos sobre o método de investigação dos processos
humanos. Nosso objetivo é refletir sobre as contribuições da análise microgenética enquanto
abordagem metodológica para a pesquisa em educação especial. Para isso, analisamos duas
situações ocorridas em momentos distintos envolvendo um jovem com Síndrome de Down. Tais
situações revelaram indícios da história do sujeito, possibilitando discutir aspectos relevantes da
metodologia da análise microgenética.
INTRODUÇÃO
Este estudo apóia-se na matriz histórico-cultural, que tem como seu principal representante
Vigotski (1984,1987,1989,1995). Para esta perspectiva os processos humanos têm gênese nas
relações sociais do sujeito com o outro e com a cultura, assim, são essas formas de relações
que devem ser investigadas quando se examina o curso de ação do sujeito. Vigotski concebe o
estudo do homem enquanto ser que se constitui imerso na cultura, nas experiências e práticas
sociais, bem como, nos sistemas semióticos. O autor propõe o estudo do processo, analisando
a dimensão histórica. Portanto, o método deve ser compreendido dentro de uma “visão
sociogenética, histórico-cultural e semiótica do ser humano” (GÓES, 2000, p.12). Vigotski
(1984,1987) ao partir da premissa básica de que as funções mentais superiores são constituídas
no social, em um processo interativo possibilitado pela linguagem e que antecede a apropriação
pessoal, também vê a pesquisa como uma relação entre sujeitos, relação essa que se torna
promotora de desenvolvimento mediado pelo outro.
Deste modo, partindo desta perspectiva, pretendemos orientar nossa discussão para a reflexão
sobre as contribuições da análise microgenética enquanto abordagem metodológica para a
pesquisa em educação especial. Segundo Góes (2000), a análise microgenética é uma forma de
construção de dados que exige atenção aos detalhes das ações e privilegia um relato
pormenorizado dos acontecimentos interativos. Esta forma se configura como uma análise
minuciosa de um processo, de modo a caracterizar sua gênese social e as transformações do
curso de eventos. Está orientada para as interações e cenários sócioculturais, que são
responsáveis pela constituição e desenvolvimento humano. Desta maneira, torna-se importante à
descrição de detalhes dos processos, bem como, das ações dos sujeitos e as relações
interpessoais estabelecidas. Na análise microgenética há uma preocupação em relacionar os
eventos singulares com outros planos da cultura e das práticas sociais. Além disso, é voltada
para a busca da compreensão do desenrolar das ações do sujeito e explica suas construções e
transformações cognitivas.
Como Vigotski, Góes acredita na importância de examinar a dimensão histórica dos fatos e,
ainda ressalta, que a história aqui evidenciada se refere
“aos cursos de transformações que engloba o presente, as condições
passadas e aquilo que o presente tem de projeção do futuro. Inclui
nessas diretrizes a importância de se identificar relações dinâmico-causais, devendo o investigador buscar distinguir a aparência e os
processos da dinâmica subjacente” (GÓES, 2000, p.13).
Assim, a autora explica que a análise é micro não porque ocorre num curto tempo, mas, por
tratar-se da observação de minúcias indiciais e, além disso, é genética, no sentido de ser
histórica e focalizar o movimento durante um processo, relacionando condições passadas e
presentes impregnadas ao futuro. Esta forma de proceder permite ao pesquisador relacionar
eventos singulares com as práticas sócio-culturais e os discursos circulantes nas esferas sociais.
Pino (2005) destaca que, nesta forma de investigar e instigar, o objetivo da pesquisa é o
processo, a história da gênese dos fatos e não, meramente a análise única dos fatos. Deste
modo, deve-se converter o fato pesquisado no processo, reconstruindo-o desde seu início e
estudando sua gênese histórica o que permitirá olhar para sua natureza e sua significação, já que
este, como salienta o autor, é um procedimento metodológico histórico-genético. Além disso,
nessa metodologia é necessário que a análise seja explicativa e não descritiva a que nos permite
adentrar no interior do problema, bem como, na sua origem e essência, na sua gênese histórica e
na sua dinâmica. Sendo assim, é a evolução em novas formas dos indícios, a partir da ação do
meio sócio-cultural que confere ao processo sua dinâmica estrutural. Os indícios se apresentam
como elementos unitários na totalidade do processo. Por outro lado, os indícios constituem
micro-situações da vida real do sujeito identificadas por meio do olhar do pesquisador no
contexto da vida cotidiana do sujeito.
