http://www.psiquiatriainfantil.com.br/congressos/uel2007/252.htm |
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Londrina, 29 a 31 de outubro de 2007 – ISBN 978-85-99643-11-2
O BRINCAR NO CONTEXTO DE CRIANÇAS CARENTES
Ana Paula da Silva Pozzobon1
Bárbara Gai Zanini Panta2
Cristiane Jonco Cassel2
Taíse Freitas Ilha2
1 Autora. Acadêmica de Graduação em Educação Especial – Universidade Federal de Santa Maria-RS.
2 Co-autoras. Acadêmicas de Graduação em Educação Especial – Universidade Federal de Santa Maria-RS.
RESUMO
Este trabalho objetivou a integração entre estudantes universitários e alunos de comunidades
carentes do município de Santa Maria-RS, com a nossa participação no Projeto “Universidade na
Escola e no Bairro”. Realizamos nossas atividades em uma escola do municipal de Santa Maria,
localizada no Bairro Vila Lídia, iniciando no dia 28 de setembro de 2005 até 21 de dezembro de
2005. Neste período, foram realizadas atividades lúdicas, como jogos que estimulam o
desenvolvimento cognitivo, sensório e psicomotor das crianças. Nossas visitas eram realizadas
todas as quartas-feiras no período da tarde, na qual eram desenvolvidas as atividades em turmas
com crianças de idade entre 2 e 6 anos. A convivência com a Escola mostrou-nos que o brincar
tem papel fundamental na construção do ser socializado e saudável emocionalmente,
independente da sua classe social.
PALAVRAS-CHAVES: Crianças – Lúdico – Desenvolvimento Infantil
Introdução
O projeto “Universidade na Escola e no Bairro”, realizado pelos alunos de graduação da
Universidade Federal de Santa Maria, constituiu a base deste relato de uma prática lúdica
ocorrida em uma Escola Municipal de Santa Maria, localizada em um bairro carente de nossa
cidade. A partir desta prática, podemos visualizar algumas questões referentes ao brincar que
contribuem para o desenvolvimento de crianças que vivem em um ambiente de baixa renda e com
dificuldades sócio-culturais.
Para interagirmos com as crianças de idades que variavam de dois a seis anos, realizamos
atividades lúdicas. Inicialmente, encontramos algumas dificuldades em realizar nossos trabalhos,
com problemas de difícil comunicação entre o professor e o grupo de trabalho, por motivos de
greve na Universidade, e também porque estávamos em um local discriminado pela sociedade
devido a sua classe social, exposta à marginalidade.
Nosso objetivo era desenvolver e estimular o cognitivo, a criatividade e a integração das crianças
com seus colegas, mostrando para elas que uma outra realidade diferente da conhecida era
possível. Realidade esta, que mostrava a importância do brincar, da imaginação, a importância de
ler, estudar, e mostrar que a universidade está ao alcance de todos.
Com o passar do tempo começamos a interagir com a comunidade escolar, participando ate de
atividades extracurriculares, como visitas, reuniões e eventos realizados pela escola, passando a
fazer parte de sua realidade, e aprendendo com eles a lidar com os desafios das dificuldades
socioeconômicas sofridas no local. Podemos perceber que as relações criadas no bairro têm
vínculos nas origens de construção dos bairros. Que eram representações da desigualdade social
que se instalaram nas estruturações dos espaços de vida que foram realizados sempre de forma
política, onde os mais carentes normalmente herdavam lugares a margem da sua situação
econômica, criando desilusões e um processo de estigmatização que perdura ate os tempos de
hoje.
Para um melhor entendimento doas atividades realizadas na escola, conceituaremos a seguir as
palavras brinquedo, jogo e brincadeira, assim como a importância destes para o desenvolvimento
infantil.
“Você pode aprender mais sobre uma pessoa em uma hora de
brincadeira do que em uma vida de conversação. ”(Platão)
Desenvolvimento
Caracterizando o brincar, percebemos uma trajetória interessante a ser revelada nos espaços
escolares e nas relações humanas, notou-se que ao realizar as atividades envolvendo brincadeiras
e jogos as crianças vibravam e participavam com prazer das aulas. Segundo Volpato (2002) a
palavra brinquedo caracteriza o objeto que a criança interage em uma determinada situação
lúdica. Ele tem como função dar a criança um substituto dos objetos reais para que ela possa
manipulá-los, mas, o mais importante não é o objeto em si, mas a relação estabelecida pela
criança. Para a criança brincar e se desenvolver de forma saudável não é necessário que ela
possua muito brinquedos industrializados, mas que construa uma interação com o objeto que
dispõem para brincar. Para Kishimoto (1997), o brinquedo coloca a criança na presença de
reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas.
