As últimas décadas foram marcadas por movimentos sociais importantes, organizados por pessoas com deficiência e por militantes dos direitos humanos, que conquistaram o reconhecimento do direito das pessoas com deficiência à plena participação social. Essa conquista tomou forma nos instrumentos internacionais que passaram a orientar a reformulação dos marcos legais de todos os países, inclusive do Brasil. Ao concordar com a Declaração Mundial de Educação para Todos, firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e ao mostrar consonância com os postulados produzidos em Salamanca (Espanha, 1994) na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, o Brasil fez opção pela construção de um sistema educacional inclusivo. Esses documentos ressaltam que os sistemas educativos devem ser projetados e os programas aplicados de modo que tenham em vista toda gama das diferentes características e necessidades dos alunos
Ø Portaria MEC nº. 1.679/99. Dispõe sobre os requisitos de acessibilidade a pessoas portadoras de deficiência para instruir processos de autorização e de reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições;
Embora, a implementação dessa sociedade inclusiva esteja apenas começando, a consecução do processo de inclusão de todos os alunos na escola básica ou na universidade não se efetua apenas por decretos ou mesmo leis, pois requer uma mudança profunda na forma de encarar a questão e de propor intervenções e medidas práticas com a finalidade de transpor as barreiras que impedem ou restringem o acesso e permanência de pessoas com deficiência.
O presente trabalho tem por objetivo apresentar um diagnóstico das condições de acesso e permanência de alunos que possuem deficiência numa Universidade Federal, afim de analisar as condições em que desenvolvem suas atividades didático-pedagógicas na Instituição, visando proporcionar à pessoa com deficiência maior autonomia, qualidade de vida e inclusão social.
A proposta metodológica para desenvolvimento desta pesquisa foi realizada através da abordagem qualitativa, através do estudo de caso. Segundo André e Ludke (1995) “essa abordagem de pesquisa tem preocupação maior com o processo do que com o produto” (p.44).
Inicialmente foi realizada pesquisa bibliográfica, e documental, a respeito da legislação sobre inclusão e necessidades educativas Especiais. Logo após foi realizada a identificação dos alunos com deficiência, através de cadastro da universidade, e foram entrevistados quinze alunos com deficiência matriculados, e quinze coordenadores de cursos, sendo aplicados questionários semi-estruturados.
As categorias de análise foram: Caracterização da pessoa com deficiência, caracterização da escolaridade anterior do estudante, condições de ensino e aprendizagem na educação superior e de acesso às tecnologias de informação e comunicação.
Do número de alunos entrevistados, dez deles, estão na graduação, e cinco em programas de pós-graduação. Cinco estudantes possuem deficiência visual, sendo quatro cegos e um com baixa visão; seis possuem deficiência física, sendo que quatro desses são cadeirantes, quatro possuem deficiência auditiva. Nove são do sexo feminino e seis do sexo masculino. As idades desses alunos variam de 19 a 35 anos. Os cursos freqüentados por esses alunos são: Graduação em: Administração de Empresas (uma aluna), Ciências Contábeis (uma aluno), Direito (total de dois: um aluno e uma aluna), Enfermagem (uma aluna), Engenharia Elétrica (um aluno), Engenharia Sanitária e Ambiental (um aluno), Letras (uma aluna) e nos cursos de Pós-Graduação: Mestrado em Administração (uma aluna), Mestrado em Música (um aluno) , Mestrado em Educação (total de duas alunas), Doutorado Multisciplinar em Cultura e Sociedade (um aluno), Nutrição (uma aluna) e Psicologia (uma aluna).
Houve unanimidade entre os alunos entrevistados sobre o bom atendimento às suas necessidades especiais no processo seletivo do vestibular. Houve ampliação do tempo de prova em braile, adaptações de rampas, sanitários, e mobiliário.
