http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/178.htm |
|
Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
A CONSTRUÇÃO DE PROCEDIMENTOS DE INTERVENÇÃO PARA A
ATUAÇÃO NO ENSINO INCLUSIVO A PARTIR DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
Marileide A. de Oliveira
Universidade Estadual Paulista, Depto de Psicologia – Unesp/Bauru
Lúcia P. Leite
Universidade Estadual Paulista, Depto de Psicologia – Unesp/Bauru
Sandra Eli S.de O. Martins
Universidade Estadual Paulista, Depto de Educação Especial – Unesp/Marília
Apoio: Núcleo de Ensino – Prograd/Unesp
As políticas que atualmente são elaboradas em diversos países com o objetivo de garantir à
pessoa com deficiência o acesso a recursos e serviços disponíveis na sociedade remontam um
histórico de atendimento às pessoas com necessidades especiais ao longo do tempo. De
acordo com Aranha (2002), existem três momentos que marcam a inserção social dos
indivíduos com deficiência. O primeiro, denominado Paradigma da Institucionalização, marcou
a alocação dessas pessoas em instituições. Assim, durante a primeira metade do século XX,
sob a idéia de que as pessoas com deficiência deveriam ser retiradas do convívio social,
foram criadas instituições asilares e escolas especiais, as quais cumpriam a função de
resguardar essas pessoas de modo a garantir o bom funcionamento da sociedade, uma vez
que tais indivíduos eram considerados como um ônus para a família, para a Saúde Pública e
para a comunidade em geral. O avanço das ciências naturais contribuiu para que as causas
relacionadas à deficiência passassem a ser procuradas através do estabelecimento de relações
entre manifestações sintomatológicas e lesões orgânicas (Kassar, 2000). Nesse contexto
então, institui-se o segundo paradigma, denominado “Paradigma dos Serviços”; tendo como
base o conceito de normatização, o mesmo presumia a existência de uma “condição normal”,
representada estatisticamente, e uma “condição de desvio”, representada por pequenos
percentuais de pessoas. Uma mudança profunda então ocorreu em virtude de movimentos
sociais emergentes em diversas partes do mundo, os quais advogavam a construção de uma
sociedade inclusiva, pautada no acesso de todas as pessoas, deficientes ou não, aos recursos,
serviços, equipamentos e processos disponíveis no meio social. Essa transformação incidiu
sobre o terceiro paradigma, denominado “Paradigma dos Suportes”, caracterizado pelo
pressuposto de que a pessoa com deficiência tem direito ao convívio social de forma não
segregada. Esse movimento refere-se não apenas aos indivíduos com necessidades especiais,
mas a todos os grupos minoritários excluídos das relações sociais (Claser, 2001). Pressupõe,
ainda, o reconhecimento das diferenças culturais, sociais, individuais, econômicas, políticas,
religiosas, étnicas, etc. e, conseqüentemente, tem diferentes desdobramentos para a sociedade
em geral. No âmbito educacional, esse conceito passou a ser difundido a partir da Declaração
de Salamanca, assembléia ocorrida na Espanha em junho de 1994, com representantes de 88
governos e 25 organizações internacionais e que instituiu uma proposta de "Educação para
Todos” (Declaração de Salamanca, 1994). Essa assembléia ganhou repercussão mundial e
passou a influenciar políticas na área da Educação Especial em todo o mundo, inclusive no
Brasil, quando se torna consignatário a essa proposta. Fundamentalmente, o paradigma da
inclusão educacional pressupõe uma mudança na compreensão das respostas educativas, isto
é, as diferenças pessoais passam a fazer parte da relação de ensino e aprendizagem, pois até
então permeava no contexto escolar uma concepção de ensino homogêneo, segundo a qual
os alunos deveriam adaptar-se para que se pudessem beneficiar da proposta educacional. A
educação inclusiva, por sua vez, propõe essencialmente o inverso, ou seja, o ensino deve
considerar as diferenças individuais e conseqüentemente prover condições diferenciadas para
que todo e qualquer aluno aprenda (Leite, 2004). Porém, embora esta se constitua atualmente
