http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/249.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
INCLUSÃO SOCIAL: A INTERFERÊNCIA DE SEGMENTOS SOCIAIS
DIFERENCIADOS NA TREJETÓRIA EDUCACIONAL DE UM ALUNO
Lauren Mariana Mennocchi
(Curso de Psicologia – UNESP/ Bauru)
Lúcia Pereira Leite
(Departamento de Psicologia – UNESP/ Bauru)
Sandra Eli S. Oliveira Martins
(Departamento de Educação – UNESP/ Marília)
RESUMO
Os princípios da Educação Nacional determinam que
a escola estruture um conjunto de ações
e recursos necessários à garantia de acesso e permanência de todos os alunos na escola. Para que
sejam efetivos esses esforços, a inclusão, enquanto uma proposta de política pública, estabelece
ações que devem ser apresentadas por diferentes agentes, além da instituição escolar, tais como tais
como o governo, as instituições formadoras de educadores, as próprias pessoas com necessidades
educativas especiais, suas famílias, dentre outras. Partindo destes princípios, foi proposto um
programa de educação continuada para professores da rede municipal de ensino de uma cidade do
interior do estado de São Paulo com vistas à viabilização e construção de um sistema educacional
inclusivo. Dentre os objetivos do trabalho, buscou-se acompanhar casos específicos de alunos com
necessidades educativas especiais e oferecer de suporte técnico e cientifico aos educadores,
diretores e gestores da educação no município através de um projeto de educação continuada. O
caso a ser relatado neste trabalho refere-se a uma criança de nove anos, do sexo masculino, com
histórico escolar de agressão a colegas e professores, fugas da sala de aula e dificuldades de
aprendizagem dos conteúdos escolares. Como forma de implementar ações que pudessem
favorecer o acesso deste aluno ao contexto regular de ensino foi proposto, que a escola revisse seu
papel institucional que a compete, não assumindo funções familiares e assim, fazendo com que a
família reafirmasse o seu posicionamento perante o filho mediante orientação médica e psicossocial.
Foi proposta também a redefinição das normas da sala de aula, do papel do aluno e do professor, a
criação de oportunidades de aprendizagem de atitudes valorizadas no grupo do qual faz parte e a
sinalização de momentos diferenciados de exigência e de troca de afeto. Buscou-se não incentivar
as fugas da sala de aula e a mobilização excessiva em decorrência das ações realizadas pelo aluno,
assim como a reversão do modo como ele recebia atenção em razão de ações inadequadas. A
pensar no cuidado dos diversos agentes envolvidos na elaboração e implementação de tais ações,
os resultados previstos poderiam ter sido atingidos. No entanto, a inclusão social não se faz somente
a partir das ações de agentes educativos. Como um fenômeno complexo, outras instâncias sociais
participam na implementação de suas práticas. Enquanto instância máxima, o Poder Judiciário
determinou o afastamento da criança do contexto escolar e sua institucionalização, considerando-a
como uma ameaça à comunidade escolar. Diante de tal decisão, coube aos profissionais da
educação associados a outros setores como o serviço social e de saúde fazer o possível, ouvindo os
interesses da criança, de sua família e oferecendo suporte para que pudessem ser preservados os
laços afetivos entre eles e preparadas as condições mais favorecedoras ao desenvolvimento do
aluno quando do seu retorno a escola. Infelizmente, os dados apresentados, com certeza, não
refletem o resultado esperado pela equipe da educação, mas, sobretudo, demonstram como outros
profissionais envolvidos com o contexto inclusão social, compreendem educação inclusiva. Com
intuito de enriquecer esse debate, este estudo pretende adicionar ao discurso científico, situações de
insucesso no movimento de transformação da sociedade com o processo de inclusão social e
educacional.
Introdução
A LDB 9394/1996 (Lei Diretrizes e Bases da Educação) e o Plano Nacional de Educação
determinam que a escola se mobilize para estruturar um conjunto de ações e providenciar recursos
necessários que garantam o acesso e a permanência de todos os alunos na escola.
Nenhum profissional de educação nega a importância da inclusão, no entanto, muitos se
mostram resistentes ao atendimento do aluno com necessidades educacionais especiais. É usual
observar, por parte dos professores, o relato de receituários e a formalização de passos bem
definidos para conduzir o processo de ensino e de aprendizagem desses alunos, dentro e fora da
sala de aula comum (MANTOAN, 2001; ARANHA, 2004; FERREIRA, 2004; GÓES, 2004).
Ao considerar que o estabelecimento da educação inclusiva ainda é recente em nosso país,
novas propostas de Formação Continuada surgem para promover uma contínua reflexão dos
profissionais do ensino sobre os métodos e conhecimentos teóricos da aprendizagem dos alunos.