Por outro lado, respostas sobre suas condições de permanência depois de ingressarem na Universidade não evidenciaram o mesmo acolhimento recebido durante o processo seletivo. Observou-se que, a permanência do aluno com deficiência na instituição tem sido exclusivamente, promovida, através da sensibilização de professores, coordenadores de curso, e da família. Isto segundo eles, é por conta da carência das condições materiais e, principalmente do despreparo dos professores para a interação com as suas necessidades específicas. Alguns deles contaram com o apoio dos coordenadores de colegiado e chefes de departamento que vêm oportunizando as condições necessárias para o desempenho das atividades, a exemplo, de mudança de sala de aula para locais onde o acesso não seja por meio de escadas (para os alunos com deficiência física). Para isto, às vezes se faz necessária à negociação entre professores do departamento para que cedam espaços já ocupados por outros professores, ou disponibilidade de apontamento de aulas de professores para o aluno fotocopiar, ou copiar arquivo digitalizado, bem como disponibilidade de computadores de projetos de pesquisas para que o aluno tenha acesso a internet ou edite seus textos.
Foi relatado por um aluno com deficiência física, que precisava de carteira adaptada para assistir as aulas, e que devido a demora na aquisição da mesma pela Universidade, foi necessário adquirir com recursos próprios a mesa utilizada para apoio as suas atividades didáticas no curso de Engenharia Elétrica, pois, segundo ele, não dava mais para aguardar uma solução da direção da Universidade, pois já fazia um mês do início das aulas.
Um dos alunos entrevistados, com baixa visão, não tem recursos próprios para adquirir tecnologias de ajuda. Ele possui muita dificuldade para acompanhar as aulas do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental, pois não conta com nenhum recurso tecnológico para ampliação dos textos, e as aulas não são ministradas através de projeção e multimídia. Isto certamente facilitaria o aumento da letra na exposição dos professores.
Resultados da presente pesquisa ainda indicaram a minimização de barreiras arquitetônicas, em alguns prédios da IES em estudo, com a construção de algumas rampas de acesso, elevadores, e banheiros adaptados. No entanto, isto apenas, não consegue promover a acessibilidade física plena. Faltam pistas táteis, corrimão em corredores e salas de aulas, e sinalização visível das vagas para os deficientes nos estacionamentos das unidades. Além de serviço de transporte, para aqueles que não possuem carro próprio, dentro do campus, possibilitando ao deficiente físico / cadeirante, dirigir-se com maior mobilidade a diferentes unidades onde eles possuem aulas. Para o aluno que não possui carro da família a sua locomoção aos diferentes espaços onde possuem aulas, essa situação ainda é muito mais difícil. Como afirma o depoimento de um aluno cadeirante abaixo:
Quanto ao acesso às tecnologias da informação e comunicação, dos quinze alunos, quatorze possui computadores em sua residência, com acesso à internet banda larga, realizam a edição de todos os seus trabalhos acadêmicos em casa, e acessam e-mail diariamente. Por outro lado, uma das alunas relatou que, por conta da falta de acessibilidade do laboratório de sua Unidade de Ensino, ela tem que acessar a internet em lan house do bairro onde mora, ou se deslocar até o setor Braile da Biblioteca Central do Estado da Bahia para edição dos seus trabalhos acadêmicos.
Sobre adaptações curriculares para atender ao aluno deficiente, dos quinze coordenadores de cursos entrevistados, apenas cinco declararam que existe ampliação do tempo para a realização das provas, monitoria para colaborar com aprendizagem desses alunos, assim como ampliação do tempo de curso para aqueles que necessitarem.
Outra questão considerável é o pouco número de estudantes com deficiência que têm acesso a IES em estudo, esse número ainda é insignificante em face ao número de estudantes que tem a instituição, aproximadamente 20.000 alunos. Verifica-se, assim, que além de uma política de permanência, a universidade deve promover uma discussão na sociedade sobre a política de acesso ao ensino superior público, oportunizando alternativas, tais como curso de pré-vestibular, entre outras ações, que minimizem a falta de oportunidade desses estudantes excluídos de contextos educativos regulares.