como diretiva fundamental de propostas no âmbito educacional, ressalta-se a existência de
poucas pesquisas aplicadas na área, dentre as quais se destacam os estudos de Tonini (2001)
e o de Masini (2004). A primeira uma pesquisa com o objetivo de averiguar de que modo os
professores de educação especial estavam-se estruturando na sala de recursos para atender o
processo de inclusão, bem como a aceitação e expectativa dos mesmos em relação a este. A
coleta de dados compreendeu a aplicação de entrevistas semi-estruturadas com três
professoras, além de observações participativas. Como principais resultados, constatou-se
que os educadores especiais são peças-chave na implementação do ensino inclusivo, porém
existem dificuldades quanto à falta de preparo no atendimento à essa demanda, sendo
necessários programas de orientação e/ou formação continuada, trabalhos mais efetivos com
os professores do ensino comum e orientação aos pais. Já o segundo trabalho teve como
finalidade realizar uma experiência planejada e organizada de inclusão escolar com uma
população de alunos com deficiência visual. O procedimento de coleta contou com formação
de equipes, levantamento de necessidades, discussão e elaboração de propostas, entrevistas,
vivências, reuniões, registros e observações. Algumas das possibilidades apontadas pela
autora como resultados do trabalho foram a existência de discussões sobre as dificuldades
encontradas na implementação do ensino inclusivo e a participação de toda a equipe escolar
e, como limitações do estudo a autora destaca a falta de recursos materiais e, além disso, o
despreparo dos profissionais da escola. A existência de poucos estudos aplicados na área,
portanto, remete a uma questão fundamental, a qual diz respeito à ausência de um construto
teórico e metodológico que consistentemente auxilie na compreensão do fenômeno
investigado e que, além disso, norteie investigações cujo objetivo consista em instrumentalizar
à comunidade escolar na construção e aplicação de procedimentos para viabilizar a educação
inclusiva nas redes de ensino. Nesse sentido, entende-se que a psicologia sócio-histórica pode
fornecer um importante subsídio na construção do ensino inclusivo ao argumentar que o
processo educacional é peça-chave para garantir o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores (Mello, 2003). Isso implica considerar as relações de ensino e de aprendizagem
como um fenômeno bidirecional composto por dois personagens fundamentais – o professor e
o aluno – pois disso decorre a noção de interatividade na construção do conhecimento, a qual
supõe que não só o professor diz ao aluno o que ele deve aprender, mas este também
contribui com o educador na organização de ações no favorecimento da aprendizagem
acadêmica (Tempesta, 1999). Além disso, uma leitura sócio-histórica permite compreender a
reflexão como elemento importante para que o professor promova mudanças de atitude e
novos posicionamentos do processo de ensino e de aprendizagem (Leite, 2003). O presente
trabalho então teve por objetivo realizar uma proposta interventiva para auxiliar a equipe de
uma escola na implementação do ensino inclusivo, tomando como construto teórico a
abordagem sócio-histórica em Psicologia. Ressalta-se que a dificuldade dessa unidade escolar
centrava-se na operacionalização de atendimento educacional a um aluno de 4ª. Série, que
tinha como suspeita diagnóstica de Transtorno de Personalidade Sociopática e que
apresentava atitudes inadequadas em sala de aula e dificuldade de relacionamento interpessoal
com os demais alunos na classe, por já estar estigmatizado na escola . Participaram da
pesquisa a professora da 4ª série do ensino comum, a diretora e a vice-diretora que atuavam
na unidade escolar desse aluno, situada em município do oeste paulista. A coleta de dados
ocorreu durante os meses de março a julho de 2007 e o procedimento foi realizado em quatro
etapas. Primeiramente, foi estabelecido contato com a escola, através da indicação e
autorização da Diretoria de Ensino do município.