Quando se pretende modificar as concepções e conseqüentemente as práticas dos
professores, é necessário que haja a discussão sobre o modo como concebem o processo de
ensino aprendizagem, suas percepções sobre a escola e suas relações com a sociedade, a fim de
possibilitar novas formas de atuação (LEITE, 2003; MAZZEU, 1998; RUEDA 1996).
Na perspectiva educacional inclusiva entende-se que a diversidade faz parte da natureza
humana e, portanto, o trabalho pedagógico deve, necessariamente, ser diverso e adequado, para
garantir a aprendizagem de todos os alunos, por maiores que sejam suas diferenças.
Os princípios da inclusão aplicam-se a todos e não apenas aos alunos com deficiência,
necessidades educacionais especiais ou, ainda, que apresentem situação de desvantagem econômica
e/ou social. Retratam a possibilidade de que os alunos com necessidades educacionais ou não
possam se beneficiar do ensino regular.
É nesse sentido que esforços estão sendo mobilizados para a construção de um saber teórico
e prático para dar suporte à implementação da educação inclusiva, possibilitando soluções a essas
dificuldades sinalizadas.
De acordo com o exposto, foi elaborado e executado um programa de educação continuada,
pelas docentes autores deste trabalho em parceira com a Secretaria de Educação de um município
do interior do estado de São Paulo, para fornecer suporte técnico e cientifico na viabilização da
construção de um sistema Educacional Inclusivo1.
1 Projeto realizado com apoio financeiro do Núcleo de Ensino – Reitoria UNESP
Com esse programa, criou-se uma equipe de profissionais educadores para atuar no Serviço
de Apoio Pedagógico Especializado em cada unidade escolar do município. Tais profissionais
assumiram funções, dentre as quais avaliar as necessidades educacionais especiais dos alunos, bem
como definir as formas de atendimento destes; avaliar as necessidades de atendimentos
complementares dos alunos com necessidades educacionais especiais, na área da saúde ou outra;
oferecer atendimento pedagógico especializado aos alunos com necessidades educacionais
especiais; acompanhar os atendimentos realizados fora do ambiente escolar; orientar os professores
e os familiares sobre o desenvolvimento educacional dos alunos com necessidades educacionais
especiais e proporcionar maior convívio dos alunos com necessidades educacionais especiais com
seus colegas, dentro da escola, na família e na comunidade.
O caso a ser descrito nesse trabalho é de um dos alunos beneficiados por esse programa.
Ressaltaremos as ações realizadas bem como a importância e participação de diversos setores da
sociedade para o sucesso e viabilização da inclusão educacional e social.
Método
O caso a ser relatado neste trabalho refere-se a uma criança de nove anos, do sexo
masculino, com histórico escolar de agressão a colegas e professores, fugas da sala de aula e
dificuldades de aprendizagem dos conteúdos escolares.
Como forma de implementar ações que pudessem favorecer o acesso deste aluno ao contexto
regular de ensino foi proposto, que a escola revisse seu papel institucional, não assumindo funções
familiares e assim, fazendo com que a família reafirmasse o seu posicionamento perante o filho
mediante orientação médica e psicossocial.
Foi proposta também que se documentasse toda atitude tomada pela equipe envolvida no
atendimento do aluno; acompanhasse posicionamento médico; estreitasse vinculo com a psicóloga
na tentativa de um trabalho conjunto e traçasse um plano de ação a curto e médio prazo, delegando
funções diferentes a todos os profissionais da escola.
Para o profissional do serviço de atendimento especializado, foi proposto que ele, junto com o
professor do ensino regular, buscasse redefinir as normas da sala – inclusive o papel do aluno e do
professor, resgatar a autoridade do professor; criar atitudes de valorização do aluno; colocar que o
coletivo de sala impera sobre as atitudes individuais; fazer que ele aprenda ter atitudes valorizadas
pelo grupo; mostrar que há momentos de firmeza, mas em outros incentivar a troca de afeto, por
exemplo, o abraço; mostrar que tem aspectos acadêmicos que ele não sabe e que pode aprender;
não incentivar as fugas da sala e não demonstrar mobilização excessiva por conta das ações
realizadas pelo aluno.
As ações planejadas para o aluno referem-se a situações de valorização e resgate de auto-estima (por exemplo,
solicitar que a criança construísse um livro da sua vida, pedindo que trouxesse
fotos dela e de sua família. Com essa estratégia, pretendia-se investigar a concepção da criança
sobre si mesma e a sua percepção como membro de sua família); reverter o modo como recebia
atenção dos colegas e profissionais da escola, ressignificando seu universo de relações com os
famílires, amigos, vizinhos, e colegas da escola; entre outras.
