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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
DISCUTINDO A INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA MENTAL NO
ENSINO REGULAR A PARTIR DA PROPOSTA DO SISTEMA DE APOIOS DA
ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE RETARDO MENTAL (AAMR) DE 2002
Márcia Denise Pletsch
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro – UERJ
RESUMO
O texto discute a contribuição que o sistema de apoios, elaborado em 2002 pela Associação
Americana de Retardo Mental (AAMR), poderia dar ao desenvolvimento social e acadêmico de
pessoas com deficiência mental incluídas no ensino regular. Trata-se de uma concepção
“multidimensional”, mais complexa que as anteriores, na medida em que articula questões sócio-culturais e de saúde em prol do desenvolvimento da pessoa com deficiência mental. Acreditamos
que, com o devido sistema de apoios, seja possível a inclusão em classe regular de crianças com
deficiência mental, com desenvolvimento social e aprendizagem real.
Palavras-chave: Deficiência mental; Educação Inclusiva; Sistemas de apoio AAMR (2002)
Nos últimos anos, vem crescendo, no Brasil, o discurso em prol da “Educação Inclusiva” como
parte das políticas de “inclusão social”, sobretudo, a partir da Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994). À luz desta proposta, a educação de alunos com necessidades educacionais
especiais — até pouco tempo segregada em classes e escolas especiais — vem se constituindo,
em consonância com as políticas educacionais vigentes, num dos desafios para os sistemas de
ensino regular. Entre outros pontos, a Declaração de Salamanca propõe que “todas as escolas
deveriam acomodar a todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais
sociais, emocionais, lingüísticas ou outras (...)” (p. 17-18). Neste sentido, o termo “necessidades
especiais” amplia a sua abrangência, incluindo desde pessoas com dificuldades de aprendizagem
decorrentes de condições econômicas e socioculturais, até pessoas com todo tipo de deficiência.
No que se refere a “Educação Inclusiva” ou “escola inclusiva”, compreendemos que é um
processo no qual a escola tenha condições estruturais físicas e de recursos humanas para acolher
e oferecer condições democráticas de participação de todos os alunos — independentemente de
sua condição social, racial, cultural ou de desenvolvimento —, no processo de ensino-aprendizagem. Defendemos que é um processo no qual a escola possa não só promover o acesso
e a permanência, mas também, o aproveitamento social e acadêmico, levando em consideração
as singularidades de cada um, com ou sem apoio especializado.
No entanto, apesar de reconhecer que o conceito de “Educação Inclusiva” e o termo
“necessidades educacionais especiais” guardam um significado amplo, neste trabalho,
empregaremos os mesmos tão-somente para dirigirmos-nos às pessoas que apresentam
dificuldades educacionais em decorrência de deficiências, condutas típicas e altas habilidades,
mais especificamente com deficiência mental, que compõem numericamente o maior quadro entre
as deficiências atendidas nas redes especiais e regulares de ensino. Isto ficou evidente nas
estatísticas recentes do Ministério da Educação que indicam que das 566.753 matrículas
efetuadas na Educação Especial, em suas possibilidades de classes especiais ou escolas regulares
inclusivas, em 2004, 291.544 foram compostas de alunos identificados com deficiência mental,
o que representa 51,4% do universo total de matrículas (BRASIL, 2005).
Cabe destacar que, essa delimitação do grupo ao qual estamos nos dirigindo é importante, pois o
que se tem visto é o emprego indiscriminado da expressão “Educação Inclusiva” associada a
slogans vagos em prol da “diversidade humana” sem qualquer crítica sobre a real necessidade do
aluno e das condições sociais nas quais ele vive. Ou ainda em discursos do tipo “todos temos
necessidades educacionais especiais”. Esse tipo de discurso parece confundir os fins com os
meios, pois acaba deixando de lado a questão das especificidades e dos apoios. Por exemplo,
uma criança com deficiência mental, independentemente do grau de sua necessidade, como
discutiremos mais adiante, requer estratégias pedagógicas diferentes daquelas necessárias para a
educação de uma criança que apresenta dificuldades no seu processo ensino-aprendizagem por
razões emocionais ou pela precariedade de suas condições socioeconômicas. Além disso, é claro
que todos nós, temos sim necessidades especiais, características que nos são inerentes, como a
afetividade que nos prende aos nossos familiares e antes queridos, diz Correia (2003). Contudo,
no contexto de sala de aula não podemos ignorar as peculiaridades de nossos alunos.
Em outros termos, defendemos que a prática e o discurso em prol da “inclusão escolar” de
crianças com deficiência, não pode negar ou minimizar a existência de necessidades educacionais
específicas, muito menos prescindir do uso de recursos pedagógicos, materiais e/ou apoios
especializados para atender as suas demandas. Ferreira & Ferreira (2004) reforçam nosso
argumento ao sinalizarem que o uso do conceito de “necessidades educacionais especiais” “sem
valorizar – ao menos em tese – a distinção de tipos ou graus de dificuldades pode levar a
posturas pedagógicas generalizantes, reforçando os processos de constituição da identidade das
pessoas com deficiência que tem sido vivido no contexto social“ (p. 36).
