http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/214.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

UTILIZAÇÃO DO LÚDICO NO TRATAMENTO DA CRIANÇA COM PARALISIA CEREBRAL REALIZADO POR UMA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR.
Patrícia Cristina Nóbrega Contarini
Fabiana da Silva Zuttin
Lígia Maria Presumido Braccialli
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho


RESUMO

Crianças com paralisia cerebral podem apresentar limitações motoras, sensoriais, cognitivas e sociais o que dificulta a realização de determinadas tarefas do cotidiano, como por exemplo, o brincar. Diante desse contexto, vários profissionais podem atuar com essas crianças de forma lúdica, a fim de superar essas limitações e facilitar o desenvolvimento de habilidades funcionais. Neste sentido, o objetivo deste trabalho foi estimular o desenvolvimento das habilidades neuropsicomotoras de uma criança com paralisia cerebral, por meio do lúdico no trabalho em equipe multidisciplinar. Esse relato de experiência foi desenvolvido no Centro de Estudos da Educação e da Saúde (CEES), Unidade auxiliar da UNESP-Marília por profissionais de fisioterapia e terapia ocupacional. Durante este estudo foram realizados atendimentos com os respectivos profissionais além de reuniões em equipe para discutir as condutas e o tratamento a ser realizado com a criança. Até o presente momento, foi possível observar que o aspecto lúdico utilizado no tratamento favoreceu a maior participação e interesse da criança, o que contribuiu para o desenvolvimento de suas habilidades neuropsicomotoras.