Ginzburg (2003), em seus estudos sobre paradigma indiciário, ressalta que nesse método há
uma atitude em apreciar os pormenores e, para tanto, deve ser dada preferência à obra num
todo, em seu conjunto histórico. Considera os indícios reveladores das particularidades do
processo, que possibilita olhar para o indivíduo a partir de uma análise qualitativa do
desenvolvimento, considerando as singularidades e características imperceptíveis que marcam
sua individualidade. Esse paradigma indiciário apóia-se na semiótica, incluindo uma variedade de
recursos utilizados no decorrer da história humana, na tentativa de buscar e desvendar
problemas dos fatos naturais e culturais.
Em relação à deficiência mental, Vigotski (1989,1995), desenvolveu estudos que foram
denominados de Defectologia. Constata que a criança cujo desenvolvimento está comprometido
por algum tipo de déficit, não é necessariamente menos desenvolvida que seus pares normais; é
uma criança que se desenvolve de outro modo, por um outro caminho. Para o autor, o que
importa não é a deficiência em si mesma, mas é fundamental saber como a criança se
desenvolve e quais reações apresentam durante o processo de desenvolvimento em resposta às
dificuldades que enfrenta. A lei central de proposições vigotskianas no campo da defectologia é
a de que qualquer defeito origina uma tendência para a formação da compensação, ou seja, a
insuficiência de uma capacidade é compensada com o desenvolvimento de outra.
Considerando que, segundo Vigotski, a lei geral do desenvolvimento é a mesma para qualquer
sujeito e que a análise microgenética é uma possibilidade de olhar para o processo dinâmico,
procuramos compreender como a análise de duas situações (uma vivenciada no grupo
terapêutico-fonoaudiológica e uma entrevista com a mãe de um dos jovens do grupo) pode
revelar indícios de modos de funcionamento de um sujeito com deficiência mental e seus pares,
enquanto possibilidade de investigar o processo de construção de sentidos e a interpretação do
discurso que incidem sobre a linguagem e a constituição do sujeito.
MÉTODO
Neste estudo orientamos nossa análise ao exame do funcionamento dos sujeitos, as relações
intersubjetivas e as condições sociais da situação, procurando fazer um relato minucioso dos
acontecimentos. Trata-se de uma investigação qualitativa de orientação sócio-histórica. Na
pesquisa qualitativa com enfoque histórico-cultural não se cria artificialmente uma situação para
ser pesquisada, mas se vai ao encontro da situação no seu acontecer, no seu processo de
desenvolvimento, dando atenção às minúcias do curso de transformação das ações do sujeito.
Para este estudo analisamos duas situações que envolvem o jovem Gi., sexo masculino, 27
anos, que possui deficiência mental em decorrência a Síndrome de Down. É atendido
semanalmente num grupo de jovens (faixa etária de 19 a 28 anos) com deficiência mental numa
Clínica-Escola de Fonoaudiologia no setor neurológico desde o ano de 2002. Este jovem se
comunica basicamente por gestos representativos e/ou indicativos e produz algumas
vocalizações ininteligíveis, algumas onomatopéias e palavras como “sim”, “não”, “é”. Nos
atendimentos fooaudiológicos sempre relata histórias que vivencia com sua família no sítio onde
vive. Tais histórias nem sempre são compreendidas por seus interlocutores do grupo.
A primeira situação apresentada refere-se a um atendimento do grupo realizado em 2003 na
Clínica de Fonoaudiologia. As sessões terapêuticas foram vídeo-gravadas e posteriormente
transcritas ortograficamente. Para a análise, selecionamos um dos episódios transcritos, que
focaliza o sujeito Gi.
A segunda situação refere-se a uma entrevista realizada com a mãe do jovem Gi. Essa
entrevista ocorreu após dois anos da ocorrência da primeira situação. Tinha como objetivo
investigar a história e as relações sociais do sujeito.
Como é possível notar, as duas situações ocorreram em momentos diferentes, mas revelaram
indícios da história do sujeito, possibilitando discutir aspectos relevantes da metodologia da
análise microgenética.
O procedimento metodológico adotado se justifica pela natureza do objeto de pesquisa que
busca indícios do processo de significação e como este ocorre no atendimento de jovens com
deficiência mental. O sujeito singular focalizado e seu entorno pode nos revelar aspectos gerais
do fenômeno trazendo explicações de como as relações sociais vivenciadas pelo sujeito
influenciam o processo de desenvolvimento do mesmo. Deste modo o objeto de análise – não é
o sujeito em si – mas sim a interação entre o sujeito e os interlocutores.
Assim, para identificar nas duas situações escolhidas, os indícios do processo de interlocução e
examinar como foram sendo construídas as significações recorremos à análise microgenética que
permite a construção de dados através da atenção para os detalhes das situações e para o
recorte dos episódios interativos.
