http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/176.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

A ANALISE EPISTEMOLÓGICA DOS TEXTOS ESCRITOS DOS SURDOS: UMA ANÁLISE DA INTERLÍNGUA
José Anchieta de Oliveira Bentes1
1  Professor de Língua Portuguesa. Mestre em Lingüística pela Universidade federal do Pará. Doutourando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial - PPGEEs na Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.



RESUMO

Propõe-se, neste artigo, descrever uma atividade de aquisição do gênero mensagem, tendo como instrumento a Língua Brasileira de Sinais escrita (mais precisamente o SignWriting) e analisa-se os textos escritos em Língua Portuguesa. A metodologia de pesquisa é descritiva, tendo como referencial teórico os estudos a respeito da interferência e transferência da Língua de Sinais na escrita da Língua Portuguesa e vice-versa, processo caracterizado como de interlíngua, conforme Quadros e Schmiedt (2006) e Brochado (2003). Esta análise evidencia que a aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais é condição necessária para que o surdo adquira estratégias lingüistico-discursivas para a produção escrita de gêneros textuais da língua portuguesa e fornece algumas pistas para o que deve ser ensinado, com que objetivo e a partir da perspectiva da Língua de sinais.

Palavras-chave: Língua Portuguesa. Língua de Sinais. Interlíngua. Texto do aluno surdo.

INTRODUÇÃO
É preciso, por conseguinte, discutir uma nova epistemologia da prática profissional dos professores de disciplinas para o trabalho com alunos surdos. Mas antes, é preciso dizer o que se entende por epistemologia da prática profissional.
Sem fazer uma discussão profunda, e com base em Tardif e Lessart (2005, p.10), a epistemologia aqui considerada é o "estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas".
Um primeiro saber necessário pode ser chamado de comunicacional: é preciso que o professor saiba LIBRAS e traduza os conteúdos de ensino, estabelecidos nos planejamentos ou definidos em classe, para a língua de sinais, para que dessa forma ocorra uma real socialização e ensino-aprendizagem dessas pessoas.
Um segundo saber é textual: está relacionado ao texto escrito do surdo, que apesar da relatividade das características, em função do grau de imersão na língua de sinais e na Língua Portuguesa. Um terceiro, que pode ter influência esta no diagnóstico médico-patológico, identificando o grau de surdez, o adventício ou não (ter nascido surdo) e a idade em que ocorreu a surdez.
É a partir dessa relativização que se entende as perdas ou deficiências lingüísticas dos surdos em relação à Língua Portuguesa. Alguns alunos, como os que vão ser mostrados a seguir, conseguem adquirir todas as letras do alfabeto, copiar textos inteiros, mas não conseguem atribuir sentido ao que escreveram, não compreendem, nem interpretam o que lêem.

