http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/224.htm


Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2

A INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL NO ENSINO REGULAR: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA MANAUENSE.
 Msc. Jocilene Maria da Conceição Silva
Faculdade TAHIRIH / ADCAM


RESUMO

O presente trabalho é  resultado de uma pesquisa realizada no ano de 2.006 que teve por objetivo principal, analisar como está sendo efetivada a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais em escolas públicas municipais de ensino regular. Para realização do estudo, utilizamos o método do estudo de caso e observação. Através dele, percebemos que  apesar de todas as dificuldades e falta de estrutura na maioria das instituições  educativas, algumas delas conseguem realizar um  trabalho pedagógico satisfatório, apontando que a inclusão  é  possível  de ser realizada,  dependendo somente da visão de mundo e formação adequada do educador, também  da existência de recursos didáticos próprios que favoreçam  o real desenvolvimento das potencialidades dos alunos com necessidades educacionais especiais que são incluídos. Portanto, relataremos uma experiência bem sucedida de inclusão de crianças com deficiência visual.

Palavras –Chave:  Inclusão, Deficiência Visual, Lei de Diretrizes e Bases.

Introdução

As discussões relativas a questão da inclusão em nosso país tornaram-se bastante freqüentes  à partir da década de 1990  com a aprovação da  nossa atual  Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN 9394/ 96), quando esta prevê que pessoas com necessidades   educacionais especiais  devem ser incluídas,  ocupando  salas de aula de escolas públicas ou privadas que ofereçam o ensino regular comum.  No seu Artigo 4º, inciso  III, diz o seguinte:

O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
III- atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino.


O Art. 59, também se refere ao atendimento de pessoas com necessidades educacionais especiais e em seu inciso I  afirma que

Os sistemas de ensino assegurararão aos educandos com necessidades especiais
I-currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender as suas necessidades.


De acordo com este mesmo Artigo em seu inciso II, a lei prevê  que pessoas com necessidades educacionais especiais devem ter

professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns.

Vale aqui ressaltar que esta Lei sofreu influências da Conferência de Jontiem, realizada na Tailândia em 1990, após a constatação da grande distância educacional  existente entre países ricos e países em desenvolvimento ( dentre os quais se enquadram os países da América Latina). Neste momento ficou estabelecido  que todos, independente de raça, credo, cor ou classe social, devem ter assegurados direitos sociais e educacionais.
A Conferência defendeu a igualdade entre todas as pessoas, consequentemente fortalecendo a antiga luta dos grupos excluídos, constituídos entre outros por afro-descendentes, idosos, homossexuais, indígenas, pessoas com necessidades educacionais especiais e jovens e adultos analfabetos e com poucos anos de escolarização. A Declaração de Salamanca, 1994, também reforça a inclusão de todos no sistema de ensino, pregando a educação completa de todas as pessoas independentemente das condições sócio-culturais ou bio-psíco- físicas.
Devemos também esclarecer que as preocupações dos organismos internacionais em efetivar a prática da inclusão é decorrente  dos resultados  do processo de globalização   e dos ideais neoliberais  que sustentam o citado processo, pois provocaram o aumento da exclusão e pobreza principalmente nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Segundo Castel (1997) “Exclusão social é o mais extremo ponto do processo de marginalização, que se traduz no processo de ruptura do  relacionamento entre indivíduo e sociedade”.
Para amenizar esta ruptura, os organismos internacionais lançaram as propostas de inclusão e em função disso, os países em desenvolvimento elaboraram seus documentos  com a finalidade de  atender  ao que foi proposto.
Após a promulgação da atual LDBN 9394/96, foi elaborado o Plano Nacional de Educação, também contemplando políticas de inclusão e os Estados e Municípios também foram convidados a elaborarem seus planos a fim de incluir a todos em seus respectivos sistemas educacionais, adequando-os para que se efetivasse também a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais.
No Município de Manaus não foi diferente, as Secretarias de Educação Estadual e Municipal aos poucos foram desativando as salas chamadas “especiais”, incluindo essa  clientela em salas de aula de ensino regular. Isso gerou várias discussões entre os educadores de ambas as redes de ensino e as suas opiniões com relação a inclusão proposta pelas secretarias, ficaram divididas, alguns estavam abertos para a idéia e outros ao contrario ,  não.
Esta pesquisa surgiu em função de grandes preocupações com relação a estas políticas de inclusão, por isto nos propomos a investigar como estavam sendo efetivadas nas  escolas municipais de ensino fundamental, pois sabemos que para a realização  da inclusão, não basta apenas os governantes efetuarem a matricula ou aumentarem o numero   de vagas na escolas públicas ,  também é necessário que haja um investimento na formação de professores e na aquisição de material didático pedagógico adequado, MANTOAN (2.003, p.235) reforça nossa idéia quando afirma que  para que haja a inclusão