INTRODUÇÃO
De acordo com alguns autores o brincar para a criança representa o meio privilegiado de entrar em contato com o mundo a sua volta e de descobrir o prazer, o domínio, a criatividade, a expressão de si. Desta forma, o brincar é considerado uma necessidade fundamental para o desenvolvimento da criança.
A partir deste contexto, o brincar pode ser utilizado como uma modalidade importante de intervenção terapêutica no tratamento de crianças com Paralisia Cerebral.
Segundo Kuban e Leviton apud Teixeira (2003) Paralisia Cerebral é definida como “um grupo não progressivo, mas freqüentemente mutável, de distúrbios motores (tônus e postura), secundários á lesão do cérebro em desenvolvimento”.
Para ser considerada Paralisia Cerebral, esta lesão deve ocorrer em um cérebro imaturo, ou seja, em fase pré-natal, perinatal ou pós-natal até os dois anos de idade.
A Paralisia Cerebral pode ser classificada em espástica, atetóide, atáxica e mista, de acordo com o quadro apresentado.
Gianni (2003) destacou que cerca de 75% dos casos de paralisia cerebral pode ser classificado como espástico. Este tipo é caracterizado por lesão do córtex cerebral, com diminuição da força muscular e aumento do tônus muscular. Nesta classificação de Paralisia Cerebral é comum encontrar deformidades osteoarticulares; atraso nas aquisições motoras e permanência de reflexos primitivos.
Ferrarreto (1990) descreveu que a Paralisia Cerebral do tipo atetóide, tem sua lesão principal nos núcleos da base. As crianças com este tipo de Paralisia Cerebral apresentam tono alternante, que variam de hipotonia a hipertonia com movimentos involuntários lentos encontrados principalmente em membros superiores. Por esta lesão localizar-se subcorticalmente, as crianças quase sempre apresentam inteligência próxima do normal ou levemente abaixo da média. A fala è profundamente alternada devido aos movimentos involuntários presentes na face e língua. 
Gianni (2003) relata que o tipo mais raro de Paralisa Cerebral é classificada como atáxica, com acometimento em somente 2% das crianças. Este tipo caracteriza-se por uma lesão no cerebelo, ocasionando alterações de coordenação e do equilíbrio.  A incidência de deficiência mental nestes casos é alta.
Segundo Ferrarreto (1990) a Paralisia Cerebral classificada como mista refere-se à associação de alguns tipos descritos (espástico, atetóide, atáxico). Apresenta-se com maior freqüência a espástica-atetóide.
Segundo Bobath (1989) a Paralisia Cerebral também pode ser classificada topograficamente em diplegia ou diparesia, quadriplegia ou quadriparesia, paraplegia ou paraparesia, monoplegia ou monoparesia, hemiplegia ou hemiparesia.
Tudella (2002) definiu e classificou a Paralisia Cerebral em diplegia ou diparesia quando os quatro membros estão comprometidos, porém os membros inferiores apresentam-se com maior acometimento que os membros superiores; quadriplegia ou quadriparesia quando há comprometimento em todo o corpo em igual proporção; paraplegia ou paraparesia quando apenas os membros inferiores estão comprometidos; monoplegia ou monoparesia quando apresenta apenas um membro afetado e em hemiplegia ou hemiparesia quando apenas um lado do corpo apresenta comprometimento. De acordo com Bobath (1989) em geral os indivíduos hemiplégicos ou hemiparéticos são do tipo espástico, contudo, uma minoria pode desenvolver certa atetose distal posteriormente.
O principal sintoma apresentado por crianças com Paralisia Cerebral é a alteração motora que se estrutura com o decorrer do tempo, e leva a atraso ou interrupção do desenvolvimento sensório motor, com mecanismos de reação postural insuficiente, permanência de reflexos que deveriam estar inibidos, alterações tônicas e inabilidade para realização de certos movimentos e ações cotidianas. (SHAPIRO, 2004; BAX et al., 2005).
A criança no seu cotidiano realiza diversas ações, dentre elas pode-se citar o brincar, que tem como função desenvolver as habilidades intelectuais, emocionais, de comunicação e motoras. No entanto a criança com Paralisia Cerebral por causa de suas dificuldades motoras, das severidades e do tipo de Paralisia Cerebral pode apresentar um desenvolvimento e um aprendizado lento para estas habilidades.
Segundo Zerbinato et al (2003) para a criança com Paralisia Cerebral e sua família, o que verdadeiramente expressa as desvantagens impostas por esta patologia é a limitação das habilidades de desempenho, como, por exemplo, utilizar utensílios, levar comida e bebida a boca, mastigar, deglutir, vestir-se, brincar, expressar seus desejos, interagir com outras crianças, entre outras.
Neste contexto a formação do fisioterapeuta e do terapeuta ocupacional fornece condições para estabelecer e efetivar um programa de tratamento para crianças com Paralisia Cerebral. Estes profissionais com a utilização do lúdico buscam realizar atividades funcionais, psicomotoras, sensoriais, cognitivas, perceptivas, e de vida diária, além da confecção de adaptações e órteses.
Dessa forma, o fisioterapeuta e o terapeuta ocupacional podem atuar em uma equipe multidisciplinar e assim, utilizar os conhecimentos específicos de cada área, para viabilizar um tratamento eficaz e adequado à necessidade da criança com Paralisia Cerebral.
Segundo Bazin et al (2005) esse trabalho multidisciplinar pode estimular o desenvolvimento individual e coletivo do indivíduo pela somatória de conhecimentos, métodos e técnicas dos profissionais em torno de um objetivo comum.
Uma das técnicas que podem ser utilizadas por estes profissionais numa equipe, como modalidade terapêutica é o brincar como uma ação lúdica para a aquisição de habilidades funcionais.
O brincar é um tema muito abordado no estudo do desenvolvimento humano. Diferentes autores consideram o brincar como um fator importante do desenvolvimento infantil, que contribui na construção das habilidades funcionais, sociais, afetivas e cognitivas da criança em seus diversos contextos (Huera et al, 2006).
Silva (2003) em revisão sobre o brincar de crianças com deficiência, sintetiza que a atividade lúdica é importante para vivenciar situações de fracasso do desempenho de diversas tarefas. Por outro lado, ao se encontrarem em situações de brincadeira as mesmas crianças buscam tentar novas alternativas e iniciativas sem preocupação de atingir ou não um resultado. A partir dessa revisão, o autor constatou que todas as crianças brincam, independentemente, do grau de sua deficiência, mas essa atividade evolui com maior lentidão comparada a crianças normais. 
Dessa forma, a ação do brincar no ambiente terapêutico, por diferentes profissionais, como fisioterapeuta e terapeuta ocupacional, podem contribuir para o desenvolvimento das habilidades, e proporcionar a realização de um tratamento eficaz baseado nas necessidades da criança com Paralisia Cerebral. Desta forma, o trabalho teve como objetivo estimular o desenvolvimento das habilidades neuropsicomotoras de uma criança com Paralisia Cerebral, por meio do lúdico no trabalho em equipe de profissionais de fisioterapia e terapia ocupacional.

METODOLOGIA
Sujeito:
Foi selecionada uma criança do gênero masculino de quatro anos de idade com Paralisia Cerebral, hemiparética, tipo espástica, que era atendida pelas áreas de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

Local e Período:
O estudo foi realizado em salas de atendimento terapêutico dos setores de Fisioterapia e Terapia Ocupacional de um Centro de Estudos da Educação e Saúde (CEES) da Unesp de Marília.
As informações desse relato de experiência foram coletadas durante o período de março a julho de 2007.

