http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/188.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
DA ORALIDADE À ESCRITA: TRABALHANDO A PRODUÇÃO TEXTUAL COM
ALUNOS QUE APRESENTAM DEFICIÊNCIA VISUAL
Profª Dda Katiene Symone de Brito Pessoa da Silva (IERC - RN / PPGED-UFRN)1
Profª Ms Amélia Cristina Reis e Silva (IERC – RN / CEFET-RN)2
1 katienesy@yahoo.com.br
2 amelia@cefetrn.br
RESUMO
Partindo do pressuposto que, a deficiência visual, por si só, não impossibilita a pessoa de se
apropriar do código escrito e falado, foi que desenvolvemos um projeto de leitura e escrita com
alunos que apresentam deficiência visual, da 2ª e 3ª séries do Instituto de Educação e Reabilitação
de Cegos do RN (IERC/RN), durante o ano de 2005. Buscamos trabalhar em uma perspectiva
interdisciplinar, procurando atender às necessidades dos alunos, através de uma proposta de
trabalho que respeitasse o ritmo de aprendizagem de cada um. Durante o processo, os alunos
realizaram produções textuais as quais foram sendo reescritas, com o intuito de fazer com que os
mesmos melhor se apropriassem da leitura e da escrita. Depois de compilados os textos, os alunos
ilustrá-los, com o propósito de torná-los mais significativos para os leitores. Ao final do período
letivo os textos foram organizados em forma de livro. Evidenciamos que, ao final desse trabalho, os
alunos apresentaram certa autonomia no exercício da escrita e desenvolveram o gosto pela leitura.
APRESENTAÇÃO
Ao longo da história da humanidade percebemos que existem diferentes maneiras de perceber e
atuar frente às pessoas consideradas divergentes dos padrões de normalidade, a exemplo das
pessoas com necessidades especiais. A história das pessoas que apresentam deficiência visual ao
longo do tempo é semelhante a de todos os outros tipos de deficiências. Os conceitos foram
mudando, gradativamente, de acordo com as crenças, os valores culturais, as concepções e as
transformações sociais que ocorreram nos diferentes momentos históricos.
Durante a Antiguidade todas as pessoas que apresentavam algum tipo de deficiência, fossem física,
mental e/ou sensorial, eram tidas como aleijadas, mal constituídas, débeis, anormais, deformadas.
Por isso, tais pessoas eram abandonadas ou banidas da sociedade, como forma de poupar os
outros indivíduos desse convívio. Nesse período, a visão predominante, enfocava a deficiência
como algo danoso à sociedade e, por isso, as pessoas que a apresentavam, deveriam ser
sacrificadas a fim de não perpetuar sua espécie defeituosa (PESSOTTI, 1984). Vale ressaltar que
as antigas concepções acerca da deficiência perpassam todos os momentos históricos, se fazendo
presentes até os dias atuais, mesmo que sejam em menor intensidade.
Com a evolução das ciências, as concepções frente às pessoas com deficiência, aos poucos, deixa
de ser vista como doença e passa a ser considerada como uma condição, isto é, como uma
característica que determinados indivíduos possuem e para a qual são necessárias intervenções
médicas, psicológicas, educacionais e sociais, de caráter específico, que viessem favorecer seu
desenvolvimento e ajudá-los a conseguir um ajustamento satisfatório na sociedade (AMIRALIAN,
1986).
Nesse sentido, começaram também a surgir, em todo mundo, instituições especializadas que tinham
como intuito atender as pessoas com deficiência. No princípio, estas instituições tinham caráter
filantrópico, sendo grande parte de ordem religiosa, ofertando educação a essas pessoas. No
entanto, seu principal objetivo era o assistencialismo (SASSAKI, 1997).
Em relação às pessoas cegas, a preocupação com a educação surgiu no século XVI, com o médico
italiano, Girolínea Cardono, que buscou possibilitar o acesso da leitura e da escrita, pelos cegos,
através do tato. Nesse mesmo período começaram a aparecer os primeiros livros que tratavam da
educação dessas pessoas. A partir da difusão dessas idéias surge em Paris, em 1784, a primeira
escola para cegos, denominada Instituto Real dos Jovens Cegos, criada por Valentin Haüy. Nesta
escola, o seu criador inicia o uso do sistema do seu invento: um sistema de leitura em alto relevo
com letras em caracteres comuns.
