http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/216.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
XADREZ E EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DO JOGO DE XADREZ PARA ALUNOS
COM DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM.
Cristiane Griebeler – UFSM
Tasia Fernanda Wisch – UFSM
Fabiane Adela Tonetto Costas - UFSM
RESUMO
Há tempos buscam-se alternativas metodológicas que possam contribuir para o melhor desempenho
escolar de crianças com dificuldades na aprendizagem.
Assim, nesta pesquisa, estamos buscando estabelecer as contribuições do jogo para o
desenvolvimento cognitivo, social e emocional de alunos que apresentem dificuldades na
aprendizagem, visto que o mesmo proporciona bem estar, prazer e, concomitantemente, potencializa
diversas aprendizagens.
Dessa forma, o jogo é por si só uma atividade de realização, mesmo que não exista nenhum objetivo
explicito uma regra a ser seguida, o jogo é um dos elementos relevantes para que aprendizagem e
desenvolvimento aconteçam. (Elkonin, 1996; Macedo, 2005)
Para efetivar esta investigação elegeu-se o jogo de xadrez, pois acreditamos que este possa ser
utilizado como mediador no processo de construção do saber, devido a suas características que
envolvem reflexão, planejamento e construção de estratégias. Sabe-se que os praticantes são
beneficiados desenvolvendo habilidades de atenção, percepção, raciocínio lógico, agilidade de
pensamento, memória, tomada de decisões. (Silva, 2004).
O projeto está acontecendo em uma escola da rede municipal de ensino do município de Santa
Maria, através de oficinas que priorizam a aprendizagem do jogo de xadrez, durante os anos de
2007 e 2008. Os alunos participantes pertencem a 1° ano1 do ensino fundamental e foram indicados
pelos professores. Serão especialmente analisados aqueles estudantes que apresentem alguma
dificuldade na aprendizagem
1 Equivalente à pré-escola em alguns currículos.
INTRODUÇÃO
O jogo de xadrez é um jogo de tabuleiro que surgiu há muitos séculos atrás, desconhecendo-se o
local de origem deste, mas especula-se que tenha sido na Índia ou na China. Pode-se dizer que é
uma simulação de guerra, considerado durante muito tempo um jogo de elite.
Visto que seus benefícios são comprovados e reconhecidos por todos que conhecem e praticam o
jogo, nosso objetivo é verificar até que ponto o jogo de xadrez pode contribuir para o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores e transferi-las para outras situações da vida
cotidiana e escolar, auxiliando assim na superação de dificuldades escolares enfrentadas por alunos
com dificuldades na aprendizagem.
A partir de pesquisas e estudos2 onde o jogo de xadrez é relacionado à educação e que
apresentavam o jogo como contribuinte no processo de desenvolvimento cognitivo, emocional e
social, surgiu à idéia de pesquisar sobre tal desenvolvimento e relacioná-lo com o conceito
vygotskyano de Zona de Desenvolvimento Proximal, uma vez que o jogo de xadrez pode ser
proposto como mediador no processo de aprendizagem.
Vygotsky (1989) por inúmeras vezes cita a importância do brinquedo dizendo que o ensino
sistemático, escolar não é o único responsável pelo desenvolvimento cognitivo. Considera o
brinquedo uma importante fonte de promoção de desenvolvimento uma vez que este atua
diretamente na zona de desenvolvimento proximal. (REGO, 1995)
Em uma de suas obras mais conhecidas, Vygotsky afirma:
“O brinquedo cria na criança uma nova forma de desejos. Ensiná-a a desejar, relacionar
seus desejos a um ”eu” fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as
maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no
futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.” (1989: 114).
Como decorrência, pretendemos oferecer ao meio escolar o jogo de xadrez como possibilidade de
recurso didático, pedagógico e, simultaneamente, como atividade desenvolvente.
E, ainda, aspiramos subsidiar teoricamente acadêmicos e profissionais da área da educação, tendo
em vista que publicações que enfoquem o xadrez como mediador no desenvolvimento ainda são
poucas3.
Nossas expectativas são de que, através dessas ações, o jogo de xadrez vá além de uma técnica
voltada para desenvolvimento do pensamento lógico, mas de fato se transcreva como uma
ferramenta de mediação ao processo de aprendizagem, sem esquecer, é claro, que antes de tudo, o
xadrez é um jogo, um passatempo, uma forma de lazer.