Num segundo momento, foram aplicadas entrevistas semi-estruturadas junto à equipe escolar,
além de observações no contexto educacional, afim de levantar dados acerca dos seguintes
itens:
1) participação da família no processo educativo; 2) relação professor-aluno; 3) relação entre
o professor e os gestores da escola; 4) aspectos que facilitam e/ou que dificultavam a
implementação do ensino inclusivo, ou seja, de uma proposta educacional que aceite e atenda
à diferença naquela realidade. Durante a terceira etapa, as informações foram categorizadas e
recorreu-se à elaboração do programa de intervenção a partir das necessidades identificadas
pela equipe escolar. A última fase consistiu da implementação da proposta interventiva, a qual
consistiu na realização de encontros reflexivos, tomando como base os pressupostos do
ensino inclusivo. Estes foram realizados em três níveis: 1) encontros mensais com a equipe
escolar, com o objetivo de orientar na construção de estratégias para a resolução de
problemas; 2) um encontro com os pais de todos os alunos da 4ª. Série para relatar sobre a
inclusão educacional e o respeito a diferenças 3) encontros e acompanhamentos semanais em
sala com a professora da 4ª série, para orientação na atuação junto a alunos com problemas
de comportamento. Como resultado, pode-se dizer que o programa adotado, em particular
os encontros reflexivos, contribuiu com a implementação do ensino inclusivo na realidade
investigada. As reuniões com a equipe escolar permitiram o repensar diante das estratégias até
então utilizadas para a resolução de problemas, favorecendo o movimento dialógico e o
trabalho conjunto diante das dificuldades existentes no cotidiano escolar. O encontro com os
pais, por sua vez, além de informativo sobre o movimento da inclusão educacional revelou-se
uma oportunidade da manifestação de angústias e expectativas dos mesmos na condução do
processo educacional dos filhos. Fato que raramente ocorria até então nas reuniões de pais
dessa escola, pois essas ocasiões se concentravam em informes administrativos e relatos
sobre as atividades desenvolvidas no âmbito escolar. Por fim, as reuniões e o
acompanhamento junto à professora da 4ª série propiciou um refletir conjunto, pesquisadora e
professora, sobre as práticas pedagógicas e interações sociais adotadas em sala de aula com
o aluno investigado e com s demais. Isso permitiu uma releitura da hipótese diagnóstica do
aluno, adotada pela escola, desvinculando-se de uma concepção organicista de problemas de
comportamento, isto é, atrelado ao indivíduo, para compreendê-la também a partir do
contexto sociais, no caso de ensino, porém a intervenção mostrou-se insuficiente para que ela
conduzisse modificações em relação à sua prática pedagógica, uma vez que esta foi conduzida
com um caráter reflexivo. Mesmo assim pode-se dizer que a proposta interventiva adotada
por esse estudo foi, de maneira geral, efetiva em atingir os objetivos propostos. Como
limitações, podem-se apontar o período relativamente curto de intervenção de quatro meses e
a característica do estudo, o qual contemplou uma pequena parcela da escola. Os dados
encontrados nesta investigação corroboram com os achados de Leite (2003) a respeito da
contribuição do processo reflexivo como um agente catalisador na promoção de mudanças de
atitudes e posicionamentos diante do processo educativo, fato considerado por Mantoan
(2001) como elemento fundamental na construção do ensino inclusivo. Neste estudo, a
realização de um trabalho em conjunto conduzido pela equipe escolar mostrou-se favorável à
resolução das dificuldades encontradas no espaço investigado, aspecto que condiz com o que
é relatado por Stainback e Stainback (1999), segundo os quais a atuação em equipe permite
planejar e executar programas ou estratégias educacionais com o objetivo de promover as
condições necessárias para a aprendizagem, no contexto da escola inclusiva. Eles ainda
destacam a participação de outras esferas do sistema educacional, dentre estes as famílias, na
provisão de suportes complementares a esse processo. Como mostraram os dados,
encontros com os pais não só parece ser uma importante ferramenta de aproximação entre
família e escola, mas também pode contribuir com a construção de um diálogo colaborativo
em favor do processo educacional dos alunos. Esta pesquisa vem corroborar com outros
estudos (Kassar, 2006; Leite, 2005; Padilha, 2006) mostrando que os professores ainda
tendem a adotar uma concepção vinculada a um modelo organicista de problemas de
comportamento, porém a proposta de intervenção foi efetiva em favorecer mudanças em
relação à concepção da professora frente a essa problemática. Na perspectiva de inclusão,
considera-se importante o olhar para a diversidade e isto significa que o ensino deve
considerar as diferenças individuais e conseqüentemente prover condições diferenciadas para
que todo e qualquer aluno aprenda (Leite, 2004), ao contrário do que ocorre em uma
concepção de ensino homogêneo, para a qual os alunos devem-se adaptar para ter acesso à
proposta educacional. Embora o programa de intervenção tenha favorecido o surgimento de
um novo olhar para as particularidades de cada aluno, este se mostrou ineficaz na promoção
de mudanças na prática da professora em questão. Nesse sentido, torna-se importante o
repensar acerca da a atuação pedagógica do professor dentro desse novo paradigma, uma
vez que, de acordo com Melli (2001), a inclusão necessita de professores especializados em
todos os alunos e, como resultado disso, eles têm de voltar a estudar e pesquisar para atuar
na diversidade. Por fim, este trabalho destaca a contribuição da psicologia sócio-histórica no
suporte teórico-metodológico à implementação do ensino inclusivo, uma vez que a proposta
de intervenção através de encontros reflexivos permitiu auxiliar a equipe escolar na condução
dessa proposta educacional. Ademais, pode-se dizer que para a psicologia sócio-histórica, a
apropriação dos bens da cultura é fundamental para o desenvolvimento humano e, portanto,
está em consonância com a perspectiva de inclusão educacional, na medida em que esta
advoga que todos os indivíduos têm direito ao acesso ao saber sistematizado e aos demais
bens materiais e não materiais produzidos nas relações sociais.