No entanto, é somente no século XIX, que aparece um novo sistema em relevo para leitura e escrita
por parte dos deficientes visuais, desenvolvido por Louis Braille. Tal sistema é o que se conhece por
Sistema Braille3. É a partir da socialização desse sistema que o processo de ensino-aprendizagem
das pessoas cegas é difundido, proporcionando uma participação social e educativa mais efetiva
(BRASIL, 1997).
AS INSTITUIÇÕES NO BRASIL
No Brasil, a primeira instituição que teve como objetivo promover a educação de pessoas cegas foi
criada por Dom Pedro II em 1854, através do Decreto Imperial nº 1.428, de 12 de setembro de
1854, tendo sido inaugurado, solenemente, no dia 17 de setembro do mesmo ano, na presença do
Imperador, da Imperatriz e de todo o Ministério, com o nome de Imperial Instituto dos Meninos
Cegos. Este foi o primeiro passo concreto no Brasil para garantir ao cego o direito à cidadania.
Com o aumento da demanda foi idealizado e construído o prédio atual, que passou a ser utilizado a
partir de 1890, após a 1ª etapa da construção. Em 1891, o instituto recebeu o nome que tem hoje:
Instituto Benjamin Constant (IBC), em homenagem ao seu terceiro diretor Benjamin Constant
Botelho de Magalhães. Fechado em 1937 para a conclusão da 2ª e última etapa do prédio, o IBC
reabriu em 1944. Em setembro de 1945 criou seu curso ginasial, que veio a ser equiparado ao do
Colégio Pedro II em junho de 1946 (MAZZOTTA, 1982). Desse modo, foi proporcionando, as
pessoas com deficiência visual, o seu ingresso nas escolas secundárias e nas universidades. A
exemplo dessa instituição, outras foram sendo criadas em diversos estados do país, sendo o IBC a
única instituição federal de ensino para deficientes visuais.
Seguindo esse caminho, a educação para cegos no estado do Rio Grande do Norte teve início no
ano de 1952, com a criação do Instituto de Proteção aos Cegos, Surdos e Mudos do Rio Grande
do Norte, situado a Rua São Pedro, nº 93, no bairro das Rocas, em Natal. Atualmente, esta mesma
instituição é denominada Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do Rio Grande do Norte
(IERC/RN), e se propõe a reabilitar e educar pessoas com deficiência visual sejam elas cegas ou
com baixa visão e surdocegas.
3 A escrita Braille é um sistema de 6 pontos em relevo, colocados verticalmente no espaço em duas colunas de 3
pontos. Os seis pontos formam 63 combinações diferentes, as quais representam as letras do alfabeto, as vogais
acentuadas, os sinais de pontuação, os numerais, os símbolos matemáticos, químicos e as notas musicais.
O PROCESSO DE REABILITAÇÃO
A reabilitação para o deficiente visual é de vital importância para o seu crescimento, uma vez que
abre caminhos e possibilidades para a sua interação social e desenvolvimento educacional e
profissional. Dentre as atividades oferecidas pelo IERC/RN para o processo de reabilitação,
podemos destacar a estimulação essencial que tem seus objetivos voltados para a formação
humana, a construção de vínculos afetivos, a formação da identidade pessoal e social, a construção
do conhecimento e a participação na vida cultural da sociedade. A estimulação essencial é
importante não apenas para minimizar as dificuldades da criança cega, mas também para apoiar a
família e a escola que precisam de ajuda para compreenderem as especificidades de
desenvolvimento e aprendizagem conseqüentes da deficiência visual. Assim, quanto mais
precocemente é iniciada a estimulação essencial, menores serão as defasagens no processo ensino-aprendizagem e melhores serão os resultados de desenvolvimento das habilidades e competências
da pessoa com deficiência visual e as surdocegas.
Sabemos que o processo de aprendizagem de uma pessoa com deficiência visual requer
procedimentos e recursos específicos para que seu desenvolvimento global se realize, fazendo-se
imprescindível que sejam oferecidas diversas oportunidades de experiências e habilidades.
Necessário se faz proporcionar às crianças cegas ou com baixa visão a sua relação com o meio, a
fim de possibilitar vivências diversificadas da mesma forma que acontece com as crianças videntes.