O brincar tem uma importância fundamental na construção da inteligência da criança e de seu
equilíbrio emocional, contribuindo assim com a sua socialização. A brincadeira nunca se opõe ao
conhecimento, ela é um dos meios mais significativos para que ocorra a aquisição dos saberes nas
diferentes situações de aprendizagem, mas ainda assim, para alguns, o brincar é concebido como
uma atividade sem importância ou como uma atividade de recreação que atende a um princípio
lúdico sem seriedade. Também existem professores, que mesmo percebendo o papel do lúdico
no cotidiano de sala de aula, acabem descaracterizando a brincadeira ao transformá-la em um
ensino dirigido, agindo assim, o professor limita a exploração do brinquedo, inibindo a ação do
brincar.
O papel do professor enquanto mediador da aprendizagem é criar um ambiente onde a criança
tenha possibilidade de explorar, brincar e planejar, reconhecendo e apoiando as oportunidades
para ela aprender. Assim, a hora da brincadeira não deve ser utilizada para a realização de outras
tarefas. O ato de brincar não deve ser tão livre que dispense a presença do professor, nem tão
dirigido que deixe de ser uma brincadeira.
Segundo a “teoria da catarse”, Bruhns (1993), o jogo é uma atividade libertadora de emoções,
uma válvula de escape para emoções reprimidas. Sua função seria purgar o individuo das
tendências anti-sociais e sexuais, latentes do individuo, está teoria tem Freud como um dos
principais precursores.
Por intermédio da brincadeira a criança experimenta, constrói, organiza, cria e recria a cada nova
situação lúdica o mundo que a cerca.
A importância do brincar no Desenvolvimento Infantil
As primeiras brincadeiras de uma criança começam com seu próprio corpo, quando o bebê
engatinha, esconde-se, manipula os pés... É através do lúdico que a infância se liga à brincadeira,
promovendo o desenvolvimento das formas de convivência social e a interiorização de novos
saberes que serão incorporados a cada nova brincadeira, assim, torna-se essencial o uso do
lúdico na aprendizagem, pois a criança exercita suas potencialidades e se desenvolve.
A criança aprende a experimentar seu mundo e a compreendê-lo através de seu próprio corpo e
elementos do meio. Ela explora o mundo através de brincadeiras consigo mesma, com outras
pessoas ou objetos desde o período sensório - motor.
Como todo aspecto do desenvolvimento, o processo de brincar vem em estágios, ele não surge
automaticamente e precisa de estímulos. Devemos estimular o prazer da descoberta e a
exploração dos objetos para que sejam utilizados da forma mais adequada, pois a criança que
não desenvolve o brincar tem sua capacidade de interação com o meio.
A ludicidade auxilia principalmente no desenvolvimento afetivoemocional, pois a brincadeira
favorece a aceitação da criança e sua relação com os demais, proporcionando uma interação
entre os alunos, reduzindo a ansiedade e estimulando a vontade de prosseguir em busca da auto-realização. O lúdico também se mostra importante para a superação de dificuldades relativas aos
aspectos psicomotores, como de deficiências na formação de conceitos, problemas de percepção
e discriminação em geral, falta de coordenação motora, dificuldades na leitura e na escrita, entre
outros.
A utilização de brincadeiras em sala de aula proporciona uma série de recursos que podem
propor alternativas para a superação das dificuldades e auxilia no desenvolvimento das
potencialidades dos alunos. Também oportuniza ao professor direcionar o processo da
aprendizagem utilizando as manifestações espontâneas dos alunos, pois, brincando a criança
demonstra seu verdadeiro interesse, os elementos que chamam a sua atenção e até mesmo o que
não compreendem.
Sendo assim, torna-se fundamental estimular o aluno a usar sua imaginação através da arte e da
brincadeira, pois, este é um meio para que a criança chegue à compreensão de si mesma e do
mundo que a cerca. O prazer que a criança sente no decorrer do processo criativo contribui para
o desenvolvimento das habilidades cognitivas, psicomotoras e sócio-afetivas.