é preciso proporcionar uma mudança nos serviços educacionais e ressignificar a compreensão que se tem dos alunos. Os professores devem buscar desenvolver novas atitudes e formas de interagir na escola, assim como ter a consciência de que os alunos seguem caminhos diferentes para aprender e de que isso é o normal.

Método

Para a efetivação da pesquisa, que ora relatamos, foi realizado um estudo de caso  onde procuramos compreender e explicar o fenômeno estudado através da observação  e da entrevista semi-estruturada. Chizzotti (1996, pg. 102) define o estudo de caso como:

Uma caracterização abrangente para designar uma diversidade de pesquisas que coletam e registram dados de um caso particular, ou seja, o caso é tomado como uma unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar o julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção.

Optamos por realizá-la em uma escola pública regular, localizada na zona oeste do  município de Manaus. A definição da escola foi impulsionada pelo fato de termos conhecimento de que nela havia um número considerável de alunos com necessidades educacionais especiais, incluídos, principalmente crianças hiperativas e com deficiência visual.

Relatando a história da inclusão escolar de um aluno com deficiência visual

Segundo a gestora da escola onde foi realizada a pesquisa, havia  uma criança com necessidade educacional especial em cada sala e para realizarmos a pesquisa  poderíamos observar o trabalho pedagógico de qualquer uma das professoras. Primeiramente efetivamos nosso trabalho em uma turma de 3° ano do 1° ciclo, entrevistamos  a professora  e passamos  a observar  sua prática pedagógica e o desenvolvimento de seus alunos. Essa professora possuía um aluno com deficiência visual.
Nas entrevistas realizadas com a docente, ela nos relatou que já era o segundo ano que o aluno estudava em sua sala, ele estudava desde 2.005. Explicou que o citado aluno não nasceu com a deficiência, quando completou  seis anos, sua mãe começou a perceber que aos poucos ele perdia a visão e o lado comprometido era o direito, procurou um oftalmologista que pediu vários exames e constatou que a criança tinha um tumor cerebral que estava aos poucos, à medida que crescia, prejudicando o nervo óptico.
O especialista que o atendeu falou que era necessária a realização de uma cirurgia de urgência, pois ele poderia perder a visão esquerda, em função da falta de recursos da família, a cirurgia só pôde ser realizada seis meses depois, quando a criança já perdera praticamente 85% de sua acuidade visual.
Após seu retorno para a escola, ele se comportava de forma muito agressiva com seus colegas, foi colocado em uma turma na qual a professora não tinha a paciência e o carinho devido com o aluno que cada dia ficava mais revoltado. Para tentar resolver a situação, a diretora e a pedagoga da escola resolveram trocar a criança de turma, foi assim que ele foi transferido para a turma da professora entrevistada.
Continuando seu relato, a professora falou que nunca havia trabalhado com criança com necessidades educacionais especiais, porém a diretora e a pedagoga disseram que iriam apoiá-la no que fosse possível, então decidiu aceitar o desafio. Ela disse que primeiramente queria conquistar a confiança do aluno, queria fazer com que ele se sentisse aceito por seus coleguinhas e por todos na escola. Com a ajuda da diretora e da pedagoga, conversaram com todos os funcionários, explicando que o aluno precisava de apoio, pois possuía limitações visuais, porém, esse fato não comprometia a parte cognitiva e ele poderia aprender tanto quanto os outros alunos. De acordo com estudos de Fortes (2005, p.23)

 é através de Instituições de ensino regular que se deve combater as atitudes discriminatórias, propiciando condições para o desenvolvimento de comunidades integradas, que é a base da construção da sociedade inclusiva e conseqüentemente obtenção de uma real educação para todos.