Partindo desse pressuposto, faremos uma reflexão sobre a inserção de pessoas com deficiência
mental no ensino regular e as possibilidades do sistema de apoios da Associação Americana de
Retardo Mental (AAMR) de 2002, para o desenvolvimento social e acadêmico desse alunado.
Nossa opção pela AAMR (2002) se justifica por tratar-se de uma concepção mais complexa
(“multidimensional”) que as anteriores, na medida em que articula questões sócio-culturais e de
saúde em prol do desenvolvimento da pessoa com deficiência mental. Ademais, vem sendo
adotada pelo Ministério da Educação brasileiro.
Durante muito tempo, a deficiência mental foi confundida e tratada como “doença mental”. Os
próprios termos utilizados para nomeá-la foram enormemente influenciados pelo saber médico:
idiotia século XIX, debilidade mental e infradotação início do século
XX, imbecilidade e
retardo mental (com seus níveis leve, moderado, severo e profundo) e déficit
intelectual/cognitivo final do século XX. Apenas muito recentemente chegou-se ao termo
deficiência mental.
No Brasil, a definição e classificação de deficiência mental empregadas até meados da década
atual seguiam a indicação da AAMR cunhada em 1992, centrada em quatro dimensões: a)
rendimento intelectual e capacidade de adaptação; b) considerações psicológicas e emocionais;
c) considerações físicas e de saúde; d) considerações ambientais.
Essa concepção, revista em 2002, ampliou-se para cinco dimensões e passou definir a deficiência
mental como “limitações significativas, tanto no funcionamento intelectual quanto no
comportamento adaptativo, expressas nas habilidades adaptativas, conceituais, sociais e práticas.
Essa incapacidade tem início antes dos dezoito anos de idade” (AAMR, 2002, p.20).
Destacamos que a mudança na concepção de classificação e definição da deficiência mental
proposta pela AAMR deu um importante passo, ao passar de uma concepção puramente
quantitativa, com base em testes psicométricos (testes de QI)1, para uma concepção social,
histórica e cultural. Isto inaugura a possibilidade de novas práticas a serem realizadas para o
desenvolvimento das pessoas com deficiência mental, especialmente as que apresentam
necessidades mais acentuadas, na medida em que se volta para o entendimento do meio social
específico onde vivem. Dessa forma, poderá contribuir para a melhora da qualidade de vida
dessas pessoas (PLETSCH, 2006).
1 Coeficiente de inteligência (QI). É um índice que calcula a inteligência pela relação entre a idade mental da
criança e sua idade cronológica (idade mental/idade cronológica x 100). Segundo a classificação do teste de
inteligência Stanford–Binet, a deficiência leve teria QI entre 68 e 52, a moderada entre 51-36, a severa entre 35-20 e a profunda abaixo de 20 (MAZZOTTA, 1987, p. 10).
As cinco dimensões da nova classificação (AAMR, 2002) dizem respeito a diferentes aspectos
do desenvolvimento da pessoa com deficiência mental, do ambiente em que vivem e dos apoios
de que dispõe. Tais dimensões são as seguintes:
Ø As habilidades intelectuais referem-se à capacidade de raciocínio,
planejamento, solução de problemas, pensamento abstrato, compreensão de idéias
complexas, rapidez de aprendizagem e aprendizagem por meio da experiência.
Ø O comportamento adaptativo é definido como o “conjunto de habilidades
conceituais, sociais e práticas adquiridas pela pessoa para corresponder às demandas da
vida cotidiana” (CARVALHO & MACIEL, 2003, p.151).
Ø A dimensão da participação, interação e papéis sociais diz respeito às
relações do sujeito na vida de sua comunidade e aos papéis sociais que ele desenvolve
(como trabalho, recreação ou atividades de lazer).
Ø Já a saúde refere-se às condições de saúde (diagnóstico clínico) da pessoa,
incluindo fatores etiológicos, físicos e mentais.
Ø Por fim, o contexto diz respeito às
condições inter-relacionadas nas quais a
pessoa vive.
A partir das dimensões acima resumidas, a AAMR desenvolveu um sistema de apoios (recursos e
estratégias) para favorecer o “desenvolvimento”, a “autonomia”, a “integração” e a “inclusão
escolar e social” de pessoas com deficiência mental, com base na chamada teoria ecológica2.
Esses apoios podem ser de dois tipos: naturais e serviços. Conforme a interpretação de Fontes,
Pletsch, Braun & Glat (2007), o primeiro se refereria aos recursos e as estratégias usadas pelo
próprio sujeito com deficiência e por sua família para o seu desenvolvimento, como por exemplo,
o apoio dos pais para realizar atividades domésticas. O segundo, por sua vez, diria respeito às
estratégias e recursos usados no desenvolvimento do sujeito com deficiência por profissionais da
educação, saúde e assistência social.