Aristóteles (1966), já dizia que para educar as crianças, elas deveriam, em seus jogos, imitar as
atividades sérias dos adultos, como forma de preparo para vida futura. O jogo, as brincadeiras
são concebidas como conduta livre que favorece o desenvolvimento da inteligência e facilita o
estudo.
O nascimento dos jogos faz-de-conta está relacionado com as condições sociais concretas da
vida da criança na sociedade e não como ação de energia instintiva nata, interna, de nenhuma
classe. Portanto, está relacionado de alguma forma ao processo de construção de nossa
sociedade, sua divisão em classes e a divisão do trabalho. Era possível verificarmos esta relação
na escola que realizamos nossas atividades, pois as brincadeiras estavam diretamente
relacionadas com as condições que as crianças estavam inseridas. Verificava-se que as
brincadeiras das meninas eram, basicamente, a de cuidar de seus muitos filhinhos, e os outros
afazeres da vida doméstica e que a brincadeira dos meninos era a de catar lixo nas ruas da cidade
e a de fazer filhinhos. A necessidade de vivenciar a vida de trabalho dos pais, ou adultos, faz com
que a criança crie uma situação imaginária, essa necessidade garante um dos principais conteúdos
dos jogos de faz-de-conta, a imaginação.
Elkonin (1998) define o jogo como atividade social que reconstroem as relações sociais sem fins
utilitários diretos. O aspecto central que constitui a unidade fundamental da evolução do jogo é o
papel assumido pela criança, relacionado com suas ações. O que influi diretamente na unidade
papel-ação é a esfera da atividade de trabalho humano e as relações sociais, tornando-se o
conteúdo fundamental do papel assumido pela criança na reconstituição desse aspecto da
realidade.
Dessa forma, o que vivenciamos na escola era esta realidade, um lugar extremamente carente e
talvez o mais marginalizado da cidade, as crianças assumiam tal qual este papel da sua realidade,
sendo que as brincadeiras envolviam brincar de matar, de roubar... Percebíamos quase todas as
crianças eram introvertidas, e extremamente carentes de atenção, demonstrando essa carência
quando chegávamos à escola para as atividades de toda quarta-feira, em que na maioria das
vezes eles queriam mais era sentar no colo, abraçar, contar fatos diários deles do que a
brincadeira em si, mas as brincadeiras não eram esquecidas jamais, tinham alunos que iam
especialmente à aula no dia que sabiam que íamos estar presentes, compareciam aos eventos
realizados na escola, porque sabiam que nós íamos comparecer também.
Metodologia
Para realizarmos a interação com os alunos da Escola Municipal que nos propomos a trabalhar,
iniciamos nossas atividades na disciplina de Políticas Públicas da Educação presente no quadro
do curso de Graduação em Educação Especial-Licenciatura da Universidade Federal de Santa
Maria, deste momento em diante nos organizamos para a realização mais adequada do projeto.
As atividades realizadas na escola foram organizadas e desenvolvidas pelas alunas de Educação
Especial. Este trabalho envolvia a escolha das atividades realizadas, dos materiais necessários
para o desenvolvimento do trabalho na escola e a organização do cronograma de visitas com a
participação de professores e a direção da escola. Em contato com a escola desenvolvemos as
atividades conforme nosso tempo programa do na escola, já que necessitávamos de carga horária
60/horas de atividades para completar os objetivos do projeto “Universidade na Escola e no
Bairro”.
Atividades estas que descrevemos a seguir:
SETEMBRO:
· Apresentação:
Confecção de crachás com nomes das crianças e desenho de auto-retrato.
· Dinâmica
relacionada ao humor: “Dança da Alegria”.
OUTUBRO:
· Dinâmica
para lidar com a agressividade: “Pisa-pisa” (com balões)
· Plantação
de feijão no algodão e roda para assistir o filme:
“João e o pé de feijão”.
· Ilustração
de desenhos retirados da internet. Para desenvolver a coordenação motora
das crianças, com desenhos para colorir, pontilhar...
· Jogos
com estímulos de cooperação e de união entre colegas. Brincadeiras de dança
de roda, duplas e individuais.
NOVEMBRO:
· Dinâmica
da imaginação: na quais as crianças irão continuar contando uma história
sobre a viagem a montanha, iniciada pelas acadêmicas de Educação Especial.
· Dinâmica
da paciência e engenhosidade, com a brincadeira “Torre de Frutas”.
· Dinâmica
relacionada à auto-estima e roda de histórias. Brincadeira de danças da
Xuxa.