A HIPÓTESE DA INTERLÍGUA
É preciso relatar as condições de circulação e de produção dos exemplos citados aqui. Trata-se de alunos que estudam em um turno contrário a escola em que estão matriculados, funcionando como “reforço” de linguagem em Língua Portuguesa por professores especialistas em educação especial em uma sala de recurso. A atividade desenvolvida pelo professor foi a partir do gênero “torpedo”, que é uma espécie de bilhete eletrônico que uma pessoa envia de seu celular para outra pessoa, sendo usual por surdos que utilizam aparelhos celulares.
Levanta-se a hipótese de que se por um lado a escrita do surdo parece ser uma interlíngua (conforme defendido por QUADROS & SCHMIEDT, 2006), por outro é marca da diferença materializada simbolicamente da alteridade das pessoas surdas.
Esses textos obtidos e que serão analisados, então, configuram uma interlíngua, ou seja, uma outra “‘língua’ utilizada por aprendizes que não dominam ainda uma língua estrangeira” (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004, p. 287). A interlíngua se manifesta quando um aluno está aprendendo uma língua estrangeira e faz simplificações, empréstimos e recriações semânticas e sintáticas, podendo ocorrer quando faz uma tradução literal. No caso, será considerado aqui como interlíngua o sistema intermediário utilizado pelos aprendizes surdos ao transferir e fazer interferências entre uma língua materna, no caso do surdo a Língua de Sinais, e uma língua de contato, a Língua Portuguesa, e vice-versa, constituindo formas sintáticas autônomas da qual o aluno se serve para alcançar seus objetivos comunicativos.
Para este uso do termo, defende-se a aceitação da interlíngua na escrita do surdo, por ser, resultante do processo de aquisição da escrita por surdos, sendo um processo de aprendizagem relativa às características da surdez e resultante da influencia das línguas de contato de duas comunidades, com línguas distintas.
Brochado (2003) sugere que há vários estágios de interlíngua, quando se observaa diferentes textos escritos em Língua Portuguesa pelos surdos. Quadros e Schmiedt (2006, p. 34) consideram que os textos dos surdos “não mais representam a primeira língua [no caso a Língua de Sinais], mas também não representam a segunda Língua [a Língua Portuguesa]”, e complementam que esta interlíngua “não é caótica e desorganizada, mas representam hipóteses e regras que começam a delinear a Língua Portuguesa” (Idem, p. 34).
graphicOs estágios propostos por Brochado (2003) são: a) Estágio de interlíngua I – apresenta o texto escrito com estrutura frasal muito semelhante à Língua de sinais, tendo poucas características do português; b) Estágio de interlíngua II – apresenta ora estruturas lingüísticas da língua de sinais ora com características gramaticais da frase da língua portuguesa; c) Estágio de interlíngua III – apresenta predominância da gramática da língua Portuguesa. Em termos, o estágio I é de conhecimento inicial da estrutura da Língua Portuguesa, predominando, por conseguinte, a transferência de saberes da Língua de sinais para o texto escrito, o estágio II é intermediário, já que utiliza interferências e transferências de estruturas das duas línguas e no estágio III predominam formas e estruturas predominantes da Língua Portuguesa.
A seguir, passa-se propriamente a análise de cinco textos de alunos surdos, que foram obtidos em uma aula que trabalhou o gênero “torpedo” (interação pelo celular), em Língua de Sinais e termina-se com as considerações finais, demandando uma forma de ação afirmativa: o reconhecimento dessa forma de escrita.

DESCREVENDO O MÉTODO
Relata-se, inicialmente, como se deu a situação de circulação do texto trabalhado em sala de aula: a entrada ocorreu pelo instrumento semiótico “torpedo”, na aula no dia 04 de maio de 2006, em uma classe de reforço, que funciona no Centro de Atendimento ao Surdo, em Belém do Pará, com 9 alunos surdos. Estes alunos estão nas mais diferenciadas séries e recebem reforço e apoio em língua portuguesa em um turno diferente do que estuda. A aula fez parte de um projeto de ensino que está desenvolvendo capacidades de leitura e escrita nos surdos para que melhorem suas notas nas escolas regulares de ensino.
O que foi constatado é que apesar da popularização do celular, dos torpedos e dos mensager da internet, particularmente entre os surdos, não se trata de uma atividade simples. A maioria dos participantes da pesquisa não tinha celular e, portanto, não utilizava torpedos.
O texto, inicialmente foi apresentado em língua de sinais escrita, em SignWriting2, uma representação iconográfica da língua de sinais, dentro de um aparelho de celular. A seguir, o texto foi simulado por meio de duas pessoas, lendo o texto, que em português correspondia a: “Ana, você tem o telefone do CAS? Envia o número para mim”.
O texto em uma folha impressa está representando na figura (1) uma mensagem de celular.
O gênero “torpedo” serviu de instrumento para simular uma prática de comunicação no celular, em sala de aula, em que o destinatário foi o professor da disciplina Língua Portuguesa. Esperava-se com o uso desse instrumento didático de ensino-aprendizagem que os alunos enviassem ou a mesma mensagem lida anteriormente em LIBRAS ou outra, mas que levassem em consideração o destinatário, o professor. Para ajudar nessa simulação, o texto era escrito em um pedaço de papel pequeno e colado no suporte, o celular (simbolizado no papel por um desenho, como mostra a figura (1).
Esse sistema de escrita, o  SignWriting, permite expressar a configuração de mãos, os pontos de articulação, os movimentos e as marcas dos sinais manuais e não-manuais. Reconhecidamente, é a escrita da língua dos sinais, que não é feita de fotografias ou desenhos de pessoas sinalizando, mas por hieróglifos que simbolizam a “fala” da Língua de Sinais.
Feito esse breve resumo da metodologia, do instrumento utilizado e da situação de circulação, entra-se na situação de produção propriamente dita.