Estas, desde cedo aprendem a lidar com as mais diversas situações, observando o ambiente ao seu
redor e relacionando-se com as demais pessoas.
Uma das formas para que isso aconteça pode ser oferecida através da reabilitação com um
programa de Atividades da Vida Diária (AVD) que vai muito além das necessidades pessoais
básicas, como higiene, alimentação, hábitos à mesa e etiqueta, cuidados com a casa e atividades
sociais. Essa atividade denota, também, o desenvolvimento da autoconfiança e valorização das
próprias capacidades, podendo agir com naturalidade e eficiência no universo social. Ao adotar esta
postura de dignidade e autonomia, a pessoa com deficiência visual contribui para conscientização da
sociedade em relação à sua potencialidade.
A EDUCAÇÃO
No tocante a educação do aluno que apresenta deficiência visual, esta deve ser percebida como um
processo multifacetado, levando em consideração as necessidades específicas desse educando.
Dessa forma, isso se configura em um desafio para os profissionais que atuam nessa área,
procurando estimular, orientar e conduzir para a autonomia do aluno dando a oportunidade de
forma que favoreça o seu crescimento integral.
Antes de aprender como se lê e se escreve a criança tem acesso a uma série de informações que
comumente são apreendidas através das imagens, que estão presentes no cotidiano de cada uma.
Como por exemplo, rótulos, propagandas, imagens de tv, revistas, livros, jornais. Esse universo
imagético é mais facilmente assimilado pelas crianças videntes, ainda que de forma assistemática.
Entretanto, o mesmo não ocorre com as que apresentam deficiência visual, mais especificamente
aquelas com cegueira, em virtude da leitura visual não lhe ser possível, e do sistema Braille não ser
amplamente utilizado pela sociedade.
Ao chegar à escola a criança traz consigo uma gama de saberes. No entanto, essa diversidade de
conhecimento foi se acumulando sem um direcionamento efetivamente educacional. Nesse caso, a
aprendizagem se dar de forma empírica, sem ocorrer a sistematização desses conteúdos. Diante
disso, é necessário que o educador encontre na criança suas potencialidades, respeite suas
limitações e lhe propicie a vivência de novas experiências, incluindo a criança no processo
educativo.
Sendo assim, é na fase escolar que o professor deve procurar enfatizar o desenvolvimento de um
conjunto de habilidades que são fundamentais para o processo de leitura e escrita, quer seja no
sistema Braille, quer seja na escrita ampliada, nos casos dos alunos que apresentam deficiência
visual. Como qualquer outro aluno, o deficiente visual interpreta e reinterpreta, cria e recria a
realidade que o rodeia, desde que sejam dadas as devidas condições.
ALGUNS DADOS DA PESQUISA
Partindo do pressuposto de que a deficiência visual, por si só, não impossibilita a pessoa de se
apropriar do código escrito e falado, foi que desenvolvemos um projeto de leitura e escrita com
alunos que apresentam deficiência visual – cegos e com baixa visão – e surdocegueira da 2ª e 3ª
séries do IERC/RN, no período letivo de 2005.
Inicialmente, essa proposta foi organizada pela professora da turma, como forma de sistematizar as
atividades de Língua Portuguesa, objetivando possibilitar aos alunos um maior desenvolvimento e
apropriação do processo de leitura e escrita. Com o decorrer das aulas, essas atividades foram
ganhando outras proporções, o que levou a professora a socializar a experiência e buscar apoio e
recursos para ampliação do projeto que passou a ter como meta final a publicação de um livro com
alguns dos textos produzidos pelos alunos. A idéia de se confeccionar um livro com as histórias dos
alunos surgiu em virtude da escassez de material destinado às pessoas que apresentam deficiência
visual, principalmente em se tratando da escrita ampliada e da escrita Braille simultaneamente.
Dessa forma, essa prática se fundamentou nos estudos que vínhamos realizando acerca da pesquisa
colaborativa, que de acordo com Desgagné (1998), pesquisar colaborativamente supõe a
contribuição de professores no processo de investigação de um objeto de pesquisa, bem como, a
criação de relações que incluem interesses pessoais e sociais comuns entre os envolvidos,
compondo dessa forma, uma teia de conexões interpessoais. A esse respeito Vygotsky (2000, apud
MAGALHÃES, 2003) afirma que os professores ao “[...] interagirem de forma colaborativa, fazem
negociações, compartilham materiais, produtos, observações, conhecimento anterior, desenvolvem
uma construção conjunta do conhecimento”.