Tomando como ponto de partida o conceito Vygotskyano de Zona de Desenvolvimento Proximal,
no qual percebemos o jogo de xadrez como instrumento de mediação, esta pesquisa objetiva
investigar possíveis contribuições que a prática deste jogo poderá trazer aos alunos com dificuldades
na aprendizagem dos anos iniciais do ensino fundamental, partindo de estudos e pesquisas já
existentes que demonstram os benefícios que o xadrez pode trazer a seus praticantes e da prática
escolar desenvolvida em uma escola do município de Santa Maria. Desse modo este objetivo
principal desdobra-se em: constante revisão de estudos sobre o conceito de jogo e sua influência no
processo de ensino aprendizagem; estudo detalhado o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal, procurando construir relações com a prática do xadrez; resgate de pesquisas já existentes
sobre o jogo de xadrez e sua relação com a educação; apresentação de aspectos e possibilidades
do jogo de xadrez a partir de uma visão geral; veiculação o jogo de xadrez nas escolas como
possibilidade pedagógico-recursiva no desenvolvimento cognitivo da criança; proporcionar
situações em que os alunos praticantes do jogo possam transferir as contribuições do mesmo para
situações cotidianas; possibilitar a reflexão a respeito do jogo de xadrez como atividade acessível;
vivenciar o caráter simbólico do jogo de xadrez, observando possíveis transposições da criança ao
mundo imaginário e, por fim, evidenciar no jogo de xadrez o uso de elementos abstratos em um
processo lúdico;promover a socialização, entretenimento e interação entre os alunos praticantes.
2 SILVA, Wilson. Curso de Xadrez Básico. Curitiba, 2002. (apostila disponível no site
http://www.cex.org.br/html/ensino/Apostilas/pdf/apostila_completa.pdf). Processos Cognitivos no jogo de
Xadrez. Dissertação de Mestrado, UFPR, Curitiba, 2004
3 Constatamos essa realidade quando buscamos situar o “estado da arte” do jogo de xadrez numa perspectiva
desenvolvente.
MÉTODO
Nossa pesquisa é caracterizada pelo enfoque qualitativo, já que pretendemos observar os vários
aspectos que o jogo de xadrez pode influenciar no desenvolvimento das crianças com dificuldades
na aprendizagem.
A pesquisa será desenvolvida durante dois anos letivos em uma escola do município de Santa Maria
que oferece o xadrez como oficina pedagógica para alunos dado primeiro ano do ensino
fundamental com dificuldades na aprendizagem, os quais foram indicados pelos professores, porém
com participação optativa.
Essas oficinas estão acontecendo através de atividades no decorrer desses dois anos letivos, sendo
que em todos os meses há um objetivo central. Isso não significa que outros aspectos não sejam
enfocados, porém dar-se-á ênfase ao tema principal a fim de manter uma seqüência sistemática no
aprendizado.
Assim esta investigação está se desenrolando, também, através de observação participante e
sistemática no decorrer da oficina a qual tem periodicidade semanal duração de uma hora. Optamos
por observação participante, pois, dessa maneira, poderemos interagir e atuar como mediadores,
verificando se o jogo de xadrez corresponde ao pressuposto do qual partimos – o jogo de xadrez
como recurso pedagógico no desenvolvimento cognitivo dos alunos com dificuldades na
aprendizagem - DA’s.
No decorrer do trabalho – na última semana de cada bimestre – já estão sendo realizadas
entrevistas semi-estruturadas com os professores dos participantes da oficina com o objetivo de
verificar se os mesmos constataram melhoras comportamentais e no desempenho escolar das
crianças.
A partir de anotações de cada oficina, de análises individuais e comparativas, e das entrevistas
realizadas com os professores serão produzidos relatórios mensais que culminarão em um relatório
final no qual estarão presentes nossas conclusões.
RESULTADO
Como esta pesquisa encontra-se em andamento, cabe ressaltar que falaremos apenas dos
resultados percebidos até o atual momento.
Iniciamos nossas atividades no mês de junho de 2007, em uma turma de primeiro ano do ensino
fundamental de uma escola da rede municipal de ensino do município de Santa Maria. A turma é
composta por dezoito alunos, onze meninos e sete meninas de idades que variam entre cinco e seis
anos.
A partir da primeira entrevista com a coordenadora pedagógica e a professora substituta, fomos
informadas sobre as prováveis dificuldades que cada aluno da turma apresentava.
Dos dezoito alunos, seis são considerados com dificuldades na aprendizagem que envolvem falta de
atenção, concentração e dificuldade motora. Outros seis apresentam, conforme a entrevistada,
dificuldades de relacionamento, falta de limites.
Em relação a entrevista efetivada pela professora regente no início do ano letivo junto aos pais, os
dados confirmam que de fato doze crianças apresentam alguma espécie de dificuldade que vai
desde as já citadas até as de caráter orgânico como o fato de duas dessas crianças apresentarem
hipertireoidismo e hipotireoidismo.
Por conseguinte a turma foi caracterizada como um todo no sentido de ser palco de grandes
questões relativas às dificuldades na aprendizagem e dificuldades atitudinais, “uma turma composta
por um grupo de crianças de apenas seis anos e que não conhecem limites” (Coordenação
pedagógica).