2 Para os leitores que tiverem interesse em aprofundar conhecimentos sobre o enfoque ecológico sugerimos o
texto de Krebs (2005) que trata do tema com base na Teoria dos Sistemas Ecológicos e Biológicos de
Bronfenbrenner.
Lembramos que a intensidade dos apoios varia entre as pessoas, situações e estágios da vida,
pois como dizem Fontes et al (2007, p. 7) “nem todos os sujeitos com diagnóstico de deficiência
mental têm o mesmo nível de desenvolvimento, comportam-se da mesma maneira, ou têm as
mesmas necessidades educacionais especiais; conseqüentemente não podem ser considerados
como constituindo um grupo homogêneo”. Por isso, os apoios devem ser variados tanto na
duração quanto na intensidade. Para tal, a AAMR (2002) sugere quaro tipos de apoios:
a) Apoio intermitente — utilizado esporadicamente, quando necessário, em fases de mudanças
bruscas na vida da pessoa e/ou situações específicas de aprendizagem, como por exemplo, no
ingresso do aluno da classe regular.
b) Apoio limitado — oferecido por tempo limitado: ingresso na escola, treinamentos para
ingressar no mercado de trabalho.
c) Apoio extensivo — oferecido de forma periódica e regular, podendo se estender sem
limitação de tempo para determinados ambientes, por exemplo, escola, trabalho ou casa ou ainda
para adaptação no campo profissional.
d) Apoio pervasivo ou generalizado — é constante e intenso, disponibilizado em todos os
ambientes durante toda a vida; em geral são realizados por uma equipe com diferentes
profissionais.
Com base no sistema de apoios, acreditamos que seja possível a inclusão em classe regular de
crianças com deficiência mental, com desenvolvimento social e aprendizagem real. Sendo assim,
no contexto atual da educação brasileira — em que se tem um número grande de alunos por
turma, professores sem formação adequada, altos índices de analfabetismo e evasão escolar,
entre tantos outros problemas —, parece-nos pertinente afirmar que a Educação Especial poderia
atuar como um conjunto de recursos pedagógicos voltado para o apoio ao ensino regular com
alunos com deficiência mental incluídos em suas salas de aula. Não é demais lembrar que a
escolha do tipo de apoio precisa levar em consideração a opção que proporcione mais benefícios
ao aluno.
Ressaltamos também a necessidade de mudanças nos serviços especializados, para que as
propostas desenvolvidas pela Educação Especial se adeqüem ao processo de ensino inclusivo
não como “reforço pedagógico” ― como comumente temos observado ―, mas sim como uma
alternativa articulada ao ensino regular, lançando mão de recursos e métodos adaptados para um
efetivo processo ensino-aprendizagem.
Por fim, a colaboração entre ensino regular e Educação Especial constitui condição necessária,
mas não suficiente, para que ocorra o sucesso escolar real do aluno com deficiência mental. É
preciso não apenas que a educação escolar como um todo seja de fato uma prioridade na agenda
política brasileira, como também transformar concepções sobre as peculiaridades de cada um,
criando uma nova cultura escolar.
Referências bibliográficas
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sistemas de apoio (2002). 10ª edição. (tradução Magda França Lopes). Editora: ARTMED,
Porto Alegre, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Números da
Educação
Especial no Brasil. Brasília: MEC/SEESP, 2005.
CARVALHO, E. N. S. de & MACIEL, D. M. M. de A. Nova concepção de deficiência
mental segundo a American Association on Mental Retardation: AAMR: sistema 2002.
In: Revista Temas de Psicologia da SBP. v. 11, nº 2, p. 147-156, 2003.
CORREIA, M. de L. Educação Especial e Inclusão: quem disser que uma sobrevive sem a
outra não está no seu perfeito juízo. (Coleção Educação Especial), nº 13, Porto Editora,
Porto/Portugal, 2003.
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FERREIRA, M. C. C. & FERREIRA, J. R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas
pedagógicas. In: GÓES, M. C. R. & LAPLANE, A. L. F. de (Orgs.). Políticas e práticas de
educação inclusiva, Editora Autores Associados, p. 21-48, São Paulo, 2004.
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Especial: propostas que se complementam no contexto da escola aberta à diversidade. In
Revista Educação, Santa Maria, 2007 (no prelo).
KREBS, R. A educação inclusiva e a teoria dos sistemas ecológicos. In:
RODRIGUES, D. KREBS, R.; FREITAS, S. N. Educação Inclusiva e necessidades
educacionais especiais. Editora da UFSM, Santa Maria/RS, 2005.
MAZZOTA, M. J. da S. Educação escolar: comum ou especial. Pioneira, São
Paulo, 1987.
PLETSCH, M. D. Compreendendo a deficiência Mental em sua
multidimensionalidade. Palestra proferida no 10º Congresso Estadual das APAEs
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UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades
Educativas Especiais. Brasília: CORDE, 1994.