Referências bibliográficas
ARANHA, M.S.F. A sociedade brasileira, a pessoa que apresenta necessidades
especiais, a acessibilidade e a construção de uma sociedade inclusiva. Boletins, 2002.
Disponível em: www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/feei/tetxt1.htm. Acesso em:
13/03/2006.
CLASER, E.A. Projeto de educação inclusiva (Pr): propostas para a educação na
diversidade. 2001. 146f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Programa
de pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis: 2001.
DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Conferência realizada em 10 de junho de 1994.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/Salamanca.pdf. Acesso em
10/04/2006.
KASSAR, M.C.M. Conhecimento – Direito ao conhecimento e modos de conhecer: novas
condições. III Conferência de Pesquisa Sócio-cultural. Campinas: SP (julho,2000).
Disponível em: www.fae.unicamp.br/br2000/conh9.htm - 13k. Acesso em:
09/03/2006.
KASSAR, M.C.M. Práticas pedagógicas e o acesso ao conhecimento: análises iniciais. IN Inclusão e
Acessibilidade. MANZINI, E.J. Marília: ABPEE, 2006.
LEITE, L.P. & ARANHA, M.S.F. Intervenção reflexiva: instrumento de formação continuada do educador
especial. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Mai-Ago 2005, v.21, n.2, pp. 207-215.
LEITE, L.P. Educador especial: reflexões e críticas sobre sua prática pedagógica. Revista
Brasileira de Educação Especial, Unesp-Marília, v. 10, n.2, p. 131-142, 2004. ISBN:
14126538.
LEITE, L.P. A intervenção reflexiva como instrumento de formação continuada do
educador: um estudo em classe especial. 2003. 212f. (Tese de Doutorado) Faculdade de
Filosofia e Ciências. Universidade Estadual Paulista. Marília, 2003.
MANTOAN, M.T.E. O Direito de Ser, sendo diferente, na escola. Em Omote, S. (2004)
Inclusão: intenção e realidade. Marília/SP: Fundepe. pp.113-143.
MASINI, E.A.F.S. Uma experiência de inclusão – providências, viabilização e resultados.
Educar em Revista. N. 23, p. 29-43. Editora UFPR: Curitiba, 2004. Disponível em:
http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/educar/search/titles. Acesso em 26/05/2007.
MELLI, R. Verdadeira e simplesmente uma questão de vontade. Em: MANTOAN, M.T.E
(Org.) Caminhos pedagógicos da inclusão: como estamos implementando a educação
(de qualidade) para todos nas escolas brasileiras. São Paulo: Memnon, 2001. Cap. 2.
MELLO, S.A. A Escola de Vygotsky. Em: CARRARA, K. (Org.) Introdução à psicologia
da educação: seis abordagens. São Paulo: Editora Avercamp. Cap. 5. 2003.
PADILHA, A.M.L. Práticas pedagógicas na educação especial: a capacidade de significar o mundo e a
inserção cultural do deficiente mental. Campinas: Autores Associados. 2006.
STAINBACK, S. & STAINBACK, W. Inclusão: um guia para educadores. Porto Alegre:
Artmed, 1999. Cap. 1.
TEMPESTA, M. C. S. A participação do aluno na constituição do conhecimento do
adulto-professor: as relações intersubjetivas no contexto educacional. (Dissertação de
Mestrado) Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1999.
TONINI, A. Profissionais da Educação Especial e o Processo de Inclusão. Cadernos de
Educação. [online]. n. 18, 2001. Disponível em:
http://www.ufsm.br/ce/revista/ceesp/2001/02/a4.htm. Acesso em: 15/03/2006.