Assim, essa experiência foi compartilhada com mais duas professoras da instituição que passaram a
colaborar no projeto, nas escolhas das atividades motivadoras, nos momentos de seleção dos
textos, escolha do material para impressão do livro, digitação, entre outras atividades.
A nossa ação envolveu um universo constituído por uma turma de 9 (nove) alunos, sendo que deste
universo 5 (cinco) eram meninos e 4 (quatro) meninas, com idades que variavam entre 8 (oito) e 14
(quatorze) anos. Desses, 6 (seis) apresentavam baixa visão, 2 (dois) cegueira total, e 1 (um)
surdocego.
Durante a realização desse projeto, buscamos trabalhar em uma perspectiva interdisciplinar e com
uma estrutura curricular que atendesse aos objetivos propostos nas orientações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Procuramos, também, atender às necessidades dos alunos, através de uma
proposta de trabalho que respeitasse o ritmo de aprendizagem de cada um, compreendendo o
processo de desenvolvimento da criança que apresenta deficiência visual; entendendo cada etapa de
suas descobertas; e promovendo o seu crescimento como um ser capaz de aprender e se
desenvolver independente da deficiência que possui.
A partir da organização da proposta do projeto algumas questões nos inquietaram em relação ao
trabalho com os alunos:
Ø Como vincular essa proposta de trabalho aos conteúdos
programáticos?
Ø O que fazer para que todos se envolvam no trabalho?
Ø Que recursos utilizar para despertar o interesse em
escrever histórias?
Ø Como trabalhar a reescrita dos textos produzidos?
Ø Como fortalecer habilidades, hábitos, valores e atitudes?
Ø Seria necessário (re)produzir ilustrações?
Ø Como socializar o material produzido?
A partir dessas questões norteadoras, procuramos, então, com o desenvolvimento do projeto
possibilitar uma melhor sistematização do processo de leitura e escrita por parte dos alunos
envolvidos, tornando-os sujeito e não apenas objeto de sua aprendizagem.
Para tanto, no decorrer do ano letivo de 2005, foram desenvolvidas diversas atividades que
buscavam motivar os alunos a produzirem textos. Algumas dessas atividades foram: construção de
textos orais coletivos mediante uso de objetos concretos; contação de história; contato com
diversos tipos de textos; leitura coletiva, entre outras atividades que proporcionassem a ampliação
do repertório lingüístico dos alunos.
Uma das dinâmicas utilizadas foi a contação de história. Inicialmente, a professora da classe
entregava um objeto para cada aluno. Ela iniciava a história e em seguida indicava um aluno para dar
continuidade. Cada aluno inseria seu objeto na trama, e assim sucessivamente, até que todos
participassem e chegasse ao final da história.
Essa dinâmica possibilitou que todos os alunos se envolvessem na atividade, bem como, exigiu que
os mesmos fossem criativos e ágeis em um curto período de tempo, pois tinham que dar
continuidade a história, levando em consideração o que já havia sido dito pelos colegas sem perder
a coerência. Outro aspecto evidenciado na atividade foi o respeito a limitação do outro. Quando
algum dos alunos não conseguia continuar a história outro prosseguia, ou ainda, ajudava o colega em
dificuldade.
Outra atividade desenvolvida teve como objetivo possibilitar que os educandos tivessem contato
com diversos tipos de textos literários. Para realização dessa atividade foi solicitado que cada aluno
trouxesse diferentes tipos de textos para sala de aula – poemas, letras de músicas, cartas, histórias
de conto de fadas; piadas, trava-língua, entre outras. Ao trazerem esse material, eles liam para os
colegas e, em seguida, explicavam sobre o que tratava o texto. Em um outro momento, esse material
foi digitado e disponibilizado em escrita ampliada e em Braille, tanto com a referência do autor,
como com o nome do aluno que havia trazido o texto. Esses foram distribuídos entre os alunos de
forma que permitissem que todos tivessem acesso a todo o material.
Percebemos que ao final dessa atividade os alunos ampliaram o vocabulário, pois tinham palavras
que não eram de uso habitual, possibilitando, ainda, conhecer o nome de vários autores, e diferentes
estilos de escrita.