RESULTADO
Dados referentes a duas situações (processo terapêutico e entrevista com a mãe) do sujeito Gi.
– atendido na Clínica-Escola de Fonoaudiologia.
· Primeiro
momento – sujeito atendido em grupo na clínica:
Situação: Trata-se de um episódio referente a uma sessão vídeo-gravada no dia 17 de setembro
de 2003, fazendo parte de um banco de dados. Neste dia estavam presentes os jovens Gi., Fr.,
Le. Ed. De., juntamente com as estagiárias T1 e T2. É importante esclarecer que T2 não é a
terapeuta responsável pelo atendimento do grupo; ela atendia individualmente o jovem De. que
neste dia participou da sessão terapêutica com o grupo.
Neste episódio, o grupo conversava, quando Gi. começa a se expressar por meio de gestos não
compreendidos pelas terapeutas e demais sujeitos do grupo.
un . Gi.: (verbalizando algo ininteligível, faz gesto
de fumar, passa o dedo sobre a mão,
aponta para fora e para cima, e balança os dedos em frente à boca)
un . T2: Ãh? Não entendi,
un . Gi.: (gesto de fumar passa o dedo sobre a mão,
aponta para fora e para cima, e balança
os dedos em frente à boca)
un . T2: Ãh?
un . Gi.: (verbalizando algo ininteligível, balança
os dedos da mão em frente à boca)
un . T2: Na mina?
un . Gi.: (verbalizando algo ininteligível, balança
os dedos da mão em frente à boca.)
un . T2: Ah! Galinha?
un . Gi.: (gesto de força abrindo e fechando os braços,
em seguida, balança os dedos em
frente à boca, faz gesto de comer e de fumar)
un 0. T1: Voltei (T1 que havia saído da sala em outro momento,
neste instante retorna)
un 1. T2: Que é isso? (imitando o gesto de fumar) Que é isso,
Gi.? Ah, você quebra o
pescoço da galinha?
un 2. Gi.: (aceno negativo com o dedo indicador)
un 3. T1: Deixa eu ver, Gi..
un 4. T2: Mostra pra T1.
un 5. Gi.: (levanta o dedo indicador acima da cabeça e gira, em
seguida, faz gesto de fumar.)
un 6. T2: Ah, polícia!
un 7. Gi.: (gesto de fumar)
un 8. T2: Você fuma?
un 9. Gi.: (aceno negativo com o dedo indicador)
un 0. T1: Quem você viu fumando?
un 1. T2: Quem fuma?
un 2. Gi.: (passa o dedo nas costas da mão e aponta para a rua) Ah
lá!
un 3. T2: Lá fora?
un 4. Gi.: (verbalizando algo ininteligível, faz gesto da polícia
com som da sirene)
un 5. T2: Ah, você viu alguém fumando o que não devia,
daí chegou a polícia e deu cadeia
nele?
un 6. Gi.: Não
un 7. T2: Não?
un 8. Gi.: (verbaliza algo ininteligível)
un 9. T1: Ah Gi., você viu isso, Gi.?
un 0. Gi.: (verbaliza algo ininteligível)
un 1. Fr.: (ri e bate na mesa)
un 2. Gi.: (verbaliza algo ininteligível)
un 3. T2: Você deve ter visto isso em algum filme.
Turno 34. T1: É! Tá assistindo muito a novela Kubanacan1,
viu Gi.?
Turno 35. T2 : É verdade! (ri)
No turno 1, Gi. realiza gestos com o intuito de dizer algo à terapeuta. Em seguida, esta não
entende o gesto realizado pelo sujeito. Observa-se, que Gi. se dirige somente à terapeuta e não
aos demais sujeitos do grupo, não considerando seus pares como possíveis interlocutores.
Assim, pode-se supor que ele pense que somente a terapeuta tem a disponibilidade para
interpretá-lo, significando o gesto dele. Gi. continua a fazer o mesmo gesto realizado
anteriormente, sendo persistente, de forma que, a terapeuta entenda o seu dizer. Assim, Gi.
apresenta um intuito discursivo subjacente à sua linguagem gestual e, com isso, podemos
observar indícios no processo de interlocução do sujeito. Conseqüentemente, a terapeuta realiza
tentativas de interpretar os gestos, porém, não chega à compreensão concreta do dizer do
sujeito. Isso acontece porque falta conhecimento prévio sobre o assunto, ou seja, sobre o real
acontecimento que o sujeito vivenciou. Portanto, não há uma construção conjunta no discurso e,
isso, tende a levar uma quebra discursiva, no qual, os dizeres não são significados pelo
interlocutor. Deste modo, a terapeuta acaba trazendo somente a sua concepção de sujeito, a
sua representação social, sem ter vivido esta história junto com ele.