· Dinâmica
de relacionamento e brincadeiras com música, de amarelinha, da toca do
coelho, entre outras brincadeiras antigas, realizadas no pátio da escola.
· Festinha
de encerramento das nossas atividades na escola. Bolo, balão, refrigerantes,
danças e muita alegria.
DEZEMBRO:
· Festa
de Natal na Empresa Expresso Medianeira: Natal no Coração, com
distribuição de brinquedos, lanches, recreação com palhaços e atividades variadas
durante todo dia na Empresa.
· Término
das atividades do ano letivo na escola, festa de encerramento do ano no
salão de um clube da cidade, com a participação dos pais, alunos, padrinhos dos
alunos da escola, professores e distribuição de presentes, apresentação artística dos
alunos, distribuição de cestas básicas para os pais e muita dança com a presença do
Papai Noel.
Não podemos esquecer que algumas sugestões foram dadas e aceitas por terceiros, sendo que
houve modificações no programa de algumas dinâmicas realizadas. Algumas atividades que
participamos como voluntárias para ajudar as professoras e que as reuniões com os pais foram
realizadas todas as últimas terças-feiras de todo mês, para sabermos como podíamos melhorar a
nossa participação em relação à escola e a comunidade em geral.
Discussão
Apesar de algumas dificuldades que podemos ter enfrentado durante nossas atividades, como a
localização da escola, que era em um local perigoso e o inicio das atividades que a atenção dos
alunos nas atividades era pouco ou nada significante, conseguimos trazer, algumas vezes, as
crianças para nossa realidade. Esperamos ter alcançado nossos objetivos de propiciar aos alunos
uma visão de brincadeira diferente, que estimulasse o desenvolvimento das crianças de uma forma
natural, sem que percebessem que estavam transformando algo dentro delas, mesmo que fosse
uma diferença mínima em seu cotidiano. Podemos perceber que os alunos estavam mais
tranqüilos e relaxados para tratar com os colegas e com as professoras no transcorrer das
atividades realizadas na Escola. Conseguimos conquistar a confiança das crianças, tornaram-se
mais expansivas e comunicavam de forma mais integral seus desejos e sensações, tendo assim
uma melhor compreensão do quão importante é estudar, libertar-se para deixar fluir a imaginação
e o brincar de forma consciente e não mera distração de tempo.
Claro que sabemos como é difícil lidar com a realidade que as crianças conhecem e convivem,
mas se conseguimos ajudar a melhorar alguns aspectos dessa realidade, porque desistir e não
tentar nunca? Faz-se necessário sempre prosseguir no caminho da melhor qualidade de vida
destes pequenos que estão começando a aprender a viver e que se tornarão o futuro da nossa
sociedade.
Sabemos das dificuldades e inviabilidades que encontramos em trabalhar todos os conteúdos da
escola com jogos e brincadeiras, no entanto, também verificamos que há muitas possibilidades de
se ampliar essas atividades, mas que não são utilizadas na escola por falta de viabilização dos
professores e do cronograma de conteúdos das escolas em geral.
Nesse período, pensamos que, se faz necessário um repensar do desenvolvimento dos projetos
políticos pedagógicos das escolas, uma reforma que se utilize melhor o jogo, a brincadeira e o
brinquedo, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental. Uma mudança que ocorra de
uma forma próxima ao professor, em que ele se torne parte que modificará o todo.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para darmos mais um passo em busca de uma
escola e de uma infância mais prazerosa, rica de significados e sentidos, que se torne de fato,
eficiente no desenvolvimento infantil.
Referências Bibliográficas
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Maria, CE, Departamento de Metodologia de Ensino. 2005.
ARISTÓTELES. A política. Tradução de Torrieri Guimarães. Rio de Janeiro: MEC, 1966.
VOLPATO, Gildo. Jogo, Brincadeira e Brinquedo: Usos e Significados no Contexto Escolar
e Familiar. Florianópolis: Cidade Futura, 2002.
MDT / Universidade Federal de Santa Maria - 6° ed. – Santa
Maria: Ed. Da UFSM, 2005.
WESTON, D. C.;WESTON, M. S. Aprender Brincando: Atividades divertidas paras
construir o caráter, a consciência e a inteligência emocional das crianças. São Paulo:
Paulinas, 2000.
BLIN, Jean-François. Classes Difíceis: Ferramentas para prevenir e administrar os
problemas escolares. Porto Alegre: Artmed, 2005.