Paralelo a essas atividades, os alunos eram incentivados a irem fazendo suas produções textuais. Em
alguns desses momentos de produções a professora da classe direcionava o tema (por ex. animais),
em outros o tema era livre, o que possibilitou aos alunos o exercício da autonomia, bem como da
criatividade. Os textos eram selecionados dando preferência a alguns que já apresentavam certa
coerência e coesão para, posteriormente, serem retomados e reescritos.
O processo de reescrita dos textos foi realizado a partir de dinâmicas que levaram os alunos a
trocar os textos entre si, com o intuito de fazer com que os mesmos identificassem as “falhas”
encontradas em cada um deles a fim de que melhor se apropriassem dos elementos gramaticais
constitutivos de um texto coerente e coeso.
Após a atividade de reescrita, percebemos que alguns textos apresentavam avanços significativos,
demonstrando que os seus autores haviam ampliado seu vocabulário e seu potencial criativo. Em
contrapartida, outros apresentaram dificuldades durante todo o processo, apesar do atendimento
individualizado por parte da professora. No entanto, apenas um desses continuou apresentando
dificuldades, não conseguindo ampliar o seu texto, mesmo após a reescrita deste e o uso de
procedimentos e recursos adequados. Contudo, esse aluno em relação a si mesmo apresentou
avanços significativos frente ao processo de leitura e escrita.
Como exemplo, trazemos dois textos que ilustram as situações mencionadas, identificados como
texto 1 e texto 2.
TEXTO 1
As amigas
Era uma vez umas amigas chamadas Ana e Pati. Elas estavam
viajando nos seus aviões. Um dia elas estavam no avião laranja que era de
Pati e, elas não viram o avião que estava na frente delas. E os dois aviões
explodiram juntos. Mas as meninas tinham um pára-quedas, e lãs pularam
do avião e se salvaram.
Outro dia elas foram viajar no avião novo de Ana. Elas foram para
Myame. Chegando lá elas desceram do avião e passaram algumas horas
fazendo compras. Quando elas foram voltar para casa o avião tinha
quebrado e elas ficaram morando lá mesmo.
(SILVA (Org.), 2005, p.27)
TEXTO 2
O rei
Ele o rei um dia se casou com uma bela princesa e teve um filho. E eles
foram muito felizes para sempre.
(SILVA (Org.), 2005, p.49)
No texto 1, podemos visualizar o avanço de Rubi4 em relação a produção textual, observando a
ampliação do vocabulário, bem como, demonstrando o encadeamento das idéias de forma clara.
Em se tratando do texto 2 do aluno Topázio percebemos um vocabulário restrito, o que ocasionou,
também, uma produção textual curta. Observamos, ainda, que o aluno traz para o seu texto recortes
de histórias contadas pela professora nos momentos de motivação, além do uso de expressões
como: “Era uma vez...”, “Foram felizes para sempre”, presentes na maioria dos contos infantis. A
prática pedagógica tem demonstrado que essas expressões se fazem presentes em grande parte das
produções dos alunos nessa faixa etária, como se demonstrasse a necessidade de tais expressões
para dar sentido às suas criações. Todavia, o que apontamos como reflexão no texto 2 é que o
aluno não conseguiu desencadear a história, usando as expressões citadas como a idéia central do
texto, sem desenvolvê-las.
4 Para preservar a identidade dos alunos, optamos, por nesse momento, atribuir a eles nomes de pedras
preciosas: Rubi e Topázio
Ressaltamos, no entanto, que a escrita apresenta-se como um desafio para todos que dela fazem
uso, desde o início da escolaridade até níveis de ensino mais avançados, não sendo, portanto, uma
característica inerente ao aluno que apresenta deficiência visual. E como situamos anteriormente,
Topázio em relação a si mesmo apresentou avanços significativos frente ao processo de leitura e
escrita.
Ao final do período letivo, foram selecionados pelos alunos alguns desses textos como forma de
cumprir um dos objetivos propostos pelo projeto: a confecção de um livro. Depois de compilados
os textos, os alunos sentiram a necessidade de ilustrá-los, com o propósito de torná-los mais
significativos para os leitores. A criação e elaboração dos desenhos foram feitas pelos próprios
alunos com formas e materiais diversificados escolhidos por eles. Algumas dessas ilustrações
tiveram uma textura em relevo, criados, principalmente, pelos alunos cegos e o aluno surdocego,
utilizando massa de modelar. Essa diversidade de possibilidades se tornou relevante não apenas
para os alunos cegos, uma vez que se constitui em uma forma de expressão, de linguagem que não
fosse apenas a visual. A leitura de algumas dessas imagens pôde ser feita através da observação tátil
e/ou visual. Quando isso não era possível a professora as descrevia.