Contudo, no turno 8, a terapeuta ao interpretar o gesto do sujeito (turno 7) como “galinha”,
remete-se a história do grupo fonoaudiológico, pois em outras sessões Gi. já havia apresentado
relatos sobre as galinhas que tinha em seu sítio. Aqui a terapeuta revela um conhecimento prévio
sobre a história de vida do sujeito, porém, as tentativas de interpretação e o sentido atribuído
aos gestos do sujeito não coincide com o intuito discursivo do mesmo. Isso, pode ser
observado nos turnos 6, 8, 16, 18, quando a terapeuta interpreta, mas não atribui o real sentido
aos gestos do sujeito.
Vale ressaltar que, quando a tentativa de interpretação da terapeuta não condiz com o dizer do
sujeito, este, não aceita a significação, faz aceno negativo (turno 12, 26), mostrando-se
insatisfeito e, continua persistindo na sua idéia, querendo transmitir algo que realmente tenha
vivenciado e que faça sentido para ele. Assim, mais uma vez apresenta intuito discursivo e tem
conhecimento do que realmente quer dizer para seu interlocutor.
No decorrer do diálogo, no turno 33, a terapeuta sugere a Gi. que seu gesto tenha haver com
um filme, e a outra terapeuta se refere a uma novela. Assim, ocorre uma mudança no assunto, as
terapeutas na tentativa de interpretar o que não haviam entendido falam de dois assuntos ao
mesmo tempo (filme e novela). Isso compromete ainda mais a dinâmica dialógica, deixando os
dizeres confusos, além de não favorecer possibilidades do sujeito intervir explicando seu dizer.
1 Novela transmitida pela Rede Globo de Televisão durante o ano de 2003
· Segundo
momento – recorte de um trecho da entrevista realizada pela pesquisadora no dia
15/09/05, com a mãe do sujeito Gi. (Mãe), na clínica fonoaudiológica. Convém ressaltar que a
entrevista teve na média de 35 a 40 minutos de duração, foi gravada e em seguida foi realizada a
transcrição ortográfica.
Turno 1. Pesquisadora: E o que ele gosta de contar para você?
Turno 2. Mãe: Gosta de contar de filme, filme de Bang Bang, do barbudo que ele viu no sítio -
“babudo, lá do sítio, babudo” (faz gestos como se estivesse passando a mão na barba
no rosto, imitando a fala de Gi.)
Turno 3. Pesquisadora: Ah.
Turno 4. Mãe: Quando eu morava no outro lugar, tinha uns meninos que moravam em frente e
fumavam maconha lá perto de casa (gesto de fumar) (o gesto de fumar que a mãe faz
é igual ao realizado por Gi.)
Turno 5. Pesquisadora: Ele fala que os meninos fumavam?
Turno 6. Mãe: Conta. (fala ininteligível à gravação e faz gestos de cadeia e polícia como o
realizado por Gi. durante a terapia).
Turno 7. Pesquisadora: Conta que a polícia pega os meninos?
Turno 8. Mãe: É. tatata (imita Gi. e faz gestos como se estivesse atirando, em seguida gesto de
cadeia e de polícia). Fala que a polícia vai matar e vai prender se ele fumar.
Turno 9. Pesquisadora: Então, era uns meninos que moravam perto de vocês e fumavam, e o
Gi. falava que a polícia ia pegar eles.
Turno 10. Mãe: É isso, que morava em frente da minha casa e que a policia ia pegar porque
fumavam.
Turno 11. Pesquisadora: Ah tá!
Turno 12 Mãe: Mas agora o menino se internou e agora eu já mudei de lá também.
A partir dessa entrevista, foi possível analisar que os gestos e dizeres do sujeito durante a
terapia fonoaudiológica tem haver com a própria história social vivenciada por ele nas práticas
sócio-culturais. Deste modo, procurar indícios das possibilidades dialógicas do sujeito Gi. com
os participantes do grupo tem a ver com a história pessoal do próprio sujeito. Neste sentido,
este processo apresenta aspectos específicos e singulares da vivência do mesmo. Portanto, para
analisar a situação discursiva do grupo e o processo dialógico de um sujeito com deficiência
mental, que se comunica basicamente por meio de gestos, faz-se necessário conhecer a sua
história, suas relações sociais e o contexto no qual se insere. Por isso é fundamental que o
terapeuta estabeleça contato com a família e se insira no “mundo” do sujeito.
