http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/210.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
PRÁTICAS DE AVALIAÇÃO: UM ESTUDO REPRESENTACIONAL COM
ACADÊMICOS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL E
PROFESSORES EM SERVIÇO
Maria Inês Naujorks1
Leandra Bôer Possa2
Universidade Federal de Santa Maria
1 Professora Associada do Departamento de Educação Especial, do Centro de Educação, da
Universidade Federal de Santa Maria, credenciada na Linha de Pesquisa “Educação Especial”, do Programa de
Pós-Graduação em Educação/PPGE. E mail: minau@brturbo.com.br
2 Professora Assistente do Departamento de Educação Especial, do Centro de Educação, da
Universidade Federal de Santa Maria. E mail: leandrabp@gmail.com.br
RESUMO
O processo avaliativo torna-se um dos grandes desafios a serem enfrentados pela escola devendo
ser entendido como um meio de auto-conhecimento, tanto para professores, quanto para alunos; de
aperfeiçoamento da prática pedagógica; um processo que contribua para a compreensão das
dificuldades dos alunos, dinamizando novas oportunidades de conhecimento. No entanto, as
experiências vivenciadas com a disciplina de Avaliação Educacional em Educação Especial, no
Curso de Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria-RS, têm
apontado para o lado incômodo e incompleto da avaliação, porque a mesma não dá conta da
complexidade do processo de aprendizagem e de desenvolvimento dos alunos. Também, porque a
avaliação, mesmo incômoda, torna-se uma necessidade à medida que, não só faz parte da vida e da
lógica, mas também porque é função crucial do professor garantir que seu aluno avance
independentemente de suas condições. Estamos, portanto, ao longo deste tempo de
acompanhamento da referida disciplina, discutindo as representações de avaliação com os
professores das escolas e com os acadêmicos matriculados na disciplina, como parceiros.
Buscamos uma outra forma de entender a avaliação já que percebemos que, mesmo a escola tendo
adotado o chavão da “educação para todos”, as práticas parecem continuar as mesmas que
orientavam a escola no passado.
1. APRESENTAÇÃO:
Há dezessete anos acompanhando acadêmicas do Curso de Graduação em Educação Especial da
Universidade Federal de Santa Maria - RS, em atividades práticas da Disciplina Avaliação
Educacional em Educação Especial, tivemos a oportunidade de coletar inúmeros depoimentos de
professoras, envolvendo diversas temáticas que estão presentes na prática pedagógica cotidiana.
Dentre as temáticas, trazemos à discussão a questão da avaliação, pois percebemos, tanto no
processo de formação dos acadêmicos do Curso de Graduação em Educação Especial, como na
prática dos professores que já atuam no âmbito escolar, ser essa um desafio. A avaliação tem sido
representada como a possibilidade do professor de exercer algum tipo de autoridade sobre seus
alunos fazendo-os avançar ou retroceder. Este texto, então, tem como objetivo discutir algumas
representações sobre a avaliação e o impacto destas em escolas comprometidas com projetos
inclusivos.
Ao longo destes anos percebemos que o discurso que circula nos espaços escolares, a respeito da
avaliação, enfatiza aspectos qualitativos, o respeito às diferenças e ritmos individuais de
aprendizagem. Entretanto, a realidade do cotidiano escolar mostra-se perversa, excludente, e o
processo de avaliar revela um complexo sistema de controle servindo, ainda hoje, para classificar,
categorizar e rotular o aluno. Os professores estão preocupados muito mais com a “nota” e, por
conseguinte, com o processo de aprovação e reprovação, do que em entender como o aluno
aprende. Concordamos com HOFFMANN ao afirmar: “(...) deveria ser mais importante ao
educador investigar como o aluno chegou a uma resposta ao invés de verificar se encontrou a
resposta certa. (...) infelizmente, professores pretendem “ensinar” respostas e os alunos tendem a
repetir “respostas ensinadas”. (2002: 53)
Acreditamos que lidar com a diversidade na escola significa, em primeiro lugar, reduzir todas as
pressões que levam à exclusão. Pressões que revelam as desvalorizações atribuídas aos alunos,
baseadas em suas incapacidades, rendimento, raça, gênero, classe social, estrutura familiar, entre
outros. Neste sentido, o processo avaliativo torna-se um dos grandes desafios a serem enfrentados
pela escola devendo ser entendido como um meio de auto-conhecimento, tanto para professores,
quanto para alunos; de aperfeiçoamento da prática pedagógica; um processo que contribua para a
compreensão das dificuldades dos alunos dinamizando novas oportunidades de conhecimento.