2  O SignWriting é um sistema de hieróglifos que permite ler e escrever os movimentos de todas as línguas de sinais do mundo. Foi criado em 1974 por Valerie Sutton, uma dançarina que desenvolveu um sistema de escrita da dança, o Dance Writing. No Brasil desde 1997 vem sendo utilizada na educação de surdos e na pesquisa. Já existem algumas obras literárias produzidas no Brasil em Libras escrita como Uma Menina Chamada Kauana, Cinderela Surda, Rapunzel Surda, entre outras (conf. Cultura Surda <http://www.culturasurda.com.br/sw.html> acesso em 7/08/2007).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste item analisa-se cinco textos produzidos (os demais alunos na sala de aula, sequer tentaram produzir o que fora solicitado), tendo em mente que estes, possivelmente, passaram por uma fase de planejamento, revisão/reelaboração para poder ter a conformação de um texto, com coesão e coerência, forma composicional e recursos estilísticos do produtor e característicos do gênero.
De fato, é provável que os textos produzidos pelos alunos tenham, pelo menos, feito em um papel borrão e depois passado para o celular, que foi entregue ao professor. Infelizmente não foi possível saber e perceber se de fato que alterações ocorreram entre a primeira e as subseqüentes escritas, sendo que o professor da turma está consciente desta necessidade de planejar e reescrever o texto, no sentido de ter que dar significado a cada palavra de forma que o aluno entenda que é necessário que a outra pessoa entenda o que ele quer dizer e também de que antes de começar a elaborar seu texto, precisa organizar suas idéias, justificando a necessidade do planejamento do texto e da reescrita, para tornar o texto inteligível pelo destinatário.
Depois de simulado e explicada toda a atividade em Língua de Sinais foi solicitado que enviassem um torpedo, desta feita em língua portuguesa escrita para o professor. Neste momento o pesquisador queria saber que saberes de escrita os alunos possuíam para escrever uma mensagem de celular. O resultado da produção (os alunos produziram os textos em um papel, dentro de uma figura de celular, o que não vai ser mostrado aqui). Os textos produzidos foram os seguintes:


Texto 1
 
Escrita
Tradução em sinais3
1
Marilene
MULHER GORDA LONGE/
2
do nafão atmo
HOMEM MÃE/ MULHER IGUAL/
3
tnlena sosojo
ANDAR CARRO/ CASA ANDAR/
4
tufossoro
ANDAR DINHEIRO COMER/
5
fontmotrre doses
CASA ANDAR IGUAL/ ESCREVER CASA LONGE/
6
umtino tnorsso
MULHER ESCREVER APAGAR/ RUA/
7
tibitniazo dozos
CASA LONGE/ IGUAL HOMEM-MULHER
8
zontzsso deztão
PEQUENO/ HOMEM-MULHER PEQUENO.

3  A transcrição como mostra o texto (1) está em letra de forma, para representar Sinais feitos pelo informante. A fala do informante foi feita no momento em que apontava as palavras escritas. As barrras separam cada sinal feito, traduzindo cada palavra escrita.

Texto 2
Olá Ana
você que tudo não corvesa
está telefone
foi bom Portuguesa
no famélia
muito vai do você

Texto 3
OI! Mas
saudade c vc
quer paquerar p
me vai
namorada
quando marca
o dia! Bjs..

Texto 4
Oi professor, você ter
Número telefone
cas; mandar
eu.

Texto 5
Marinheiro quando
viaja, deixa no mar
uma esperança, eu no
seu caderno, deixo
o meu nome do
lembrança.