Voltando-se ao dado anterior (recorte da situação terapêutica), Gi. tinha algo real para dizer,
algo que ele sentia necessidade de compartilhar com o outro, porém, isso não foi possível, pois
a terapeuta não apresentava conhecimento deste fato (um menino que fumava maconha em
frente ao seu sítio) na vida do sujeito. De acordo com essa entrevista, Gi. estava tentando dizer
que a polícia poderia prender o garoto se ele continuasse a fumar maconha em frente à sua casa.
Portanto, o conhecimento da história do sujeito possibilita que a relação dialógica aconteça de
maneira efetiva. Tais indícios nos são revelados por meio da análise pormenorizada das duas
situações apresentadas.
DISCUSSÃO
Consoante com a procura de indícios, este estudo está inserido numa perspectiva histórico-cultural que considera a linguagem
uma atividade constitutiva do sujeito e produto de um
processo dialético e histórico. Isto significa dizer que o sujeito se constitui à medida que o outro
atribui sentido a suas palavras e ações, portanto, os interlocutores têm um papel essencial no
funcionamento intra-psicológico de cada um e na formação da consciência individual.
Neste tipo de pesquisa, cada caso é exemplar, pois o que se procura já é da ordem dos
fenômenos gerais, visto que, se o início desse processo pode apresentar aspectos específicos
singulares, em razão da história pessoal de cada sujeito, o processo em si é um fenômeno geral
porque é constitutivo da condição humana. Deste modo, a análise microgenética permitiu
relacionar eventos singulares com as práticas sócio-culturais e os discursos circundantes nas
esferas sociais do Gi.. No caso apresentado, a fala da mãe nos possibilitou entender o dizer real
do sujeito ou, ainda, a partir da interação com a esfera social (família-mãe) que o sujeito faz
parte, foi possível compreender seu intuito discursivo sobre uma determinada situação
vivenciada por ele. Ou seja, de acordo com Góes (2000), na análise microgenética é possível
relacionar eventos singulares com outros planos da cultura e das práticas sociais, permitindo
uma reflexão dos processos de desenvolvimento, além de fornecer indícios minuciosos do todo,
configurando, assim, a gênese social do processo.
Quando não há uma partilha de conhecimentos, bem como, não se tem acesso à história do
sujeito, como observamos na primeira situação, há uma indeterminação do diálogo e a terapeuta
não compreende o sentido discursivo do sujeito. O gesto realizado por Gi. não foi significativo,
pois a terapeuta não tinha acesso a outra fonte do dado, não tinha conhecimento do sujeito em
outro espaço social. Portanto, o conhecimento da história prévia do dizer do sujeito é
imprescindível para a compreensão do seu intuito discursivo por parte do interlocutor. Segundo
Ginzburg (2003), deve-se reconhecer minuciosamente a realidade para descobrir pistas de
eventos não absolutamente experimentáveis pelo observador, procurando assim, dentro de um
todo, analisar o específico, ou ainda, descrever minuciosamente decifrando as pistas. Podemos,
portanto, considerar os indícios reveladores das particularidades do processo.
Assim, atuar no processo terapêutico-fonoaudiológico é considerar outras situações, ter fonte
de informações necessárias, ter conhecimento das situações vivenciadas pelo sujeito para poder
interpretar aquilo que ele tem para dizer. Além disso, é estabelecer contato com a família e
outros espaços sociais freqüentados pelo sujeito, para que tais aspectos contribuam de maneira
efetiva para o fazer terapêutico. A análise detalhada destas duas situações singulares evidencia a
necessidade de se considerar a história de vida do sujeito e vivenciar situações conjuntas,
partilhando e conhecendo as práticas sociais nas quais o sujeito está inserido.
Conclui-se que a busca de significação em situações singulares permitiu distinguir a aparência e
os processos da dinâmica subjacente tornando possível à compreensão do funcionamento do
sujeito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GINZBURG, C. Sinais – Raízes de um Paradigma Indiciário. Mitos, Emblemas, Sinais –
Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 2.ed, 2003, p.143-180.
GÓES, M.C.R. A abordagem microgenética na matriz histórico-cultural: Uma perspectiva para
o estudo da Constituição da Subjetividade. Caderno Cedes, ano 20, n.50, p.09-25, 2000.
PINO, A. As marcas do humano: as origens da constituição cultural da criança na
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VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São
Paulo: Ed. Martins Fontes, 1984.
VIGOTSKI, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Ed. Martins Fontes,
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VIGOTSKI, L.S. Fundamentos da Defectologia. Obras Completas. Tomo 5. Playa,
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