Para etapa final do projeto, os textos selecionados foram digitados e as ilustrações escaneadas, de
forma que permitisse realizar uma impressão frente e verso. Sendo que na frente deveria ficar o
texto e no verso as ilustrações. Esse foi um aspecto importante, pois depois que esse material era
impresso em tinta, ele era levado para ser impresso em Braille. Um outro aspecto relevante na
escolha do material foi quanto ao tipo de papel, que necessitava ser grosso em virtude da impressão
em Braille, e deveria ser colorido para chamar a atenção dos futuros leitores. O material escolhido
foi cartolina comum de cores diversificadas – rosa, azul, verde e amarelo.
Após a impressão do livro para permitir que os leitores não videntes também tivesse acesso as
ilustrações, tentamos possibilitar essa leitura da imagem através da textura em relevo feita com cola
colorida.
TECENDO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Observamos que, ao final desse trabalho, os alunos envolvidos apresentaram certa autonomia no
exercício da escrita e, ao mesmo tempo, desenvolveram o gosto pela leitura. Esse projeto também
permitiu perceber e representar detalhes, ações, discutir hipóteses, compreender conceitos, extrair
sentidos e significados, representando, dessa forma, suas idéias, percepções, sentimentos e
pensamentos.
Portanto, o desafio do processo de leitura e escrita está em se encontrar o melhor percurso pelo
qual os alunos possam avançar significativamente. Para esses educandos muitas das habilidades e
capacidades necessárias a leitura e escrita podem e devem ser desenvolvidas, a fim de favorecê-los
a ingressar no mundo letrado.
Face ao exposto, percebemos que as pessoas com deficiência visual, gradativamente, foram
conquistando o seu espaço na sociedade – espaço esse que já era seu por direito. Observamos,
também, que a educação a eles destinada passa da condição de atendimento de caráter filantrópico
para a busca de uma educação básica/essencial e de qualidade, seja ela ministrada em uma
instituição especializada ou em uma instituição regular de ensino, uma vez que essa se configura,
atualmente, como um direito fundamental. Assim, as práticas educativas, no cenário contemporâneo,
possibilitam aos alunos, especificamente no Instituto de educação e Reabilitação de Cegos do Rio
Grande do Norte, o seu desenvolvimento global, a sua interação com o mundo de maneira
participativa. O IERC/RN vem mostrando que não só a sistematização dos conteúdos é relevante e
necessária para a aprendizagem dos alunos, mas, também, a forma como os seus educandos podem
- de modo participativo - atuar como sujeitos se sentirem como tais nas comunidades das quais
fazem parte.
REFERÊNCIAS
AMIRALIAN, Maria Lúcia T. M. Psicologia do Excepcional. São Paulo: EPU, 1986.
BRASIL, Secretaria de Educação Especial Deficiência Mental. Brasília: MEC: SEESP, 1997.
DESGAGNÉ, Serge. Réflexions sur le concept de recherche collaborative. Les Journées du
CIRADE. Centre interdisiciplinaire de Recherche sur l´Apprentissage et le Développement em
Éducation, Université du Québec à Montreal, octobre-1998. pp.31-46. Tradução Livre de Adir
Luiz Ferreira.
MAGALHÃES, Maria Cecília. A colaboração no processo de reflexão dialógica.Texto
traduzido por Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina, a partir da trasncrição feita da gravação da
palestra proferida pela professora sobre Pesquisa Colaborativa. UFRN, junho, 2003 5p.
MAZZOTTA, Educação Especial no Brasil: história e políticas públicas. São
Paulo: Cortez,
1982.
PESSOTTI, Isaías. Deficiência mental: da superstição à ciência. São Paulo: T.A. Queiroz, 1984.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro:
WVA, 1997.
SILVA, Katiene Symone de Brito Pessoa da (Org.). Histórias inesquecíveis. IERC, Natal – RN,
2005. (Textos digitados – alunos das 2ª e 3ª séries).