Procede-se a análise a partir dos estágios de interlíngua. Verifica-se que o estudante do Texto (1) não apresenta propriamente a interferência da Língua de Sinais em seu texto, portanto não estaria no estágio I (em que a estrutura das frases teria semelhança com a gramática da Língua de sinais e poucas características com a da Língua Portuguesa). O que o aluno apresenta são saberes sobre a grafia das letras e que estas juntas constituem palavras, mas esses agrupamentos de letras não constituem lexemas da Língua Portuguesa (com exceção da palavra Marilene). É um aluno que desconhece as combinações possíveis de serem feitas para formar o léxico da Língua Portuguesa.
No seu texto, o aluno parece não ter conhecimento vocabular e sintático da Língua Portuguesa, e mais, de pontuação e de progressão seqüencial do texto, o que inviabiliza a sua leitura por outra pessoa. Não se trata de vocábulos de uma língua estrangeira a ser decodificada por um possível leitor, mas de combinação aleatória de letras conformando algo que não existe em nenhuma língua.
O aluno desse exemplo tem 16 anos e cursa a 6ª série de uma escola publica de Belém.  Ao ser perguntado o que significava cada palavra, o aluno utilizando-se dos sinais que conhecia disse o que está transcrito no texto. Demonstra conhecer as letras do alfabeto, ter um conceito intuitivo de palavra, haja vista deixar espaço em branco entre elas. Ele saber que se escreve com letras e não com outros tipos de símbolos gráficos. É um exímio copista e com certa destreza chegou a sexta série do ensino fundamental. No entanto, praticamente desconhece a relação entre fala e escrita, isto fica demonstrado com os diversos vocábulos que usa em LIBRAS para uma mesma palavra em Português (dozos é traduzido como IGUAL HOMEM PEQUENO; zontzsso é traduzido como PEQUENO; e, deztão como HOMEM-MULHER PEQUENO); uma palavra escrita é traduzida por mais de um sinal (nafão = HOMEM MÃE, atmo = MULHER IGUAL); escreveu só uma palavra inteligível na língua portuguesa (Marilene), embora não soube identificá-la (MULHER GORDA LONGE). A repetição de sinais e a não concatenação de idéias demonstram pouco conhecimento em LIBRAS para traduzir o que escreveu.
Pode-se agrupar o texto (2) no estágio I, estágio em que pode ser observada grande interferência da Língua de Sinais. Predominam frases telegráficas nessa escrita, com alterações de assuntos: “você que tudo corvesa” para uma possível retextualização com a algo como “você quer conversar?” e “está telefone” por “este é o telefone”. Em que faltam elos coesivos, a flexão dos verbos está incorreta, falta artigo e há o emprego inadequado da conjunção. Poderia-se admitir que em Língua de Sinais se diz: VOCÊ QUERER CONVERSAR? QUERER OU NÃO QUERER? E esta construção foi transferida, de forma imperfeita para a escrita, daí a hipótese de escrita do informante.
Mas, em todo caso é possível recuperar a ordenação das idéias a fim de que a mensagem seja compreendida neste texto e considerá-lo como em um processo inicial de aquisição da estrutura da Língua Portuguesa.
O texto (3) poderia estar em um estágio intermediário em que aparecem ora característica da Língua de Sinais, ora características da Língua escrita. As frases parecem justapostas, faltando elos coesivos, como visto nas frases “vc quer paquerar p me vai namorada quando marca o dia!” em que aparece toda uma sentença intermediária entre a primeira pergunta e a segunda. Há o uso de pronomes oblíquo, embora de forma inadequada; do artigo e de formas verbais, adequadas em “quer paquerar” e “marca o dia”, mas inadequada em “me vai namorada”; faz concordância sintática e quase consegue construções frasais completas (vc quer paquerar... quando marca o dia!).
Segundo Quadro & Schimiedt (2006, p. 38) “Parece já haver consciência por parte da criança para o uso adequado dos mesmos [artigos, preposições e outros termos gramaticais]. A criança parece estar tentando usar os elementos gramaticais do português”.
O aluno entende o gênero torpedo, tanto é que conhece a linguagem usada, as reduções das palavras (p, vc, Bjs). A mensagem possui uma saudação inicial, uma pergunta (se ele quer paquerar), um pedido para que marquem o dia do possível encontro e uma despedida (Bjs). Portanto, apesar de problemas de incompletude de frases, uso incorreto de preposição (‘c’ no lugar da preposição ‘de’, ‘p’ no lugar de ‘comigo’), indica que o produtor deste texto tem saberes da língua portuguesa, compondo um texto com coerência.
O texto (4) estaria também em um estágio intermediário entre a Língua Portuguesa e a Língua de Sinais, mas com características sintéticas do gênero torpedo. Os verbos ter e mandar estão no infinitivo, o que poderia ser marca da Língua de Sinais, mas a estrutura já está mais próxima da, Língua Portuguesa. É possível considerar também que neste texto o aluno reproduziu fielmente o texto utilizado em SignWriting, e daí confirma que ocorreu uma transferência literal na tradução deste para a escrita do Português.