2. A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL: um dos desafios para a escola inclusiva:
A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino realça o
quanto ainda há que se avançar, principalmente, em se tratando dos estudos a respeito da avaliação.
Ainda hoje, apesar de muitas controversas, a avaliação deve ser entendida como um processo
necessário para que o direito de aprender do aluno (seja ele especial ou não) se constitua da melhor
forma possível.
DEMO (2002) alerta que diante de uma sociedade de classe como a nossa, em que as diferenças
são justificadas pela via da responsabilidade individual de desempenho, é uma realidade comum que
os próprios alunos classifiquem-se, da mesma maneira que os professores se auto-classifiquem ao
também fazer isso com seus alunos. Segundo o autor, é importante que se entenda que este gesto é
comum, uma vez que a vida em sociedade é regulada, cada vez mais pela constante disputa de
espaços e oportunidades.
Desta forma, a avaliação apresenta um lado incômodo e incompleto, porque não dá conta da
complexidade do processo de aprendizagem, mas se faz necessária à medida que não só faz parte
da vida e da lógica, como também porque é função crucial do professor garantir que seu aluno
aprenda independentemente de suas condições.
O processo avaliativo torna-se ainda mais complexo quando os alunos em questão apresentam
necessidades educacionais especiais. A Escola que persegue o ideal inclusivo deve aperfeiçoar-se
constantemente buscando minimizar as tensões decorrentes das opções por referenciais teóricos,
discussões a respeito de currículo, das práticas avaliativas, entre outras.
Mesmo as escolas compactuando com o jargão da “Educação para Todos”, ao analisarmos os
depoimentos das professoras, fica evidente que as práticas avaliativas ainda são de natureza
conservadora, ou seja: voltadas para o resultado; fortalecidas por respostas reprodutoras; e
mecanicamente decoradas. Evidencia-se com isso, como a avaliação, nos âmbitos escolares em que
a disciplina foi desenvolvida, está marcada por um caráter classificatório e excludente.
Reforçando a idéia acima, recorremos a HOFFMANN ao afirmar que é necessário questionarmos
os princípios das práticas avaliativas. Diz a autora:
O que se precisa questionar, no meu entender, são os princípios que
fundamentam tais práticas, que cada vez mais estreitas e padronizadas,
impedem ver e sentir cada sujeito da Educação em seu desenvolvimento
integral e singular, negando a heterogeneidade que os torna humanos e
limitando o acesso à escola apenas aos que se aproximam ou se submetem
a expectativas rigidamente determinadas por ela (1998:14).
O caráter homogêneo da avaliação reafirma a representação dos professores de um aluno ideal, que
aprende em um mesmo ritmo/tempo e, portanto, dá respostas iguais a perguntas iguais. COLL
chama-nos a atenção da importância das Representações Sociais do professor em relação aos seus
alunos. Afirma este autor:
(...) a representação que o professor possui de seus alunos, o que pensa e
espera deles, as intenções e capacidades que lhes atribui, não somente é
um filtro que o leva a interpretar de uma ou de outra maneira o que fazem,
mas que pode chegar, inclusive, em certas ocasiões, a modificar o
comportamento real dos alunos na direção das expectativas associadas a
tal representação (1996: 266-7).
Conseguir reconhecer a diversidade que freqüenta a escola hoje é uma mudança representacional
que precisa ser construída, pois circulam nesse espaço todo tipo de aluno: alunos com dificuldade
de aprendizagens, alunos com deficiência, alunos com problemas de comportamento e alunos muito
inteligentes e estudiosos. Esse conjunto de alunos que protagoniza a escola demanda professores
que reconstruam suas marcas representacionais, pois são os responsáveis por dirigirem essa trama
de relações e esse cenário que precisa ser regado de aprendizagens.
Arroyo (2004), nesse sentido, alerta para a reflexão em torno das representações enfatizando a
responsabilidade dos professores em analisar as imagens que povoam suas mentes em relação a
seus alunos. Para o autor os professores estão revelando seu desencantamento com essa mistura de
sujeitos que protagonizam a escola. Afirma que:
O desencanto é com a perda das imagens que povoam nossa docência, a educação
e as escolas. Colocamos a pergunta: que olhares projetamos para sobre os alunos?