Resultados
Todas as ações descritas foram pensadas e planejadas em conjunto, no entanto, sua história
de insucesso em uma escola do município, antes da revisão das ações sugeridas pela equipe de
assessoria em parceria com os profissionais do SAPE, inviabilizaram a execução do programa da
forma prevista nesta escola.
Compreendendo que a inclusão social se faz a partir e com diferentes agentes sociais, tais
como o governo, as instituições formadoras de educadores, as escolas, as pessoas com
necessidades educacionais especiais e suas família, buscou-se ampliar as possibilidades de atuação
da educação neste contexto, associando a elas as possibilidades de atuação de outros setores
sociais como o serviço social, os setores de saúde e os próprios membros do Poder Judicial.
Professores, coordenadores e diretores não mais acreditavam na possibilidade de atender
aquela criança. Diante de outros episódios de agressão, que acabaram por levar o caso ao âmbito
judicial, uma decisão do Poder Judiciário determinou o afastamento da criança do contexto escolar,
considerando-a como uma ameaça para os profissionais desta escola.
Frente a essa decisão, a equipe da diretoria de ensino e da coordenação do SAPE (Serviço
de Apoio Pedagógico especializado) embora não negando matricula desta criança em outra unidade
escolar do município, não pode mais agir em relação ao caso. Mesmo respeitando os limites de
atuação de cada segmento envolvido, a criança não poderia ser excluída da possibilidade de
freqüentar uma escola e não poderia ser abandona a própria sorte nas ruas. Tanto ela como sua
família precisavam de apoio. Para tanto, novas ações foram planejadas, agora de forma conjunta a
outros serviços.
A família foi advertida diante da determinação judicial de afastar o aluno da escola e da
possibilidade de ser institucionalizado. Através do acompanhamento de uma psicóloga e uma
assistente social, a família foi orientada e instruída a assumir o seu papel na educação e cuidados
com aquela criança.
Com a criança, foram intensificados os acompanhamentos médico e psicológico. Foram
ofertados ainda outros serviços que pudessem auxiliar no desenvolvimento da criança tais como
atividades de lazer, recreativas e educacionais e ocupar seu tempo livre, uma vez que a criança
passava o dia todo pelas ruas da cidade pedindo esmolas e praticando pequenos furtos.
No entanto, a decisão judicial de afastamento da criança do contexto escolar permanecia e a
possibilidade de institucionalização ainda era uma ameaça.
Discussão
Mesmo diante de todos os esforços de diversos setores da sociedade, a inclusão social e
educacional desse aluno parece distante.
Com o acompanhamento psicossocial e dos profissionais da educação da rede municipal de
ensino, foram abordados os interesses do aluno e de sua família. Diante deles e das possibilidades
ofertadas, seu afastamento das atividades escolares e da institucionalização, não pode ser evitado.
Ao contrariar princípio fundamental da inclusão, acredita-se que a instituicionalização apenas
interromperia um processo já iniciado de ações contrárias. Contudo, essa já era a solução
programada. Frente agora a um imperativo, a educação buscou conciliar suas propostas a uma dura
realidade.
Procurou-se uma instituição que pudesse oferecer suporte educacional e social à criança e
abertura à presença da família. Além disso, a opinião do aluno foi considerada, bem como o seu
desejo encaminhar-se para esse local.
A família, com apoio dos serviços social, psicológico e de educação, será levada com
freqüência à instituição para visitas regulares e acompanhada para receber o aluno novamente,
depois do tempo de institucionalização previsto.
Esse não é, com certeza, o resultado esperado para as ações planejadas, no entanto, a
inclusão social não se faz somente a partir das ações de agentes educativos. Como um fenômeno
complexo, outras instâncias sociais participam na implementação de suas práticas e na determinação
de sua concretização.
Esse é um relato de uma história que poderia ter um “final assertivo”, entretanto, acredita-se
que ações coordenadas desta equipe foram fundamentais para evitar uma ocorrência mais triste.
Assim, pode-se dizer que casos de insucesso também devem ser levados ao conhecimento da
comunidade científica, pois somente o trabalho em parcerias, a partir de visões mais ascendentes de
desenvolvimento humano, podem, de fato, contribuir para a construção de mundo mais justo e
igualitário.
Referências Bibliográficas
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http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/cartilha05.pdf. Acesso em 09/10/2006.
BRASIL. Congresso Nacional. Plano Nacional de Educação. Brasília - Lei n. º
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LEITE, L. P. A intervenção reflexiva como instrumento de formação continuada
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Marília: Universidade Estadual Paulista, 2003.
MANTOAN, M.T.E (Org.) Caminhos pedagógicos da inclusão: como estamos
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MAZZEU, F. J. C. Uma proposta metodológica para a formação continuada na perspectiva
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RUEDA, R. Desempenho assistido no ensino assistido de estudantes com estudantes de
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