Aos poucos o aluno começou a responder positivamente se relacionando muito bem e sendo respeitado pos todos da escola. A diretora resolveu entrar em contato com a coordenadora do CMEE (Centro Municipal de Educação Especial) com a finalidade de  pedir orientações com relação a deficiência do aluno e falou sobre a possibilidade de conseguir vagas em  cursos de braille que eram oferecidos por esta instituição, para que não só ela, mas a pedagoga da escola e principalmente a professora pudessem cursar e assim melhor ajudar o aluno com deficiência visual.
A coordenadora do CMEE encaminhou um pedagogo especialista em educação especial para avaliar a situação da deficiência do aluno, por incrível que pareça, este pedagogo também era deficiente visual, era cego. Apesar de sua deficiência, detectou o problema do aluno, afirmando que o mesmo ainda possuía acuidade visual na extremidade esquerda do olho esquerdo e essa pouca acuidade que lhe restava deveria ser estimulada, ele orientou a diretora, a pedagoga e a professora a realizarem trabalho pedagógico adequado com o aluno.
Presenteou a criança com uma lupa, com vários cadernos de pauta ampliada, com uma lente de aumento em forma de régua. Pediu que a professora seguisse suas orientações e sempre entrasse em contato quando estivesse precisando de ajuda ou quando faltasse material . Isso tudo foi muito importante para o aluno, pois como afirma Schneider (2005.p 3):

as escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas dificuldades de seus alunos, acomodando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade para todos, mediante currículos apropriados, modificações organizacionais e estratégias de ensino. Para que a escola atue nessa perspectiva, torna-se necessária uma nova percepção acerca da educação. Trata-se da busca de uma renovação do sistema educacional, a fim de proporcionar uma aprendizagem satisfatória para todos os educandos.


A professora começou a trabalhar de acordo com as orientações do pedagogo, o aluno começou a reforçar a leitura (já era alfabetizado), a escrita, passou a acompanhar melhor todos os conteúdos e com isso obteve êxito, conseguindo ao final do ano escolar conceito satisfatório, sendo assim  aprovado para o 3° ano do 1° ciclo. 
Ao passar para esta série estava acompanhando muito bem e sua aprendizagem em nada se diferenciava da aprendizagem de seus colegas, a única diferença era que todos os textos que o aluno lia eram ampliados,  adaptados a sua deficiência  visual.

Conclusão (Discussão)
                        
Os resultados da pesquisa  desenvolvida na  instituição de ensino demonstrou que pessoas com necessidades educacionais especiais são tão capazes de aprender e adquirir novos conhecimentos quanto as demais pessoas.   Também ficou explicito que  apesar de todos os obstáculos encontrados  para a promoção das políticas de inclusão, algumas instituições   tem  encontrado formas de superação.
Porém, é necessário que esse processo (de inclusão) se torne mais abrangente, e   que nossos representantes governamentais não só demonstrem interesse em  ampliar o  atendimento educacional, mas também  destinem maiores quantidades  de verbas para a efetivação  dessas políticas, pois somente dessa maneira, as escolas poderão estar munidas  de recursos pedagógicos  e de docentes  com formação profissional adequada, capacitados de fato para  oferecer uma educação de qualidade para todo e qualquer aluno, com necessidades educacionais especiais ou não, que ingressarem no sistema educacional . A professora  entrevistada e observada prova que a inclusão de todos no sistema educacional público, é possível.
Percebemos que incluir exige uma ação em conjunto de todos os envolvidos no processo educacional, novas posturas e muita  reflexão  sobre a prática educativa, a fim de promover a aprendizagem de todos os alunos. Devendo-se, reconhecer que as dificuldades e avanços dos alunos com necessidades educacionais especiais não dependerão somente deles, mas também pode resultar da maneira que a educação é desenvolvida.


Referências Bibliográficas

CASTEL, R. As metamorfoses em questão social. Petrópolis: VOZES, 1998.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais . São Paulo. Cortez, 1996.

FORTES, Vanessa Gosson Gadelha de Freitas. A inclusão da pessoa com deficiência visual na UFRN: a percepção dos acadêmicos. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2005.

LDB nº9394/96 – Brasília, 1996.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2003.

SCHENEIDER, Magalis Bésser Dorneles. Subsídios para atuação pedagógica no cotidiano escolar inclusivo. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.br/art_subsidios_para_acao.asp>. Acesso em: 26 maio 2005.

UNESCO. Declaração de Salamanca sobre os princípios, política e prática em educação especial, 7 a 10 de junho de 1994. Disponível em <htpp://www.direitoshumanos.usp.Br/counter/Onu/Educação/texto/texto_2.html>. Acesso em: 29 set. 2004.