Com que imagem os representamos? Que imagens carregamos da infância,
adolescência e juventude? Os alunos(as) ‘que não são mais os mesmos’ cabem
nessas imagens? Não nos incomodam exatamente porque quebraram nossas
imagens? (2004: 35)
Consideramos, portanto, que as representações docentes em torno dos alunos e dos processos
avaliativos, têm um ponto de ancoragem nas representações sociais que estes docentes construíram
ao longo de suas vidas e de seus processos formativos. Constituem-se de um conjunto de
significados e sentidos (objetivos e subjetivos); produzem idéias que vão definir a existência de
sujeitos e de avaliação que classificam os bons alunos, maus alunos, alunos deficientes, alunos
inteligentes, alunos ignorantes, alunos problemáticos e alunos queridos e não queridos.
Percebemos que o desconhecimento do professor sobre os processos de construção do
conhecimento pelo aluno, a frágil base teórica, bem como as escassas oportunidades de reflexão nas
escolas, entre outros fatores, dificultam a implantação de uma avaliação como parte do
planejamento educacional. Uma avaliação que proporcione a identificação e reconstrução dos
modelos avaliativos que possibilite refletir, tanto a complexidade dos processos educativos, as
metodologias adotadas e os processos de aprendizagem, como os sujeitos que vêm à escola para
aprender.
Acreditamos que as pesquisas realizadas nos contextos escolares possam contribuir no sentido de
compreender e encaminhar respostas às dificuldades apontadas. À medida que formos realizando
estes estudos com os professores - e não sobre eles, poderemos conferir um outro sentido às
práticas, dentre elas à avaliação. Através de oportunidades de reflexão, poderemos chegar ao que
Paulo Freire define como “a reflexão transformada em ação”.
3. AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: subsídios para rever as práticas avaliativas:
A Teoria das Representações Sociais foi introduzida na Psicologia Francesa por Sergei Moscovici,
em 1961, com a publicação da obra “La Psychanalyse: son image e son public”. Neste estudo, o
autor analisou o fenômeno da socialização da Psicanálise, sua apropriação pela população
parisiense e seu processo de transformação para servir a outras funções e usos sociais. O
pesquisador, para fazer frente à perspectiva individualizada que imperava na Psicologia Social,
buscou apoio em fundamentos da Sociologia para construir a Teoria das Representações Sociais.
A intenção de Moscovici (1961), ao apresentar a teoria, foi a de superar a dicotomia que havia
entre o “Psicologismo” e o “Sociologismo”. À época, tanto a Psicologia Social americana quanto a
inglesa privilegiava os aspectos cognitivos e individuais. Por outro lado, a teoria Sociológica de
Durkheim (1898) ignorava os aspectos psicológicos dos fatos sociais.
Durkheim, com base no conceito de “Representações Coletivas”, estudou fenômenos como: os
mitos, a ciência, a religião, dentre outros, concebendo-os como conhecimentos inerentes à
sociedade.
Na Visão de Moscovici, o estudo das Representações Coletivas de Durkheim somente explicava os
fatos isoladamente porque eram vistos como dados, não como fenômenos; com um fim em si
mesmos, os fatos estudados não permitiam análises posteriores. FAAR in Guareschi e Jouchelovitch
(1995:45) afirmam que Moscovici estava modernizando a Ciência Social, ao substituir o conceito de
“Representações Coletivas” pelo conceito de “Representações Sociais”, tornando-a mais adequada
ao mundo moderno. Surge, assim, um novo campo de conhecimento e de entendimento dos
fenômenos sociais situado na interface da Psicologia e das Ciências Sociais.
Moscovici (1978) alerta que representar um fenômeno não é simplesmente duplica-lo, repeti-lo ou
reproduzi-lo e sim, reconstituí-lo, retoca-lo, modificar-lhe o texto. Nesta perspectiva, os sujeitos são
autores e atores de sua história. A Teoria das Representações Sociais aparece como a possibilidade
de estruturação de conteúdos simbólicos, para tratar de questões relativamente incertas e
subjacentes na comunicação e comportamento das pessoas. Possibilita a avaliação não somente os
repertórios lingüísticos, mas também observa comportamentos, analisa decisões e documentos. Este
processo tem aspectos figurativos e abstratos e combina imagem e conceito, de modo que algo
desconhecido torne-se familiar, passando a fazer parte do universo de compreensão. O autor
argumenta, ainda, que as Representações Sociais correspondem a um conjunto de conceitos,
afirmações e explicações originárias do cotidiano, no decurso de comunicações intersubjetivas,
podendo ser comparada a uma versão contemporânea do senso comum. É um sistema de
elaboração cognitiva (parcela individual da elaboração do conhecimento), afetiva (elaboração
simbólica e aceitação do imaginário) e social (constituição compartilhada das imagens registradas).