Nesse texto, o aluno transfere a mensagem feita em língua de sinais para o português, com uma alteração – no lugar de Ana, coloca o nome ‘professor’, demonstrando que entendeu o que era para ser feito, mandar uma mensagem ao professor da sala, sem recriar o que poderia ser dito.
No texto (5), por não ser um texto autêntico da informante, não caberia dizer em que estágio se encontra, mas é possível identificar uma pequena interferência na frase “o meu nome do lembrança”, com o uso incorreto da preposição + artigo “do”, que pode ter relação com o fato deste informante não ser falante nativo da Língua Portuguesa.
Nesse texto se observa que a aluna, utilizando-se de uma prática usual, copiou do caderno um poema para satisfazer o pedido do professor. Reflete uma constatação, em classe os surdos são exímios copistas. Nesta produção a aluna parece não ter entendido que era para perguntar ou solicitar algo do professor e não simplesmente mandar uma mensagem já pronta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nessas descrições e com os estudos recentes nas áreas da lingüística e da pedagogia se pode concluir que um texto escrito requer a transposição de todos os mecanismos e esquemas da fala para a forma escrita. Se eles não existirem no surdo, não há o que transpor e, portanto, o surdo, no processo de aquisição da escrita, partirá do pouco conhecimento que tem, como demonstrado no texto (1) do primeiro informante, diferentemente do que acontece com os ouvintes.
Constata-se que a proximidade entre Língua de Sinais e Língua Portuguesa na vida diária dos alunos surdos é fator relevante para transferências e interferências lingüísticas. No caso do surdo, ocorre um esforço para que superem dificuldades na escrita, e essas dificuldades parecem ser decorrentes do fato de não serem fluentes, devido não terem a audição funcional para a aprendizagem da Língua Portuguesa, de maneira tão natural quanto é com a maioria dos ouvintes.
E, conforme foi experimentado na aula, se fosse amplamente divulgado o SignWriting, os surdos poderiam ser letrados na própria língua de sinais e isso, segundo Quadros e Schmiedt (2006, p. 33) “ favoreceria, provavelmente, a escrita do português”.
Talvez se fosse implementada uma leitura do português por meio da língua de sinais (para um surdo que já decodifique e compreenda o significado das palavras nessa língua), essa tradução surtiria mais efeito para acessar o sentido, do que a mera pronunciação das palavras no português, como geralmente se faz em sala de aula, na prática de ensino.
E, já que a escrita tem semelhante mistura de línguas que possa ocorrer na leitura, pode ocorre que o surdo vai tentar escrever como fala. Quanto mais o surdo adquirir a estrutura e o vocabulário da Língua Portuguesa, melhor será seu texto (sendo até uma tautologia).
Não é possível fazer generalizações apressadas de caracterização identitária da pessoa surda, com base na produção escrita e no processo de simbolização nesta expressa, mas é possível dizer o que sabem de Língua de Sinais e que estratégias discursivas utilizam para se protegerem, na escola e na vida cotidiana, da necessidade de ter saberes da escrita da Língua Portuguesa.
O contato do surdo, na mais tenra idade, com uma língua de sinais, no caso do Brasil com a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, pode suprir possíveis dificuldades e trazer mais benefícios: pode propiciar a aquisição de uma língua oral, especialmente na sua modalidade escrita. No entanto, o contato do surdo apenas com a língua oral, proibindo ou restringindo o uso de sinais, pode também contribuir para um atraso ou possíveis dificuldades em relação a sua comunicação, uma vez que a língua oral pode não ser sua língua materna.
Por conseguinte, a forma com características relativamente semelhantes de escrever, o que se convencionou chamar de interlíngua, deveria ser considerada nas avaliações de professores de todas as disciplinas. Isto pode ser uma forma de ação afirmativa, o reconhecimento e a consideração dessa forma de escrever peculiar. Isso porque, não se pode mais admitir uma situação de reprovação e de exclusão que por apresentarem características distintas, historicamente, foram considerados como incapazes e até sem linguagem nas escolas, repetindo por anos a fio as mesmas séries iniciais do ensino fundamental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BROCHADO, S. M. D. A. A apropriação da escrita por crianças surdas usuárias da Língua de Sinais Brasileira. Tese de Doutorado. Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho. São Paulo: UNESP, 2003.
CENTRO EDUCACIONAL CULTURA SURDA. SignWriting. Disponível em <http://www.culturasurda.com.br/sw.html> acesso em 7/08/2007.
CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004.
QUADROS, R. M. & SCHMIEDT, M. L. P. Idéias para ensinar português para surdos. Brasília: MEC - SEESP, 2006.
STEWART William. Sociolinguistic Typology for describing national multilimgualism. In Fishman J. A. (ed) Readings in the Sociology of Language. The Hague, Monton, 1966, pp. 531-545.
TARDIF & LESSART, O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.