Na realidade nos defrontamos com uma turma que ainda não demonstrou toda a problemática
relatada, quando envolvida no jogo de xadrez, ao contrário já se pode observar modificações
positivas no que diz respeito a concentração durante as atividades propostas.
DISCUSSÃO
Como objetivo inicial da pesquisa, pensamos em oferecer as oficinas de xadrez em turno inverso,
porém ao entrar em contato com a escola, foi nos solicitado que fizéssemos intervenções semanais
em uma única turma do ensino fundamental, uma turma de 1° ano. A direção da escola fez este
pedido visto que cerca de seis alunos são considerados com dificuldades na aprendizagem, os quais
estão sendo observados conjuntamente com o restante da turma. Essa turma é considerada muito
agitada e sem limites, assim, a proposta foi aceita.
As intervenções vêm ocorrendo às quintas feiras no horário das 16.15 h á 17.15h, no decorrer das
atividades de classe.
Em cada oficina, iniciamos com uma atividade teórica relacionada geralmente a conceitos do jogo
de xadrez, a qual denominamos “desafio”, após a conclusão da atividade os alunos sentam-se em
duplas para manipular as peças do jogo, e jogar.
Entretanto, as informações ligadas diretamente com as dificuldades na aprendizagem ainda não
puderam ser plenamente observadas de forma individual, visto que a oficina encontra-se ainda em
fase inicial. Porém, enquanto grupo, já podem ser visualizadas mudanças atitudinais positivas e
significativas.
Como nos foi dito que a turma era muito agitada e tinha grandes dificuldades em acatar regras, ao
iniciar nossas atividades sugerimos à turma a construção de regras para participar das “aulas de
xadrez”, estas regras foram criadas pelos próprios alunos, para que fosse mais fácil lembrar dos
limites caso fosse necessário.
A aceitação da nova atividade foi unânime entre toda a turma, demonstraram grande interesse e
ansiedade em aprender o novo jogo e a sugestão de uma atividade teórica chamada Desafio,
entusiasmou o grupo.
Já na primeira intervenção foi possível perceber que a turma evidenciou substancial envolvimento
diante da nova atividade. As regras criadas por eles foram bem aceitas e, quando agiam de forma a
contrariá-las, apenas perguntávamos o que havia sido combinado e nada mais precisava ser dito.
Nas aulas seguintes ficou claro o acatamento às regras de convivência já que o jogo de xadrez é
repleto de regras que devem ser cumpridas para que este possa acontecer.
Outro dado digno de análise é a forma com que alguns alunos portam-se diante das dificuldades dos
colegas, tentando ajudá-los a executar as atividades. Cabe lembrar que uma das principais regras
elaboradas pela turma é auxiliar os colegas que têm dificuldades, pois alguns alunos já dominam o
jogo de xadrez. Essa forma de interação corrobora o aporte teórico de Vygotsky (1989), quando
afirma estar na relação proximal ou na zona de desenvolvimento proximal o espaço subjetivo e
objetivo da mediação.
Dentro dos desafios, sempre existem atividades de percepção visual, raciocínio lógico, e introdução
de novos conceitos. Os alunos já reconhecem todas as letras que compõem os nomes das peças do
jogo, visto que ainda não estão alfabetizados; Isso se deve ás atividades envolvendo exercícios
alfabetizadores que são oferecidas à turma durante a oficina. Essas servem de subsídio e ao mesmo
tempo em que potencializam o desenvolvimento da leitura e escrita. Na última oficina foram
trabalhados outros conceitos pertinentes ao jogo de xadrez, fazendo uso, também, de atividades
alfabetizadoras, que objetivavam a identificação e apropriação dos seguintes conceitos espaciais que
envolvem lateralização: linhas, fileiras e diagonais.
Por fim, relatos da professora da turma denotam o considerável prazer que as crianças demonstram
diante da atividade, porque no dia da “aula de xadrez”, esperam ansiosas a nossa chegada, muitas
falam que “adoram jogar xadrez”.
Apesar de uma prévia intervenção por meio de uma atividade desenvolvente como o jogo de
xadrez, estão sendo deveras significativas as transformações atitudinais, pois as crianças já estão
interiorizando a necessidade de regras para o satisfatório desempenho não somente no jogo, mas na
sala de aula.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ELKONIN, Daniil B. Psicologia do Jogo. São Paulo, Martins fontes, 1998.
MACEDO, L. de ( em co-autoria com PETTY , A.- L. S. & PASSOS, N. C.). Os Jogos e o
Lúdico na Aprendizagem Escolar. Porto Alegre: Editora Artmed, 2005.
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação.
Petrópolis, RJ:Vozes, 1995.
____________. Processos Cognitivos no jogo de Xadrez. Dissertação de Mestrado, UFPR,
Curitiba, 2004.
VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.