Procedimentos para Coleta
Os procedimentos utilizados para coleta de dados deste estudo foram:
1)   A equipe composta por profissionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional realizou anamnese com a mãe abordando os dados de identificação, a história pregressa desde a gravidez até o momento atual, a queixa e suas expectativas em relação a este tratamento. Esses dados foram registrados em arquivos da criança, pertencentes ao Centro de Estudos da Educação e Saúde (CEES).
2)   Realização de avaliações e reavaliações com a criança, específicas de cada área profissional, a fim de verificar as necessidades e evoluções apresentadas pela mesma. Essas avaliações foram anexadas aos arquivos da criança.
3)   Realização de reunião entre os profissionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional para discutir o caso e técnicas a serem trabalhadas para atingirem os objetivos propostos. Os assuntos discutidos nestas reuniões foram registrados em um diário de campo.
4) Atuação dos profissionais em seus respectivos setores para a realização do tratamento da criança com base no aspecto lúdico para a realização de atividades funcionais, como atividades motoras, de locomoção, psicomotoras, cognitivas e atividades de vida diária, além de prevenção de contraturas e deformidades.
5) Realização de registros semanais em arquivos da criança relacionados aos atendimentos do fisioterapeuta e terapeuta ocupacional;
6)Orientação aos pais quanto à postura que deve ser adotada em casa e na escola;

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por meio das informações coletadas e registradas durante esse estudo foi possível observar que o aspecto lúdico utilizado no tratamento favoreceu maior participação e interesse por parte da criança, o que contribuiu para o desenvolvimento de suas habilidades neuropsicomotoras. O estudo de Epstein-Zau apud Ferland (2006) demonstrou a importância do prazer, sendo este o motor de toda a ação lúdica. Por estar o prazer presente no brincar, a criança é estimulada a continuar sua atividade e até a fazer mais esforços.
De acordo com os registros foi observado que as atividades elaboradas e propostas para a criança ajudou-a a descobrir novas formas de se comportar e agir no âmbito terapêutico, respeitando as regras dos atendimentos, o que facilitou a realização dessas atividades e a conduta dos profissionais. No entanto, em alguns momentos foi possível visualizar que a criança, ainda, apresentou alterações comportamentais.
Durante os atendimentos foi possível verificar que a parceria estabelecida entre os profissionais de fisioterapia e terapia ocupacional, familiares e a criança foi de fundamental importância para a realização de um tratamento eficaz de acordo com as necessidades da criança. Em consonância a este aspecto Bobath (1989) retratou em suas pesquisas que o papel dos pais das crianças e de outros responsáveis é crucial para o trabalho da equipe e para a condução global da criança.
A atuação da equipe multidisciplinar é fundamental para realização de uma avaliação e a partir disso detectar as habilidades e dificuldades da criança para intervir no desempenho de habilidades funcionais de acordo com a etapa do desenvolvimento. Esta atuação é condizente com os estudos de Bobath (1989) e Zerbinato (2003).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAZIN, C. et al. Uma proposta de ensino transdisciplinar na atenção à saúde de gestante. Revista brasileira ciências saúde, João Pessoa, v.9, n.3, 2005.

BOBATH, B. ; BOBATH, K. Desenvolvimento Motor nos Diferentes Tipos de Paralisia Cerebral. São Paulo: Manole, 1989.

EPSTEIN-ZAU, J. Le jeu enjeu In: FERLAND, F. O modelo Lúdico: O brincar, a criança com deficiência e a Terapia Ocupacional. São Paulo: Roca, 2006. 

FINNIE, N. R. O manuseio em casa da criança com Paralisia Cerebral. São Paulo: Manole, 2000.

GIANNI, M. A. Paralisia Cerebral. In: TEIXEIRA, E. et al. Terapia Ocupacional em Reabilitação Física.  São Paulo. Ed Roca, 2003.

HUEARA, L. et al. O faz-de-conta em crianças com Deficiência Visual: Identificando Habilidades. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.12n3,set-dez, 2006.

KUBAN, K. C. K; LEVITON, A. Cerebral palsy. In: TEIXEIRA, E. et al. Terapia Ocupacional em Reabilitação Física.  São Paulo: Roca, 2003.

SHAPIRO, B. K. Cerebral palsy: a reconcetualization of the spectrum. J.Pediatr .v.145, n 2, p.3-7, 2004.

SILVA, C. C. B. O lugar do brinquedo e do jogo nas escolas especiais de educação infantil.2003.167f. Tese (Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, S P, 2003.

TUDELLA, E. Deficiência Física. In: PALHARES, M. S; MARINE, S. Escola Inclusiva. São Carlos: EdUFSCar, 2002. p.155-177.

ZERBINATO, L; MAKITA, L. M; ZERLOTI, P. Paralisia Cerebral. In: TEIXEIRA, E. et al.(Org). Terapia Ocupacional em Reabilitação Física.  São Paulo: Ed. Roca, 2003.