Neste sentido é uma teoria revolucionária, porque resgata e valoriza o saber popular constituindo-se
em um elo entre o saber da ciência e o saber do senso comum.
Denise Jodelet, pesquisadora francesa, colaboradora de Moscovici, define as Representações
Sociais como sendo:
(...) uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e compartilhada,
com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social. Igualmente designado como saber
de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, essa forma de
conhecimento é diferenciada entre outras do conhecimento científico.
Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este
devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos
processos cognitivos e das interações sociais (2001: 22).
A autora argumenta, ainda, que as Representações Sociais são fenômenos sociais importantes na
vida cotidiana, porque nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos
da vida diária, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e nos posicionar frente a eles.
Sendo assim, devem ser estudadas articulando-se elementos afetivos, mentais e sociais integrando-os juntamente à cognição, à linguagem, à comunicação, às relações sociais que afetam as
representações e a realidade material, social e ideativa sobre a qual as Representações Sociais têm
que intervir.
Silvia Lane (1993), pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que inaugurou
esta discussão no Brasil, afirma que “as Representações Sociais são verbalizações das concepções
que o indivíduo tem do mundo que o cerca” (1993:59). Segundo a autora nestas verbalizações
estão expressas as opiniões sobre fatos relevantes para o indivíduo e seu grupo de pertença e
também estão contidas experiências, julgamentos, valores, crenças, formadas através das mais
diversas vivências individuais e coletivas.
Todo este processo que nos familiariza com o estranho, de acordo com as categorias de nossa
cultura, ocorre por meio dos dois princípios básicos desta teoria: a “ancoragem” e a “objetivação”.
O princípio da “ancoragem” está relacionado à associação de algo desconhecido com categorias e
imagens diárias reconhecíveis, ligando-as em um referencial posteriormente identificável. Constitui-se
pela classificação de algo anteriormente não classificado ou denominado. Este processo consiste na
integração cognitiva do objeto representado (sejam idéias, pessoas, acontecimentos, relações) a um
sistema de pensamento social preexistente. Mediante a escolha de um dos protótipos ou paradigmas
armazenados em nossa memória, classifica o objeto em questão para, então, incluí-lo neste
protótipo ou neste paradigma. O objeto classificado necessita ser, ainda, denominado. Assim, sai do
anonimato e adquire uma genealogia localizando-se na matriz de identidade de nossa cultura. O
princípio da “ancoragem” é, portanto, classificação e denominação.
O princípio da “objetivação” está relacionado à transformação de algo abstrato em algo
reconhecível. Tem duas funções: a naturalização, que traz elementos da realidade que fazem sentido;
e a classificação, que permite escolhas entre sistemas de categorias, regras de conduta e separação
entre seres e atributos.
A subjetividade para Moscovici (1978) por ter uma carga afetiva, assume um papel importante na
formação da representação. É através da subjetividade que o sujeito expressa seus sentimentos,
suas emoções, assume posicionamentos, imprimindo sua marca pessoal na representação,
exprimindo o poder de criação e transformação da realidade social.
Ao pesquisar na perspectiva das Representações Sociais é importante conhecer o fenômeno a partir
do sujeito que o vivencia. Assim, os depoimentos das professoras são reveladores de como ocorre
o processo de avaliação, de modo a explicitar conteúdos afetivos e cognitivos, que levam à ação.
Nesse processo de construção (da representação) leva-se em conta a inserção social e os
determinantes histórico-culturais, sem esquecer da subjetividade como força criativa capaz de
influenciar a representação. A subjetividade para Moscovici (1978), por ter uma carga afetiva,
assume um papel importante na formação da representação. É através da subjetividade que o
sujeito, neste caso os professores, expressam seus sentimentos, suas emoções, assumem
posicionamentos, imprimindo sua marca pessoal na representação, exprimindo o poder de criação e
transformação da realidade social.
A teoria criada por Serge Moscovici nos mostra que as Representações Sociais são sempre
representações de alguma coisa e de um sujeito social. As características do sujeito e do objeto nela
se manifestam. Assim, nesta discussão, a professora que avalia, tem nessa experiência condições
suficientes para trazer as representações deste processo que vivenciou como aluna, e em toda a
trajetória de formação (da educação básica à superior), configurando-se nessas representações
sentimentos, ações e a realidade social de seu cotidiano.