Pesquisas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) indicam que o ingresso do aluno com necessidades educacionais especiais na universidade aumentou nestes últimos anos. Segundo os dados do INEP, as matrículas passaram de 2.155 para 6.022 em cinco anos, se considerados os alunos superdotados, os matriculados subiram de 2.173 para 6.328 e o aumento percentual foi de 191%. Isto representa um avanço, mas ainda há muito trabalho a ser feito para que se concretize sua inclusão plena, visto que, existe um contraste muito grande entre as diversas regiões do país, a exemplo o Nordeste e o Norte, estão com menores índices de matriculados.
Os dados deste mesmo Censo revelam que 49% das 6.328 matrículas de alunos com necessidades especiais estão em Instituições de Educação Superior localizadas na Região Sudeste. A seguir vêm o Sul, com 24% desse total, e o Centro-oeste, com 14%. O Nordeste e o Norte concentram, respectivamente, 9% e 4% desse universo de estudantes.
De acordo com as estatísticas do Censo da Educação Superior 2005, o tipo de deficiência mais freqüente entre os alunos com necessidades especiais matriculados nas Instituições de Educação Superior é a física (38%). A seguir vêm os estudantes com deficiência visual, que representam 32% do total. Já os deficientes auditivos detêm 23% dessas matrículas.
O Censo aponta também que o maior crescimento foi nas instituições de ensino superior privadas. Em 2000, as universidades públicas tinham 52,23% (1.135 alunos) do total de matriculados com necessidades especiais (incluindo os superdotados) e as privadas, 47,77% (1.038 estudantes). Já os números de 2005 mostram que 67% (4.247) dos alunos nessa categoria estudavam em entidades particulares. Neste sentido, justifica-se o pouco número de estudantes na IES em estudo, já que, o maior número de alunos com deficiência se encontra matriculado em instituições superiores privadas. É necessário que as pesquisas apontem porque se justifica esse aumento crescente nessas instituições, que condições de acesso e permanência elas estão oportunizando, ao mesmo tempo, é importante que se avalie o Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e suas reais contribuições para o campo em questão.
Apesar dos dados estatísticos indicarem um salto no número de matrículas, o desafio de uma educação inclusiva na educação superior precisa ainda alcançar dados qualitativos, falta concretizar políticas públicas que atendam e respeitem as especificidades de cada aluno com deficiência, medidas que atendam a diversidade.
Segundo Miranda (2006, p.07) “o Brasil está em um momento, no qual a democratização do acesso e permanência na universidade de grupos socialmente desfavorecidos está obtendo maior espaço”. No entanto, é preciso que a legislação sobre acessibilidade da pessoa com deficiência no ambiente universitário seja mais respeitada, e o atendimento das especificidades de cada tipo de deficiência sejam implementadas tanto por instituições públicas como privadas, aqui o MEC deve estar acompanhando, não apenas a autorização, mas o funcionamento destas instituições. Pois,
Como podemos verificar, além de demandas materiais, outras questões ligadas às práticas pedagógicas dos professores se fazem necessárias. A formação de professores no magistério superior, para áreas que não são pedagógicas, geralmente, não conta com disciplinas que preparem para o ensino em seus currículos. Por isso, os professores desconhecem as questões relacionadas às necessidades educativas especiais.
REFERÊNCIAS
LÜDKE, Menga, ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MIRANDA. Theresinha Guimarães. A inclusão de pessoas com deficiência na universidade. Anais do II Seminário de Pesquisa em Educação Especial. UFES: Vitória/ES, 2006. ISBN 85-99643-03-7.
SILVA, Silvana Maria Moura Da; & CHAHINI, Thelma Helena Costa. Educação Superior: os desafios do acesso e da permanência de alunos com deficiência auditiva em São Luís do Maranhão. XVIII Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste, UFAL: Maceió/AL, 2007. ISBN 978-85-7177-330-1.