4. FINALIZANDO...
É interessante retomar que o discurso da inclusão ancorado no ideário da “Educação para Todos” e
propagado em vários tratados internacionais, pretende ser agente de democratização do ensino.
Muito se fala em uma Educação de qualidade, que satisfaça a todos. Mas a incerteza que fica é se
os professores serão capazes de reconstruir representações para que possam avaliar as diferenças e
a diversidade como possibilidade de aprendizagem no contexto escolar.
A partir da teoria das representações sociais apreendemos que os seres humanos são culturalmente
produtores e produtos da história sendo, também, aqueles que constroem e se movimentam pelas
representações sociais instituídas. Atuando na escola, os professores são produtos das
representações de aluno que foram se construindo em suas trajetórias de vida escolar e, ao mesmo
tempo, são produtores dessas representações quando produzem uma atuação e um discurso
avaliativo sobre os alunos.
De onde apreendem esse discurso e atuação? Essa é uma questão que implica compreender como
o processo formativo contribui para a reelaboração da representação de aluno e as formas de
avaliá-lo.
Cunha (1994) afirma que: “O habitus da formação gera no contexto da profissão o habitus da
atuação” e, nesse sentido, vale questionar: Em que momento, no processo formativo docente, se
discute a respeito das representações de aluno? Como estão sendo questionadas as representações
de aluno nos contextos escolares em que estão inseridos? Como se refletem estas representações
nas práticas de avaliação? Estão sendo questionadas as representações classificatórias que
professores possuem em relação à avaliação dos alunos?
A partir dessas indagações questionamos a avaliação que normaliza, impõe regras, busca a
homogeneidade e não está aberta a identificar diferenças e diferentes perspectivas de aprendizagem.
Perguntas que levam toda a instituição escolar refletir sobre a imagem de um aluno diferente, que
precisa aprender com os mesmos recursos e técnicas, todos os conteúdos que os demais alunos
aprendem.
É um desafio construir um outro imaginário docente sobre o aluno diferente e sobre um processo de
avaliação que assuma a perspectiva da “Educação para todos”. Como afirma Arroyo:
Vejo como desafiante que os docentes sejam defrontados pelos alunos sobre as
imagens com que os representam. Parto de uma hipótese: nos incomodam suas
condutas sobretudo porque quebram as imagens que fazemos [deles]. Pensando
bem, esses imaginários docentes, pedagógicos e sociais não estão ultrapassados?
[...] Penso que avançaremos profissionalmente quando superarmos esses
imaginários. Quando ficarem para trás. Perdidos. Mas que outras imagens dos
educandos passaram a ocupar seu lugar? (2004, p. 35)
É necessário que os professores e que os cursos de formação identifiquem e construam, a partir
disso, um processo de avaliação que considere as diversidades dos sujeitos, as desigualdades
sociais e as diferenças culturais, como também é necessário buscar ampliar as possibilidades de,
pelas diferenças, promover mudanças representacionais que levem à educação inclusiva. Promover
uma escola inclusiva que faça a mediação da aprendizagem de todos os alunos é uma tarefa que
será impossível se os modelos de avaliação até hoje implementados não se transformarem. Essa
mudança exige perceber o quanto os alunos com necessidades especiais, mesmo convivendo na
escola, se mantêm afastados, protegidos e como a escola e seus professores endossam, pela
avaliação, as suas limitações. A mudança, perpassa, então, por possibilitar sua convivência com
outras crianças e isso significa trazê-las para o mundo tal como ele é, com todas as suas
diversidades e diferenças.
É fundamental a transformação das representações, tanto sobre o aluno como sobre os processos
de avaliação, para que os professores possam entender que todos, independentemente da condição,
podem desenvolver sua capacidade, basta ter intencionalidade e inscrever nesses alunos marcas
representacionais atravessadas pela possibilidade de compreender o ser humano em sua
singularidade e alteridade.
Não imaginamos mudanças rápidas, especialmente porque a escola tem se mostrado,
inacreditavelmente, preconceituosa em relação aos alunos com necessidades especiais. Os
professores lidam com essa questão a partir do que construíram, ao longo de suas próprias
trajetórias. No entanto, constatamos que a prática docente na disciplina de Avaliação Educacional
em Educação Especial tem-nos apontado para ações solidárias. Engajar os professores das escolas
e os acadêmicos, matriculados na disciplina, como parceiros, permite-nos a possibilidade de [re]
elaboração das nossas representações relativas à avaliação, tornando-a um processo mais
respeitoso, realizando conjuntamente a prática da pesquisa e a aprendizagem a respeito de nós
mesmos.
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